1. Nicolas Pelicioni de OLIVEIRA
Licenciatura em Letras - Ibilce, UNESP
http://nicolas-pelicioni.blogspot.com/
nicolaspelicioni@hotmail.com
Algumas notas:
A tradução não é minha, meu trabalho é apenas o de leitura: comparo o
texto original francês à tradução, acrescentando as notas que
considero importantes (em alguns casos, para justificar a tradução -
eventualmente, mudo a tradução!), e acrescento imagens para
contextualizar. Infelizmente, não tenho o nome do tradutor do texto
em português.
Os textos que utilizei foram os seguintes:
BAUDELAIRE, C. Sobre a Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
BAUDELAIRE, C. Le peintre de la vie moderne. Disponível em: <
http://baudelaire.litteratura.com>. Acessado em 2 de novembro de
2012.
A seguinte nota acompanha o texto que utilizei em português: “Esta
obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de
maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que
não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos
para ler. Dessa forma, a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca
por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer
circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da
distribuição, portanto distribua este livro livremente.”
Em seguida, são apresentados os sites:
<http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros>
<http://groups.google.com/group/digitalsource>
Além destes, muitas das imagens foram pegas no:
<http://www.wikipaintings.org/>
3. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Baudelaire, Charles, 1821-1867.
Sobre a modernidade o pintor da vida moderna /
Charles Baudelaire; [organizador Teixeira Coelho].
— Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. — (Coleção Leitura)
ISBN 85-219-01984
1. Arte 2. Arte — História 3. Baudelaire, Charles,
1821-1867 4 Crítica de arte 5. Pintura 6. Usos e costumes
I. Coelho, Teixeira, 1944- II. Título.
III. Séries.
96-2061 CDD-709
Índices para catálogo sistemático:
1. Arte : Avaliação crítica 709
2. Arte : Estudos críticos 709
3. Arte : História 709
EDITORA PAZ E TERRA S.A.
Rua do Triunfo, 177
01212-010 — São Paulo — 5P
Tel.: (011)223-6522
Rua Dias Ferreira nº. 417—Loja Parte
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Tel.: (021) 259-8946
Conselho editorial:
Celso Furtado
Fernando Gasparian
Roberto Schwarz
Rosa Freire D’Aguiar
1996
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
4. Índice
Le peintre de la vie moderne
O pintor da vida moderna
I
Le beau, la mode et le bonheur 2
O belo, a moda e a felicidade
II
Le croquis de moeurs 8
O croqui de costumes
III
L’artiste, homme du monde, homme des foules et enfant 10
O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança
IV
La modernité 22
A modernidade
V
L’art mnémonique 28
A arte mnemônica
VI
Les annales de la guerre
Os anais da guerra
35 1
VII
Pompes et solennités 43
Pompas e solenidades
VIII
Le militaire 49
O militar
IX
Le dandy 54
O dândi
X
La femme 61
A mulher
XI
Eloge du maquillage 64
Elogio da maquiagem
XII
Les femmes et les filles 71
As mulheres e as cortesãs
XIII
Les voitures 79
Os veículos
5. I
Le beau, la mode et le bonheur
O belo, a moda e a felicidade
Il y a dans le monde, et même dans le monde des artistes, des gens
qui vont au musée du Louvre, passent rapidement, et sans leur
accorder un regard, devant une foule de tableaux très intéressants,
quoique de second ordre, et se plantent rêveurs devant un Titien ou
un Raphaël, un de ceux que la gravure a le plus popularisés ; puis
sortent satisfaits, plus d’un se disant : « Je connais mon musée. »
Il existe aussi des gens qui, ayant lu jadis Bossuet et Racine,
croient posséder l’histoire de la littérature.
Há neste mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que
vão ao Museu do Louvre, passam rapidamente — sem se dignar
a olhar — diante de um número imenso de quadros muito
interessantes embora de segunda categoria e plantam-se
sonhadoras diante de um Ticiano ou de um Rafael, um desses
que foram mais popularizados pela gravura1; depois todas
saem satisfeitas, mais de uma dizendo consigo: “Conheço o
meu museu”. Há também pessoas que, por terem outrora lido
Bossuet e Racine, acreditam dominar a história da
literatura.
1. Gravura, aqui tem o sentido da “imagem” reproduzida no quadro,
2
não o processo técnico.
Par bonheur se présentent de temps en temps des redresseurs de torts,
des critiques, des amateurs, des curieux qui affirment que tout n’est
pas dans Raphaël, que tout n’est pas dans Racine, que les poetae
minores ont du bon, du solide et du délicieux ; et, enfin, que pour
tant aimer la beauté générale, qui est exprimée par les poètes et les
artistes classiques, on n’en a pas moins tort de négliger la beauté
particulière, la beauté de circonstance et le trait de moeurs.
Felizmente, de vez em quando aparecem justiceiros,
críticos, amadores e curiosos afirmando nem tudo estar em
Rafael, nem tudo estar em Racine, que os poetae minores1
possuem algo de bom, de sólido e de delicioso, e,
finalmente, que mesmo amando tanto a beleza geral, expressa
pelos poetas e artistas clássicos, nem por isso deixa de
ser um erro negligenciar a beleza particular, a beleza de
circunstância e a pintura de costumes.
1. “poetae minores”, em latim, “poeta” tem o sentido de “o que faz
(alguma coisa), artista”, não somente o escritor de poesias. Assim,
“poetae minores” pode ser traduzido por “artistas menores”.
Je dois dire que le monde, depuis plusieurs années, s’est un peu
corrigé. Le prix que les amateurs attachent aujourd’hui aux
gentillesses gravées et coloriées du dernier siècle prouve qu’une
réaction a eu lieu dans le sens où le public en avait besoin ;
6. Debucourt, les Saint-Aubin et bien d’autres, sont entrés dans le
dictionnaire des artistes dignes d’être étudiés. Mais ceux-là
représentent le passé ; or c’est à la peinture des moeurs du présent
que je veux m’attacher aujourd’hui. Le passé est intéressant non
seulement par la beauté qu’ont su en extraire les artistes pour qui
il était le présent, mais aussi comme passé, pour sa valeur
historique. Il en est de même du présent. Le plaisir que nous
retirons de la représentation du présent tient non seulement à la
beauté dont il peut être revêtu, mais aussi à sa qualité essentielle
de présent.
Devo dizer que o mundo, após muitos anos, se corrigiu um
pouco. O valor que os amadores atribuem hoje aos mimos1
gravados e coloridos do século passado, prova que houve uma
reação na direção reclamada pelo público: Debucourt, Saint-
Aubin e muitos outros entraram para o dicionário dos
artistas dignos de serem estudados. Mas eles representam o
passado. Ora, hoje quero me ater estritamente à pintura de
costumes do presente. O passado é interessante não somente
pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem
constituía o presente, mas também como passado, por seu
valor histórico. O mesmo ocorre com o presente. O prazer
que obtemos com a representação do presente deve-se não
apenas à beleza de que ele pode estar revestido, mas também
à sua qualidade essencial de presente.
1. “mimos” traduz “gentillesses”. São os “costumes gentis do século 3
passado” registradas em arte.
J’ai sous les yeux une série de gravures de modes commençant avec la
Révolution et finissant à peu près au Consulat. Ces costumes, qui
font rire bien des gens irréfléchis, de ces gens graves sans vraie
gravité, présentent un charme d’une nature double, artistique et
historique. Ils sont très souvent beaux et spirituellement dessinés ;
mais ce qui m’importe au moins autant, et ce que je suis heureux de
retrouver dans tous ou presque tous, c’est la morale et l’esthétique
du temps. L’idée que l’homme se fait du beau s’imprime dans tout son
ajustement, chiffonne ou raidit son habit, arrondit ou aligne son
geste, et même pénètre subtilement, à la longue, les traits de son
visage. L’homme finit par ressembler à ce qu’il voudrait être. Ces
gravures peuvent être traduites en beau et en laid ; en laid, elles
deviennent des caricatures ; en beau, des statues antiques.
Tenho diante dos olhos uma série de gravuras de modas que
começam na Revolução1 e terminam aproximadamente no
Consulado2. Esses trajes que provocam o riso de muitas
pessoas insensatas, essas pessoas sérias sem verdadeira
seriedade apresentam um fascínio de uma dupla natureza, ou
seja, artístico e histórico. Eles quase sempre são belos e
desenhados com elegância, mas o que me importa, pelo menos
em idêntica medida, e o que me apraz encontrar em todos ou
em quase todos, é a moral e a estética da época. A idéia
que o homem tem do belo imprime-se em todo o seu vestuário,
7. torna sua roupa franzida ou rígida, arredonda ou alinha seu
gesto e inclusive impregna sutilmente, com o passar do
tempo, os traços de seu rosto. O homem acaba por se
assemelhar àquilo que gostaria de ser. Essas gravuras podem
ser traduzidas em belo e em feio; em feio, tornam-se
caricaturas; em belo, estátuas antigas.
1. Revolução Francesa: (1789 – 1799).
2. Consulado: “Consulat” (9 – 10 de novembro de 1799 à 18 de maio de
1804) regime político da França resultante do golpe de Estado do 18
brumário, teve fim quando Napoleão Bonaparte se proclamou imperador.
Les femmes qui étaient revêtues de ces costumes ressemblaient plus ou
moins aux unes ou aux autres, selon le degré de poésie ou de
vulgarité dont elles étaient marquées. La matière vivante rendait
ondoyant ce qui nous semble trop rigide. L’imagination du spectateur
peut encore aujourd’hui faire marcher et frémir cette tunique et ce
schall. Un de ces jours, peut-être, un drame paraîtra sur un théâtre
quelconque, où nous verrons la résurrection de ces costumes sous
lesquels nos pères se trouvaient tout aussi enchanteurs que nous-
mêmes dans nos pauvres vêtements (lesquels ont aussi leur grâce, il
est vrai, mais d’une nature plutôt morale et spirituelle), et s’ils
sont portés et animés par des comédiennes et des comédiens
intelligents, nous nous étonnerons d’en avoir pu rire si étourdiment.
Le passé, tout en gardant le piquant du fantôme, reprendra la lumière 4
et le mouvement de la vie, et se fera présent.
As mulheres que envergavam esses trajes se pareciam mais ou
menos umas às outras, segundo o grau de poesia ou de
vulgaridade que as distinguia. A matéria viva tornava
ondulante o que nos parece muito rígido. A imaginação do
espectador pode ainda hoje movimentar e fremir esta túnica
ou este xale. Talvez, um dia desses, será montado um drama
num teatro qualquer, onde presenciaremos a ressurreição
desses costumes nos quais nossos pais se achavam tão
atraentes quanto nós mesmos em nossas pobres roupas (que
também têm sua graça, é verdade, mas de uma natureza
sobretudo moral e espiritual), e se forem vestidos e
animados por atrizes e atores inteligentes, nós nos
admiraremos de nos terem despertado o riso de modo tão
leviano. O passado, conservando o sabor do fantasma,
recuperará a luz e o movimento da vida, e se tornará
presente.
