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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
                INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
          CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS




                                              Thiago Angelin Lemos Bianchetti




Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a Ótica de Re-significação Iurdiana:
uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja Universal do Reino de Deus.




                                 Maceió-AL


                                                                                 1
Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a Ótica de Re-significação Iurdiana:
uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja Universal do Reino de Deus.




                                              Thiago Angelin Lemos Bianchetti




                                    Trabalho de Conclusão de Curso – TCC –
                                    apresentado ao Instituto de Ciências Sociais
                                    da Universidade Federal de Alagoas, como
                                    requisito básico para obtenção do Grau de
                                    Bacharel em Ciências Sociais, sob a
                                    orientação da Professora Dra. Rachel
                                    Rocha de Almeida Barros.




                                 Maceió-AL



                                                                                 2
SUMÁRIO



Resumo.......................................................................................................................... 07

Introdução ............................................................................................................ 08 – 16


Capítulo I - Aspecto sociohistórico da Igreja Universal do Reino de Deus
................................................................................................................................ 17 – 25


Capítulo II – “Exus, protetor dos ‘home’”............................................................ 26 – 46



Capítulo III – “Farofa na fundanga”, quero ver queimar - um relato etnográfico -
................................................................................................................................ 47 – 65



Capítulo IV – Despacho de Exus: uma Observação Direta da Sessão do Descarrego na
IURD ..................................................................................................................... 66 – 89


4.1 Símbolos, imagens e imaginários .................................................................... 81 – 89


Considerações finais ............................................................................................ 90 – 91


Referência Bibliográfica ...................................................................................... 92 – 95




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Carrego Comigo

                                   (...)
                Mesmo em forma de erro
                       Que alívio seria

                     Mas ficas fechado.
                      Carrego-te à noite
                     se vou para o baile
                       De manhã te levo

                   Para a escura fábrica
                     De negro subúrbio.
                      És, de fato, amigo
                      Secreto e evidente

                         Perder-te seria
               Perder-me a mim próprio.
                    Sou um homem livre
                    Mas levo uma coisa.

                     Não sei o que seja.
                      Eu não o escolhi.
                           Jamais fitei.
                    Mas levo uma coisa.

                        Não estou vazio,
                      Não estou sozinho,
                       Pois anda comigo
                      Algo indescritível.

(Carlos Drummond A Rosa do povo p. 32).




                                       4
É o vento que balança a folha
Guiné
É o vento que balança a folha.
É o vento que balança a folha
Guiné
É o vento que balança a folha.
É, É, É! Pai Guiné
É o vento que balança a folha.




                                 5
Agradecimentos

         Às divindades que têm me acompanhado com extrema graciosidade e
benevolência.
         À toda minha família, em especial a Rose Meire Lemos Bianchetti, Denevaldo
José Bianchetti e Maria Clara Lemos, a esses devo todo respeito e admiração. Sem eles
não poderia ter continuado a batalha que foi e é minha vida desde cedo. A vocês
eternamente grato.
         À Professora Rachel Rocha de Almeida Barros, pela sua orientação nesse
trabalho, mas também pelo seu compromisso como profissional, sua competência e
dedicação ao ensino público, sua desenvoltura na liderança de pesquisas e tantas outras.
Grato.
         À Professora Sílvia Aguiar Carneiro Martins que com prontidão sempre
auxiliou nas dúvidas, nas necessidades técnicas, teóricas e na Co–orientação desse
trabalho. Pela pessoa generosa que é. Grato.
         Aos professores Bruno César Cavalcante, pela participação na pré–banca e
banca deste TCC. Siloé Amorim, Sérgio Castilho, Alice Anabuki, Mariza Soares por sua
gentileza e presteza ao enviar seu artigo e a todos aqueles que cruzaram meu caminho
durante a graduação.
         A todos os membros da casa Palácio de Iemanjá na pessoa do babalorixá Zeca,
muito grato pela abertura de seus cultos, sua vida religiosa e a permissão do registro de
suas imagens.
         A Juliana Barretto, pela força e companheirismo.
         A turma de 2004 do período noturno que sem dúvida fez valer a parceria, as
críticas e as descontrações.
         Aos amigos, aquele abraço!




                                                                                       6
Resumo




       O presente trabalho pretende discutir o sincretismo da Igreja Universal do Reino
de Deus – IURD - em relação aos símbolos das religiões afro-brasileiros. Entender a
postura e a dinâmica dos rituais nos cultos afro-brasileiros como também nos cultos da
sessão do descarrego da IURD. Para tanto, será observado os cultos afro-brasileiros da
casa Palácio de Iemanjá, situada no bairro de Jacintinho, e os do Templo Maior da
IURD, situada no bairro de Mangabeiras. Pretende-se abordar como as entidades
espirituais se manifestam nestas duas esferas religiosas a partir de uma observação
direta dos cultos.
       Observo as festas dadas aos Exus na casa Palácio de Iemanjá como também os
expurgos destas entidades na IURD, contudo o foco principal não é evidenciar o
conflito religioso, e sim, mostrar que em um processo de inversão simbólica dos Exus e
outros elementos da Umbanda e do Candomblé a IURD evidencia seu caráter sincrético-
religioso.
       Através de uma etnografia realizada no terreiro, aqui já mencionado, observo as
identificações dadas pelos membros desta casa aos Exus, por outro lado observo-os,
também, dentro da IURD e suas respectivas identificações.
       Por fim, analiso os ataques, contidos no livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses
ou demônios? Do bispo Edir Macedo contra os símbolos, elementos e o todo o panteão
de entidades das religiões afro-brasileiras.




                                                                                     7
Introdução


                     ... no universo da religião estamos muito mais interessados em conversar
                     com Deus, com os santos, com a Virgem Maria e Jesus Cristo, e com toda a
                     legião de entidades que ali habitam. Nosso modo de relacionamento aqui é
                     diferente. Em vez de discursar, rezamos; em vez de ordenar, pedimos em vez
                     de simplesmente falar, como fazemos habitualmente, conjugamos a forma da
                     mensagem com seu conteúdo, suplicamos. O modo de comunicação com o
                     além e seus habitantes, assim, é formalizado e suplicante. Feito de preces,
                     rezas e discursos onde se acentua a cândida sinceridade, a honesta súplica, a
                     nobre humildade e, naturalmente, a formidável promessa de renunciar ao
                     mundo com suas pompas e honras (DaMatta, 1986: 109-110).


         Esse estudo pretende apresentar duas determinadas identidades religiosas que,
aparentemente, se mostram diametralmente opostas uma à outra. Oposta porque uma se
identifica como evangélica (Macedo, 2006) e a outra como mediúnica ou, como se
convencionou chamar entre os populares, membros da Umbanda, e até mesmo entre
intelectuais, a “famosa” macumba (Magnani, 1986:21). Não é preciso muitas
argumentações para entender o quanto o termo evangélico se distancia do termo
“macumbeiro” – caracterização evidentemente carregada de sentido negativo para
muitos. Enfim, Fala-se aqui de duas religiões: da Umbanda e da Igreja Universal do
Reino de Deus - IURD1. A religião umbandista é caracterizada pela sua forma de re-
ligare2 o homem ao sobrenatural através do transe e da possessão de seus adeptos por
meio de entidades pertencentes ao plano espiritual (op. cit.:11). A IURD, religião
nascida no final da década de 70, mostra-se extremamente inovadora no campo
religioso brasileiro: pratica rituais de curas divinas, expurgo de demônios, rituais de
incentivo à prosperidade financeira e ostenta um forte aparelhamento midiático a seu
favor (Mariano, 1999:34-35). Segundo o mesmo, os movimentos evangélicos da década


1
  - Segundo Ortiz (1947:132) a palavra umbanda é de origem Kimbundo e quer dizer “curar”. A sigla
IURD foi adota pelos próprios líderes neopentecostais.
2
  - Re-ligare é palavra oriunda do Latin e significa “religar”, e daí deriva o termo religião. A expressão é
usada por Rubem Alves citado por Magnani (1986: 11).


                                                                                                          8
de 70 que apresentam essas mesmas características da IURD passam a ser identificados
como neopentecostais, termo do qual faço uso nesse trabalho.
        A religião pode ser interpretada como uma forma globalizante de se relacionar
com os deuses que habitam as alturas como também um meio de integrar os homens que
almejam essas alturas (DaMatta, 1986:111). Ainda segundo DaMatta pode-se pensar a
religião da seguinte maneira:


(...) Pensamos na religião como um meio de explicação para os infortúnios – as coincidências
negativas (como acidentes e doenças) -, pois a religião pode explicar por que uma pessoa ligada
a nós ficou doente, sofreu um acidente fatal ou foi vítima indefesa e gratuita de desesperadora
aflição (op. cit.: 111-112).


        De maneira geral, concentro o objetivo do estudo em dois ethos religiosos, o
umbandista e o iurdiano. De acordo com Geertz, o ethos de um povo é o “tom, o caráter
e qualidade de sua vida” (1989: 103). Especificamente, abordo neste estudo o caso do
sincretismo iurdiano com os símbolos afro-brasileiros, através de observação direta das
sessões de descarrego que acontecem todas as terças-feiras no Templo Maior da IURD
em Maceió/AL3. Também pude realizar uma etnografia de uma festa de Exu no terreiro
Palácio de Iemanjá, localizado em uma periferia de Maceió4. Nesta última, destaco
alguns pontos principais da festa, como também alguns elementos ritualísticos próprios
da Umbanda. O terreiro aqui estudado se denomina Nagô traçado5.
        Com o intuito de facilitar a compreensão do fenômeno sincrético religioso por
parte de não adeptos das religiões afro-brasileiras, aqui exemplificados por integrantes
da IURD, me valho das relações internas dos iurdianos estabelecidas com as entidades
das religiões afro-brasileiras. Busco, inicialmente, entender como as entidades
conhecidas como Exus se manifestam e se identificam nesse terreiro (Palácio de
Iemanjá) para, somente depois, observar como essas entidades são identificadas na



3
  -O Templo Maior da IURD em Maceió fica localizado na Av. Gustavo Paiva, no bairro de Mangabeiras,
vizinho ao maior Shopping Center da capital alagoana. Trata-se de uma construção imponente por seu
tamanho territorial e por sua arquitetura arrojada.
4
  - O terreiro fica localizado no bairro do Jacintinho, uma periferia de Maceió. O bairro “situado numa
área de 17.424 metros quadrados, o Jacintinho [, hoje,] atinge uma população superior a 200 mil
habitantes, incluindo todas as grotas e antigos sítios”. Publicado em O JORNAL, Maceió, domingo, 27 de
outubro de 1996. Texto [do] Jornalista Jair Barbosa Pimentel.
5
   - Nagô traçado, o termo Nagô representa a nação ou linhagem do terreiro e traçado significa a
combinação sincrética com os elementos de Umbanda. Dona Edilene, membro da casa Palácio de
Iemanjá, salientou várias vezes sobre este aspecto identificador.


