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Boletim de Jurisprudência Fiscal
Edição n.º 3/2017 (Actualização da Edição n.º 3/2016)
Nota Prévia: Nesta edição especial do
Boletim de Jurisprudência Fiscal
reunimos, consolidamos,
desenvolvemos e actualizamos dois
artigos do nosso sócio-administrador e
advogado especialista em direito fiscal,
Ricardo da Palma Borges, relativos ao
regime do reinvestimento em IRS para a
alienação e aquisição de habitação
própria e permanente, publicados
anteriormente no blog Out of the Box.
O regime do reinvestimento em IRS
para a alienação e aquisição de
habitação própria e permanente
O artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS,
prevê uma exclusão de tributação para
as mais-valias realizadas quando o
sujeito passivo aliena a sua habitação
própria e permanente (“imóvel antigo”),
desde que utilize o valor de realização
resultante dessa venda para adquirir um
“imóvel novo”, com o mesmo destino,
durante um lapso temporal que vai
desde os 24 meses anteriores à data da
realização até aos 36 meses posteriores a
ela.
Temos infelizmente constatado, na
nossa prática profissional, que este
regime, traiçoeiro e cheio de alçapões,
tem trazido graves dissabores a muitos
contribuintes, quase sempre por falta de
uma análise fiscal prévia às decisões de
compra e venda de imóveis.
I – O reinvestimento “para trás”
Uma situação que tem gerado litígios é a dos
sujeitos passivos que adquirem o “imóvel novo”
(v.g. em 2015) antes de alienarem o “antigo” (v.g.
em 2016). Normalmente, eles (i) necessitam de
recorrer a crédito bancário para aquisição do
“novo” (em 2015), e pretendem depois (ii)
recorrer ao regime fiscal do reinvestimento
instituído para a aquisição ocorrida nos 24 meses
anteriores à data da realização/venda do
“imóvel antigo”, (iii) aproveitando o valor de
realização deste último para amortizar (em 2016)
o crédito bancário contraído (em 2015).
Uma factualidade deste tipo foi apreciada por
um Tribunal Arbitral instituído junto do Centro
de Arbitragem Administrativa (CAAD)
no processo n.º 343/2014-T, tendo o mesmo
entendido que: “90. (…) para ser considerado
reinvestimento relevante teria que existir um nexo
de causalidade entre o valor de realização da
mais-valia resultante da venda do Imóvel 1 e a
amortização extraordinária do
empréstimo contraído para a aquisição do Imóvel 2.
91. Não tendo sido provado [no caso] este
nexo de causalidade (…)” (inserção e negritos
nossos).
Abstraindo das questões de prova (o
contribuinte não conseguiu, no processo,
demonstrar certos factos, na opinião do
Tribunal), importa reter que ao sujeito passivo
de IRS, em geral, como bem diz a decisão, tem
de ser dada oportunidade de comprovar o nexo
de causalidade exigido entre o valor de
realização gerado pela alienação do imóvel
antigo e a amortização de empréstimo contraído
para a aquisição do novo e, em consequência, a
afectação dos fundos obtidos com a venda à
amortização, designadamente obtendo para o
efeito, junto do banco, documentos que a
comprovem.
O Tribunal disse igualmente: “92.
(…) Equiparar a amortização do
empréstimo a um «reinvestimento», apesar
de todo o mérito que a mesma possa ter,
parece a este Tribunal Arbitral uma
interpretação que vai para além da letra e do
espírito da norma, ainda para mais
quando o referido nexo de causalidade não se
mostra provado” (negrito nosso).
Este trecho, à primeira vista, parece
contraditório com o do ponto 90., acima
transcrito. Na nossa opinião, e salvo o
devido respeito, a expressão “ainda para
mais” (que sugere que a amortização do
empréstimo nunca poderia traduzir-se
num reinvestimento, sendo
secundário que o referido nexo não se
mostre provado) não foi feliz e deve ser
omitida na leitura.