Si un homme impartial feuilletait une à une toutes les modes
françaises depuis l’origine de la France jusqu’au jour présent, il
n’y trouverait rien de choquant ni même de surprenant. Les
transitions y seraient aussi abondamment ménagées que dans l’échelle
du monde animal. Point de lacune, donc point de surprise. Et s’il
ajoutait à la vignette qui représente chaque époque la pensée
philosophique dont celle-ci était le plus occupée ou agitée, pensée
8. dont la vignette suggère inévitablement le souvenir, il verrait
quelle profonde harmonie régit tous les membres de l’histoire, et
que, même dans les siècles qui nous paraissent les plus monstrueux et
les plus fous, l’immortel appétit du beau a toujours trouvé sa
satisfaction.
Se um homem imparcial folheasse uma a uma todas as modas
francesas desde a origem da França até o momento, nada
encontraria de chocante nem de surpreendente. Seria
possível ver as transições organizadas de forma tão
gradativa quanto na escala do mundo animal. Nenhuma lacuna;
logo, nenhuma surpresa. E se ele acrescentasse à vinheta
que representa cada época o pensamento filosófico que mais
a ocupou ou agitou, pensamento cuja lembrança é
inevitavelmente evocada pela vinheta, constataria a
profunda harmonia que rege toda a equipe da história, e
que, mesmo nos séculos que nos parecem mais monstruosos e
insanos, o imortal apetite do belo sempre foi saciado.
C’est ici une belle occasion, en vérité, pour établir une théorie
rationnelle et historique du beau, en opposition avec la théorie du
beau unique et absolu ; pour montrer que le beau est toujours,
inévitablement, d’une composition double, bien que l’impression qu’il
produit soit une ; car la difficulté de discerner les éléments
variables du beau dans l’unité de l’impression n’infirme en rien la
nécessité de la variété dans sa composition. Le beau est fait d’un 5
élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement
difficile à déterminer, et d’un élément relatif, circonstanciel, qui
sera, si l’on veut, tour à tour ou tout ensemble, l’époque, la mode,
la morale, la passion. Sans ce second élément, qui est comme
l’enveloppe amusante, titillante, apéritive, du divin gâteau, le
premier élément serait indigestible, inappréciable, non adapté et non
approprié à la nature humaine. Je défie qu’on découvre un échantillon
quelconque de beauté qui ne contienne pas ces deux éléments.
Na verdade, esta é uma bela ocasião para estabelecer uma
teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria
do belo único e absoluto; para mostrar que o belo
inevitavelmente sempre tem uma dupla composição, embora a
impressão que produza seja uma, pois a dificuldade em
discernir os elementos variáveis do belo na unidade da
impressão não diminui em nada a necessidade da variedade em
sua composição. O belo é constituído por um elemento
eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente
difícil determinar, e de um elemento relativo,
circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou
combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem
esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível,
palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento
seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não
apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a
descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses
9. dois elementos.
Je choisis, si l’on veut, les deux échelons extrêmes de l’histoire.
Dans l’art hiératique, la dualité se fait voir au premier coup d’oeil
; la partie de beauté éternelle ne se manifeste qu’avec la permission
et sous la règle de la religion à laquelle appartient l’artiste. Dans
l’oeuvre la plus frivole d’un artiste raffiné appartenant à une de
ces époques que nous qualifions trop vaniteusement de civilisées, la
dualité se montre également ; la portion éternelle de beauté sera en
même temps voilée et exprimée, sinon par la mode, au moins par le
tempérament particulier de l’auteur. La dualité de l’art est une
conséquence fatale de la dualité de l’homme. Considérez, si cela vous
plaît, la partie éternellement subsistante comme l’âme de l’art, et
l’élément variable comme son corps. C’est pourquoi Stendhal, esprit
impertinent, taquin, répugnant même, mais dont les impertinences
provoquent utilement la méditation, s’est rapproché de la vérité,
plus que beaucoup d’autres, en disant que le Beau n’est que la
promesse du bonheur. Sans doute cette définition dépasse le but ;
elle soumet beaucoup trop le beau à l’idéal infiniment variable du
bonheur ; elle dépouille trop lestement le beau de son caractère
aristocratique ; mais elle a le grand mérite de s’éloigner décidément
de l’erreur des académiciens.
Escolho, se preferirem, os dois escalões extremos da
história. Na arte hierática, a dualidade salta à vista; a
parte de beleza eterna só se manifesta com a permissão e 6
dentro dos cânones da religião a que o artista pertence. A
dualidade se evidencia igualmente na obra mais frívola de
um artista refinado pertencente a uma dessas épocas que
qualificamos, com excessiva vaidade, de civilizadas; a
dualidade igualmente se mostra; a porção eterna de beleza
estará ao mesmo tempo velada e expressa, se não pela moda,
ao menos pelo temperamento particular do autor. A dualidade
da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem.
Considerem, se isso lhes apraz, a parte eternamente
subsistente como a alma da arte, e o elemento variável como
seu corpo. É por isso que Stendhal, espírito impertinente,
irritante, até mesmo repugnante, mas cujas impertinências
necessariamente provocam a meditação, se aproximou mais da
verdade do que muitos outros ao afirmar que o Belo não é
senão a promessa da felicidade. Sem dúvida, tal definição
excede seu objetivo, submete de forma excessiva o belo ao
ideal indefinidamente variável da felicidade, despoja com
muita desenvoltura o belo de seu caráter aristocrático, mas
tem o grande mérito de afastar-se decididamente do erro dos
acadêmicos.
J’ai plus d’une fois déjà expliqué ces choses ; ces lignes en disent
assez pour ceux qui aiment ces jeux de la pensée abstraite ; mais je
sais que les lecteurs français, pour la plupart, ne s’y complaisent
guère, et j’ai hâte moi-même d’entrer dans la partie positive et
10. réelle de mon sujet.
Já expliquei estas coisas mais de uma vez; estas linhas são
suficientes para aqueles que apreciam os exercícios do
pensamento abstrato; mas sei que os leitores franceses, em
sua maioria, neles pouco se comprazem e eu mesmo tenho
pressa de entrar na parte positiva e real de meu tema.
7
11. II
Le croquis de moeurs
O croqui1 de costumes
Pour le croquis de moeurs, la représentation de la vie bourgeoise et
les spectacles de la mode, le moyen le plus expéditif et le moins
coûteux est évidemment le meilleur. Plus l’artiste y mettra de
beauté, plus l’oeuvre sera précieuse ; mais il y a dans la vie
triviale, dans la métamorphose journalière des choses extérieures, un
mouvement rapide qui commande à l’artiste une égale vélocité
d’exécution. Les gravures à plusieurs teintes du dix-huitième siècle
ont obtenu de nouveau les faveurs de la mode, comme je le disais tout
à l’heure ; le pastel, l’eau-forte, l’aqua-tinte ont fourni tour à
tour leurs contingents à cet immense dictionnaire de la vie moderne
disséminé dans les bibliothèques, dans les cartons des amateurs et
derrière les vitres des plus vulgaires boutiques. Dès que la
lithographie parut, elle se montra tout de suite très apte à cette
énorme tâche, si frivole en apparence. Nous avons dans ce genre de
véritables monuments. On a justement appelé les oeuvres de Gavarni et
de Daumier des compléments de La Comédie Humaine. Balzac lui-même,
j’en suis très convaincu, n’eût pas été éloigné d’adopter cette idée,
laquelle est d’autant plus juste que le génie de l’artiste peintre de
moeurs est un génie d’une nature mixte, c’est-à-dire où il entre une
8
bonne partie d’esprit littéraire. Observateur, flâneur, philosophe,
appelez-le comme vous voudrez ; mais vous serez certainement amené,
pour caractériser cet artiste, à le gratifier d’une épithète que vous
ne sauriez appliquer au peintre des choses éternelles, ou du moins
plus durables, des choses héroïques ou religieuses. Quelquefois il
est poète ; plus souvent il se rapproche du romancier ou du moraliste
; il est le peintre de la circonstance et de tout ce qu’elle suggère
d’éternel. Chaque pays, pour son plaisir et pour sa gloire, a possédé
quelques uns de ces hommes-là. Dans notre époque actuelle, à Daumier
et à Gavarni, les premiers noms qui se présentent à la mémoire, on
peut ajouter Devéria, Maurin, Numa, historiens des grâces interlopes
de la Restauration, Wattier, Tassaert, Eugène Lami, celui-là presque
Anglais à force d’amour pour les éléments aristocratiques, et même
Trimolet et Traviès, ces chroniqueurs de la pauvreté et de la petite
vie.
Para o croqui de costumes, a representação da vida burguesa
e os espetáculos da moda, o meio mais expedito e menos
custoso, evidentemente, é o melhor. Quanto mais beleza o
artista lhe conferir, mais preciosa será a obra; mas há na
vida ordinária, na metamorfose incessante das coisas
exteriores, um movimento rápido que exige do artista
idêntica velocidade de execução. As gravuras de várias
tonalidades do século XVIII obtiveram novamente o favor da
moda, como eu afirmava há pouco; o pastel, a água-forte, a
água-tinta forneceram sucessivamente seus contingentes para
12. o imenso dicionário da vida moderna, disseminado nas
bibliotecas, nas pastas dos amadores e nas vitrines das
lojas mais comuns2. A litografia, desde o seu surgimento,
imediatamente se mostrou bastante apta a essa enorme tarefa
aparentemente tão frívola. Possuímos, nesse gênero,
verdadeiros monumentos. As obras de Gavarni e de Daumier
foram com justiça denominadas complementos de A Comédia
Humana3. O próprio Balzac, tenho certeza absoluta, não
estaria longe de adotar essa ideia, pela justa razão de que
o gênio do pintor de costumes é um gênio de uma natureza
mista, isto é, no qual entra uma boa dose de espírito
literário. Observador, flâneur, filósofo, chamem-no como
quiserem, mas, para caracterizar esse artista, certamente
seremos levados a agraciá-lo com um epíteto que não
poderíamos aplicar ao pintor das coisas eternas, ou pelo
menos as mais duradouras, coisas heróicas ou religiosas. Às
vezes ele é um poeta; mais, frequentemente, aproxima-se do
romancista ou do moralista; é o pintor do circunstancial e
de tudo o que este sugere de eterno. Todos os países, para
seu prazer e glória, possuíram alguns desses homens. Em
nossa época atual, a Daumier e a Gavarni, primeiros nomes
que nos vêm à memória, podemos acrescentar os de Devéria,
Maurin, Numa, historiadores das ambíguas belezas da
Restauração; Wattier, Tassaert, Eugène Lami — este último
quase inglês, de tanto amor pelas elegâncias aristocráticas 9
— e inclusive Trimolet e Traviès, cronistas da pobreza e da
banalidade quotidiana.