                                                                                                     9
IURD. Faço referência a alguns outros elementos sincretizados pela IURD, tais como a
arruda, o despacho e o descarrego.
       Percebo que é importante compreender a dinâmica interna dos cultos
umbandistas e ouvir as significações atribuídas a ela pelos sujeitos envolvidos no
processo, sejam elas referentes aos cultos, a si mesmo, às entidades, ou relativa a
qualquer outro aspecto em que se faça relevante os sentimentos e representações dos
sujeitos, ou o “tom” como sugere Geertz. Também procurei dar voz ativa aos sujeitos
iurdianos, mesmo enfrentando dificuldades para fazer algumas simples perguntas sobre
assuntos religiosos relacionados a estudos acadêmicos. Minha presença gerou certas
dúvidas por parte dos fiéis e principalmente dos líderes – relato, mais adiante, algumas
das minhas dificuldades quanto a isso.
       Este estudo nasce, também, da minha perplexidade ao ter constatado o quão
pouco o fenômeno pentecostal esteve em pauta na historiografia e nas abordagens
sociológicas desde seu surgimento (1910) até as renovações feitas neste movimento,
algo que caracterizou o assim chamado neopentecostalismo (1977), principalmente por
causa do fenômeno iurdiano no campo religioso (Mariano,1999: 36). Segundo Freston
(1994:67), “o pentencostalismo brasileiro já tem 80 anos de existência e talvez 13
milhões de adeptos, mas ainda não conta sequer com uma história acadêmica. Isso
prejudica a sociologia do fenômeno, pois, como diz Joachim Wach (1944:02), “sem o
trabalho do historiador da religião o sociólogo fica desamparado”. O fenômeno
neopentecostal surge na contemporaneidade brasileira como um “boom” religioso, pois
segundo Bonfatti (2005:1-2) o Brasil recebe o título de maior país católico do mundo,
mas também o de segundo maior país protestante do mundo.
       Se por um lado temos uma religião que vai se consolidando como hegemônica –
A IURD - no cenário religioso do país, por outro temos sua concorrente, a Umbanda.
Freston (1994:136) mostra que a IURD cresce onde há “macumba”.
       Magnani (1986: 21) mostra que a Umbanda, ou a tão famosa “macumba”, surge
no contexto sociocultural do Rio de Janeiro sob uma forte confluência de credos de
origem africana, identificados por nações; por um lado, os Nagôs, para os quais
predomina o estilo de religião dos sudaneses, e que são menos acessíveis à mudança
religiosa; por outro, a nação Banto, com a cabula, mais acessível a mudanças religiosas.
As influências religiosas entre os Bantos podem ser identificadas pela assimilação de
alguns Orixás vindos dos Nagôs, pelos rituais de catimbó ou os caboclos catimbozeiros,



                                                                                     10
pelos santos cultuados pelos católicos, e por último, pelo espiritismo Kardecista. Assim,
como mostra Magnani:


                      Esta nascendo a macumba, descrita por Arthur Ramos como o sincretismo
                      jeje, nagô, mulçumano católico (Ibidem: idem)., caboclo, espírita e católico
                      (Ibidem:idem).


           Malandrino (2006:92) mostra que a Umbanda não se define através de uma
centralidade simbólica e ritual, muito pelo contrário, apresenta uma constante
transformação simbólica, sendo esta a sua característica mais marcante. Para a autora,
pode-se falar de “várias umbandas e não de apenas uma”, e ela mostra também, baseada
em algumas informações de pais e mães-de-santo, que o que a Umbanda faz é mesclar
as tradições para formar uma religião, tratando-se de um sincretismo consentido.
           Contudo, a Umbanda não é uma degeneração de variados credos, muito menos
um amontoado simbólico. De acordo com Magnani:


                      A umbanda não é certamente uma espécie de degeneração de antigos cultos
                      africanos ou do espiritismo Kardecista. É, sim, o resultado de um processo
                      de re-elaboração, em determinada conjuntura histórica de ritos, mitos e
                      símbolos que, no interior de uma nova estrutura, adquire novos significados
                      (op. cit.: 13).


          Parto para analisar a perspectiva sincrética a partir do conceito de “guerra santa”.
Soares entende que o processo de “guerra”, ataques e acusações entre evangélicos e
adeptos dos cultos afro-brasileiros não desmerece a tentativa de estudo sobre o
sincretismo entre eles6. Trabalho aqui o sincretismo a partir do conceito de Steil
(2001:31), que o define como uma síntese de elementos diversos, mas como uma
estrutura, isto é, uma forma de ordenação constante, presente em todas as religiões,
quebrando com o sentido de pureza ou originalidade religiosa. Nesta perspectiva, não há
religiões sem sincretismos, como mostra o autor.


6
    - O termo “guerra santa” é utilizado por Soares (1990). A autora, tendo sido convidada pelo Programa
“Negritude Brasileira” do Instituto de Estudo da Religião (ISER), desenvolve uma etnografia sobre a
“guerra santa” entre algumas igrejas evangélicas e os cultos afro-brasileiros (Idem: 75). Após ter lido a
citada etnografia, decidi estudar sobre o fenômeno, e que culminou com a presente monografia.



                                                                                                      11
Utilizo símbolo a partir dos conceitos propostos por Malandrino (2006) - num
nível mais psicológico - e por Geertz (1989) e Laplantine & Trindade (2003) – para
aspectos mais antropológicos -, valendo-me, igualmente, dos conceitos de imagem e de
imaginário propostos por esses últimos autores. Através dessas contribuições, faço uma
interpretação simbólica das fotografias expostas no livro do Bispo Edir Macedo, Orixás,
Caboclos e Guias: deuses ou demônios? (2006). Para Malandrino (2006:198), o
símbolo possui um caráter bipolar e oculta sentidos não visíveis; para Geertz (op. cit.:
143), o símbolo é sintetizador de um ethos; enquanto que para Laplantine & Trindade o
símbolo é o veículo propiciador de imagens no imaginário dos homens (idem: 23-24) e
as imagens “são construções baseadas nas informações obtidas pelas experiências
visuais anteriores” (op. cit.: 10).
        Sobre a análise dos rituais, utilizo o conceito de Terrin (2004) e Mauss (2003).
Para Terrin (op. cit.: 161), o rito só se fundamenta a partir do momento em que
consegue gerar respostas significativas aos problemas dos homens, em que demonstra a
capacidade que tem de se debruçar “sobre o mundo da vida”. Para Mauss (op. cit.: 58),
o rito pode ser concebido como o ato de adorar e conciliar, todavia o autor destaca que
ele também coage.
        Por fim, abordo a questão das identidades religiosas e sua relação com as
entidades que se apresentam nestas religiões. Entendo as identidades a partir do
conceito de Castells (1999:22), que as define como processadas a partir da construção
de significados.


        Aspectos Metodológicos


        Minha pesquisa de campo foi realizada no Templo Maior da IURD e no terreiro
Palácio de Iemanjá, ambos em Maceió-AL. Percebe-se que no processo de identificação
das casas de cultos não importa somente denominar o ambiente; neste campo do
religioso, os adeptos sentem a necessidade de elevar ao máximo a identificação do
espaço sagrado; desta forma, não basta apenas ser um templo, mas ser o Maior! No caso
do terreiro, observa-se que a casa é de Iemanjá, não se tem dúvidas, mas trata-se de um
palácio! Certamente, esta relação dos sujeitos com as divindades e com os espaços
sagrados me faz refletir profundamente. Esse estudo nasce, então, primeiramente, de
uma estupefação de sentidos que a religião passou a despertar em mim, seja pela forma
com que os homens se dividem entre o mundo secular e o espiritual, seja pela maneira


                                                                                     12
como essa classificação consegue embutir nos fiéis disposições e motivações tão
lúcidas, até mais do quê o que se vê, e até mais do quê o que se toca.
       No processo de escolha dos locais onde iria se realizar minha pesquisa, me
chamou a atenção o caso da Rua São Jorge situada no bairro do Jacintinho, na qual
localizam-se um templo da IURD e o terreiro Palácio de Iemanjá à uma distância de 50
metros um do outro. A proximidade dessas duas casas de cultos me pareceu, apriori,
interessante, visto que são duas formas religiosas que sugerem distanciar-se em quase
tudo: nas roupas, nos estilos de cânticos entoados e nas explicações religiosas. A
alternativa do local me parecia ideal, a escolha daquela rua seria significativo ao que
pretendia pesquisar, o sincretismo. Os conflitos pessoais naquele local e os
desentendimentos entre adeptos pereciam ser evidente, contudo não foi o que se
esperava. Logo de início a pesquisa não teve a aceitação imaginada nesse templo da
IURD. A liderança, sobretudo, não concordou com a idéia de um pesquisador no templo
evangélico e também no terreiro de “macumba” – expressão comumente usada por eles.
Percebi rapidamente que os meus questionamentos não teriam abertura no campo,
principalmente entre os pastores. Então resolvi mudar a escolha do local do templo da
IURD da Rua São Jorge para o Templo Maior da IURD no bairro de Mangabeiras.
Contudo, ainda diante do contexto anterior, mantive a escolha do terreiro que fica
localizado em um perímetro distante do novo templo da IURD escolhido. Contratempo
que me frustrou quanto às primeiras idealizações desse projeto. Mas quando comecei a
freqüentar esse templo observei que o anonimato seria a melhor forma de relacionar-me
com o campo de pesquisa, visto que a minha presença não seria notada em uma igreja
que foi construída para acomodar centenas de pessoas.
       Parto da concepção de Minayo (1994) que interpreta a pesquisa qualitativa como
um caminho que responde a questões muito particulares, pois “ela se preocupa, nas
Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado” (Idem: 21).
Por outro lado, de acordo com Boudon (1989:89), “Os estudos de casos permitem uma
finura na observação” maior que outros métodos.
       Foram quatro meses de pesquisa de campo onde pude sentir de perto como o
fenômeno parecia mudar suas formas, vertiginosamente, sobre tudo aquilo que eu teria
pensado sobre ele anteriormente. Isso me faz lembrar o binômio tão discutido nas
Ciências Sociais: pesquisador-pesquisado. Segundo Chizzotti (1995:81-82), o
pesquisador é parte fundamental da pesquisa, todavia a delimitação do problema não se
evidencia por afirmações prévias. O autor define a relação da seguinte maneira:


                                                                                    13
A identificação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do
                       pesquisador na vida e no contexto (...) uma participação prática nas
                       experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas, para
                       descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas (op. cit.: 81).


           Durante quatro meses, foram realizadas 12 visitas às sessões de descarrego na
IURD, sempre às terças-feiras, às 19h30. As 5 primeiras visitas tiveram por objetivo
mapear e permitir meu entrosamento com o campo, pois tudo o que eu tinha em mente,
então, era a idéia do sincretismo religioso dessa religião e nada mais. Com o tempo, e
após algumas visitas e leituras, o objeto foi se delineando. À casa de cultos afro-
brasileiros Palácio de Iemanjá realizei 10 visitas entre os meses de Janeiro e Abril,
particularmente em dias de festas dedicadas aos Exus; em 8 dessas visitas realizei
entrevistas e uma breve etnografia sobre os elementos umbandistas desse terreiro. As
entrevistas foram não-diretivas e realizadas com os adeptos das duas religiões, pois,
segundo Chizzotti (1995:85), este tipo de entrevista “reúne um corpus qualitativo de
informações que se baseia na racionalidade comunicacional”. Em outros momentos foi
preciso utilizar as técnicas de entrevista aprofundada, geralmente quando precisei obter
informações características de algumas entidades que se manifestam no terreiro e na
IURD. Segundo Granai (1977:207), nesse caso, “trata-se de uma entrevista de tipo livre,
na qual o inquiridor tem por objetivo a exploração de uma reação particular do inquirido
a um determinado estímulo (...) o papel do inquiridor consiste menos em interrogar”.
           Em uma das reuniões da sessão de descarrego que participei na IURD7, tive a
nítida sensação que não só os demônios-exus – é assim que são tratadas estas entidades
- iriam ser enxotados do templo, mas que eu também o seria. Antes que o culto
começasse, resolvi fazer algumas perguntas aos membros, ou apenas conversar
informalmente com eles, quando comecei a perceber a presença de uns quatro
seguranças do templo que me olhavam insistentemente; decidi, então, me sentar e
esperar que o culto começasse. Após alguns minutos o culto se iniciou e eu comecei a
anotar as falas, os elementos do ritual e outros aspectos; nesse momento, e quando
menos esperava, sem que eu mesmo notasse, os quatro seguranças surgiram, e sem que
precisassem dizer qualquer coisa me senti “obrigado” a guardar minha caderneta e meu
Mp3, fazendo de conta que tudo aquilo não passava de um mal-entendido.

