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Boletim de Jurisprudência Fiscal
Edição n.º 1/2017 (Actualização da Edição n.º 2/2016)
Seguros – enquadramento jurídico
Os seguros unit linked são contratos do
ramo vida ligados a fundos de
investimento, no âmbito dos quais são
atribuídas unidades de conta ao
segurado em função dos valores
investidos, cuja rentabilidade está
dependente da evolução do valor dos
activos em que se concretizou o
investimento.
É desta forma possível distinguir duas
relações distintas: (i) a relação entre o
segurado e a seguradora, no âmbito da
qual o primeiro efectua pagamentos à
segunda a título de comissões e prémio,
adquirindo em troca unidades de conta,
e (ii) a relação entre a seguradora e os
agentes do mercado financeiro,
verificando-se que é a primeira que
efectivamente adquire ou negoceia os
activos financeiros, aos quais as
unidades de conta se encontram
indexadas.
Na medida em que os referidos activos
financeiros pertencem à seguradora são
igualmente desta os rendimentos sujeitos
a imposto que derivem daqueles. A
redacção do artigo 50.º do Código do IRC,
introduzida pelo Decreto-Lei n.º
159/2009, de 13 de Julho, tornou clara a
concorrência dos rendimentos
resultantes de activos afectos a contratos
em que o risco de seguro é suportado
pelo segurado para a formação do lucro
tributável das seguradoras.
Em tais instrumentos de captação de
aforro estruturado o segurado apenas
aufere um rendimento pago pela
seguradora e sujeito a imposto por termo
do prazo do contrato, por resgate ou por
morte, o qual se encontra dependente do valor das
unidades de conta à data do evento.
Tratamento fiscal do rendimento das seguradoras
em sede de IRC – Decisão do CAAD, nos
processos n.º 65/2014-T, de 1 de Setembro de 2014,
e n.º 268/2015-T, de 29 de Janeiro de 2016, e
Acórdão do Tribunal Central Administrativo
(“TCA”) Sul, no processo n.º 09756/16, de 15 de
Dezembro de 2016
Ambas as decisões arbitrais versam sobre a
aplicabilidade do regime previsto no actual artigo
51.º do Código do IRC – que prevê a eliminação da
dupla tributação económica de lucros e reservas
distribuídos – aos rendimentos auferidos pelas
seguradoras no quadro dos produtos unit linked.
Em ambos os casos a Autoridade Tributária (AT)
negou a possibilidade de dedução de tais lucros
distribuídos por ter entendido que não se
encontrariam preenchidos os pressupostos de
aplicação da referida norma. Argumentou a AT,
para esse efeito, que tais rendimentos não se
traduzem no aumento da base tributável, por força
das normas prudenciais que vinculam a actividade
seguradora, as quais implicam o estabelecimento
obrigatório de provisões correspondentes às
responsabilidades assumidas com o segurado.
Todavia, os Árbitros alcançaram conclusão
diferente, propugnando pela aplicação do artigo
51.º do Código do IRC aos rendimentos auferidos
pelas seguradoras no âmbito de produtos unit
linked. Os mesmos pronunciaram-se
uniformemente no sentido de a necessidade de
provisionamento resultar do facto de a
distribuição de tais lucros à seguradora
efectivamente concorrer para a sua base tributável.
Concluindo, o regime assenta na neutralidade
fiscal da seguradora que gere os produtos em
apreço, prevendo que esta se possa desonerar de
determinados encargos fiscais (retenções na fonte
e tributação de lucros distribuídos),
verificando que os rendimentos serão
mais tarde tributados na esfera do
segurado.
Se assim não fosse a seguradora teria de
repercutir tais encargos na esfera do
segurado que sofreria uma dupla
tributação, o que anularia por completo
o benefício fiscal que o legislador
procurou conceder aos sujeitos passivos
(pessoas singulares) beneficiários dos
produtos de poupança em apreço.