1. “Croquis”, traduzido pela mesma palavra: “croqui”. O croqui é um
desenho rápido, na forma de esboço (o dicionário Le Robert Micro dá
para “croquis” os sinônimos “esquisse” e “ébauche”, palavras
entendidas em portugues como “esboço”).
2. “Comuns” traduz “vulgaires”. O contexto parece sugerir mais
leveza do que o pejorativo “vulgares”; embora “vulgaire”, em
francês, também seja pejorativo.
3. “A comédia Humana”, obra de Honoré de Balzac (1799 – 1850),
composta de 95 volumes, procura retratar todos os níveis da
sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia.
13. III
L’artiste, homme du monde, homme des foules et
enfant
O artista, homem do mundo, homem das
multidões e criança
Je veux entretenir aujourd’hui le public d’un homme singulier,
originalité si puissante et si décidée, qu’elle se suffit à elle-même
et ne recherche même pas l’approbation. Aucun de ses dessins n’est
signé, si l’on appelle signature ces quelques lettres, faciles à
contrefaire, qui figurent un nom, et que tant d’autres apposent
fastueusement au bas de leurs plus insouciants croquis. Mais tous ses
ouvrages sont signés de son âme éclatante, et les amateurs qui les
ont vus et appréciés les reconnaîtront facilement à la description
que j’en veux faire. Grand amoureux de la foule et de l’incognito, M.
C. G. pousse l’originalité jusqu’à la modestie. M. Thackeray, qui,
comme on sait, est très curieux des choses d’art, et qui dessine lui-
même les illustrations de ses romans, parla un jour de M. G. dans un
petit journal de Londres. Celui-ci s’en fâcha comme d’un outrage à sa
pudeur. Récemment encore, quand il apprit que je me proposais de
faire une appréciation de son esprit et de son talent, il me supplia,
d’une manière très impérieuse, de supprimer son nom et de ne parler 10
de ses ouvrages que comme des ouvrages d’un anonyme. J’obéirai
humblement à ce bizarre désir. Nous feindrons de croire, le lecteur
et moi, que M. G. n’existe pas, et nous nous occuperons de ses
dessins et de ses aquarelles, pour lesquels il professe un dédain de
patricien, comme feraient des savants qui auraient à juger de
précieux documents historiques, fournis par le hasard, et dont
l’auteur doit rester éternellement inconnu. Et même, pour rassurer
complétement ma conscience, on supposera que tout ce que j’ai à dire
de sa nature si curieusement et si mystérieusement éclatante, est
plus ou moins justement suggéré par les oeuvres en question ; pure
hypothèse poétique, conjecture, travail d’imagination.
Quero entreter hoje o público de um homem singular,
originalidade tão poderosa e tão decidida que se basta a si
mesma e não busca qualquer aprovação. Nenhum de seus
desenhos é assinado, se chamarmos assinatura essas poucas
letras, passíveis de falsificação, que representam um nome,
e que tantos a colocam faustosamente embaixo de seus
croquis mais insignificantes. Porém, todas as suas obras
são assinadas com sua alma resplandecente, e os amadores
que as viram e apreciaram as reconhecerão sem dificuldade
na descrição que delas pretendo fazer. Enamorado pela
multidão e pelo incógnito, C. G1. leva a originalidade às
raias da modéstia. Thackeray, que, como se sabe, interessa-
se bastante pelas coisas de arte e desenha ele próprio as
ilustrações de seus romances, um dia falou de G. num
14. pequeno jornal de Londres. Aquele irritou-se como se fosse
um ultraje a seu pudor. Ainda recentemente, quando soube
que eu me propunha fazer uma apreciação de seu espírito e
talento, suplicou-me, de uma maneira muito imperiosa, que
seu nome fosse suprimido e que só se falasse de suas obras
como das obras de um anônimo2. Obedecerei humildemente a
esse estranho desejo. Fingiremos acreditar, o leitor e eu,
que G. não existe, e trataremos de seus desenhos e
aquarelas, pelos quais ele professa um desdém
aristocrático, agindo como esses pesquisadores que tivessem
de julgar preciosos documentos históricos fornecidos pelo
acaso e cujo autor devesse permanecer eternamente
desconhecido. Inclusive, para apaziguar completamente minha
consciência, vamos supor que tudo quanto tenho a dizer
sobre sua natureza, tão curiosamente e tão misteriosamente
brilhante, é sugerido, mais ou menos justamente, pelas
obras em questão; pura hipótese poética, conjetura,
trabalho de imaginação.
1. Trata-se do desenhista, aquarelista e gravador Constantin Guys
(1802 - 1892).
2. A nota 1, acima, rompe com a delicadeza de Baudelaire! Monsieur
Constantin Guys (M. G., como é apresentado por Baudelaire), é aqui
revelado, bem como suas pinturas.
11
M. G. est vieux. Jean-Jacques commença, dit-on, à écrire à quarante-
deux ans. Ce fut peut-être vers cet âge que M. G., obsédé par toutes
les images qui remplissaient son cerveau, eut l’audace de jeter sur
une feuille blanche de l’encre et des couleurs. Pour dire la vérité,
il dessinait comme un barbare, comme un enfant, se fâchant contre la
maladresse de ses doigts et la désobéissance de son outil. J’ai vu un
grand nombre de ces barbouillages primitifs, et j’avoue que la
plupart des gens qui s’y connaissent ou prétendent s’y connaître
auraient pu, sans déshonneur, ne pas deviner le génie latent qui
habitait dans ces ténébreuses ébauches. Aujourd’hui, M. G., qui a
trouvé, à lui tout seul, toutes les petites ruses du métier, et qui a
fait, sans conseils, sa propre éducation, est devenu un puissant
maître, à sa manière, et n’a gardé de sa première ingénuité que ce
qu’il en faut pour ajouter à ses riches facultés un assaisonnement
inattendu. Quand il rencontre un de ces essais de son jeune âge, il
le déchire ou le brûle avec une honte des plus amusantes.
G. é um velho. Dizem que Jean-Jacques começou a escrever
aos quarenta e dois anos. Foi talvez por essa idade que G.,
obcecado por todas as imagens que lhe povoavam o cérebro,
teve a audácia de lançar tintas e cores sobre uma folha
branca. Para dizer a verdade, ele desenhava como um
bárbaro, como uma criança, irritando-se com a imperícia de
seus dedos e a desobediência de seus instrumentos. Vi
muitas dessas garatujas primitivas e confesso que a maioria
das pessoas capazes de julgar, ou com essa pretensão, teria
15. podido, sem prejuízo, não adivinhar o gênio latente que
habitava esses tenebrosos esboços. Atualmente G., que
descobriu sozinho todos os pequenos truques do ofício e,
sem receber conselhos, realizou sua própria formação,
tornou-se um admirável mestre à sua maneira, conservando da
simplicidade inicial apenas o necessário para acrescentar
às suas mais ricas faculdades um toque desconcertante.
Quando ele descobre uma dessas tentativas de sua juventude,
rasga ou queima com uma vergonha das mais divertidas.
12
Constantin Guys,
por Félix Nadar (1820 – 1910)
Pendant dix ans, j’ai désiré faire la connaissance de M. G., qui est,
par nature, très voyageur et très cosmopolite. Je savais qu’il avait
été longtemps attaché à un journal anglais illustré, et qu’on y avait
publié des gravures d’après ses croquis de voyage (Espagne, Turquie,
Crimée). J’ai vu depuis lors une masse considérable de ces dessins
improvisés sur les lieux mêmes, et j’ai pu lire ainsi un compte rendu
minutieux et journalier de la campagne de Crimée, bien préférable à
tout autre. Le même journal avait aussi publié, toujours sans
signature, de nombreuses compositions du même auteur, d’après les
16. ballets et les opéras nouveaux. Lorsque enfin je le trouvai, je vis
tout d’abord que je n’avais pas affaire précisément à un artiste,
mais plutôt à un homme du monde. Entendez ici, je vous prie, le mot
artiste dans un sens très restreint, et le mot homme du monde dans un
sens très étendu. Homme du monde, c’est-à-dire homme du monde entier,
homme qui comprend le monde et les raisons mystérieuses et légitimes
de tous ses usages ; artiste, c’est-à-dire spécialiste, homme attaché
à sa palette comme le serf à la glèbe. M. G. n’aime pas être appelé
artiste. N’a-t-il pas un peu raison ? Il s’intéresse au monde entier
; il veut savoir, comprendre, apprécier tout ce qui se passe à la
surface de notre sphéroïde. L’artiste vit très peu, ou même pas du
tout, dans le monde moral et politique. Celui qui habite dans le
quartier Breda ignore ce qui se passe dans le faubourg Saint-Germain.
Sauf deux ou trois exceptions qu’il est inutile de nommer, la plupart
des artistes sont, il faut bien le dire, des brutes très adroites, de
purs manoeuvres, des intelligences de village, des cervelles de
hameau. Leur conversation, forcément bornée à un cercle très étroit,
devient très vite insupportable à l’homme du monde, au citoyen
spirituel de l’univers.
Durante dez anos desejei conhecer G., que é, por
temperamento, apaixonado por viagens e muito cosmopolita.
Sabia que durante muito tempo ele fora correspondente de um
jornal inglês ilustrado e que nele publicara gravuras a
partir de seus croquis de viagem (Espanha, Turquia,
Crimeia1). Vi, durante esse tempo, uma quantidade 13
considerável de desenhos improvisados sobre os próprios
locais e pude ler, assim, uma crônica minuciosa e diária da
campanha da Criméia, melhor do que qualquer outra. O mesmo
jornal publicara também, sempre sem assinatura, inúmeras
composições do mesmo autor, inspiradas nos balés e óperas
recentes. Quando finalmente o conheci, logo vi que não se
tratava precisamente de um artista, mas antes de um homem
do mundo. Entenda-se aqui, por favor, a palavra artista num
sentido muito restrito, e a expressão homem do mundo num
sentido muito amplo. Homem do mundo, isto é, homem do mundo
inteiro, homem que compreende o mundo e as razões
misteriosas e legítimas de todos os seus costumes; artista,
isto é, especialista, homem subordinado à sua palheta como
o servo à gleba2. G. não gosta de ser chamado artista. Não
teria ele alguma razão? Ele se interessa pelo mundo
inteiro; quer saber, compreender, apreciar tudo o que
acontece na superfície de nosso esferóide. O artista vive
pouquíssimo, ou até não vive, no mundo moral e político. O
que mora no bairro Bréda ignora o que se passa no bairro
Saint-Germain. Salvo duas ou três exceções que não vale a
pena mencionar, a maioria dos artistas são, deve-se convir,
uns brutos muito hábeis, simples artesãos, inteligências
provincianas, mentalidades de cidade pequena. Sua conversa,
forçosamente limitada a um círculo muito restrito, torna-se
rapidamente insuportável para o homem do mundo, para o
17. cidadão espiritual do universo.
1. Crimeia (o nome francês é “Crimée”), é a região da Ucrânia
formada por uma península que avança no mar Negro, separando-o do
mar de Azov.