7
    - Visita que realizei no dia 26 /02/08 ao Templo Maior da IURD.


                                                                                                  14
Se por um lado a pesquisa de campo precisa ser experimentada em contato direto
com os pesquisados, sem muitas conjecturas universalistas, por outro, nela se
apresentam os efeitos da presença do pesquisador no campo. Segundo Georges & Jones
(1980:04), a presença do pesquisador no campo pode trazer “efeitos desconhecidos
sobre o bem-estar futuro dos indivíduos ou grupos”, pois o processo de inserção no
campo deve ser interpretado em nível real quando se trata de gente estudando gente.
Assim mostra os autores:


                   Quando temos pessoas estudando outras, todos os indivíduos envolvidos
                   apresentam necessariamente sentimentos ambíguos uns em relação aos
                   outros – pelo menos inicialmente. Tanto os pesquisadores de campo quanto
                   os informantes vêem-se obrigados a lidar com os dilemas criados pela
                   natureza da sua relação (op. cit.: 19).


       Considerados esses aspectos metodológicos, passo agora a relatar de que forma
encontra-se estruturado o presente estudo.
       No primeiro capítulo, que chamei de Aspecto sociohistórico da Igreja Universal
do Reino de Deus, faço um apanhado geral sobre as religiões evangélicas no Brasil,
desde seu surgimento na década de 10 do século XX em diante. Trata-se aqui de discutir
rapidamente o aparecimento dos pentecostais e dos neopentecostais no cenário religioso
do país, observando como a IURD surge aí como expoente entre as demais, e quais são
as suas características e a sua posição simbólica em relação aos afro-brasileiros.
       No segundo capítulo, intitulado “Exus, protetor dos ‘home’”, título que faz
referência à fala do babalorixá Zeca quando me explica que os Exus não são diabos, e
sim protetor dos “home”, conduzo uma discussão sobre a identidade do diabo nas
sociedades ocidentais e como Elegba ou os Exus se tornaram demônios na concepção
católico-branca.
       Busco problematizar também a relação dos integrantes das religiões afro-
brasileiras com estas entidades, considerando aspectos como sua personalidade, seu
comportamento e sua identificação nos terreiros. Valho-me também de alguns pontos
cantados em homenagem a estas entidades visando um melhor entendimento sobre elas,
além de observar como alguns membros do Palácio de Iemanjá vêem os Exus. Por fim,
discuto a relação simbólico-identitária que os adeptos desta casa desenvolvem com




                                                                                        15
essas entidades. Utilizo imagens da tronqueira de Exus e da casinha dos Pretos-velhos
nesse capítulo para poder ilustrar a representação das entidades dentro do terreiro.
       No terceiro capítulo, intitulado “Farofa na fundanga, quero ver queimar”, faço
uma descrição etnográfica do terreiro aqui já mencionado, o Palácio de Iemanjá. O que
está em jogo é destacar a dinâmica interna dos cultos para os Exus dentro dos hábitos e
significados que os próprios membros do terreiro puderam oferecer, mas buscando
observar suas práticas e referendando teoricamente estas práticas a partir da concepção
de alguns autores da antropologia cultural e religiosa.
       No quarto e último capítulo, intitulado Despacho de Exus: uma observação
direta da sessão de descarrego na IURD, abordo a identificação simbólica que os
líderes e membros desta igreja elaboram sobre os Exus e outros elementos oriundos da
Umbanda e do Candomblé. Procuro fazer uma análise do sincretismo desta igreja,
através dos discursos, práticas ritualísticas e da inversão de sentidos feita pelos
iurdianos dos símbolos das religiões afro-brasileiras. Por fim, busco fazer uma análise
do livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios? (2006), do líder religioso e
bispo da IURD, Edir Macedo, considerando alguns dos termos empregados por ele para
classificar as entidades conhecidas nos mais diversos terreiros de Umbanda e
Candomblé e analisando imagens fotográficas que apresentam adeptos das religiões
afro-brasileiras que o autor tem, por finalidade, classificar como demônios.
       Saliento que todas as fotografias do Palácio de Iemanjá são de minha autoria,
realizadas em uma festa de Pombas-gira no dia 07 de abril do corrente ano e as imagens
scaneadas foram retiradas do livro do bispo Marcedo. A diferenciação entre as imagens
acontece do seguinte modo: as fotos de minha autoria serão indicada, sempre sobre as
imagens, com a classificação Foto do autor (negrito) e sua respectiva numeração
respeitando a seqüência das fotografias, essas contêm legendas para facilitar a leitura
visual e sua relação com o corpo do texto; já as do livro do bispo serão indicadas,
também em cima das imagens, com a classificação Imagens scaneadas (negrito) e
abaixo a fonte da qual foi retirada a(s) imagem(ns), como também a(s) página(s) do
livro onde ela se encontra.




                                                                                       16
1- Aspecto sociohistórico da Igreja Universal do Reino de Deus 8




                   No decorrer do século XX, o Brasil experimentou um processo de
                   pluralização religiosa resultante da sedimentação, superposição, acumulação
                   e re-elaboração de tradições religiosas as mais diversas, como as de origem
                   portuguesa, indígena, africana e, mais tarde, européia e asiática. Nesse
                   processo houve a quebra do monopólio simbólico mantido até então pelo
                   catolicismo, provocada pelo desenvolvimento de diversas expressões
                   religiosas de matriz protestante acompanhada da insurgência de novos
                   movimentos religiosos [...] (Rodrigues, 2003:13).


        Para melhor entender o panorama e a formação sociohistórica de um novo tipo
de religiosidade que emergiu no Brasil na década de 70, mas que veio se processando
desde década de 10 com o pentecostalismo clássico (Mariano, 1999:29), se faz
necessário compreender o que se convencionou chamar, na categoria sociológica, de
pentencostalismo e neopentecostalismo (1999:32).
        Mas antes de passar para a conceituação sociológica, é importante, também,
salientar o significado que a palavra pentecostes tem para os evangélicos pentecostais. A
priori, pode-se notar que é uma referência clara à passagem bíblica dos Atos dos
apóstolos 2,1-13, tendo como ponto central o dia de pentecostes, quando o Espírito
Santo desceu e se manifestou através do dom de línguas estranhas, exorcisando
demônios e dando o dom de cura aos discípulos de Cristo. Este episódio é o referencial
dos pentecostalistas na experiência cotidiana das suas liturgias (Bonfantti, 2005:01).
Conforme Mariano, este evento bíblico acabou caracterizando a manifestação religiosa
de diversos grupos comprometidos com uma renovação carismática, como também com
os dons do Espírito Santo e o dom de línguas estranhas (1999:28). Bonfim mostra que
este fenômeno conhecido como glossolalia ou balbuciar inarticulado das palavras é
característica preferencial dos pentecostais. Ethos religioso que surge e se desenvolve
no início do século XX nos EUA e que acaba se irradiando pelo mundo em apenas seis
anos (2007:63).



8
 - Usaremos aqui o abreviativo IURD quando nos referirmos à Igreja Universal do Reino de Deus.
Abreviação utilizada por Freston (1994).



                                                                                                 17
Segundo a revista Veja9, a trajetória das igrejas evangélicas nunca foi tão
ascendente. A revista traz dados de uma pesquisa realizada pelo Centro de Estatística
Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) mostrando que a Igreja Católica perdeu nas
últimas décadas cerca de 15 milhões de adeptos, e que, a cada dez ex-católicos, sete se
tornaram evangélicos. Outro dado interessante é trazido pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), onde a instituição calcula que o número de evangélicos brasileiros passou de
15% para 18% da população. Esses dados são contrastantes quando comparados com os
de apenas dez anos atrás, que indicam que à época nada mais que 9% da população
brasileira era composta de evangélicos. Na periferia das regiões metropolitanas os
números superam a perspectiva geral das estatísticas e os dados mostram a dinâmica e a
versatilidade que as denominações neopentecostais conseguiram embutir no frenesi
religioso do país em apenas dez anos10.
        Pode-se observar que o fenômeno religioso no país tem sido algo muito
abordado pela grande mídia, pelos populares, como também, no circuito acadêmico.
Após uma inegável hegemonia da igreja católica no país, também estatisticamente
constituído como o país de maior população católica do mundo, a atual situação
religiosa do Brasil tem sido, segundo os dados estatísticos de cada ano, (re)configurada
pela efervescência evangélica. O perfil religioso do país tem mudado vertiginosamente
sua configuração denominacional e se apresentado também, além do título de maior país
católico do mundo, há de ser creditado a este, de segundo maior país protestante do
mundo, perdendo apenas para os EUA (Bonfatti, idem: 1-2).
        Através da categoria pentecostal Freston compreende três movimentos na
religiosidade brasileira. Fluxo que tem sua origem a partir da década de 10, passando
pela década de 50, 60 e 70, chegando aos nossos dias. O autor realiza um corte
histórico-institucional nos movimentos que ascenderam na sociedade brasileira da
década de 10 a contemporaneidade (1994: 67,113 e 131).
        Os cortes se classificam, segundo o entendimento do autor, em ondas no
movimento religioso. Pelo termo ondas, Freston entende que a frenética das
denominações acontece na seguinte ordem: a primeira onda corresponde ao movimento
religioso que se originou na década de 10 e que marcou a chegada no Brasil das igrejas


9
   - Revista Veja, 12 de Julho de 2006, Nº 27. Título da capa da revista O Pastor é Show; Título da
entrevista: Os Novos Pastores, pela jornalista Camila Pereira e Juliana Linhares;
10
     - Pesquisa realizada pela socióloga Sílvia Regina Fernandes. A pesquisa abrangeu cinqüenta
municípios brasileiros. Revista Veja (Idem:78).