A nosso ver o que o Tribunal pretendeu
dizer foi apenas que não basta
demonstrar que a amortização do
empréstimo é posterior à venda do
imóvel. No fundo, o Tribunal não aceita
o argumento post hoc ergo propter hoc
(depois da venda é necessariamente por
causa da venda ou com base nos fundos
proporcionados por esta). Há, na
opinião deste, que evidenciar
claramente a relação e os cálculos que
provam a afectação do produto da
venda do imóvel antigo à amortização
do empréstimo para a aquisição do
novo. O espírito dos árbitros terá sido,
pois, ligeiramente traído pela letra da
decisão, algo que acontece, como aliás é
o caso dos autos, aos melhores.
Esta será a leitura correcta e articulada
das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 10.º
do Código do IRS: a) O valor de
realização, deduzido da amortização
de eventual empréstimo contraído para
a aquisição do imóvel, seja reinvestido
na aquisição da propriedade de outro
imóvel, de terreno para construção de imóvel e
ou respectiva construção, ou na ampliação ou
melhoramento de outro imóvel exclusivamente
com o mesmo destino situado em território
português ou no território de outro Estado
membro da União Europeia ou do Espaço
Económico Europeu, desde que, neste último
caso, exista intercâmbio de informações em
matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na
alínea anterior seja efectuado entre os 24 meses
anteriores e os 36 meses posteriores contados da
data da realização (destaques nossos).
Situação fáctica similar foi recentemente
apreciada pelo Tribunal Central Administrativo
Norte (“TCAN”), em Acórdão correspondente
ao processo n.º 00261/12.2BEPRT, datado de 4
de Maio de 2017, tendo este Tribunal
considerado, ao invés do Arbitral, que o acesso
ao regime fiscal do reinvestimento tem como
pressuposto que a aquisição do imóvel novo se
faça sem recurso a crédito bancário, ainda que tal
aquisição tenha ocorrido anteriormente à venda
do imóvel antigo. Refere o TCAN que: “Contar
doze meses [prazo estatuído na lei para o
reinvestimento “para trás” à data dos factos]
posteriores à aquisição do novo imóvel como prazo
limite para utilizar o valor de realização [obtido com
a venda do imóvel antigo] no seu pagamento, a tal
utilização se fazendo equivaler a amortização
parcial do empréstimo contraído, não tem
respaldo na lei como condição de exclusão da
tributação, não se alcançando a base
interpretativa que sustenta tal metodologia”
(inserções e negritos nossos).
Como explicita o Professor RUI DUARTE
MORAIS (in Sobre o IRS, 3.ª Edição, Almedina,
2014, p. 137) “O objetivo da lei é claro: eliminar
obstáculos fiscais à mudança de habitação, em
casa própria, por parte das famílias”.
Possibilitar a aplicação do regime do
reinvestimento numa situação como a descrita
não só é condizente com a teleologia da norma,
como é exigido pelo princípio constitucional da
capacidade contributiva.
Efectivamente, impedir tout court, como
pretende o TCAN, a exclusão de
tributação dos sujeitos passivos que,
antes da alienação do imóvel antigo,
necessitam de recorrer ao crédito
bancário para a aquisição do imóvel
novo, eliminaria do âmbito de
beneficiários do regime a maioria da
população.
Tal interpretação não promove a justa
repartição dos encargos tributários,
esvazia quase totalmente de sentido
(socialmente) útil o regime, e muito
reduz a fluidez do mercado imobiliário,
obrigando a que, por razões puramente
fiscais, verdadeiramente distorcivas, os
agentes económicos não tomem as
melhores decisões, norteados apenas
pelos factores económicos em presença,
alterando os timings naturais da compra
e venda de casas. Ou seja, precisamente
o contrário do que se ensina nos
manuais de economia e de fiscalidade:
que o imposto deve ser o mais neutral
possível, não gerando efeitos de
substituição ou lock-in nos agentes
económicos.
Aprofundaremos agora, nos próximos
pontos, duas outras questões que
suscitam dificuldades de acesso ao
regime do reinvestimento em sede de
IRS, as quais foram igualmente
analisadas por um Tribunal Arbitral
instituído junto do CAAD.