2. Gleba: terreno, feudo a que os servos estavam subordinados.
Ainsi, pour entrer dans la compréhension de M. G., prenez note tout
de suite de ceci : c’est que la curiosité peut être considérée comme
le point de départ de son génie.
Assim, para compreender G., anotem imediatamente o
seguinte: a curiosidade pode ser considerada como o ponto
de partida de seu gênio.
Vous souvenez-vous d’un tableau (en vérité, c’est un tableau !) écrit
par la plus puissante plume de cette époque, et qui a pour titre
L’Homme des foules ? Derrière la vitre d’un café, un convalescent,
contemplant la foule avec jouissance, se mêle par la pensée, à toutes
les pensées qui s’agitent autour de lui. Revenu récemment des ombres
de la mort, il aspire avec délices tous les germes et tous les
effluves de la vie ; comme il a été sur le point de tout oublier, il
se souvient et veut avec ardeur se souvenir de tout. Finalement, il
se précipite à travers cette foule à la recherche d’un inconnu dont
la physionomie entrevue l’a, en un clin d’oeil, fasciné. La curiosité
est devenue une passion fatale, irrésistible ! 14
Lembram-se de um quadro (é um quadro, na verdade!) escrito
pelo mais poderoso autor desta época e que se intitula
L’Homme des Foules1? Atrás das vidraças de um café, um
convalescente, contemplando com prazer a multidão, mistura-
se mentalmente a todos os pensamentos que se agitam à sua
volta. Resgatado há pouco das sombras da morte, ele aspira
com deleite todos os indícios e eflúvios da vida; como
estava prestes a tudo esquecer, lembra-se e quer
ardentemente lembrar-se de tudo. Finalmente, precipita-se
no meio da multidão à procura de um desconhecido cuja
fisionomia, apenas vislumbrada, fascinou-o num relance. A
curiosidade transformou-se numa paixão fatal, irresistível!
1. “L’Homme des Foules”: “O Homem das Multidões”, é um texto de
Edgar Allan Poe (1809 – 1849), The Man of the Crowd, traduzido por
Baudelaire. Baudelaire também possui, em “Le Spleen de Paris” um
poema chamado “As Multidões” (Les Foules).
Supposez un artiste qui serait toujours, spirituellement, à l’état du
convalescent, et vous aurez la clef du caractère de M. G.
Imagine um artista que estivesse sempre, espiritualmente,
em estado de convalescença e se terá a chave do caráter de
G.
Or la convalescence est comme un retour vers l’enfance. Le
convalescent jouit au plus haut degré, comme l’enfant, de la faculté
18. de s’intéresser vivement aux choses, même les plus triviales en
apparence. Remontons, s’il se peut, par un effort rétrospectif de
l’imagination, vers nos plus jeunes, nos plus matinales impressions,
et nous reconnaîtrons qu’elles avaient une singulière parenté avec
les impressions, si vivement colorées, que nous reçûmes plus tard à
la suite d’une maladie physique, pourvu que cette maladie ait laissé
pures et intactes nos facultés spirituelles. L’enfant voit tout en
nouveauté ; il est toujours ivre. Rien ne ressemble plus à ce qu’on
appelle l’inspiration, que la joie avec laquelle l’enfant absorbe la
forme et la couleur. J’oserai pousser plus loin ; j’affirme que
l’inspiration a quelque rapport avec la congestion, et que toute
pensée sublime est accompagnée d’une secousse nerveuse, plus ou moins
forte, qui retentit jusque dans le cervelet. L’homme de génie a les
nerfs solides ; l’enfant les a faibles. Chez l’un, la raison a pris
une place considérable ; chez l’autre, la sensibilité occupe presque
tout l’être. Mais le génie n’est que l’enfance retrouvée à volonté,
l’enfance douée maintenant, pour s’exprimer, d’organes virils et de
l’esprit analytique qui lui permet d’ordonner la somme de matériaux
involontairement amassée. C’est à cette curiosité profonde et joyeuse
qu’il faut attribuer l’oeil fixe et animalement extatique des enfants
devant le nouveau, quel qu’il soit, visage ou paysage, lumière,
dorure, couleurs, étoffes chatoyantes, enchantement de la beauté
embellie par la toilette. Un de mes amis me disait un jour qu’étant
fort petit, il assistait à la toilette de son père, et qu’alors il
contemplait, avec une stupeur mêlée de délices, les muscles des bras, 15
les dégradations de couleurs de la peau nuancée de rose et de jaune,
et le réseau bleuâtre des veines. Le tableau de la vie extérieure le
pénétrait déjà de respect et s’emparait de son cerveau. Déjà la forme
l’obsédait et le possédait. La prédestination montrait précocement le
bout de son nez. La damnation était faite. Ai-je besoin de dire que
cet enfant est aujourd’hui un peintre célèbre ?
Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O
convalescente goza, no mais alto grau, como a criança, da
faculdade de interessar-se intensamente pelas coisas, mesmo
por aquelas que aparentemente se mostram as mais triviais.
Retornemos, se possível, através de um esforço
retrospectivo da imaginação, às mais jovens, às mais
matinais de nossas impressões, e constataremos que elas
possuem um singular parentesco com as impressões tão
vivamente coloridas que recebemos ulteriormente, depois de
uma doença, desde que esta tenha deixado puras e intactas
nossas faculdades espirituais. A criança vê tudo como
novidade; ela sempre está embriagada. Nada se parece tanto
com o que chamamos inspiração quanto a alegria com que a
criança absorve a forma e a cor. Ousaria ir mais longe:
afirmo que a inspiração tem alguma relação com a congestão,
e que todo pensamento sublime é acompanhado de um
estremecimento nervoso, mais ou menos intenso, que
repercute até no cerebelo. O homem de gênio tem nervos
sólidos, a criança os tem fracos. Naquele, a razão ganhou
19. um lugar considerável; nesta, a sensibilidade ocupa quase
todo o seu ser. Mas o gênio é somente a infância
redescoberta sem limites; a infância agora dotada, para
expressar-se, de órgãos viris e do espírito analítico que
lhe permite ordenar a soma de materiais involuntariamente
acumulados. É a está curiosidade profunda e alegre que se
deve atribuir o olhar fixo, estático e animalesco das
crianças diante do novo, seja lá o que isso for, rosto ou
paisagem, luz, brilhos, cores, tecidos cintilantes,
fascínio da beleza realçada pelo traje. Um de meus amigos
disse-me um dia que, ainda pequeno, vira seu pai lavando-se
e então contemplava, com uma perplexidade mesclada de
deleite, os músculos dos braços, as gradações de cores da
pele matizada de rosa e amarelo, e a rede azulada das
veias. O quadro da vida exterior já o impregnava de
respeito e se apoderava de seu cérebro. A forma já o
obcecava e o possuía. A predestinação mostrava precocemente
a ponta do nariz. A danação estava consumada. É preciso
dizer que essa criança hoje é um pintor célebre?
16
Revue de troupes françaises en Crimée
Constantin Guys
Je vous priais tout à l’heure de considérer M. G. comme un éternel
convalescent ; pour compléter votre conception, prenez-le aussi pour
un homme-enfant, pour un homme possédant à chaque minute le génie de
l’enfance, c’est-à-dire un génie pour lequel aucun aspect de la vie
n’est émoussé.
Eu os exortava ainda há pouco a que considerassem G. como
um eterno convalescente; para completar a intelecção,
considere-o também como um homem-criança, como um homem
dominado a cada minuto pelo gênio da infância, ou seja, um
gênio para o qual nenhum aspecto da vida é indiferente.
Je vous ai dit que je répugnais à l’appeler un pur artiste, et qu’il
se défendait lui-même de ce titre avec une modestie nuancée de pudeur
20. aristocratique. Je le nommerais volontiers un dandy, et j’aurais pour
cela quelques bonnes raisons ; car le mot dandy implique une
quintessence de caractère et une intelligence subtile de tout le
mécanisme moral de ce monde ; mais, d’un autre côté, le dandy aspire
à l’insensibilité, et c’est par là que M. G., qui est dominé, lui,
par une passion insatiable, celle de voir et de sentir, se détache
violemment du dandysme. Amabam amare, disait saint Augustin. « J’aime
passionnément la passion », dirait volontiers M. G. Le dandy est
blasé, ou il feint de l’être, par politique et raison de caste. M. G.
a horreur des gens blasés. Il possède l’art si difficile (les esprits
raffinés me comprendront) d’être sincère sans ridicule. Je le
décorerais bien du nom de philosophe, auquel il a droit à plus d’un
titre, si son amour excessif des choses visibles, tangibles,
condensées à l’état plastique, ne lui inspirait une certaine
répugnance de celles qui forment le royaume impalpable du
métaphysicien. Réduisons-le donc à la condition de pur moraliste
pittoresque, comme La Bruyère.
Dizia que me desagradava chamá-lo de puro artista e que ele
próprio recusava esse título com uma modéstia mesclada de
pudor aristocrático. Eu o chamaria de bom grado dândi1, e
teria algumas boas razões para isso; pois a palavra dândi
implica um refinamento de caráter e uma compreensão sutil
de todo mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o
dândi aspira à insensibilidade, e é por esse ângulo que G.,
que é dominado por uma paixão insaciável, a de ver e de 17
sentir, se afasta violentamente do dandismo. Amabam amare2,
dizia Santo Agostinho. “Amo apaixonadamente a paixão”,
diria G., com naturalidade. O dândi é entediado, ou finge
ser, por política e razão de casta. G. tem horror às
pessoas entediadas. Ele possui a arte extremamente difícil
(os espíritos refinados irão me compreender) de ser sincero
sem ser ridículo. Poderia condecorá-lo com o título de
filósofo, que ele merece por várias razões, se seu amor
excessivo pelas coisas visíveis, tangíveis, condensadas no
estado plástico, não lhe inspirassem uma certa repugnância
por aquelas que formam o reino impalpável do metafísico.
Vamos então reduzi-lo à condição de puro moralista
pitoresco, como La Bruyère3.
1. Baudelaire define “dândi” no capítulo IX desse mesmo livro.
2. “Amabam amare”, em latim: “eu amava amar”.
3. La Bruyère: Jean de La Bruyère (1645 – 1696), moralista francês
famoso por uma única obra, “Dos Personagens ou costumes do século”
(Les Caractères ou les Mœurs de ce siècle).