                                                                                                18
Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus (1994: 67); na década de 50 surge a
segunda onda, com o aparecimento da igreja Quadrangular e o movimento da Cura
Divina – movimento paraeclesiástico que reuniu vários pastores e fiéis de várias igrejas,
evento realizado pela igreja do Evangelho Quadrangular na década de 50, fato que
culminou na insurgência de outras denominações evangélicas (Soares, 1990:77) - entre
esta surge outras, tais como a Brasil para Cristo e Deus é Amor, marcando o
aparecimento pentecostal no Brasil (1994:113); a terceira onda, movimento que mais
solicitaremos ao longo do trabalho, corresponde ao surgimento do ethos neopentecostal,
com a criação da Igreja de Nova Vida, denominação que deu origem à formação das
Igrejas Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Cristo Vive e
outras. Este período foi marcado por uma crescente variedade de denominações jamais
vista no país (1994:131) e (1999:32).
       Utiliza-se neste trabalho o termo neopentecostal de Mariano (1999), onde esse
autor mostra que o prefixo neo é uma forma de classificar a dissidência do movimento
neopentecostal em relação ao pentecostalismo clássico da década de 10 (idem: 33).
       O termo neopentecostal desenvolveu-se, no contexto sociológico, para designar
uma mudança qualitativa no movimento religioso na década de 70 no Brasil em relação
ao contexto religioso das igrejas inseridas na segunda onda. De forma que alguns
sociólogos classificaram o movimento ascendente ao pentecostalismo como a terceira
onda, mostrando algo novo e inusitado na religiosidade de algumas denominações deste
período. Todavia, existe outro fator que merece ser lembrado dentro da argumentação
de Mariano. A terminologia neopentecostal também se baseou no surgimento da Igreja
Universal do Reino de Deus – IURD – que é considerada como “a maior novidade do
neopentecostalismo” do país (idem, idem: 34). Percebe-se que esta denominação
religiosa apresenta características tão inovadoras para o contexto de sua época, que só
após o seu aparecimento no cenário religioso é que o termo neopentecostal é cunhado.
A importância de tal fato nos faz lembrar que mesmo já havendo surgido outras
denominações somente com o aparecimento da IURD o termo ganha um sentido
especial (1999:33).
       É importante mencionar que a terceira onda das denominações neopentecostais
tem como cenário de fundo urbano a cidade do Rio de Janeiro, diferentemente do
cenário das igrejas, situadas no movimento de segunda onda, que foram denominações
surgidas em São Paulo (1999:35). Salientando, segundo Mariano, que a formação da
liderança pentecostal paulista é permeada por “imigrantes de nível cultural simples”, já


                                                                                      19
o contexto da liderança neopentecostal carioca é constituído por citadinos “de nível
cultural um pouco mais elevado e pele mais clara” (1999:35).
       Outros fatores contribuem para caracterizar a IURD como uma denominação
que está inserida no movimento neopentecostal; os primeiros e principais fatores são:
realizam rituais de cura divina, rituais de prosperidade, exorcismo, opõe-se aos afro-
brasileiros, incentivam a expressividade emocional e se utilizam dos meios de
comunicação de massa (1999:34-35).
       Assim define Mariano o conceito de neopentecostal: “Para ser enquadrada como
neopentecostal, portanto, uma igreja fundada a partir de meados da década de 70 deve
apresentar as características teológicas e comportamentais distintivas dessa corrente.
Quanto mais próxima destas características estiver, tanto mais adequada será classificá-
la como neopentecostal. Isto é, quanto menos sectária e ascética e quanto mais liberal e
tendente a investir em atividades extra-igreja (empresariais, políticas, culturais,
assistências), sobretudo naquelas tradicionalmente rejeitadas ou reprovadas pelo
pentencostalismo clássico, mais próxima tal hipotética igreja estará do espírito, do ethos
e do modo de ser dos componentes da vertente neopentecostal” (1999:37).
       Outros autores também empregam o termo neopentecostal para denominar este
crescente movimento de denominações que se caracterizam por realizar “evangelização
de massa nos meios de comunicação, atingem as classes menos favorecidas, pregam a
cura divina, prosperidade financeira, libertação dos demônios e poder no sobrenatural”,
tais como Mendoça (1994), Oro (1996), Jardino (1994), Birman (1995). Segundo
Mariano, o termo acabou sendo referência angular para os principais estudos
sociológicos de religião, estudos que envolvessem as novas formas de ascetismo
pentecostalista no Brasil (1999:33).
       Destaco alguns aspectos fundamentais para entendermos a trajetória histórica do
conceito neopentecostal no Brasil. O primeiro diz respeito à “exacerbação da guerra
espiritual contra o diabo”, algo evidente e identificatório desta corrente religiosa.
Segundo Soares (1990:88), a “Guerra Santa” – com este termo a autora faz referência
aos ataques e investidas contra os símbolos das religiões afro-brasileiras pelos
evangélicos – é a forma pela qual certas denominações põem em prática “a obra da
libertação”. Nota-se que a libertação do crente, às investidas do diabo, acontece no nível
em que esse se distancia das práticas afro-brasileiras e entre outras seculares.
       Segundo ponto, a admoestação da “teologia da prosperidade”. Teoria, que para
Rodrigues, prega os desfrutes dos bens materiais pelos filhos-de-deus, ideologia que


                                                                                       20
assume que os crentes devem, não somente usufruir dos bens materiais, mas acumular
riquezas na face da terra para demonstrar as bênçãos de deus para todos ainda em Terra
(2003:81-82). Este tipo de teologia estimula o crente iurdiano a ter uma relação
“implícita e subterrânea” com o mercado capitalista, ou estar, segundo Pr. Macedo,
“disposto a aceitar a responsabilidade de ser um dos sócios e administradores da obra de
Deus [...]”. Há dialogacidade entre a teologia da prosperidade e o discurso do mercado,
no entanto, isso só será possível dentro do ascetismo religioso neopentecostal, no caso
aqui, o iurdiano, de modo que:


                 Ter uma existência próspera é a prova cabal do derramamento do poder de
                 Deus sobre a vida do cristão, que fora abençoado pelo Senhor com riqueza,
                 abundância e prosperidade nesta terra, em um contexto econômico que se
                 fundamenta no ideário que rege o mercado e nomeia, entre seus vários
                 aspectos de sustentação teórica e filosófica, a ética para o consumo como
                 indispensável para a sua expansão (Rodrigues, op. cit.:82).


       A questão do dinheiro é um aspecto fundamental para compreender o significado
da prosperidade do fiel envolvido nos rituais. Pois o dinheiro passa a ter um valor
subjetivo, re-introduzido na posição religiosa iurdiana, ou então, do ponto de vista
ritualístico, passa a ser até esquecido como fundamental, no entanto, ele passa a ser
fundamental em outra instância, nos rituais de dízimos e ofertas, momento pelo qual o
valor doado o é para glória da divindade. A contribuição financeira é introduzida no
plano do ritual de forma a barganhar com o sagrado as bênçãos para os fiéis (Bonfatti,
2005:7). Quando o fiel deposita sua oferta, a divindade passa a ser credor do ofertante,
tendo o compromisso de honrar seu pacto com ele.
       “A liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade” seria um
terceiro ponto citado por Mariano (1999:36); o crente deve eliminar os ídolos e práticas
idólatras de sua vida, pois a centralidade do crente deve estar na figura divina. Esta
ojeriza da IURD pelos signos católicos e católico-populares culminou com o episódio
que ficou conhecido como “o chute na santa”, quando em pleno feriado de Nossa
Senhora Aparecida, dia 12 de outubro de 1995, o bispo, na época, Sérgio Von Helde
desprendeu chutes e socos na imagem católica. Algo que promoveu um terrível mal
estar entre a IURD e a comunidade católica no país.




                                                                                       21
E um último ponto é chamado à atenção por Oro (1992), a estruturação
empresarial pela qual se baseiam as religiões no ascetismo neopentecostalista. Tendo
em vista a administração das bênçãos celestes na terra, o crente deve se portar como
“embaixador, procurador ou administrador de tudo que o Senhor construiu e deixou
sobre a terra” (Rodrigues, 2003:95).
       Dentre os pontos supracitados o que mais é solicitado nesse trabalho é o
primeiro aspecto, o ideal de “Guerra-Santa” no país do sincretismo. Constata-se que o
ideal da “Guerra-Santa” imbui os fiéis evangélicos do espírito de combate ao mal, este
pode ser, guardado as suas proporções, uma analogia direta aos cultos afro-brasileiros
(Soares 1990:76). Segundo o Pr. Macedo, o Brasil não apresenta um quadro
desenvolvido devido à falta de atenção a alguns males causados pelas religiões afro-
brasileiras. Vejamos:


                 Se o povo brasileiro tivesse os olhos bem abertos contra a feitiçaria, a
                 bruxaria e a magia, oficializados pela Umbanda, Quimbanda, Candomblé,
                 Kardecismo e outros nomes que vivem destruindo as vidas e os lares,
                 certamente seríamos um país bem mais desenvolvido (Macedo, 1982:50).


       A crise espiritual deve ser tratada em primeiro lugar; logo, surgem vários
tratamentos espirituais que possam erradicar de fato o mal da vida do fiel convertido.
Segundo Soares (1990:80), o mal que deve ser eliminado da vida do crente é um papel a
ser cumprido pela igreja dentro do plano divino. A eliminação do mal se concretiza na
prática de expulsão dos demônios, e estes ganham identificação quando associados aos
elementos de religiosidade afro-brasileira, tais como os Orixás e os Exus, de modo que
o crente pode escolher entre ser “templo do Espírito Santo” ou “cavalo de um exu”,
assim acentuou o Pr. Macedo em uma das suas citações:


                 Ele – o crente – pode ser templo do Espírito Santo ou cavalo, burrinho,
                 aparelho ou porteira de um exu ou um caboclo ou demônios semelhantes.
                 Pode ter paz consigo mesmo e com Deus ou viver num inferno com tudo e
                 com todos (Macedo, 1982:13).


       A prática de associar os Orixás e os Exus aos demônios é algo absolutamente
comum dentro da IURD, algo identificado através do discurso de sua liderança.



                                                                                        22
Contudo, a capacidade de se libertar dos “demônios” só depende do “livre-arbítrio” do
fiel (Macedo, 1982:84).
       Falar aqui da postura libertadora da IURD no intermédio de seus fiéis, me
remete a outra instância conceitual; se o crente passa a ser liberto, o é de algo ou alguma
coisa, e é aí que aparece o fenômeno da possessão para que, em seguida, se efetue a
obra da libertação na vida do fiel. Abordo esta relação mais adiante, bastando, no
momento, citar a relação que há entre os fenômenos de possessão e libertação para
ampliar o sentido histórico do neopentecostalismo.
       Com todas estas características, a IURD consolida um quadro institucional
bastante estável no cenário religioso do país. Mariano mostra que a média de templos
erigidos chegou a 1 por dia na década de 90 (1999:65); Bonfim (2007:63) apresenta
dados de crescimento dos membros desta denominação que mostram o acréscimo de
269 mil em 1991 para 2,1 milhão de adeptos em 2000. A IURD está presente em 80
países e possui no exterior 600 mil fiéis. No entanto, a situação institucional passou a
ser extremamente conturbada e ambígua em outras instâncias, tais como na jurídica e
entre outras igrejas evangélicas.
       No âmbito jurídico, a IURD passou a receber inúmeros processos judiciais por
estelionato, charlatanismo, curandeirismo, extorsão e exploração (Mariano, 1999:80). E
no contexto evangélico recebeu inúmeras críticas de seu principal rival, o Pr. Caio
Fábio, que acusara a IURD e o bispo Macedo de liderança inescrupulosa, hostil e xiita,
divulgando uma nota em nome da AEVB – Associação Evangélica do Brasil – que a
denominação do bispo Macedo deveria abandonar a designação de evangélica (Mariano,
1999:83). Mas como disse certa vez Macedo, a IURD é a “igreja omelete”, pois “quanto
mais batem nela mais ela cresce” (Bonfatti, 2005:3); e assim continua seu forte
desenvolvimento no Brasil e no mundo, através de novos templos construídos e a
adesão de novos membros.
       Será importante destacar aqui os aspectos de formação, expansão e consolidação
da IURD. A formação desta instituição muitas vezes se confunde com a história de seu
líder e fundador Edir Macedo. Macedo, após uma dissidência com a igreja Nova Vida,
forma em 9 de Julho de 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus em uma sala que
fora uma ex-funerária do bairro da Abolição, no Rio de Janeiro (Mariano, 1999:53-55).
Poderia ser mais uma igreja entrincheirada em uma das tantas periferias deste país, o
que não foi o caso. A instituição, em menos de 10 anos, conseguiu consolidar um
verdadeiro    império     congregacional,   atingindo   um     crescimento    de   2600%