O TCA Sul veio recentemente apreciar
factualidade semelhante à analisada nas
decisões arbitrais acima mencionadas
(que se reportava, todavia, a um
exercício de tributação anterior,
correspondente ao ano de 2001),
concluindo que “[D]a existência da
obrigação legal de constituir e manter
provisões técnicas, cujo valor deve permitir
às empresas seguradoras fazer face no futuro
aos compromissos assumidos, e que se
repercutem, como custos, nos resultados do
exercício, valor indexado à variação do valor
da carteira de títulos, escolhida como
referência do seguro, não se extrai que os
montantes percebidos, a título de dividendos,
em razão da carteira de participações sociais
detidas por aquelas, não se venha a inscrever
no balanço como rendimento e como tal
tributável. De modo semelhante, as normas
sobre a eliminação da dupla tributação (…)
não deixam de se aplicar, porquanto está-se
na presença de rendimento da contribuinte,
ora recorrida, cuja tributação ocorre (deve
ocorrer) nos termos gerais, como em relação
a qualquer outro contribuinte”. Verifica-
-se, desta forma, que o TCA Sul aderiu ao
entendimento já defendido em recentes
decisões arbitrais, concluindo pela
aplicação do actual artigo 51.º (ex artigo
46.º, na redacção em vigor em 2001), do
Código do IRC.
Tratamento fiscal do rendimento dos segurados
em sede de IRS – Decisão do CAAD, no processo
n.º 245/2015-T, de 2 de Dezembro de 2015
Nesta decisão arbitral analisou-se a qualificação
tributária dos rendimentos auferidos pelo
segurado (pessoa singular) por via de um produto
unit linked.
A diferença positiva sujeita a tributação entre os
montantes recebidos a título de resgate,
adiantamento ou vencimento de seguros e do
ramo “Vida” e os respectivos prémios pagos ou
importâncias investidas qualifica-se como
rendimento de capitais, ao abrigo do disposto no
artigo 5.º, n.º 3, do Código do IRS. Poderá ainda
haver uma exclusão de tributação de parte do
rendimento (entre 1/5 e 3/5 deste) consoante o
tempo de vigência contratual decorrido (entre 5 e
8 anos e após 8 anos, respectivamente).
Não obstante, poderão existir diferenças na
qualificação de tais rendimentos ao nível das
convenções para a eliminação da dupla tributação
celebradas por Portugal no caso de situações
plurilocalizadas, em que o Estado da residência do
segurado não seja também o Estado da fonte
pagadora, ou seja, o da seguradora. Consoante a
natureza dos rendimentos existem diferentes tipos
de competência tributária dos Estados (exclusiva,
cumulativa ilimitada ou limitada), com impacto ao
nível da tributação e dos mecanismos de
eliminação de uma eventual dupla tributação. Tal
é especialmente relevante para os contribuintes
residentes e residentes não habituais em Portugal
que sejam subscritores deste tipo de produto junto
de seguradoras com sede noutros Estados.
No âmbito da decisão arbitral em apreço o Árbitro
ponderou, para efeitos da convenção, a
qualificação daqueles rendimentos como “juros”
ou como “outros rendimentos” (conceito de
aplicação residual), concluindo por esta última.
Esta conclusão foi alcançada pelo facto de se tratar
de um produto com características híbridas, que
não teria cabimento na definição de “juros” tal
como formulada na convenção em análise, embora
tal rendimento tivesse enquadramento na
categoria de rendimento de capitais para efeitos de
IRS.
Face às questões acima enunciadas, e
dadas as dificuldades e complexidade
que rodeiam este tema – subsistindo
áreas ainda não abordadas
judicialmente, como seja a do
tratamento fiscal dos resgates parciais –,
é crucial que as seguradoras e os
segurados com produtos deste tipo,
nomeadamente os contratados com
entidades com sede no estrangeiro,
procurem aconselhamento jurídico-
fiscal.
Para obter mais informações sobre este
tema contacte: Ana Rita Pereira /
rita@rpba.pt
* * *
Embora a elaboração deste Boletim tenha
sido objecto do devido cuidado, a Ricardo
da Palma Borges & Associados (RPBA)
- Sociedade de Advogados, S.P., R.L. não
se responsabiliza por quaisquer
consequências decorrentes do uso da
informação nele contida. Ela é fornecida
apenas para fins genéricos e não pode ser
considerada aconselhamento jurídico ou
de outro tipo. Recomenda-se uma
assessoria jurídica qualificada e dirigida
ao caso concreto, previamente à tomada
de decisão relativamente a estes assuntos.