La foule est son domaine, comme l’air est celui de l’oiseau, comme
l’eau celui du poisson. Sa passion et sa profession, c’est d’épouser
la foule. Pour le parfait flâneur, pour l’observateur passionné,
c’est une immense jouissance que d’élire domicile dans le nombre,
21. dans l’ondoyant dans le mouvement, dans le fugitif et l’infini. Etre
hors de chez soi, et pourtant se sentir partout chez soi ; voir le
monde, être au centre du monde et rester caché au monde, tels sont
quelques-uns des moindres plaisirs de ces esprits indépendants,
passionnés, impartiaux, que la langue ne peut que maladroitement
définir. L’observateur est un prince qui jouit partout de son
incognito. L’amateur de la vie fait du monde sa famille, comme
l’amateur du beau sexe compose sa famille de toutes les beautés
trouvées, trouvables et introuvables ; comme l’amateur de tableaux
vit dans une société enchantée de rêves peints sur toile. Ainsi
l’amoureux de la vie universelle entre dans la foule comme dans un
immense réservoir d’électricité. On peut aussi le comparer, lui, à un
miroir aussi immense que cette foule ; à un kaléidoscope doué de
conscience, qui, à chacun de ses mouvements, représente la vie
multiple et la grâce mouvante de tous les éléments de la vie. C’est
un moi insatiable du non-moi, qui, à chaque instant, le rend et
l’exprime en images plus vivantes que la vie elle-même, toujours
instable et fugitive. « Tout homme », disait un jour M. G. dans une
de ces conversations qu’il illumine d’un regard intense et d’un geste
évocateur, « tout homme qui n’est pas accablé par un de ces chagrins
d’une nature trop positive pour ne pas absorber toutes les facultés,
et qui s’ennuie au sein de la multitude, est un sot ! un sot ! et je
le méprise ! »
A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como
a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a 18
multidão. Para o perfeito flâneur1, para o observador
apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no
numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no
infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa
onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do
mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos
prazeres desses espíritos independentes, apaixonados
imparciais, que a linguagem não pode definir senão
toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda
parte do fato de estar incógnito. O amador da vida faz do
mundo a sua família, tal como o amador do belo sexo compõe
sua família com toda as belezas encontradas, encontráveis
ou inencontráveis; tal como o amador de quadros vive numa
sociedade encantada de sonhos pintados na tela. Assim o
apaixonado pela vida universal entra na multidão como em um
reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo
a um espelho tão imenso quanto essa multidão; a um
caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada um de seus
movimentos, representa a vida múltipla e o encanto
cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável
do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em
imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e
fugidia. “Todo homem”, disse G. um dia, numa dessas
conversas que ele ilumina com um olhar intenso e um gesto
evocativo, “todo homem que não é atormentado por uma dessas
22. tristezas de natureza demasiado concreta, o bastante para
absorver todas as faculdades, e que se entedia no seio da
multidão, é um imbecil! um imbecil! e o desprezo!”
1. “flâneur” é aquele que passeia ociosamente, o que vagueia, o que
perambula.
Quand M. G., à son réveil, ouvre les yeux et qu’il voit le soleil
tapageur donnant l’assaut aux carreaux des fenêtres, il se dit avec
remords, avec regrets : « Quel ordre impérieux ! quelle fanfare de
lumière ! Depuis plusieurs heures déjà, de la lumière partout ! de la
lumière perdue par mon sommeil ! Que de choses éclairées j’aurais pu
voir et que je n’ai pas vues ! » Et il part ! et il regarde couler le
fleuve de la vitalité, si majestueux et si brillant. Il admire
l’éternelle beauté et l’étonnante harmonie de la vie dans les
capitales, harmonie si providentiellement maintenue dans le tumulte
de la liberté humaine. Il contemple les paysages de la grande ville,
paysages de pierre caressés par la brume ou frappés par les soufflets
du soleil. Il jouit des beaux équipages, des fiers chevaux, de la
propreté éclatante des grooms, de la dextérité des valets, de la
démarche des femmes onduleuses, des beaux enfants, heureux de vivre
et d’être bien habillés ; en un mot, de la vie universelle. Si une
mode, une coupe de vêtement a été légèrement transformée, si les
noeuds de rubans, les boucles ont été détrônés par les cocardes, si
le bavolet s’est élargi et si le chignon est descendu d’un cran sur
la nuque, si la ceinture a été exhaussée et la jupe amplifiée, croyez 19
qu’à une distance énorme son oeil d’aigle l’a déjà deviné. Un
régiment passe, qui va peut-être au bout du monde, jetant dans l’air
des boulevards ses fanfares entraînantes et légères comme l’espérance
; et voilà que l’oeil de M. G. a déjà vu, inspecté, analysé les
armes, l’allure et la physionomie de cette troupe. Harnachements,
scintillements, musique, regards décidés, moustaches lourdes et
sérieuses, tout cela entre pêle-mêle en lui ; et dans quelques
minutes, le poème qui en résulte sera virtuellement composé. Et voilà
que son âme vit avec l’âme de ce régiment qui marche comme un seul
animal, fière image de la joie dans l’obéissance !
Quando G., ao despertar, abre os olhos e vê o sol
flamejante invadindo as vidraças, diz para si mesmo com
remorso, com arrependimento: “Que ordem imperiosa! Que
fanfarra de luz! Há muitas horas já, luz em toda parte! Luz
perdida por causa de meu sono! Quantas coisas iluminadas
poderia ter visto e não vi!” E ele sai! E observa fluir o
rio da vitalidade, tão majestoso e brilhante. Admira a
eterna beleza e a espantosa harmonia da vida nas capitais,
harmonia tão providencialmente mantida no tumulto da
liberdade humana. Contempla as paisagens da cidade grande,
paisagens de pedra acariciadas pela bruma ou fustigadas
pelos sopros do sol. Admira as belas carruagens, os
garbosos cavalos, a limpeza reluzente dos lacaios, a
destreza dos criados, o andar das mulheres ondulosas, as
belas crianças, felizes por viverem e estarem bem vestidas;
23. resumindo, a vida universal. Se uma moda, um corte de
vestuário foi levemente transformado, se os laços de fita e
os cachos foram destronados pelas rosetas, se a mantilha se
ampliou e o coque desceu um pouquinho na nuca, se a cintura
foi erguida e a saia alargada, acreditem que a uma
distância enorme seu olhar de águia já adivinhou. Um
regimento passa, ele vai talvez ao fim do mundo, difundindo
no ar dos bulevares suas fanfarras sedutoras e diáfanas
como a esperança; e eis que o olhar de G. já viu,
inspecionou, analisou as armas, o porte e a fisionomia
dessa tropa. Arreios, cintilações, música, olhares
decididos, bigodes espessos e graves, tudo isso ele absorve
simultaneamente; e em alguns minutos o poema que disso
resulta estará virtualmente composto. E sua alma vive com a
alma desse regimento que marcha como se fosse um único
animal, altiva imagem da alegria na obediência!
Mais le soir est venu. C’est l’heure bizarre et douteuse où les
rideaux du ciel se ferment, où les cités s’allument. Le gaz fait
tache sur la pourpre du couchant. Honnêtes ou déshonnêtes,
raisonnables ou fous, les hommes se disent : « Enfin la journée est
finie ! » Les sages et les mauvais sujets pensent au plaisir, et
chacun court dans l’endroit de son choix boire la coupe de l’oubli.
M. G. restera le dernier partout où peut resplendir la lumière,
retentir la poésie, fourmiller la vie, vibrer la musique ; partout où 20
une passion peut poser pour son oeil, partout où l’homme naturel et
l’homme de convention se montrent dans une beauté bizarre, partout où
le soleil éclaire les joies rapides de l’animal dépravé ! « Voilà,
certes, une journée bien employée, » se dit certain lecteur que nous
avons tous connu, « chacun de nous a bien assez de génie pour la
remplir de la même façon. » Non ! peu d’hommes sont doués de la
faculté de voir ; il y en a moins encore qui possèdent la puissance
d’exprimer. Maintenant, à l’heure où les autres dorment, celui-ci est
penché sur sa table, dardant sur une feuille de papier le même regard
qu’il attachait tout à l’heure sur les choses, s’escrimant avec son
crayon, sa plume, son pinceau, faisant jaillir l’eau du verre au
plafond, essuyant sa plume sur sa chemise, pressé, violent, actif,
comme s’il craignait que les images ne lui échappent, querelleur
quoique seul, et se bousculant lui-même. Et les choses renaissent sur
le papier, naturelles et plus que naturelles, belles et plus que
belles, singulières et douées d’une vie enthousiaste comme l’âme de
l’auteur. La fantasmagorie a été extraite de la nature. Tous les
matériaux dont la mémoire s’est encombrée se classent, se rangent,
s’harmonisent et subissent cette idéalisation forcée qui est le
résultat d’une perception enfantine, c’est-à-dire d’une perception
aiguë, magique à force d’ingénuité !
Mas a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se
fecham as cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os
revérberos1 se sobressaem sobre a púrpura do poente.
Honestos ou desonestos, sensatos ou insanos, os homens
24. dizem: “Enfim, acabou-se o dia!” Os plácidos e os de má
índole pensam no prazer e todos acorrem ao lugar de sua
preferência para beber a taça do esquecimento. G. será o
último a partir de qualquer lugar onde possa resplandecer a
luz, ressoar a poesia, fervilhar a vida, vibrar a música;
de todo lugar onde uma paixão possa posar diante de seus
olhos, de todo lugar onde o homem natural e o homem
convencional se mostrem numa beleza estranha, de todo lugar
onde o sol ilumina as alegrias efêmeras do animal
depravado! “Foi, com certeza, uma jornada bem empregada”,
pensará certo leitor que todos conhecemos. “Todos têm
talento suficiente para preenchê-la da mesma maneira.” Não!
poucos homens são dotados da faculdade de ver; há ainda
menos homens que possuem a capacidade de exprimir. Agora, à
hora em que os outros estão dormindo, ele está curvado
sobre sua mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo
olhar que há pouco dirigia às coisas, lutando com seu
lápis, sua pena, seu pincel, lançando água do copo até o
teto, limpando a pena na camisa, apressando, violento,
ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem,
belicoso, mas sozinho e debatendo-se consigo mesmo. E as
coisas renascem no papel, naturais e, mais do que naturais,
belas; mais do que belas, singulares e dotadas de uma vida
tão entusiasta quanto a alma do autor. A fantasmagoria foi
extraída da natureza. Todos os materiais atravancados na 21
memória classificam-se, ordenam-se, harmonizam-se e sofrem
essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção
infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica à força de
ser ingênua!
1. “revérberos” são lampiões de rua.