                                                                                        23
(Idem,1999:65) não só no Rio de Janeiro, mas em muitas outras cidades do Brasil e em
algumas do exterior.
       Macedo tem uma história familiar circundada de pobreza, religiosidade católica
e umbandista. Aí começa uma grande coincidência, as duas religiões mais atacadas nos
rituais da IURD, a Católica e a Umbanda – atacadas não só pelo próprio Edir Macedo,
mas também por todos os outros líderes espirituais da instituição – foram a base na qual
Macedo relatou que recorria nos momentos de aflição e angústia (Mariano, 1999: 54-
55).
       Segundo Mariano, não é por acaso que os três estados de maior
representatividade de cultos afro-brasileiros no país: Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia
– este último, diga-se de passagem, foi o único estado do nordeste a ter mantida, pela
IURD, uma forte representatividade denominacional - foram os centros de maior
expansão da IURD. Nestes núcleos observa-se uma baixa representatividade Católica
nas décadas de setenta e oitenta. Apresenta também uma forte disponibilidade, por parte
das pessoas, em mudarem frequentemente de religião, dentre os quais alguns
abandonaram a antiga fé (Mariano, 1999:65).
       Cabe ressaltar que sua expansão deve-se, em grande parte, à sua desenvoltura no
uso dos meios de comunicação de massa – tanto o rádio como a TV. Costumava
aproveitar os horários de rádio que conciliasse com o término de programas de mães e
pais-de-santo para poder aproveitar a audiência dos cultos afro-brasileiros na difusão de
suas mensagens. Logo no início de suas transmissões a igreja possuía no máximo 15
minutos de emissão via rádio, algo que foi mudando gradualmente, seja no aumento da
emissão radiofônica, seja pela compra de algumas emissoras de rádio e TV, crescimento
que culminou com a compra da rádio e TV Record, em novembro de 1989, por quantia
equivalente a US$ 45 milhões (Mariano, 1999: 66).
       As nuances e as complexidades que emergiram ao longo destas três décadas de
neopentecostalismo no Brasil é algo muito mais amplo do que se compreende através do
caso iurdiano. A IURD é sem dúvida um fenômeno especial quando se resolve
pesquisar a emergência do ethos neopentecostal. Contudo, há algumas outras
denominações religiosas que necessitam ser melhor abordadas, tendo em vista alguns
fenômenos que passam despercebidos, como o caso do sincretismo religioso iurdiano,
que é o que nos interessa neste trabalho. Acredita-se que a tríade, proposta por Bonfatti,
“conversão-exorcismo-cura”, o “simbolismo do dinheiro”, a “guerra santa” contra o



                                                                                       24
mal, traz uma visão importante sobre o fenômeno, mas como afirma o autor, limitada e
superficial do fato, pois este tem se mostrado de modo “bem mais rico” (2005:14).
       Mostra-se    importante     traçar   as   especificidades   sociohistóricas   do
pentencostalismo e neopentecostalismo para oferecer certas informações a respeito do
fenômeno histórico-religioso, para só após, centrar a atenção no fenômeno do
sincretismo iurdiano, que abordo nos capítulos a seguir.




                                                                                     25
2-“Exus, protetor dos ‘home’”11




        Neste capítulo pretendo discutir as identidades dos Exus e dos Orixás dentro da
religião afro-brasileira, assim como as interpretações e concepções sobre essas
entidades dentro da religião neopentecostal da IURD. A partir da descrição etnográfica
serão delimitadas imagens e identidades de Exus dentro do terreiro Palácio de Iemanjá12
e na igreja neopentecostal iurdiana Templo Maior13. Também será analisada bibliografia
religiosa neopentencostal que aborda as manifestações dos Exus e Orixás no campo do
sagrado. É necessário aqui descrever as concepções existentes, nestas religiões, sobre os
Exus e os Orixás. Se por um lado as religiões afro-brasileiras possuem total primazia na
explicação dos seus mitos e ritos, no que diz respeito aos próprios signos e às
interpretações internas, é importante também notar que há uma reinterpretação e
utilização,      feitas   pelas     igrejas   neopentecostais,       dos    signos     umbandistas       e
candomblesistas (Soares, 1990:88).
        Os símbolos das religiões afro-brasileiras estão, a cada dia mais, deslocados de
seu contexto religioso originário-comum; a tônica tem sido motivo de polêmica, crises e
descontentamentos entre os adeptos das religiões afro-brasileiras e os neopentecostais. É
muito comum, atualmente, encontrar livros neopentecostais publicados que abordam
assuntos ou discutem práticas diabólicas. Essas práticas são associadas às identidades
dos Exus e Orixás, como sendo uma mesma identidade. Entre alguns livros que
abordam o tema, se destaca o polêmico livro do Bispo Edir Macedo – do qual farei uma
análise ainda neste capítulo, como também nos capítulos subseqüentes -, livro Orixás,
Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? (2006) que acabou sendo proibido pela Justiça
devido às suas acusações contra os rituais e depreciação de símbolos religiosos afro-
brasileiros14.



11
   - Expressão utilizada por pai Zeca para identificar os Exus em entrevista realizada no dia 18-01-2008;
12
   - Terreiro localizado no bairro de Jacintinho;
13
    - A IURD se localiza no bairro de Mangabeiras, na Avenida Gustavo Paiva, vizinha ao Shopping
Center Iguatemi.
14
   - 10/11/05 “A juíza Nair Cristina de Castro, da 4ª Vara da Justiça Federal da Bahia, determinou na noite
de quarta-feira (9) a suspensão da venda do livro "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?",
escrito pelo bispo Edir Macedo, um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus. Em sua
sentença, a juíza criticou o livro do bispo Edir Macedo”. Noticia retirada
www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115122.shtml - 29k - .




                                                                                                       26
Uma discussão que merece destaque aqui também é a alusão feita ao diabo nas
religiões formais tradicionais no Brasil, desde a nossa herança católico-portuguesa. De
acordo com Câmara Cascudo, não há demônio negro a não ser através da concepção
católica do branco. A presença do diabo na mitologia africana só é possível pela
concepção católico-branca, “não há mesmo um vocábulo próprio para designá-lo a não
ser personalizando uma de suas atribuições. Psicologicamente, uma projeção cristã de
Satanás” (2002a:107). A figura do diabolus é potencializada por outras mitologias
ocidentais, tais como, o cacodaemom grego, o genius daimôn romano ou haschaatán
hebraico. Em todas estas culturas, o diabo é visto como o gênio do mal, “o grande
adversário da tranqüilidade humana”, “o inimigo total” e “a fonte de todos os males”.
Todavia, nas palavras de Câmara Cascudo, “esse está ausente [se referindo ao diabo]
das funções extraterrenas no continente negro, para a mentalidade negra” (Idem:108).
       Pode-se também constatar que há uma possível influência árabe, juntamente com
o ideal religioso dos colonizadores portugueses, na concepção idealizada do diabo
Ocidental. Os árabes acreditavam que Ech-Cheitân ou Iblis é atarefadíssimo, ocupado
em punir e tentar os homens (Idem: ibidem). Segundo o autor, o dualismo “do-bem-e-
do-mal foi uma dádiva Oriental, trazida pela irrupção árabe” para os negros (idem:
ibiden). O referido autor mostra que entre os negros de Angola e do Congo “nunca
[ouviu-se] as vozes dos nativos” sobre algo semelhante à concepção de diabo Ocidental:


                 Nem mais ouviremos confidenciar a história matinal de suas esperanças e
                 temores (...) Todos os deuses africanos são interessados na cotidianidade do
                 culto votivo. Ficam maus quando são esquecidos, negligenciados, postos na
                 margem devocional. É preciso uma vigilância obstinada no plano reverencial
                 para evitar a transferência do protetor para o campo adversário. Uma
                 entidade funcionalmente perversa, tentadora, malvada, praticando o mal pelo
                 mal, não há no panteon africano (Câmara Cascudo, op. cit.:109).


       Esses dados servem de base para começar outra controvérsia bastante comum na
chamada “guerra santa”, estabelecida entre as religiões neopentecostais e afro-
brasileiras. Segundo Soares (op. cit.), o simbolismo do bem e do mal entre estes dois
ethos são excludentes e opostos. Tanto nas religiões cristãs como nas afro-brasileiras, o
bem e o mal existem e possuem suas características próprias; paralelamente, a
concepção de certo e errado também está no bojo da bipolaridade. Soares observa que:



                                                                                          27
A diferença está na maneira como esses quatro elementos se combinam. Nas
                     religiões cristãs, o certo está associado ao bem e o errado ao mal. Essa
                     combinação estrangula a busca do prazer e abre as portas para um
                     pensamento maniqueísta, onde os homens se dividem em dois grupos, o
                     mundo em dois lados e a vida em dois caminhos. No caso do Candomblé (...)
                     O Bem e O Mal existem, mas nem sempre o Certo é bom nem tampouco o
                     Errado é necessariamente mau. O Errado pode ser ótimo e o Certo pode ser
                     profundamente penoso (idem: 89-90).


         Todavia, para os evangélicos, a bipolaridade ganha sentido universal e
generalizante, não importando o credo ou as especificidades de outras religiosidades.
Interpretações referentes à identidade religiosa afro-brasileira se dão a partir do
corolário ocidental cristão do bem e do mal (Soares, idem: ibiden). Dessa forma,
tornou-se comum entre os pentecostais e neopentecostais associar elementos de
religiosidade afro-brasileira, como os Guias, os Orixás e os Exus, ao demônio do
universo cristocêntrico, esgotando e limitando o panteão religioso candomblesista e
umbandista à sua própria concepção de mundo religioso neopentecostal.
         Os Exus são comumente interpretados e difundidos como sendo os demônios ou
o próprio diabo (Macedo, 1982:31). Câmara Cascudo afirma que “ninguém poderá
considerar que Elegbara, Elegbá, Exu, o Legba dos Fons, o Edschou de Frobenius,
[seja] um diabo nos cultos africanos sudaneses e no panorama dos candomblés da
Bahia, Rio de Janeiro ou Recife. Difere-se, substancialmente e essencialmente, na
atuação” (2002:109)15. É possível estender essa visão aos cultos umbandistas16. A
propósito, Pai Zeca, em certa entrevista, afirmou:


                     Os Exus não são demônios. São protetores dos home [sic], conhece [sic] os
                     caminhos dos home [sic] e resolve o que os Orixás não podem se meter,
                     porque os Orixás não colocam a mão nas coisas da Terra, isso é trabalho pra
                     o Exu17.


15
    - Alguns membros umbandistas também concebem os Exus como demônios, porém algumas
proporções devem ser guardadas, tendo em vista o modo como se processam as relações entre os adepto e
essas entidades, de modo que as especificidades com que essa relação se incidi deve ser observada com
acuidade.
16
   - Religião mediúnica baseada na incorporação de entidades espirituais, constituída a partir de doutrinas
e ritos oriundos dos cultos africanos, indígenas, espíritas kardecista e católicos (Magnani, 1986: 61).
17
   - Entrevista realizada com Pai Zeca no dia 19-01-2008.