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RPBA Boletim de Jurisprudência Fiscal Edição n.º 1/2017 (Actualização da Edição n.º 2/2016) - O Tratamento Fiscal dos Seguros de Vida unit linked

  • 1. Boletim de Jurisprudência Fiscal Edição n.º 1/2017 (Actualização da Edição n.º 2/2016) Seguros – enquadramento jurídico Os seguros unit linked são contratos do ramo vida ligados a fundos de investimento, no âmbito dos quais são atribuídas unidades de conta ao segurado em função dos valores investidos, cuja rentabilidade está dependente da evolução do valor dos activos em que se concretizou o investimento. É desta forma possível distinguir duas relações distintas: (i) a relação entre o segurado e a seguradora, no âmbito da qual o primeiro efectua pagamentos à segunda a título de comissões e prémio, adquirindo em troca unidades de conta, e (ii) a relação entre a seguradora e os agentes do mercado financeiro, verificando-se que é a primeira que efectivamente adquire ou negoceia os activos financeiros, aos quais as unidades de conta se encontram indexadas. Na medida em que os referidos activos financeiros pertencem à seguradora são igualmente desta os rendimentos sujeitos a imposto que derivem daqueles. A redacção do artigo 50.º do Código do IRC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, tornou clara a concorrência dos rendimentos resultantes de activos afectos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo segurado para a formação do lucro tributável das seguradoras. Em tais instrumentos de captação de aforro estruturado o segurado apenas aufere um rendimento pago pela seguradora e sujeito a imposto por termo do prazo do contrato, por resgate ou por morte, o qual se encontra dependente do valor das unidades de conta à data do evento. Tratamento fiscal do rendimento das seguradoras em sede de IRC – Decisão do CAAD, nos processos n.º 65/2014-T, de 1 de Setembro de 2014, e n.º 268/2015-T, de 29 de Janeiro de 2016, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, no processo n.º 09756/16, de 15 de Dezembro de 2016 Ambas as decisões arbitrais versam sobre a aplicabilidade do regime previsto no actual artigo 51.º do Código do IRC – que prevê a eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos – aos rendimentos auferidos pelas seguradoras no quadro dos produtos unit linked. Em ambos os casos a Autoridade Tributária (AT) negou a possibilidade de dedução de tais lucros distribuídos por ter entendido que não se encontrariam preenchidos os pressupostos de aplicação da referida norma. Argumentou a AT, para esse efeito, que tais rendimentos não se traduzem no aumento da base tributável, por força das normas prudenciais que vinculam a actividade seguradora, as quais implicam o estabelecimento obrigatório de provisões correspondentes às responsabilidades assumidas com o segurado. Todavia, os Árbitros alcançaram conclusão diferente, propugnando pela aplicação do artigo 51.º do Código do IRC aos rendimentos auferidos pelas seguradoras no âmbito de produtos unit linked. Os mesmos pronunciaram-se uniformemente no sentido de a necessidade de provisionamento resultar do facto de a distribuição de tais lucros à seguradora efectivamente concorrer para a sua base tributável. Concluindo, o regime assenta na neutralidade fiscal da seguradora que gere os produtos em apreço, prevendo que esta se possa desonerar de determinados encargos fiscais (retenções na fonte
  • 2. e tributação de lucros distribuídos), verificando que os rendimentos serão mais tarde tributados na esfera do segurado. Se assim não fosse a seguradora teria de repercutir tais encargos na esfera do segurado que sofreria uma dupla tributação, o que anularia por completo o benefício fiscal que o legislador procurou conceder aos sujeitos passivos (pessoas singulares) beneficiários dos produtos de poupança em apreço. O TCA Sul veio recentemente apreciar factualidade semelhante à analisada nas decisões arbitrais acima mencionadas (que se reportava, todavia, a um exercício de tributação anterior, correspondente ao ano de 2001), concluindo que “[D]a