II – Amortização de empréstimo
contraído para a construção de imóvel
Como vimos, o reinvestimento do valor
de realização, que deriva da alienação
do “imóvel antigo”, na aquisição ou
construção de “imóvel novo”, ambos
destinados à habitação própria e
permanente, possibilita a exclusão de
tributação em IRS das mais-valias imobiliárias
geradas.
Por regra, quando existe um valor de realização
a reinvestir este tem de ser previamente
deduzido da amortização de empréstimo
contraído para a aquisição do imóvel “antigo”.
Ou seja, o dever de reinvestir é sobre o montante
do preço de venda do imóvel “antigo” abatido
das responsabilidades inerentes ao pagamento
do empréstimo que esteve associado à
respectiva aquisição, i.e., apenas são
naturalmente reinvestíveis os meios líquidos
sobrantes.
Todavia, a Autoridade Tributária e Aduaneira
(“AT”) tem entendido que só qualifica para tal
regime a amortização de empréstimo quando o
mesmo tenha sido contraído para a compra do
“imóvel antigo”, e não para a
respectiva construção, excluindo os casos em que
o sujeito edificou sobre terreno por si adquirido.
A decisão arbitral proferida no processo
n.º 84/2012-T sanciona este entendimento,
considerando que a amortização do empréstimo
contraído para a construção do “imóvel antigo”
nunca poderia ser aceite para efeitos de
reinvestimento, tendo em conta que as normas
de exclusão de tributação devem ser
interpretadas estritamente e sem recurso a
analogia, e que «o legislador refere expressamente
“aquisição”».
Veio também, recentemente, o Supremo
Tribunal Administrativo (“STA”) tomar posição
coincidente sobre esta matéria, em Acórdão
correspondente ao processo n.º 0774/14, datado
de 18 de Janeiro de 2017, dizendo que: “(…)
cremos que, face à possibilidade concreta de um
empréstimo contraído para construção de um imóvel
ser desviado dos seus fins pelo mutuário o legislador
tenha limitado o benefício em causa apenas a,
empréstimos contraídos para aquisição de imóvel,
situação mais facilmente verificável e menos propensa
a desvios relativamente aos seus fins”, referindo
mais adiante que “(…) por não estar em causa um
empréstimo contraído para aquisição do imóvel, no
seu sentido imediato e com expressão comercial, a
nosso ver, considerando tudo o que ficou dito,
designadamente as apertadas regras interpretativas
que em matéria de não tributação/benefícios fiscais
devem ser observadas, entendemos que não está
satisfeita a condição para exclusão de tributação”.
A nosso ver, tal interpretação peca por
excessivamente literal, pelo que a amortização
de um empréstimo à construção cujo montante
seja igual ou aquém do valor global desta,
devidamente comprovado à luz dos respectivos
custos, deverá ser aceite.
Desde logo, o elemento teleológico de
interpretação implica que a mesma não atente
contra a protecção fiscal que é concedida ao
direito de propriedade da habitação própria e
permanente, para mais na sua modalidade de
auto-construção, que mereceu tutela expressa
no artigo 65.º, n.º 2, alínea d), da Constituição.
Acresce o elemento de interpretação sistemático.
Dispõe o artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS: “O
valor de aquisição de imóveis construídos pelos
próprios sujeitos passivos corresponde ao valor
patrimonial inscrito na matriz ou ao valor
do terreno, acrescido dos custos de
construção devidamente comprovados, se
superior àquele” (itálicos nossos). Ora, para o
mencionado Código, os imóveis construídos não
deixam de ser adquiridos e de dispor de um valor
de aquisição, ainda que compósito. Todos os
imóveis são iguais; não há imóveis mais
adquiridos do que outros. O Acórdão do STA
em apreço aborda também este argumento
defendendo que “(…) quando o legislador refere
empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, este
termo aquisição a que o legislador se refere não pode
igualar-se em termos de significado jurídico ao
conceito de aquisição referida no artº 46º nº 3 do CIRS
que conduziu à incorporação do prédio na esfera
jurídica do interessado por via da construção por
conta do próprio interessado, na consideração
primeira de que, ainda que a lei para efeitos fiscais
integre no conceito de aquisição tanto o imóvel
adquirido a terceiros como o imóvel construído pelo
próprio, a mesma norma ao efectuar uma definição
concreta para efeitos de cálculo do valor de aquisição,
acaba por limitar a possibilidade de deduzir um
qualquer empréstimo hipotecário contraído para a
construção do imóvel”.