                                                                                                       28
Nas palavras de Birman (1983:41) “não há quem ignore a força e o perigo dos
Exus”; estes representam o outro lado da civilização, a marginalidade. Os Exus são
considerados como entidades conhecedoras das ruas, becos, encruzilhadas e dos perigos
urbanos. Para Birman, estes são entidades que não estão ligadas aos valores da família e
do privado, muito pelo contrário, vivem livremente desde as ruas até os cemitérios.
Alguns possuem nomes geralmente expressivos, do tipo Tranca-Ruas, Pomba-Gira –
entidade feminina simbolicamente representada por uma prostituta – Exu-Caveira, Zé
Pelintra – este último, um Exu do tipo “malandro carioca”, com vasta popularidade, –
Sete Encruzilhadas e outros. Os Exus ganham uma qualificação de “povo da rua”, e esta
classificação mostra a relação de “familiaridade” que têm essas entidades com as ruas e
becos, sabem a cada palmo os limites do urbano (Idem:ibidem). A autora mostra que
esta analogia com o “povo da rua” é uma forma de lembrar a massa anônima das ruas,
“as pessoas comuns que ocupam o espaço público”, os malandros, as prostitutas, os
trabalhadores nas suas idas e vindas (Birman, 1983:42), de modo que:


                 Fica claro que na elaboração do tipo exu existe uma oposição fundamental
                 entre o domínio da casa e da rua. O primeiro é marcado pelas relações de
                 afeto e de parentesco e o segundo pela marginalidade, pelo anonimato e
                 relações impessoais. (...) [os exus são] mestres em contornar situações
                 difíceis (Birman, 1983:42).




                                                                                      29
Foto 1




               Tronqueira dos Exus, Palácio de Iemanjá. Fotografia do autor.


       Essa relação entre o de dentro e o de fora, o de casa e o da rua é observada por
DaMatta (1986:23) como a dicotomia existente entre o “lugar de tranqüilidade” e o
“lugar de movimento”. Para o autor, a casa não é somente um lugar de destaque por sua
proteção dos males da rua, lugar onde se abriga das chuvas, do frio, não pode ser
interpretado apenas como um “lugar físico”, mas também um espaço “moral e social”
(op. cit.:25). É na casa que a identidade social é aprofundada. Segundo DaMatta:




                                                                                    30
[O lar é] algo que contrasta terrivelmente com a morada coletiva das prisões,
                       dormitórios, alojamentos, hotéis e motéis, onde não se pode efetivamente
                       projetar nas paredes, nas portas, no chão e nas janelas a nossa identidade
                       social (op. cit.:27).


           Na rua, o processo social acontece baseado na “indiferença”; as “pessoas” de
casa passam a ser o “povo da rua” quando se juntam ao grande contingente humano que
as ruas possuem, as relações privativa à família se esvai prontamente ao frenesi urbano,
e a rua passa a simbolizar lugar de contrastes, de lutas árduas; se em casa temos a gente-
da-gente, na rua são as massas anônimas que prevalecem (op.cit.:29). Para o cosmo
umbandista, os Exus e as Pombas-gira pertencem às ruas, são entidades que possuem
suas tronqueiras – casas destinadas aos Exus -, mas majoritariamente não se limitam a
elas, pelo contrário, sua identidade está nas ruas, por isso são considerados, na
Umbanda, como “o povo da rua”; são entidades que habitam os cemitérios, as
“encruzas”, os becos, se identificam como prostitutas, boêmios, guerreiros bélicos,
“fechadores” de locais públicos, todavia, na Umbanda, não são desprezados, se
potencializam. Segundo Birmam (1983:46), “o grande trunfo da umbanda” consiste em
inverter a escala social, onde os menos favorecidos no espaço social ganham poder,
prestígio e conhecimento entre aqueles que estão bem posicionados na escala social. A
“rua” então ganha sentido entre os umbandistas, através dessas entidades, e “só eles
podem resolver”18 os problemas oriundos dela:


                       O fluxo da vida, com suas contradições, durezas e surpresas, está certamente
                       na rua onde o tempo é medido pelo relógio e a história se faz acrescentando
                       evento a evento numa cadeia complexa e ínfima (DaMatta, idem: ibidem).


           Acredito ser necessário marcar a diferença existente entre a identidade dos Exus
e a identidade do diabo. Os Exus são figuras características por sua ambigüidade moral
ou por serem considerados amorais. Para alguns, eles são associações ao diabo, todavia
para os membros da Umbanda (e do Candomblé), são seres possuidores e conhecedores
das ruas, capazes de mediar, resolver e solucionar qualquer “galho”, excelentes
“abridores de caminhos” (Birman, idem: ibidem).



18
     - Afirmação de seu Zeca sobre os Exus, em entrevista no dia 18/01/08 na sua residência.


                                                                                                 31
Como já mencionei, na Umbanda os homens subalternos são superestimados e
representados por meios das entidades. Estes ganham força e poder diante de uma
sociedade, preconcebida pela elite branca, que lhe dá pouco ou nenhum espaço social e
religioso (Birman, op. cit.:46). Citando Birman, podemos dizer:


                 (...) que o poder religioso da umbanda decorre disso, de uma inversão
                 simbólica em que os estruturalmente inferiores na sociedade são detentores
                 de um poder mágico particular, advindo da própria condição que possuem
                 (...). O grande trunfo da umbanda é esse – inverte os valores da hierarquia
                 que ordena os espíritos, e esse “menos” em vários aspectos passa a “mais”
                 em outros. O homem branco, imagem ideal colocada no topo da ordem
                 evolutiva, não tem os poderes que possuem os subalternos. (...) Ganham por
                 meio da inversão simbólica um poder mágico inigualável (Idem: ibidem).




                                                                                          32
Foto 2




               Pretos-velhos e Pretas-velhas. Palácio de Iemanjá19. Foto do Autor.




        Embora a interpretação sobre o panteão afro-brasileiro, através de seus adeptos,
venha tentando mostrar a diferença significativa que há entre os Exus e a identidade do
diabo, os elementos da religiosidade desta têm sido constantemente reinterpretados de
forma etnocêntrica, e até mesmo desrespeitosa, por algumas igrejas neopentecostais20.
Uma das igrejas que mais se destaca nestes ataques, seja pelo status que possui na
esfera midiática ou pela freqüência com que estes se dão, é a Igreja Universal do Reino
de Deus – IURD. O líder desta igreja, Pr. Macedo, chegou a produzir um livro, aqui já
citado, que se destaca pelos seus ataques aos símbolos, rituais e imagens do universo
religioso afro-brasileiro.

19
   - entidades bem características para ilustrar essa inversão de hierarquia da qual fala Birman (idem).
Segundo Magnani (1986:48) estas entidades que “em vida foram explorados, marginalizados, que
ocupam os interstícios do sistema”, são visto nos terreiros “por um processo de inversão, em heróis
dotados de força espiritual”.
20
   - No capítulo quatro abordo, mais especificamente, os termos reinterpretação e etnocentrismo.


                                                                                                     33
Este está entre os mais polêmicos da história da literatura neopentecostal. Trata-
se do livro Orixás, Caboclos e Guias - deuses ou demônios? Esta publicação faz sérias
acusações e admoestações contra os símbolos dos cultos afro-brasileiros. Segundo
Macedo, os Orixás, os Guias, os Exus e os Caboclos nada mais são do que demônios
disfarçados de espíritos. O autor abre um dos capítulos do livro declarando que o leitor
irá ter “um esclarecimento acerca dos demônios” (2006:13-14). Segundo o referido
bispo, na realidade, as entidades afro-brasileiras não são deuses, e sim demônios vindos
desde “seitas mais primitivas da África” (Idem:16; 27). Todos os ataques não só tentam
mostrar que as entidades espirituais da Umbanda e do Candomblé são símbolos
diabólicos, mas seres não-divinos:


                    Os exus, os pretos-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os
                    “santos” são espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio para
                    se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um
                    corpo (Macedo, 2006:16).


        Em entrevista com o bispo José21, da IURD, perguntei-lhe sobre o porquê dos
“demônios” terem nomes tais como Pomba-Gira, Exu da Morte22, Tranca-Rua e outros;
prontamente ele afirmou que “‘eles’ têm necessidade de se expressarem através de um
corpo que um dia foi aberto por trabalho de bruxaria e feitiçaria (...)”, logo depois
completando que: “(...) o ‘mal’ usa um nome para se diferenciar dos outros milhares de
espíritos malignos que podem habitar em um só homem”. Não é mera coincidência que
o discurso do pastor José seja tão semelhante em determinados pontos com o discurso
do Pr. Edir Macedo, citado anteriormente. Segundo Mariano (1999:63-64), “o governo
eclesiástico da Universal é centralizado em torno de seu líder carismático. Sua estrutura
é vertical, despótica até. (...) Nunca existiram assembléias gerais do presbitério para
decidir os destinos da igreja. Macedo tomava as decisões, mandava fazer uma ata e os
componentes da diretoria assinavam junto com alguns pastores”. Pode-se perceber
através do fragmento do texto do livro de Macedo e da fala do bispo José, que há
evidente    consenso,      fazendo     relevar    quaisquer     coincidências     de    discursos.

21
    - Este nome é fictício, visto que o Pastor entrevistado não me autorizou revelar sua identidade;
entrevista feita no dia 28/02/2008, às 9hs30 no Templo Maior da IURD em Maceió, localizado no bairro
de Mangabeiras, vizinho ao Shopping Center Iguatemi.
22
   - Expressão usada pelo pastor André do Templo Maior da IURD (AL). Talvez na tentativa classificar
pejorativamente uma entidade da Umbanda chamada de Exu-Caveira. Abordaremos a seguir sobre estas
novas classificações.


                                                                                                 34
Ainda através de informações dada pelo bispo citado acima, compreende-se que
a verossimilhança feita entre os demônios e os Exus está tão arraigada no discurso que
não há nenhum receio em associá-los. Perguntando-lhe sobre quem seria o tal “Exu-da-
morte”, ele me respondeu: “é um demônio causador da morte física, espiritual,
financeira e familiar”. Em seguida lhe perguntei: qual seria a saída para se livrar de tal
“demônio?”23, ao que me respondeu: “despachando ele pro inferno, onde é o lugar
dele!”.
           Vale ressaltar aqui a compreensão que a literatura antropológica tem sobre os
Orixás e os Exus, antes de adentrar na polêmica das identidades dos Exus na IURD.
Não poderia deixar de fora, em hipótese alguma, o grande trabalho realizado pelo
fotógrafo e etnólogo Pierre Fatumbi Verger, e, mais pontualmente, sobre a concepção
que este autor tem sobre os Orixás e os Exus. Segundo Verger (2002:18), “O Orixá
seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que
lhes garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as
águas doces ou salgadas”. O Orixá ganha sentido através dos poderes que estabelece
com sua ancestralidade e com os elementos naturais dos quais possui o domínio. Os
Orixás possuem, ao contrário do que muitos neopentecostais apresentam em seus cultos,
um poder puro. Verger apresenta assim essas entidades:


                       O orixá é uma força pura, asé24 imaterial que só se torna perceptível aos
                       seres humanos incorporados em um deles. (...) Um deus protetor, cujas
                       graças são reservadas, é verdade, só ao grupo familiar (Verger, idem: 19).