25. IV
La modernité
A modernidade
Ainsi il va, il court, il cherche. Que cherche-t-il ? A coup sûr, cet
homme, tel que je l’ai dépeint, ce solitaire doué d’une imagination
active, toujours voyageant à travers le grand désert d’hommes, a un
but plus élevé que celui d’un pur flâneur, un but plus général, autre
que le plaisir fugitif de la circonstance. Il cherche ce quelque
chose qu’on nous permettra d’appeler la modernité ; car il ne se
présente pas de meilleur mot pour exprimer l’idée en question. Il
s’agit, pour lui, de dégager de la mode ce qu’elle peut contenir de
poétique dans l’historique, de tirer l’éternel du transitoire. Si
nous jetons un coup d’oeil sur nos expositions de tableaux modernes,
nous sommes frappés de la tendance générale des artistes à habiller
tous les sujets de costumes anciens. Presque tous se servent des
modes et des meubles de la Renaissance, comme David se servait des
modes et des meubles romains. Il y a cependant cette différence, que
David, ayant choisi des sujets particulièrement grecs ou romains, ne
pouvait pas faire autrement que de les habiller à l’antique, tandis
que les peintres actuels, choisissant des sujets d’une nature
générale applicable à toutes les époques, s’obstinent à les affubler
des costumes du Moyen Age, de la Renaissance ou de l’Orient. C’est
22
évidemment le signe d’une grande paresse ; car il est beaucoup plus
commode de déclarer que tout est absolument laid dans l’habit d’une
époque, que de s’appliquer à en extraire la beauté mystérieuse qui y
peut être contenue, si minime ou si légère qu’elle soit. La
modernité, c’est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié
de l’art, dont l’autre moitié est l’éternel et l’immuable. Il y a eu
une modernité pour chaque peintre ancien ; la plupart des beaux
portraits qui nous restent des temps antérieurs sont revêtus des
costumes de leur époque. Ils sont parfaitement harmonieux, parce que
le costume, la coiffure et même le geste, le regard et le sourire
(chaque époque a son port, son regard et son sourire) forment un tout
d’une complète vitalité. Cet élément transitoire, fugitif, dont les
métamorphoses sont si fréquentes, vous n’avez pas le droit de le
mépriser ou de vous en passer. En le supprimant, vous tombez
forcément dans le vide d’une beauté abstraite et indéfinissable,
comme celle de l’unique femme avant le premier péché. Si au costume
de l’époque, qui s’impose nécessairement, vous en substituez un
autre, vous faites un contre-sens qui ne peut avoir d’excuse que dans
le cas d’une mascarade voulue par la mode. Ainsi, les déesses, les
nymphes et les sultanes du dix-huitième siècle sont des portraits
moralement ressemblants.
Assim ele vai, corre, procura. O que procura? Certamente
esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de
uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande
deserto de homens, tem um objetivo mais elevado do que o de
26. um simples flâneur, um objetivo mais geral, diverso do
prazer efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao
qual se permitirá chamar de Modernidade; pois não me ocorre
melhor palavra para exprimir a idéia em questão. Trata-se,
para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de
poético no histórico, extrair o eterno do transitório. Se
lançarmos um olhar a nossas exposições de quadros modernos,
ficaremos espantados com a tendência geral dos artistas de
vestirem todas as personagens com indumentária antiga.
Quase todas se servem das modas e dos móveis do
Renascimento, como David se servia das modas e dos móveis
romanos. Há, no entanto, uma diferença, pois David, tendo
escolhido temas especificamente gregos ou romanos, não
podia agir de outra forma senão vesti-los à moda antiga,
enquanto os pintores atuais, escolhendo temas de uma
natureza geral que podem aplicar a todas as épocas,
obstinam-se em fantasiá-los com trajes da Idade Média, do
Renascimento ou do Oriente. Evidentemente, é sinal de uma
grande preguiça; pois é muito mais cômodo declarar que tudo
é absolutamente feio no vestuário de uma época do que se
esforçar por extrair dele a beleza misteriosa que possa
conter, por mínima ou tênue que seja. A Modernidade é o
transitório, o efêmero, o contingente, a metade da arte1,
sendo a outra metade o eterno e o imutável. Houve uma
modernidade para cada pintor antigo; a maior parte dos 23
belos retratos que conhecemos das épocas passadas está
revestida dos costumes da própria época. São perfeitamente
harmoniosos; assim, a indumentária, o penteado e mesmo o
gesto, o olhar e o sorriso (cada época tem seu porte, seu
olhar e seu sorriso) formam um todo de completa vitalidade.
Esse elemento transitório, fugitivo, cujas metamorfoses são
tão frequentes, não temos o direito de desprezar ou de
prescindir. Suprimindo-os, caímos forçosamente no vazio de
uma beleza abstrata e indefinível, como aquela da mulher
única antes do primeiro pecado. Se à vestimenta da época,
que se impõe necessariamente, substituirmos uma outra,
cometemos um contra-senso só desculpável no caso de uma
máscara ditada pela moda. Assim, as deusas, as ninfas e as
sultanas do século XVIII são retratos moralmente
verossímeis.
1. Neste capítulo temos a epígrafe do livro “Metade da Arte”, de
Marcos Siscar: ...le transitoire, le fugitif, le contingent, la
moitié de l’art... (... o transitório, o fugitivo, o contingente, a
metade da arte...).
Il est sans doute excellent d’étudier les anciens maîtres pour
apprendre à peindre, mais cela ne peut être qu’un exercice superflu
si votre but est de comprendre le caractère de la beauté présente.
Les draperies de Rubens ou de Véronèse ne vous enseigneront pas à
faire de la moire antique, du satin à la reine, ou toute autre étoffe
27. de nos fabriques, soulevée, balancée par la crinoline ou les jupons
de mousseline empesée. Le tissu et le grain ne sont pas les mêmes que
dans les étoffes de l’ancienne Venise ou dans celles portées à la
cour de Catherine. Ajoutons aussi que la coupe de la jupe et du
corsage est absolument différente, que les plis sont disposés dans un
système nouveau, et enfin que le geste et le port de la femme
actuelle donnent à sa robe une vie et une physionomie qui ne sont pas
celles de la femme ancienne. En un mot, pour que toute modernité soit
digne de devenir antiquité, il faut que la beauté mystérieuse que la
vie humaine y met involontairement en ait été extraite. C’est à cette
tâche que s’applique particulièrement M. G.
Sem dúvida, é importante estudar os antigos mestres para
aprender a pintar, mas isso deve ser apenas um exercício
supérfluo, caso nosso objetivo seja compreender o caráter
da beleza atual. Os tecidos de Rubens ou de Véronèse não
nos ensinarão a fazer chamalote1, cetim à rainha ou qualquer
outro tecido de nossas fábricas, entufado, equilibrado pela
crinolina2 ou pelos saiotes de musselina engomada. O tecido
e a textura não são os mesmos que os da antiga Veneza ou os
usados na corte de Catherine. Acrescentemos também que o
corte da saia e do corpete é muito diferente, que as pregas
são dispostas de acordo com um novo sistema, que os gestos
e o porte da mulher atual dão a seu vestido uma vida e uma
fisionomia que não são as da mulher antiga. Em poucas
palavras, para que toda Modernidade seja digna de tornar-se 24
Antiguidade, é necessário que dela se extraia a beleza
misteriosa que a vida humana involuntariamente lhe confere.
É a essa tarefa que G. se dedica em particular.
1. “chamalote” traduz “la moire antique”: tecido em que a posição do
fio produz um efeito ondeado.
2. “Crinolina” traduz “crinoline”: tecido feito de crina.
J’ai dit que chaque époque avait son port, son regard et son geste.
C’est surtout dans une vaste galerie de portraits (celle de
Versailles, par exemple) que cette proposition devient facile à
vérifier. Mais elle peut s’étendre plus loin encore. Dans l’unité qui
s’appelle nation, les professions, les castes, les siècles
introduisent la variété, non seulement dans les gestes et les
manières, mais aussi dans la forme positive du visage. Tel nez, telle
bouche, tel front remplissent l’intervalle d’une durée que je ne
prétends pas déterminer ici, mais qui certainement peut être soumise
à un calcul. De telles considérations ne sont pas assez familières
aux portraitistes ; et le grand défaut de M. Ingres, en particulier,
est de vouloir imposer à chaque type qui pose sous son oeil un
perfectionnement plus ou moins despotique, emprunté au répertoire des
idées classiques.
Disse que cada época tinha seu porte, seu olhar e seu
gesto. É sobretudo numa vasta galeria de retratos (a de
Versalhes, por exemplo) que se torna fácil verificar essa
28. proposição. Mas ela pode estender-se mais amplamente. Na
unidade que se chama nação, as profissões, as castas e os
séculos introduzem a variedade, não somente nos gestos e
nas maneiras, mas também na forma concreta do rosto. Tal
nariz, tal boca, tal fronte correspondem ao intervalo de
uma duração que não pretendo determinar aqui, mas que
certamente pode ser submetida a um cálculo. Essas
considerações não são suficientemente familiares aos
retratistas; e o grande defeito de Ingres, em particular, é
querer impor a cada tipo que posa diante de seus olhos um
aperfeiçoamento mais ou menos compulsório colhido no
repertório das idéias clássicas.
25
La grande Odalisque, 1814
Jean Auguste Dominique Ingres (1780 – 1867)
En pareille matière, il serait facile et même légitime de raisonner a
priori. La corrélation perpétuelle de ce qu’on appelle l’âme avec ce
qu’on appelle le corps explique très bien comment tout ce qui est
matériel ou effluve du spirituel représente et représentera toujours
le spirituel d’où il dérive. Si un peintre patient et minutieux, mais
d’une imagination médiocre, ayant à peindre une courtisane du temps
présent, s’inspire (c’est le mot consacré) d’une courtisane de Titien
ou de Raphaël, il est infiniment probable qu’il fera une oeuvre
fausse, ambiguë et obscure. L’étude d’un chef-d’oeuvre de ce temps et
de ce genre ne lui enseignera ni l’attitude, ni le regard, ni la
grimace, ni l’aspect vital d’une de ces créatures que le dictionnaire
de la mode a successivement classées sous les titres grossiers ou
badins d’impures, de filles entretenues, de lorettes et de biches.
Em semelhante matéria, seria fácil e mesmo legítimo
raciocinar a priori. A correlação perpétua do que chamamos
alma com o que chamamos corpo explica perfeitamente como
tudo o que é material ou emanação do espiritual representa
e representará sempre o espiritual de onde provém. Se um
pintor paciente e minucioso, mas dotado de uma imaginação
medíocre, em vez de pintar uma cortesã do tempo presente,
inspira-se (essa é a expressão consagrada) em uma cortesã
de Ticiano ou de Rafael, é muito provável que fará uma obra
29. falsa, ambígua e obscura. O estudo de uma obra-prima
daquela época e daquele gênero não lhe ensinará nem a
atitude, nem o olhar, nem o trejeito, nem o aspecto vital
de uma dessas criaturas que o dicionário da moda
sucessivamente classificou, com nomes grosseiros ou
maliciosos, de impuras, mulheres sustentadas, loureiras e
mundanas1.
1. Toda essa adjetivação diz respeito a prostitutas: “impures”, é
traduzido por “impuras”; “filles entretenues”, literalmente: “jovens
sustentadas”, diz respeito a mulheres que vivem com o auxílio
financeiro de um amante; “lorettes”, é traduzido por “loureira”:
mulher provocante, sedutora, que procura agradar a todos;
finalmente, “biches”, foi traduzido por “mundana”.
26
Deux biches
Constantin Guys
La même critique s’applique rigoureusement à l’étude du militaire, du
dandy, de l’animal même, chien ou cheval, et de tout ce qui compose
la vie extérieure d’un siècle. Malheur à celui qui étudie dans
l’antique autre chose que l’art pur, la logique, la méthode générale
! Pour s’y trop plonger, il perd la mémoire du présent ; il abdique
la valeur et les priviléges fournis par la circonstance ; car presque
toute notre originalité vient de l’estampille que le temps imprime à
nos sensations. Le lecteur comprend d’avance que je pourrais vérifier
facilement mes assertions sur de nombreux objets autres que la femme.