Entendemos, no entanto, até por razões de
neutralidade fiscal no tratamento das diferentes
formas de acesso à habitação própria, que a
amortização de empréstimo contraído para
a aquisição do “imóvel antigo” contempla em si,
entre outros, o caso da respectiva construção.
Neste sentido, veja-se a Declaração de voto de
vencida, patente no Acórdão do STA em análise,
elaborada pela Exma. Sra. Juíza Conselheira
Dulce Neto, que refere “as normas contidas no art.º
10.º do CIRS são, por definição, normas de incidência
tributária, sendo as contidas nos seus n.º 5 e 6 normas
de incidência negativa, na medida em que fazem uma
delimitação negativa expressa da regra de incidência.
Normas que, estando embora sujeitas à reserva de lei
e à tipicidade legal fechada ou taxativa, admitem
interpretação extensiva, só estando o intérprete
impedido de fazer uma interpretação que desafie o
recorte típico da norma ou que ponha em causa os
critérios legalmente exigidos para a ocorrência de
exclusão de tributação taxativamente definida pelo
legislador (…) a aquisição de um imóvel destinado a
habitação (ou de ingresso na esfera patrimonial do
sujeito passivo desse tipo de imóvel) tanto pode
efetuar-se através da aquisição (originária ou
derivada) de uma habitação já edificada e inscrita na
matriz predial urbana, como através da construção de
edifício habitacional num prédio rústico ou terreno
para construção que o sujeito passivo adquiriu - que é
a forma de fazer surgir e fazer ingressar na sua esfera
patrimonial um novo prédio urbano. Entendo que
ambas as formas de aquisição estão contempladas na
norma, até porque do disposto no art.º 46.º do CIRS
decorre que a aquisição tanto pode referir-se a imóvel
adquirido a terceiros como a imóveis construído pelo
próprio, fazendo a norma a distinção para efeitos de
cálculo do respetivo valor de aquisição”.
III – Impacto da situação pessoal no
regime do reinvestimento
Na decisão arbitral mencionada no
ponto II foi analisada uma outra questão,
respeitante ao facto de o “imóvel antigo”
ter sido adquirido no estado civil de
solteiro, e de o “imóvel novo” ter sido já
adquirido como bem comum por ambos
os cônjuges na constância do
matrimónio.
Enquanto Advogados somos
sistematicamente confrontados com o
facto de o sistema informático da AT
não estar preparado para lidar com
situações em que exista alteração do
estado civil do(s) sujeito(s) passivo(s) no
decurso do prazo legal para
reinvestimento. Tais alterações
recorrentemente geram divergências
nos elementos declarados, e liquidações
adicionais ilegais contra as quais os
contribuintes têm de reagir com os
constrangimentos daí advenientes,
conforme vimos suceder, por exemplo,
com um contribuinte casado que
declarou a intenção de reinvestimento
de valor de realização de bem próprio
em declaração apresentada
conjuntamente com o respectivo
cônjuge e reinvestiu em ano em que se
encontrava já divorciado. Tal constitui
um obstáculo à plena e correcta
aplicação do regime do reinvestimento,
que a AT deveria solucionar – estando
ainda por saber, e testar, se as recentes
alterações ao regime de tributação-regra
dos cônjuges em IRS, que passou a ser o
da tributação separada a partir do ano
de 2015, resolveram definitivamente a
questão.
O Tribunal Arbitral foi a este propósito
esclarecedor e reiterou a recomendação
nesta matéria do Provedor de Justiça
(n.º 18/A/2012), determinando no ponto
2.2.4 da respectiva decisão: “a finalidade
extrafiscal do disposto nos nºs. 5 e 6 do artigo 10º do
CIRS é claramente a de promover o reinvestimento na
aquisição, construção ou melhoramento de imóvel
afeto à habitação própria e permanente do agregado
familiar, sem fazer qualquer alusão a casamento, tipo
de regime de casamento ou qualquer outra condição.