           Faz-se necessário destacar novamente a fala do bispo entrevistado para poder
lembrar que “‘eles’ – os entes espirituais – têm necessidade de se expressar através de
um corpo”, algo também dito por Verger no texto supracitado, apenas salientando que
as coincidências, neste caso, novamente, não são meras coincidências, e sim,
intencionalidade do recorte aqui utilizado, para dizer que, se para o primeiro a entidade
incorporada em seus templos é a manifestação dos demônios ocidentais, para o
segundo, são seres sagrados, cheios de pureza, outrora humanidade e àse (Verger, op.
cit.:18-19). Logo, e segundo afirma o autor de Orixás:


23
     - Entrevista feita no dia 28/02/2008, às 9hs30 no Templo Maior da IURD em Maceió;
24
     - Asé, termo utilizado por Verger (2002:19), que na tradição Iorubá quer dizer poder.



                                                                                                    35
Estamos longe da imagem dos “feiticeiros sanguinários”, reinando pelo
                        terror, que a literatura cristã esforçou-se em apresentar para justificar a ação
                        evangélica dos missionários (Verger, idem: 20).


         Sobre os Exus, Verger faz uma admoestação de seu lado benfeitor; contudo,
mostra que para aqueles que não seguem à risca suas obrigações para com eles,
mostram-se rapidamente irritados e insatisfeitos com a desfeita. De certa forma, o autor
afirma que os Exus ou os Ebora – outra denominação dada a eles – são em certo sentido
contraditórios em seus aspectos, o que os tornam difíceis de serem compreendidos ou
definidos de maneira coerente (cf. Verger, idem: 76). Assim define Verger o lado
benfeitor destas entidades:


                        Os exus possuem o seu lado bom, se ele é tratado com consideração reage
                        favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as
                        pessoas se esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas, podem esperar
                        todas as catástrofes.


         Em certa visita que fiz ao Terreiro Palácio de Iemanjá25 uma senhora, que não
vinha cumprindo com suas obrigações para com seu Exu, recebeu um castigo do mesmo
dentro do terreiro; esse fez com que esta senhora rolasse pelo chão freneticamente,
balbuciando, gritando e transparecendo um semblante de dor. Ao observar a cena, Pai
Zeca chamou veementemente a atenção do Exu:


                        “Ori babá! Ori babá! (...) [aumentava o tom de voz à medida que a entidade
                        não lhe dava ouvidos] olha... já lhe disse a você [sic] que aqui não é lugar
                        pra castigar o cavalo, tá ouvindo?! Tá ouvindo?!!! O lugar de castigar ela é
                        na casa dela, aqui não!”


         Após algum tempo, a entidade deixou o castigo de lado e foi reverenciar a
autoridade do Pai-de-Santo; ao reiniciar a gira, seu Zeca saudou-lhe (ao Exu) com um
tocar de dedos nos ombros e lhe disse: “vá brincar, vá!”. Uma evidência clara daquilo a
que chamou atenção Verger aos não cumpridores de suas obrigações, “podem esperar



25
     - Visita realizada no dia 24/03/08, às 19h30.



                                                                                                     36
todas as catástrofes” (op. cit.:76). Há um ponto cantado, no terreiro citado, que
demonstra o lado “abissal” dos Exus:


                                         Exu fez uma casa
                                      sem porta e sem janela
                                     ainda não achou morador
                                          pra morar nela26.


      Sentir o ar temperamental dessas entidades que conseguem reunir, em sua
personalidade, diferenças abruptas que se expressam em suas atitudes, é crucial para
entendê-los. Os Exus unificam dentro de um mesmo espírito traços tão ambíguos quanto
os seres humanos. A figura do homem Ocidental com sua natureza dividida entre o bem
e o mal, como assim são definidos os seres humanos pelas religiões ocidentais, também
pode ser vista entre os Exus. Segundo Verger, o Exu “revela-se, talvez desta maneira, o
mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom”
(2002:76). O que aparenta ser estranho nesta analogia que o etnólogo francês faz dos
Exus aos humanos é o fato de que o ser homem não está acostumado ou não quer
conceber divindades tão próximas de seu caráter irascível e vaidoso.
      Não se pode afirmar que alguns adeptos não vejam alguns Exus como a própria
imagem do diabo. Em entrevista que realizei com Gilmar, membro da casa Palácio de
Iemanjá27, pude notar os extremos que cada Exu pode atuar dependendo da
personalidade de quem o incorpora. Pergunto ao membro do terreiro:


- [Entrevistador:] Como são os Orixás para você?
- [Gilmar:] Ah! Os Orixás são finos, é mansidão, bondade, paz (...).
- [E:] E os Exus?
- [G:] São escravos de santos, eles obedecem aos Orixás.
- [E:] Quem são os Exus que você incorpora nas segundas-feiras aqui no terreiro?
- [G:] Toquinho-do-Inferno (o de frente, principal que comanda), Exu-Tiriri, Serra-de-
Fogo e Exu-da-Meia-Noite.
- [E:] Explica um pouco como é cada um deles.
26
   - Este ponto cantado é geralmente entoado pelos membros do Palácio de Iemanjá nos cultos destinados
aos Exus, que acontecem todas as segundas-feiras, com exceção de alguns feriados santos, como no caso
da Semana Santa, onde o culto para Exu é suspenso. Cabe ressaltar aqui que os pontos cantados são
louvores próprios ao contexto umbandista.
27
   - Visita realizada no dia 24/03/08 ao terreiro.


                                                                                                   37
- [G:] Toquinho-do-Inferno é sério e bagunceiro, perverso, traiçoeiro; Exu-Tiriri é legal,
brincalhão, toma conta e é bondoso; Serra-de-Fogo resolve as causas impossíveis,
devolve o que é seu [exemplo dado por ele: devolve esposa, marido etc.]; Exu-da-Meia-
Noite já mata, vem pra bagunçar a pessoa. Agora os Exus podem mudar de
personalidade de pessoa para pessoa, o que é sério comigo pode ser brincalhão com
outro “cavalo”, e assim vai.


         Na mesma noite, conversando informalmente com Seu Quixabeira28, ele me
perguntava “em quem está o mal?”, silenciei um tempo e esperei que dissesse mais,
então ele contou a seguinte estória:


                       Meu carro esta lá fora, passa alguém, vê o carro, sabe que é meu e chama um
                       menino destes aí... e diz: quer um real para arranhar aquele carro ali [faz um
                       sinal que indica onde está seu carro], o menino vai e aceita. No outro dia
                       descubro qual foi o menino que fez aquilo e lhe pergunto por que fez aquilo,
                       ele me diz que ganhou um real de fulano para fazer, então lhe ofereço dois
                       reais para fazer o mesmo no carro do fulano, ele vai e faz pior. Aí eu te
                       pergunto: em quem está o mal, no menino ou em quem mandou? No
                       mandante é claro. Bem assim é o Exu, faz o que você manda porque não
                       sabem negar nada a você, se torna seu amigo. O mal não está neles e sim em
                       quem pede.


         É evidente na fala desses membros a relação de cumplicidade que os sujeitos
ganham em relação aos Exus. Estes são seres que possuem uma identidade próxima do
“cavalo”, uma identidade que é cotidianamente negociada entre as duas partes. Na
estória de seu Quixabeira, os Exus não são seres que simbolizam o mal, mas obedecem
cegamente aos ofertantes, mesmo que para isso tenham que praticar atrocidades.
         Algo que levou muitos dos primeiros missionários a associarem os Ebora à
imagem do diabo fôra sua postura astuciosa, vaidosa, grosseira e indecente, fazendo-os
“o símbolo de tudo que é maldade, perversidade, abjeção, ódio [...]” (idem: ibidem).
           Um personagem folclórico e extremamente elucidativo a este estudo é o Exu Zé
Pelintra. Figura saída do Nordeste e que se tornou ícone bamba nos morros e terreiros



28
     - Membro da casa Palácio de Iemanjá. Visita feita ao terreiro no dia 24-03-08.


                                                                                                  38
cariocas (Ligiéro, 2004: 54-55), Zé Pelintra é considerado, na tradição umbandista, um
excelente protetor, pois na tradição carioca pode-se encontrar:


                                       Zé Pelintra, Zé Pelintra
                                        Boêmio da madugrada
                                      Vem na linha das almas e
                                      Também da encruzilhada
                                Mas o amigo que nasceu lá no sertão
                              Enfrentou a boemia com seresta e violão
                                       Hoje na lei da Umbanda
                               Acredito no senhor, sou seu filho de fé
                                       Pois tem fama de doutor
                                       Com magias e mirongas
                                       Dando forças ao terreiro
                                       Saravá, seu Zé Pelintra
                                        O amigo verdadeiro29.


        Como mostra o ponto cantado30 de José de Aloiá, o Exu Zé Pelintra é um
“amigo”. Na representação nordestina podemos encontrar um autêntico “valentão
briguento” desde pequeno (2004:27), desentrosado das hierarquias a ponto de matar pai,
mãe e pessoas indefesas como mostra o ponto abaixo:


                                        Matei pai e matei mãe
                                     Matei ‘padrin’ e madrinha,
                                      Matei um cego assentado
                                      E um aleijado no caminho
                                         (Carlini, 1993: 165).


        Ligiéro faz uma análise psicológica da entidade: “seria um personagem que luta
para desapegar-se do universo no qual foi gerado” (2004: 29). Algo bem característico
para um Exu. Ainda segundo Ligiéro (Op. cit.: 69), Zé Pelintra é uma entidade
desafiadora, e quanto mais forte o inimigo, melhor será a disputa, pois “Seu Zé também


29
   - Amigo Zé Pelintra, ponto cantado no Cd Zé Pelintra, do babalorixá José de Aloiá, de São Paulo. Citado
por Ligiéro (Op. Cit.: 37).
30
    - Cantiga que se faz em homenagem às entidades ou para convidá-los a incorporar nos médiuns
(Magnani, 1986: 61).


                                                                                                     39
protege aqueles que o convocam para missões bélicas, e parece se excitar com a
grandeza do rival (...)”.
       Observa-se, através do exemplo de Zé Pelintra, que assim como ele, os Exus são
entidades que mudam de personalidade para outra muito rapidamente, personalidades
totalmente díspares, de forma hábil e geniosa. “seu Zé” – como muitos membros da
Umbanda carinhosamente lhe chamam – é um espírito ligado aos prazeres terrenos e
mundanos, aos desafios “bélicos”, um espírito desencarnado que um dia viveu entre os
homens, porém não quis se desvincular das coisas e prazeres da terra (Ligiéro, 2004:
74). Cito aqui o ponto apresentado por Ligiéro em seu livro, e diz o seguinte:


                                No encruzo me chamavam
                                Pra quebrar uma demanda
                                  Se presente vou ganhar
                                Sua demanda vou quebrar.
                                Se o inimigo for bem forte
                                 Vou gostar de demandar
                             Com seu Santo Antônio de fogo
                               Sua demanda eu vou quebrar
                                     Sou Zé Pelintra
                                  Que gosta de brincar.




                                                                                  40
Foto 3




No centro da imagem o Exu Zé Pelintra, essa é a representação nordestina da entidade.
Há também o “seu Zé” de terno e gravata, representação boêmia da entidade (Magnani,
                               1986:47). Foto do Autor.