existência da obrigação legal de constituir e manter provisões técnicas, cujo valor deve permitir às empresas seguradoras fazer face no futuro aos compromissos assumidos, e que se repercutem, como custos, nos resultados do exercício, valor indexado à variação do valor da carteira de títulos, escolhida como referência do seguro, não se extrai que os montantes percebidos, a título de dividendos, em razão da carteira de participações sociais detidas por aquelas, não se venha a inscrever no balanço como rendimento e como tal tributável. De modo semelhante, as normas sobre a eliminação da dupla tributação (…) não deixam de se aplicar, porquanto está-se na presença de rendimento da contribuinte, ora recorrida, cuja tributação ocorre (deve ocorrer) nos termos gerais, como em relação a qualquer outro contribuinte”. Verifica- -se, desta forma, que o TCA Sul aderiu ao entendimento já defendido em recentes decisões arbitrais, concluindo pela aplicação do actual artigo 51.º (ex artigo 46.º, na redacção em vigor em 2001), do Código do IRC. Tratamento fiscal do rendimento dos segurados em sede de IRS – Decisão do CAAD, no processo n.º 245/2015-T, de 2 de Dezembro de 2015 Nesta decisão arbitral analisou-se a qualificação tributária dos rendimentos auferidos pelo segurado (pessoa singular) por via de um produto unit linked. A diferença positiva sujeita a tributação entre os montantes recebidos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e do ramo “Vida” e os respectivos prémios pagos ou importâncias investidas qualifica-se como rendimento de capitais, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Código do IRS. Poderá ainda haver uma exclusão de tributação de parte do rendimento (entre 1/5 e 3/5 deste) consoante o tempo de vigência contratual decorrido (entre 5 e 8 anos e após 8 anos, respectivamente). Não obstante, poderão existir diferenças na qualificação de tais rendimentos ao nível das convenções para a eliminação da dupla tributação celebradas por Portugal no caso de situações plurilocalizadas, em que o Estado da residência do segurado não seja também o Estado da fonte pagadora, ou seja, o da seguradora. Consoante a natureza dos rendimentos existem diferentes tipos de competência tributária dos Estados (exclusiva, cumulativa ilimitada ou limitada), com impacto ao nível da tributação e dos mecanismos de eliminação de uma eventual dupla tributação. Tal é especialmente relevante para os contribuintes residentes e residentes não habituais em Portugal que sejam subscritores deste tipo de produto junto de seguradoras com sede noutros Estados. No âmbito da decisão arbitral em apreço o Árbitro ponderou, para efeitos da convenção, a qualificação daqueles rendimentos como “juros” ou como “outros rendimentos” (conceito de aplicação residual), concluindo por esta última. Esta conclusão foi alcançada pelo facto de se tratar de um produto com características híbridas, que não teria cabimento na definição de “juros” tal como formulada na convenção em análise, embora tal rendimento tivesse enquadramento na categoria de rendimento de capitais para efeitos de IRS.
  • 3. Face às questões acima enunciadas, e dadas as dificuldades e complexidade que rodeiam este tema – subsistindo áreas ainda não abordadas judicialmente, como seja a do tratamento fiscal dos resgates parciais –, é crucial que as seguradoras e os segurados com produtos deste tipo, nomeadamente os contratados com entidades com sede no estrangeiro, procurem aconselhamento jurídico- fiscal. Para obter mais informações sobre este tema contacte: Ana Rita Pereira / rita@rpba.pt * * * Embora a elaboração deste Boletim tenha sido objecto do devido cuidado, a Ricardo da Palma Borges & Associados (RPBA) - Sociedade de Advogados, S.P., R.L. não se responsabiliza por quaisquer consequências decorrentes do uso da informação nele contida. Ela é fornecida apenas para fins genéricos e não pode ser considerada aconselhamento jurídico ou de outro tipo. Recomenda-se uma assessoria jurídica qualificada e dirigida ao caso concreto, previamente à tomada de decisão relativamente a estes assuntos.