Se o legislador não estabelece tal distinção, não está o
aplicador da norma habilitado a fazê-la”.
Efectivamente, a finalidade da exclusão de
tributação nada tem que ver com a situação
pessoal do sujeito passivo, mas sim com a
protecção fiscal do direito à habitação própria e
permanente do mesmo e do correspondente
agregado familiar.
Para obter mais informações sobre este tema
contacte: Ana Rita Pereira / rita@rpba.pt
* * *
Embora a elaboração deste Boletim tenha sido
objecto do devido cuidado, a Ricardo da Palma
Borges & Associados (RPBA) - Sociedade de
Advogados, R.L. não se responsabiliza por
quaisquer consequências decorrentes do uso da
informação nele contida. Ela é fornecida apenas
para fins genéricos e não pode ser considerada
aconselhamento jurídico ou de outro tipo.
Recomenda-se uma assessoria jurídica
qualificada e dirigida ao caso concreto,
previamente à tomada de decisão relativamente a
estes assuntos.

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RPBA Boletim de Jurisprudência Fiscal n.º 3 de 2017 (Actualização da Edição n.º 3/2016) - Regime do reinvestimento em IRS para a alienação e aquisição de habitação própria e permanente

  • 1. Boletim de Jurisprudência Fiscal Edição n.º 3/2017 (Actualização da Edição n.º 3/2016) Nota Prévia: Nesta edição especial do Boletim de Jurisprudência Fiscal reunimos, consolidamos, desenvolvemos e actualizamos dois artigos do nosso sócio-administrador e advogado especialista em direito fiscal, Ricardo da Palma Borges, relativos ao regime do reinvestimento em IRS para a alienação e aquisição de habitação própria e permanente, publicados anteriormente no blog Out of the Box. O regime do reinvestimento em IRS para a alienação e aquisição de habitação própria e permanente O artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, prevê uma exclusão de tributação para as mais-valias realizadas quando o sujeito passivo aliena a sua habitação própria e permanente (“imóvel antigo”), desde que utilize o valor de realização resultante dessa venda para adquirir um “imóvel novo”, com o mesmo destino, durante um lapso temporal que vai desde os 24 meses anteriores à data da realização até aos 36 meses posteriores a ela. Temos infelizmente constatado, na nossa prática profissional, que este regime, traiçoeiro e cheio de alçapões, tem trazido graves dissabores a muitos contribuintes, quase sempre por falta de uma análise fiscal prévia às decisões de compra e venda de imóveis. I – O reinvestimento “para trás” Uma situação que tem gerado litígios é a dos sujeitos passivos que adquirem o “imóvel novo” (v.g. em 2015) antes de alienarem o “antigo” (v.g. em 2016). Normalmente, eles (i) necessitam de recorrer a crédito bancário para aquisição do “novo” (em 2015), e pretendem depois (ii) recorrer ao regime fiscal do reinvestimento instituído para a aquisição ocorrida nos 24 meses anteriores à data da realização/venda do “imóvel antigo”, (iii) aproveitando o valor de realização deste último para amortizar (em 2016) o crédito bancário contraído (em 2015). Uma factualidade deste tipo foi apreciada por um Tribunal Arbitral instituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 343/2014-T, tendo o mesmo entendido que: “90. (…) para ser considerado reinvestimento relevante teria que existir um nexo de causalidade entre o valor de realização da mais-valia resultante da venda do Imóvel 1 e a amortização extraordinária do empréstimo contraído para a aquisição do Imóvel 2. 91. Não tendo sido provado [no caso] este nexo de causalidade (…)” (inserção e negritos nossos). Abstraindo das questões de prova (o contribuinte não conseguiu, no processo, demonstrar certos factos, na opinião do Tribunal), importa reter que ao sujeito passivo de IRS, em geral, como bem diz a decisão, tem de ser dada oportunidade de comprovar o nexo de causalidade exigido entre o valor de realização gerado pela alienação do imóvel antigo e a amortização de empréstimo contraído para a aquisição do novo e, em consequência, a afectação dos fundos obtidos com a venda à amortização, designadamente obtendo para o efeito, junto do banco, documentos que a comprovem.