Que diriez-vous, par exemple, d’un peintre de marines (je pousse
l’hypothèse à l’extrême) qui, ayant à reproduire la beauté sobre et
élégante du navire moderne, fatiguerait ses yeux à étudier les formes
surchargées, contournées, l’arrière monumental du navire ancien et
les voilures compliquées du seizième siècle ? Et que penseriez-vous
d’un artiste que vous auriez chargé de faire le portrait d’un pur-
sang, célèbre dans les solennités du turf, s’il allait confiner ses
30. contemplations dans les musées, s’il se contentait d’observer le
cheval dans les galeries du passé, dans Van Dyck, Bourguignon ou Van
der Meulen ?
A mesma crítica aplica-se rigorosamente ao estudo do
militar, do dândi ou mesmo dos animais, cão ou cavalo, e de
tudo o que compõe a vida exterior de um século. Ai daquele
que estuda, no antigo, outra coisa que não a arte pura, a
lógica e o método geral! De tanto se enfronhar nele, perde
a memória do presente; abdica do valor dos privilégios
fornecidos pela circunstância, pois quase toda nossa
originalidade vem da estampilha que o tempo imprime às
nossas sensações. O leitor compreende antecipadamente que
eu poderia comprovar facilmente minhas asserções por meio
de numerosos outros objetos além da mulher. Que diriam, por
exemplo, de um pintor de marinhas (levo a hipótese ao
extremo) que, tendo de reproduzir a beleza sóbria e
elegante do navio moderno, atormentasse seus olhos
estudando as formas sobrecarregadas, retorcidas, a popa
monumental de um navio antigo e os velames complicados do
século XVI? E o que pensariam de um artista a quem tivessem
incumbido de fazer o retrato de um puro-sangue, célebre nas
solenidades do turfe, se ele fosse confinar suas
contemplações nos museus, se se contentasse em observar o
cavalo nas galerias do passado, em Van Dyck, Bourguignon ou
Van der Meulen? 27
M. G., dirigé par la nature, tyrannisé par la circonstance, a suivi
une voie toute différente. Il a commencé par contempler la vie, et ne
s’est ingénié que tard à apprendre les moyens d’exprimer la vie. Il
en est résulté une originalité saisissante, dans laquelle ce qui peut
rester de barbare et d’ingénu apparaît comme une preuve nouvelle
d’obéissance à l’impression, comme une flatterie à la vérité. Pour la
plupart d’entre nous, surtout pour les gens d’affaires, aux yeux de
qui la nature n’existe pas, si ce n’est dans ses rapports d’utilité
avec leurs affaires, le fantastique réel de la vie est singulièrement
émoussé. M. G. l’absorbe sans cesse ; il en a la mémoire et les yeux
pleins.
G., guiado pela natureza, tiranizado pela circunstância,
enveredou por um caminho completamente diferente. Começou
contemplando a vida e só muito tarde se esforçou para
aprender os meios para expressá-la. Disso resultou uma
originalidade extraordinária, na qual o que pode restar de
bárbaro ou de ingênuo aparece como nova prova de obediência
à impressão, como lisonja à verdade. Para a maioria dentre
nós, sobretudo para os homens de negócios, aos olhos de
quem a natureza existe apenas em suas relações de utilidade
com seus negócios, o fantástico real da vida acha-se
singularmente embotado. G. o absorve continuamente e dele
tem a memória e os olhos repletos.
31. V
L’art mnémonique
A arte mnemônica
Ce mot barbarie, qui est venu peut-être trop souvent sous ma plume,
pourrait induire quelques personnes à croire qu’il s’agit ici de
quelques dessins informes que l’imagination seule du spectateur sait
transformer en choses parfaites. Ce serait mal me comprendre. Je veux
parler d’une barbarie inévitable, synthétique, enfantine, qui reste
souvent visible dans un art parfait (mexicaine, égyptienne ou
ninivite), et qui dérive du besoin de voir les choses grandement, de
les considérer surtout dans l’effet de leur ensemble. Il n’est pas
superflu d’observer ici que beaucoup de gens ont accuse de barbarie
tous les peintres dont le regard est synthétique et abréviateur, par
exemple M. Corot, qui s’applique tout d’abord à tracer les lignes
principales d’un paysage, son ossature et sa physionomie. Ainsi, M.
G., traduisant fidèlement ses propres impressions, marque avec une
énergie instinctive les points culminants ou lumineux d’un objet (ils
peuvent être culminants ou lumineux au point de vue dramatique), ou
ses principals caractéristiques, quelquefois même avec une
exagération utile pour la mémoire humaine ; et l’imagination du
spectateur, subissant à son tour cette mnémonique si despotique, voit
avec netteté l’impression produite par les choses sur l’esprit de M.
28
G. Le spectateur est ici le traducteur d’une traduction toujours
claire et enivrante.
A palavra barbárie, que talvez tenha aparecido com
excessiva frequência nos meus escritos, poderia induzir
algumas pessoas a acreditar que se trata, neste caso, de
alguns desenhos informes, aos quais tão-somente a
imaginação do espectador sabe transformar em coisas
perfeitas. Seria compreender-me erroneamente. Quero falar
de uma barbárie inevitável, sintética, infantil, que muitas
vezes permanece visível numa arte perfeita (mexicana,
egípcia ou ninivita) e que resulta da necessidade de ver as
coisas de maneira ampla, e de, principalmente, considerá-
las no seu efeito de conjunto. Não é supérfluo observar
aqui que muitas pessoas acusaram de barbárie todos os
pintores cujo olhar é sintético e abreviador — Corot, por
exemplo, que se dedica, inicialmente, a traçar as linhas
principais de uma paisagem, sua ossatura e sua fisionomia.
Assim, G., traduzindo fielmente as próprias impressões,
marca com uma energia instintiva os pontos culminantes ou
luminosos de um objeto (podem ser culminantes ou luminosos,
do ponto de vista dramático), ou suas principais
características, algumas vezes inclusive com um exagero
útil para a memória humana; e a imaginação do espectador,
submetendo-se por sua vez a essa mnemônica tão despótica,
vê com nitidez a impressão produzida pelas coisas sobre o
32. espírito de G. O espectador é aqui o tradutor de uma
tradução sempre clara e inebriante.
29
Une matinée, la danse des nymphes
Jean-Baptiste Camille Corot (1796 – 1875)
Il est une condition qui ajoute beaucoup à la force vitale de cette
traduction légendaire de la vie extérieure. Je veux parler de la
méthode de dessiner de M. G. Il dessine de mémoire, et non d’après le
modèle, sauf dans les cas (la guerre de Crimée, par exemple) où il y
a nécessité urgente de prendre des notes immédiates, précipitées, et
d’arrêter les lignes principales d’un sujet. En fait, tous les bons
et vrais dessinateurs dessinent d’après l’image écrite dans leur
cerveau, et non d’après la nature. Si l’on nous objecte les
admirables croquis de Raphaël, de Watteau et de beaucoup d’autres,
nous dirons que ce sont là des notes, très minutieuses, il est vrai,
mais de pures notes. Quand un véritable artiste en est venu à
l’exécution définitive de son oeuvre, le modèle lui serait plutôt un
embarras qu’un secours. Il arrive même que des hommes tels que
Daumier et M. G., accoutumés dès longtemps à exercer leur mémoire et
à la remplir d’images, trouvent devant le modèle et la multiplicité
de détails qu’il comporte, leur faculté principale troublée et comme
paralysée.
Existe um elemento que acrescenta muito à força vital dessa
tradução lendária da vida exterior. Refiro-me ao método de
desenhar de G. Ele desenha de memória, e não a partir do
modelo, salvo em casos (a guerra da Criméia, por exemplo)
em que há a necessidade urgente de tomar notas imediatas,
33. rápidas, e de fixar as linhas principais de um tema. Na
verdade, todos os bons e verdadeiros desenhistas desenham a
partir da imagem inscrita no próprio cérebro, e não a
partir da natureza. Se nos fizerem objeçõe quanto aos
admiráveis croquis de Rafael, de Watteau e de muitos
outros, diremos que são notas muito minuciosas, é verdade,
mas simples notas. Quando um verdadeiro artista chega à
execução definitiva de sua obra, o modelo lhe será mais um
embaraço do que um auxílio. Há casos até em que homens como
Daumier e G., acostumados há muito a exercitar sua memória
e a povoá-la de imagens, têm as faculdades principais
perturbadas e como que paralisadas diante do modelo e da
multiplicidade de detalhes que ele comporta.
30
La République
Honoré-Victorin Daumier (1808 – 1879)
Il s’établit alors un duel entre la volonté de tout voir, de ne rien
oublier, et la faculté de la mémoire qui a pris l’habitude d’absorber
vivement la couleur générale et la silhouette, l’arabesque du
contour. Un artiste ayant le sentiment parfait de la forme, mais
accoutumé à exercer surtout sa mémoire et son imagination, se trouve
alors comme assailli par une émeute de détails, qui tous demandent
justice avec la furie d’une foule amoureuse d’égalité absolue. Toute
34. justice se trouve forcément violée ; toute harmonie détruite,
sacrifiée ; mainte trivialité devient énorme ; mainte petitesse,
usurpatrice. Plus l’artiste se penche avec impartialité vers le
détail, plus l’anarchie augmente. Qu’il soit myope ou presbyte, toute
hiérarchie et toute subordination disparaissent. C’est un accident
qui se présente souvent dans les oeuvres d’un de nos peintres les
plus en vogue, dont les défauts d’ailleurs sont si bien appropriés
aux défauts de la foule, qu’ils ont singulièrement servi sa
popularité. La même analogie se fait deviner dans la pratique de
l’art du comédien, art si mystérieux, si profond, tombé aujourd’hui
dans la confusion des décadences. M. Frédérick-Lemaître compose un
rôle avec l’ampleur et la largeur du génie. Si étoilé que soit son
jeu de détails lumineux, il reste toujours synthétique et sculptural.
M. Bouffé compose les siens avec une minutie de myope et de
bureaucrate. En lui tout éclate, mais rien ne se fait voir, rien ne
veut être gardé par la mémoire.