  • 2. O Tribunal disse igualmente: “92. (…) Equiparar a amortização do empréstimo a um «reinvestimento», apesar de todo o mérito que a mesma possa ter, parece a este Tribunal Arbitral uma interpretação que vai para além da letra e do espírito da norma, ainda para mais quando o referido nexo de causalidade não se mostra provado” (negrito nosso). Este trecho, à primeira vista, parece contraditório com o do ponto 90., acima transcrito. Na nossa opinião, e salvo o devido respeito, a expressão “ainda para mais” (que sugere que a amortização do empréstimo nunca poderia traduzir-se num reinvestimento, sendo secundário que o referido nexo não se mostre provado) não foi feliz e deve ser omitida na leitura. A nosso ver o que o Tribunal pretendeu dizer foi apenas que não basta demonstrar que a amortização do empréstimo é posterior à venda do imóvel. No fundo, o Tribunal não aceita o argumento post hoc ergo propter hoc (depois da venda é necessariamente por causa da venda ou com base nos fundos proporcionados por esta). Há, na opinião deste, que evidenciar claramente a relação e os cálculos que provam a afectação do produto da venda do imóvel antigo à amortização do empréstimo para a aquisição do novo. O espírito dos árbitros terá sido, pois, ligeiramente traído pela letra da decisão, algo que acontece, como aliás é o caso dos autos, aos melhores. Esta será a leitura correcta e articulada das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS: a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização (destaques nossos). Situação fáctica similar foi recentemente apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), em Acórdão correspondente ao processo n.º 00261/12.2BEPRT, datado de 4 de Maio de 2017, tendo este Tribunal considerado, ao invés do Arbitral, que o acesso ao regime fiscal do reinvestimento tem como pressuposto que a aquisição do imóvel novo se faça sem recurso a crédito bancário, ainda que tal aquisição tenha ocorrido anteriormente à venda do imóvel antigo. Refere o TCAN que: “Contar doze meses [prazo estatuído na lei para o reinvestimento “para trás” à data dos factos] posteriores à aquisição do novo imóvel como prazo limite para utilizar o valor de realização [obtido com a venda do imóvel antigo] no seu pagamento, a tal utilização se fazendo equivaler a amortização parcial do empréstimo contraído, não tem respaldo na lei como condição de exclusão da tributação, não se alcançando a base interpretativa que sustenta tal metodologia” (inserções e negritos nossos). Como explicita o Professor RUI DUARTE MORAIS (in Sobre o IRS, 3.ª Edição, Almedina, 2014, p. 137) “O objetivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias”. Possibilitar a aplicação do regime do reinvestimento numa situação como a descrita não só é condizente com a teleologia da norma, como é exigido pelo princípio constitucional da capacidade contributiva.
  • 3. Efectivamente, impedir tout court, como pretende o TCAN, a exclusão de tributação dos sujeitos passivos que, antes da alienação do imóvel antigo, necessitam de recorrer ao crédito bancário para a aquisição do imóvel novo, eliminaria do âmbito de beneficiários do regime a maioria da população. Tal interpretação não promove a justa repartição dos encargos tributários, esvazia quase totalmente de sentido (socialmente) útil o regime, e muito reduz a fluidez do mercado imobiliário, obrigando a que, por razões puramente fiscais, verdadeiramente distorcivas, os agentes económicos não tomem as melhores decisões, norteados apenas pelos factores económicos em presença, alterando os timings naturais da compra e venda de casas. Ou seja, precisamente o contrário do que se ensina nos manuais de economia e de fiscalidade: que o imposto deve ser o mais neutral possível, não gerando efeitos de substituição ou lock-in nos agentes económicos. Aprofundaremos agora, nos próximos pontos, duas outras questões que suscitam dificuldades de acesso ao regime do reinvestimento em sede de IRS, as quais foram igualmente analisadas por um Tribunal Arbitral instituído junto do CAAD. II – Amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel Como vimos, o reinvestimento do valor de realização, que deriva da alienação do “imóvel antigo”, na aquisição ou construção de “imóvel novo”, ambos destinados à habitação própria e permanente, possibilita a exclusão de tributação em IRS das mais-valias imobiliárias geradas. Por regra, quando existe um valor de realização a reinvestir este tem de ser previamente deduzido da amortização de empréstimo contraído para a aquisição do imóvel “antigo”. Ou seja, o dever de reinvestir é sobre o montante do preço de venda do imóvel “antigo” abatido das responsabilidades inerentes ao pagamento do empréstimo que esteve associado à respectiva aquisição, i.e., apenas são naturalmente reinvestíveis os meios líquidos sobrantes. Todavia, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tem entendido que só qualifica para tal regime a amortização de empréstimo quando o mesmo tenha sido contraído para a compra do “imóvel antigo”, e não para a respectiva construção, excluindo os casos em que o sujeito edificou sobre terreno por si adquirido. A decisão arbitral proferida no processo n.º 84/2012-T sanciona este entendimento, considerando que a amortização do empréstimo contraído para a construção do “imóvel antigo” nunca poderia ser aceite para efeitos de reinvestimento, tendo em conta que as normas de exclusão de tributação devem ser interpretadas estritamente e sem recurso a analogia, e que «o legislador refere expressamente “aquisição”». Veio também, recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) tomar posição coincidente sobre esta matéria, em Acórdão correspondente ao processo n.º 0774/14, datado de 18 de Janeiro de 2017, dizendo que: “(…) cremos que, face à possibilidade concreta de um empréstimo contraído para construção de um imóvel ser desviado dos seus fins pelo mutuário o legislador tenha limitado o benefício em causa apenas a, empréstimos contraídos para aquisição de imóvel, situação mais facilmente verificável e menos propensa a desvios relativamente aos seus fins”, referindo mais adiante que “(…) por não estar em causa um
  • 4. empréstimo contraído para aquisição do imóvel, no seu sentido imediato e com expressão comercial, a nosso ver, considerando tudo o que ficou dito, designadamente as apertadas regras interpretativas que em matéria de não tributação/benefícios fiscais devem ser observadas, entendemos que não está satisfeita a condição para exclusão de tributação”. A nosso ver, tal interpretação peca por excessivamente literal, pelo que a amortização de um empréstimo à construção cujo montante seja igual ou aquém do valor global desta, devidamente comprovado à luz dos respectivos custos, deverá ser aceite. Desde logo, o elemento teleológico de interpretação implica que a mesma não atente contra a protecção fiscal que é concedida ao direito de propriedade da habitação própria e permanente, para mais na sua modalidade de auto-construção, que mereceu tutela expressa no artigo 65.º, n.º 2, alínea d), da Constituição. Acresce o elemento de interpretação sistemático. Dispõe o artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS: “O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele” (itálicos nossos). Ora, para o mencionado Código, os imóveis construídos não deixam de ser adquiridos e de dispor de um valor de aquisição, ainda que compósito. Todos os imóveis são iguais; não há imóveis mais adquiridos do que outros. O Acórdão do STA em apreço aborda também este argumento defendendo que “(…) quando o legislador refere empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, este termo aquisição a que o legislador se refere não pode igualar-se em termos de significado jurídico ao conceito de aquisição referida no artº 46º nº 3 do CIRS que conduziu à incorporação do prédio na esfera jurídica do interessado por via da construção por conta do próprio interessado, na consideração primeira de que, ainda que a lei para efeitos fiscais integre no conceito de aquisição tanto o imóvel adquirido a terceiros como o imóvel construído pelo próprio, a mesma norma ao efectuar uma definição concreta para efeitos de cálculo do valor de aquisição, acaba por limitar a possibilidade de deduzir um qualquer empréstimo hipotecário contraído para a construção do imóvel”. Entendemos, no entanto, até por razões de neutralidade fiscal no tratamento das diferentes formas de acesso à habitação própria, que a amortização de empréstimo contraído para a aquisição do “imóvel antigo” contempla em si, entre outros, o caso da respectiva construção. Neste sentido, veja-se a Declaração de voto de vencida, patente no Acórdão do STA em análise, elaborada pela Exma. Sra. Juíza Conselheira Dulce Neto, que refere “as normas contidas no art.