Estabelece-se assim um duelo entre a vontade de tudo ver,
de nada esquecer, e a faculdade da memória, que adquiriu o
hábito de absorver com vivacidade a cor geral e a silhueta,
o arabesco do contorno. Um artista que tem o sentimento
perfeito da forma, mas acostumado a exercitar sobretudo a
memória e a imaginação, encontra-se então como que
assaltado por uma turba de detalhes, todos reclamando
justiça com a mesma fúria de uma multidão ávida por
igualdade absoluta. Toda justiça acha-se forçosamente 31
violada, toda harmonia destruída e sacrificada; muitas
trivialidades assumem importância, muitos detalhes sem
importância tornam-se usurpadores. Quanto mais o artista se
curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais aumenta a
anarquia. Que seja míope ou presbita, toda hierarquia e
toda subordinação desaparecem. É um acidente que aparece
constantemente nas obras de um de nossos pintores mais em
voga, cujos defeitos, aliás, são tão bem apropriados aos da
multidão que contribuíram singularmente para sua
popularidade. Adivinha-se a mesma analogia no exercício da
arte do ator, arte tão misteriosa, tão profunda, vítima nos
dias de hoje da confusão das decadências. Frédérick
Lemaitre desempenha um papel com a amplitude e a grandeza
do gênio. Por mais que sua criação esteja semeada de
detalhes luminosos, permanece sintética e escultural.
Bouffé compõe os seus papéis com uma minúcia de míope e de
burocrata. Nele tudo brilha, mas nada transparece, nada
quer ser guardado pela memória.
Ainsi, dans l’exécution de M. G. se montrent deux choses : l’une, une
contention de mémoire résurrectioniste, évocatrice, une mémoire qui
dit à chaque chose : « Lazare, lève-toi ! » ; l’autre, un feu, une
ivresse de crayon, de pinceau, ressemblant presque à une fureur.
C’est la peur de n’aller pas assez vite, de laisser échapper le
fantôme avant que la synthèse n’en soit extraite et saisie ; c’est
35. cette terrible peur qui possède tous les grands artistes et qui leur
fait désirer si ardemment de s’approprier tous les moyens
d’expression, pour que jamais les ordres de l’esprit ne soient
altérés par les hésitations de la main ; pour que finalement
l’exécution, l’exécution idéale, devienne aussi inconsciente, aussi
coulante que l’est la digestion pour le cerveau de l’homme bien
portant qui a dîné. M. G. commence par de légères indications au
crayon, qui ne marquent guère que la place que les objets doivent
tenir dans l’espace. Les plans principaux sont indiqués ensuite par
des teintes au lavis, des masses vaguement, légèrement colorées
d’abord, mais reprises plus tard et chargées successivement de
couleurs plus intenses. Au dernier moment, le contour des objets est
définitivement cerné par de l’encre. A moins de les avoir vus, on ne
se douterait pas des effets surprenants qu’il peut obtenir par cette
méthode si simple et presque élémentaire. Elle a cet incomparable
avantage, qu’à n’importe quel point de son progrès, chaque dessin a
l’air suffisamment fini ; vous nommerez cela une ébauche si vous
voulez, mais ébauche parfaite. Toutes les valeurs y sont en pleine
harmonie, et s’il les veut pousser plus loin, elles marcheront
toujours de front vers le perfectionnement désiré. Il prépare ainsi
vingt dessins à la fois avec une pétulance et une joie charmantes,
amusantes même pour lui ; les croquis s’empilent et se superposent
par dizaines, par centaines, par milliers. De temps à autre il les
parcourt, les feuillette, les examine, et puis il en choisit
quelques-uns dont il augmente plus ou moins l’intensité, dont il 32
charge les ombres et allume progressivement les lumières.
Assim, na execução de G. se evidenciam duas coisas: a
primeira, um esforço de memória ressurreicionista,
evocadora, uma memória que diz a cada coisa: “Lázaro,
levanta-te”; a outra, um fogo, uma embriaguez de lápis, de
pincel, que se assemelha quase a um furor. É o medo de não
agir com suficiente rapidez, de deixar o fantasma escapar
antes que sua síntese tenha sido extraída e captada; é o
pavor terrível que se apodera de todos os grandes artistas
e que os faz desejar tão ardentemente apropriarem-se de
todos os meios de expressão para que jamais as ordens do
espírito sejam alteradas pelas hesitações da mão; para que
finalmente a execução, a execução ideal se torne tão
inconsciente, tão fluente quanto a digestão para o cérebro
do homem sadio que acabou de jantar. G. começa por leves
indicações a lápis, que apenas indicam a posição que os
objetos devem ocupar no espaço. Os planos principais são
indicados em seguida por tons em aguada, massas de início
coloridas vagamente, levemente, porém retomadas mais tarde
e carregadas sucessivamente com cores mais intensas. No
último momento, o contorno dos objetos é definitivamente
delineado com a tinta. A menos que já os tenha visto, não
se pode imaginar os efeitos surpreendentes que G. consegue
obter com esse método tão simples e quase elementar. Tem a
incomparável vantagem de, em qualquer etapa de sua
36. progressão, cada desenho parecer suficientemente acabado;
alguém dirá que isso é um esboço, se quiser, mas um esboço
perfeito. Todos os valores se encontram em perfeita
harmonia, e se G. quiser levá-los adiante. eles se
encaminharão decididamente para o aperfeiçoamento desejado.
Ele prepara desse modo vinte desenhos ao mesmo tempo, com
uma petulância e alegria encantadoras, divertidas até mesmo
para ele - os croquis empilham-se e superpõem-se às
dezenas, às centenas, aos milhares. De vez em quando G. os
percorre, os folheia, os examina, e depois escolhe alguns,
nos quais aumenta mais ou menos a intensidade, carrega as
sombras e clareia progressivamente as zonas luminosas.
33
Demi-mondaines
Constantin Guys (1802-1892)
Il attache une immense importance aux fonds, qui, vigoureux ou
légers, sont toujours d’une qualité et d’une nature appropriées aux
figures. La gamme des tons et l’harmonie générale sont strictement
observées, avec un génie qui dérive plutôt de l’instinct que de
l’étude. Car M. G. possède naturellement ce talent mystérieux du
coloriste, véritable don que l’étude peut accroître, mais qu’elle
37. est, par elle-même, je crois, impuissante à créer. Pour tout dire en
un mot, notre singulier artiste exprime à la fois le geste et
l’attitude solennelle ou grotesque des êtres et leur explosion
lumineuse dans l’espace.
G. dedica uma imensa importância aos fundos que, vigorosos
ou evanescentes, sempre são de uma qualidade e de uma
natureza apropriadas às figuras. A gama de tons e a
harmonia geral são estritamente observadas, com um gênio
que provém mais do instinto que do estudo. Pois G. possui,
naturalmente, o talento misterioso do colorista, verdadeiro
dom que o estudo pode desenvolver, mas que é, por si mesmo,
creio, incapaz de criar. Para resumir em poucas palavras,
nosso singular artista exprime ao mesmo tempo o gesto e a
atitude solene ou grotesca dos seres e sua explosão
luminosa no espaço.
34
38. VI
Les annales de la guerre
Os anais da guerra
La Bulgarie, la Turquie, la Crimée, l’Espagne ont été de grandes
fêtes pour les yeux de M. G., ou plutôt de l’artiste imaginaire que
nous sommes convenus d’appeler M. G. ; car je me souviens de temps en
temps que je me suis promis, pour mieux rassurer sa modestie, de
supposer qu’il n’existait pas. J’ai compulsé ces archives de la
guerre d’Orient (champs de bataille jonchés de débris funèbres,
charrois de matériaux, embarquements de bestiaux et de chevaux),
tableaux vivants et surprenants, décalqués sur la vie elle-même,
éléments d’un pittoresque précieux que beaucoup de peintres en renom,
placés dans les mêmes circonstances, auraient étourdiment négligés ;
cependant, de ceux-là j’excepterai volontiers M. Horace Vernet,
véritable gazetier plutôt que peintre essentiel, avec lequel M. G.,
artiste plus délicat, a des rapports visibles, si on veut ne le
considérer que comme archiviste de la vie. Je puis affirmer que nul
journal, nul récit écrit, nul livre, n’exprime aussi bien, dans tous
ses détails douloureux et dans sa sinistre ampleur, cette grande
épopée de la guerre de Crimée. L’oeil se promène tour à tour aux
bords du Danube, aux rives du Bosphore, au cap Kerson, dans la plaine
de Balaklava, dans les champs d’Inkermann, dans les campements
35
anglais, français, turcs et piémontais, dans les rues de
Constantinople, dans les hôpitaux et dans toutes les solennités
religieuses et militaires.
A Bulgária, a Turquia, a Crimeia e a Espanha foram grandes
festas para os olhos de G., ou melhor, para os olhos do
artista imaginário que convencionamos chamar de G.; pois me
lembro de vez em quando ter prometido a mim mesmo, para
tranquilizar sua modéstia, supor que ele não existe.
Compulsei os arquivos da guerra do Oriente (campos de
batalha juncados de restos mortais, carroças de materiais,
embarques de gado e de cavalos), quadros vivos e
surpreendentes, decalcados na própria vida, elementos de um
pitoresco precioso que muitos pintores famosos, colocados
nas mesmas circunstâncias, teriam negligenciado
imprudentemente; no entanto, destes excluirei naturalmente
Horace Vernet, verdadeiro jornalista em vez de pintor
essencial, com quem G., artista mais delicado, tem
afinidades visíveis, se quisermos considerá-lo apenas como
arquivista da vida. Posso afirmar que nenhum diário, nenhum
relato escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os
seus detalhes dolorosos e em sua sinistra amplitude, a
grande epopéia da guerra da Crimeia. O olhar vagueia
sucessivamente pelas margens do Danúbio, pelas margens do
Bósforo, pelo cabo Kerson, pela planície de Balaklava,
pelos campos de Inkermann, pelos acampamentos ingleses,
39. franceses, turcos e piemonteses, pelas ruas de
Constantinopla, pelos hospitais e por todas as solenidades
religiosas e militares.
Quatre équipages
Constantin Guys 36
Une des compositions qui se sont le mieux gravées dans mon esprit est
la Consécration d’un terrain funèbre à Soutari par l’évêque de
Gibraltar. Le caractère pittoresque de la scène, qui consiste dans le
contraste de la nature orientale environnante avec les attitudes et
les uniformes occidentaux des assistants, est rendu d’une manière
saisissante, suggestive et grosse de rêveries. Les soldats et les
officiers ont ces airs ineffaçables de gentlemen, résolus et
discrets, qu’ils portent au bout du monde, jusque dans les garnisons
de la colonie du Cap et les établissements de l’Inde : les prêtres
anglais font vaguement songer à des huissiers ou à des agents de
change qui seraient revêtus de toques et de rabats.
Uma das composições que mais se gravaram em meu espírito é
a Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque
de Gibraltar1. O caráter pitoresco da cena, que consiste no
contraste da natureza oriental circundante com as atitudes
e os uniformes ocidentais da assistência, é expresso de uma
maneira fascinante, sugestiva e cheia de fantasia. Os
soldados e os oficiais têm esses ares indeléveis de
gentlemen, resolutos e discretos, que os distinguem até o
fim do mundo, até nas guarnições da colônia do Cabo e nas
feitorias da Índia: os pastores ingleses lembram vagamente
meirinhos ou agentes de câmbio que tivessem vestido barrete
e cabeção2.
1. “Consécration d’un Terrain Funèbre à Scutari par l’Évêque de