º 10.º do CIRS são, por definição, normas de incidência tributária, sendo as contidas nos seus n.º 5 e 6 normas de incidência negativa, na medida em que fazem uma delimitação negativa expressa da regra de incidência. Normas que, estando embora sujeitas à reserva de lei e à tipicidade legal fechada ou taxativa, admitem interpretação extensiva, só estando o intérprete impedido de fazer uma interpretação que desafie o recorte típico da norma ou que ponha em causa os critérios legalmente exigidos para a ocorrência de exclusão de tributação taxativamente definida pelo legislador (…) a aquisição de um imóvel destinado a habitação (ou de ingresso na esfera patrimonial do sujeito passivo desse tipo de imóvel) tanto pode efetuar-se através da aquisição (originária ou derivada) de uma habitação já edificada e inscrita na matriz predial urbana, como através da construção de edifício habitacional num prédio rústico ou terreno para construção que o sujeito passivo adquiriu - que é a forma de fazer surgir e fazer ingressar na sua esfera patrimonial um novo prédio urbano. Entendo que ambas as formas de aquisição estão contempladas na norma, até porque do disposto no art.º 46.º do CIRS decorre que a aquisição tanto pode referir-se a imóvel adquirido a terceiros como a imóveis construído pelo próprio, fazendo a norma a distinção para efeitos de cálculo do respetivo valor de aquisição”.
  • 5. III – Impacto da situação pessoal no regime do reinvestimento Na decisão arbitral mencionada no ponto II foi analisada uma outra questão, respeitante ao facto de o “imóvel antigo” ter sido adquirido no estado civil de solteiro, e de o “imóvel novo” ter sido já adquirido como bem comum por ambos os cônjuges na constância do matrimónio. Enquanto Advogados somos sistematicamente confrontados com o facto de o sistema informático da AT não estar preparado para lidar com situações em que exista alteração do estado civil do(s) sujeito(s) passivo(s) no decurso do prazo legal para reinvestimento. Tais alterações recorrentemente geram divergências nos elementos declarados, e liquidações adicionais ilegais contra as quais os contribuintes têm de reagir com os constrangimentos daí advenientes, conforme vimos suceder, por exemplo, com um contribuinte casado que declarou a intenção de reinvestimento de valor de realização de bem próprio em declaração apresentada conjuntamente com o respectivo cônjuge e reinvestiu em ano em que se encontrava já divorciado. Tal constitui um obstáculo à plena e correcta aplicação do regime do reinvestimento, que a AT deveria solucionar – estando ainda por saber, e testar, se as recentes alterações ao regime de tributação-regra dos cônjuges em IRS, que passou a ser o da tributação separada a partir do ano de 2015, resolveram definitivamente a questão. O Tribunal Arbitral foi a este propósito esclarecedor e reiterou a recomendação nesta matéria do Provedor de Justiça (n.º 18/A/2012), determinando no ponto 2.2.4 da respectiva decisão: “a finalidade extrafiscal do disposto nos nºs. 5 e 6 do artigo 10º do CIRS é claramente a de promover o reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de imóvel afeto à habitação própria e permanente do agregado familiar, sem fazer qualquer alusão a casamento, tipo de regime de casamento ou qualquer outra condição. Se o legislador não estabelece tal distinção, não está o aplicador da norma habilitado a fazê-la”. Efectivamente, a finalidade da exclusão de tributação nada tem que ver com a situação pessoal do sujeito passivo, mas sim com a protecção fiscal do direito à habitação própria e permanente do mesmo e do correspondente agregado familiar. Para obter mais informações sobre este tema contacte: Ana Rita Pereira / rita@rpba.pt * * * Embora a elaboração deste Boletim tenha sido objecto do devido cuidado, a Ricardo da Palma Borges & Associados (RPBA) - Sociedade de Advogados, R.L. não se responsabiliza por quaisquer consequências decorrentes do uso da informação nele contida. Ela é fornecida apenas para fins genéricos e não pode ser considerada aconselhamento jurídico ou de outro tipo. Recomenda-se uma assessoria jurídica qualificada e dirigida ao caso concreto, previamente à tomada de decisão relativamente a estes assuntos.