       A importância que os Exus têm para os grupos religiosos umbandistas, bem
como sua interpretação no meio iurdiano merece destaque e acuidade. Se por um lado é
coerente falar da importância dos Exus dentro do meio umbandista, se torna confuso e
contraditório quando enfatizamos que estas entidades também são elementos
significantes e, até mesmo indispensáveis, nos rituais das “terças-feiras de descarrego”,
patrocinados pela IURD. Nessas sessões de descarrego, a liderança iurdiana, juntamente
com os fiéis, faz um trabalho de despacho dos demônios que se apoderam das pessoas
que lá buscam auxílio. Nas reuniões os demônios são identificados pelos nomes de
entidades-Exus conhecidos no meio umbandista. A associação é direta e sem nenhum
receio à prática de preconceito contra os símbolos e identidades das religiões afro-
brasileiras. Em visita a uma dessas sessões de descarrego, pude notar que as entidades




                                                                                      41
umbandistas mais atacadas são os Exus, com uma menor freqüência ataca-se os Orixás,
todavia não se tem muita distinção dessas identidades entre os membros e os líderes31:


                     Você que veio aqui para se sentir leve do peso que está sendo causado pelos
                     espíritos malignos, espíritos de morte, o espírito chamado Zé Pelintra,
                     espírito chamado Zé Pelintra! Espírito chamado Pomba-Gira, espírito
                     chamado “Tranca-Caminho”32.


       Nesta passagem, observa-se que além das ofensivas feita aos Exus, entre as
entidades atacadas ou associadas aos demônios há uma outra que surge no discurso
iurdiano, o Exu “Tranca-Caminho”. Dentro da tradição umbandista, encontra-se um Exu
chamado Tranca-Rua, mas a entidade invocada nesta sessão foi o “Tranca-Caminho”,
entidade desconhecida dentro do panteão umbandista33. A referência ao caminho, a
verdade e a vida está presente no discurso evangélico, características bíblicas que são
constantemente expressas nos cultos protestantes e (neo)pentecostalistas34. Portanto
concebo que a troca dos termos Tranca-Rua por Tranca-Caminho não é uma mera
confusão e sim uma forma de afirmar os perigos dessas entidades no caminho e na vida
do fiel. Nesse sentido o termo caminho possui um sentido bem mais amplo para o fiel
iurdiano do que o termo rua, esse último tem sentido estreito não abrange a metafísica
que carrega o termo caminho para o cristão iurdiano. Isso mostra que para além do
sincretismo ritual, há também uma re-significação sincrética das entidades, ou o que
Fernando Ortiz, citando Herskovits (apud Motta, 2005:265), chamou de transculturação
e neoculturação:


                     Acredito que a palavra transculturação exprime melhor as diferentes fases do
                     processo de transição de uma cultura a outra, porque o processo não consiste
                     simplesmente na aquisição de outra cultura, o que corresponde ao termo
                     inglês acculturation, mas compreende, também, e necessariamente, a perda
                     ou a extirpação de uma cultura precedente, que poderia ser chamada de


31
   - Durante as entrevistas e bate-papo informal pude perceber que todas as entidades espirituais das
religiões afro-brasileiras são identificadas como “criaturas diabólicas”, “espíritos das trevas”, demônios
etc. Estas expressões foram se repetindo com muita freqüência nas conversas e até mesmo nos cultos.
32
   - Entidade apresentada pelo pastor André que lidera os cultos de descarrego no Templo Maior da IURD
em Maceió.
33
    - Conversando informalmente com Pai Zeca, lhe perguntei se há no panteão umbandista esta entidade
chamada Tranca-Caminho, segundo ele não existe, há o Tranca-Ruas. Visita ao terreiro no dia 07/04/08.
34
    - Referência a passagem bíblica de São João 14:06.


                                                                                                      42
deculturação. Acarreta também a idéia de criação de novos fenômenos
                       culturais, o que equivaleria a uma neoculturação (Herskovits, 1952: 231
                       apud Motta, op. cit.: 265).


           O termo neoculturação, desenvolvido por Herskovits, pode ser utilizado para
fins analíticos porque considera a perspectiva de que os elementos umbandistas
inseridos no ritual iurdiano não são apenas extirpados, como muitas vezes percebem-se
os expurgos dos Exus em seus cultos, mas re-introduzidos como entidades maléficas ao
homem. Mostram-se indispensáveis no sentido em que é através deles que o mal pode
ser identificado, desautorizado e extirpado da vida do fiel. Sua importante presença
consiste em ser expurgado uma hora ou outra, assim que pareça conveniente que o
                                                          35
“mal” “pegue sua passagem para o inferno”                      . Esta significação é feita de maneira
própria, acarretando a idéia de “criação de novos fenômenos culturais”, segundo
observa Motta.
           Porém esta mudança cultural pode ser pensada como uma “reinterpretação [que]
conserva significados antigos dentro de novas formas, ou conserva velhas formas dentro
de novas significações” (Ortiz,1947: 125).
            Segundo Soares (op. cit) a eficiência do modelo iurdiano junto aos seus
freqüentadores e adeptos - eficácia que se estende também a outras denominações
religiosas pentecostais e neopentecostais - “não está na criação de um novo modelo de
relação com o sobrenatural, mas justamente na repetição de um modelo já existente (...)
nos parece, [que] o que muda são os valores atribuídos aos símbolos” (Idem: 89).
           Assistindo a um dos programas televisivos da IURD36 na TV Record, observei
que Pr. André, responsável pela apresentação do mesmo, mostrava imagens de rituais
chamados por ele de feitiçaria. Nesses rituais, alguns elementos da cultura afro-
brasileira estavam sendo expostos como elementos de feitiçaria. As imagens mostravam
uma mulher negra com vestes brancas, um peji, quartinhas de barro, bacias de barro,
guias, velas e uma garrafa com bebida. Estava supostamente atendendo a uma cliente
que, segundo mostrava a emissão, encomendava à “feiticeira” um trabalho espiritual
para prejudicar a filha de sua vizinha. A encomenda, segundo o relato, estava sendo
feita para que a filha de sua vizinha virasse uma prostituta. Em certo momento foi
interessante notar que para desfazer o feitiço, ou despachá-lo, era preciso que o fiel

35
     - Expressão usada pelo Pastor e recolhida em visita realizada à igreja no dia 03/03/2008.
36
     -Programa exibido em Maceió no dia 06/03/2008, às 13h30, pela rede Record de televisão.


                                                                                                  43
desse um nó em uma meia da pessoa que ele desejasse as bênçãos, e só desatasse o nó
na reunião da sexta-feira da libertação. Em outro momento, Pr. André anotava nomes,
em pequenos pedaços de papéis, de pessoas que telefonavam para o programa, e, logo
em seguida, colocava os nomes das pessoas dentro de uma bacia com água, arruda e sal-
grosso. Enquanto as anotações eram depositadas na bacia com arruda, as imagens de
fundo mostravam uma espécie de clipe que apresentava uma bacia de barro com ervas,
velas nas cores vermelho e preto, e uma mão que segurava um maracá. Foi interessante
notar uma “feitiçaria” sendo desfeita com outra, e usando elementos da primeira –
arruda e sal-grosso - para poder mostrar sua eficácia.
        Muitos consideram estranho encontrar em igrejas que se denominam
evangélicas, rituais que apresentem a arruda37 e o sal-grosso como elementos
necessários a momentos religiosos. Para algumas lideranças evangélicas, a prática é
apontada como um tanto estranha. Freston (1994:136) mostra que alguns evangélicos
não consideram a IURD uma igreja que segue os preceitos pentecostais, “vendo-a como
sincrética”. Essas opiniões são difundas entre igrejas pentecostais a partir do momento
em que se vêem nos rituais iurdianos elementos oriundos do catolicismo popular e da
Umbanda. Freston faz menção à afirmação feita por um pastor iurdiano de que a igreja
cresce onde há “macumba” (Freston, 1994:136), isso se dá de forma vertiginosa nos
grandes centros urbanos:


                    Seu sucesso parece ter muito a ver com o cruzamento que faz entre duas
                    pontes: uma que liga à tradição religiosa nacional e outra ligada com a
                    cultura urbana do Brasil moderno (Freston, op. cit.: 142).


        Ainda segundo Freston, as lideranças iurdianas começaram a perceber que não
adiantava concentrar os ataques contra a igreja Católica, pois esta passa por um forte
declínio; contudo, suas forças deveriam se concentrar contra a concorrência umbandista
(Idem: 140). Talvez aí se compreenda a inserção da arruda e do sal-grosso em seus
rituais, afinal, é preciso manter uma linguagem acessível e significativa para aqueles
que um dia foram freqüentadores ou adeptos da Umbanda ou do Candomblé; uma
linguagem acessível visando uma aproximação ao referido universo religioso, mas não
37
   - Nome Científico: Ruta graveolens / família Rutáceas. Planta Originária do sul da Europa. Uso
mágico: Carregar arruda atrás da orelha para espantar o mau-olhado (portugueses). Ritos africanos
usavam arruda, e a própria Igreja chegou a usá-la sob forma de vassourinhas para aspergir água benta
sobre os fiéis em missas solenes. O banho com arruda combate todos os tipos de mau-olhado (Fonte
www.achetudoeregiao.com.br/ANIMAIS/arruda.htm - 26k -).


                                                                                                 44
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Thiago Angelin Lemos Bianchetti Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a Ótica de Re-significação Iurdiana: uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja Universal do Reino de Deus. Maceió-AL 1
  • 2. Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a Ótica de Re-significação Iurdiana: uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja Universal do Reino de Deus. Thiago Angelin Lemos Bianchetti Trabalho de Conclusão de Curso – TCC – apresentado ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, como requisito básico para obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Sociais, sob a orientação da Professora Dra. Rachel Rocha de Almeida Barros. Maceió-AL 2
  • 3. SUMÁRIO Resumo.......................................................................................................................... 07 Introdução ............................................................................................................ 08 – 16 Capítulo I - Aspecto sociohistórico da Igreja Universal do Reino de Deus ................................................................................................................................ 17 – 25 Capítulo II – “Exus, protetor dos ‘home’”............................................................ 26 – 46 Capítulo III – “Farofa na fundanga”, quero ver queimar - um relato etnográfico - ................................................................................................................................ 47 – 65 Capítulo IV – Despacho de Exus: uma Observação Direta da Sessão do Descarrego na IURD ..................................................................................................................... 66 – 89 4.1 Símbolos, imagens e imaginários .................................................................... 81 – 89 Considerações finais ............................................................................................ 90 – 91 Referência Bibliográfica ...................................................................................... 92 – 95 3
  • 4. Carrego Comigo (...) Mesmo em forma de erro Que alívio seria Mas ficas fechado. Carrego-te à noite se vou para o baile De manhã te levo Para a escura fábrica De negro subúrbio. És, de fato, amigo Secreto e evidente Perder-te seria Perder-me a mim próprio. Sou um homem livre Mas levo uma coisa. Não sei o que seja. Eu não o escolhi. Jamais fitei. Mas levo uma coisa. Não estou vazio, Não estou sozinho, Pois anda comigo Algo indescritível. (Carlos Drummond A Rosa do povo p. 32). 4
  • 5. É o vento que balança a folha Guiné É o vento que balança a folha. É o vento que balança a folha Guiné É o vento que balança a folha. É, É, É! Pai Guiné É o vento que balança a folha. 5
  • 6. Agradecimentos Às divindades que têm me acompanhado com extrema graciosidade e benevolência. À toda minha família, em especial a Rose Meire Lemos Bianchetti, Denevaldo José Bianchetti e Maria Clara Lemos, a esses devo todo respeito e admiração. Sem eles não poderia ter continuado a batalha que foi e é minha vida desde cedo. A vocês eternamente grato. À Professora Rachel Rocha de Almeida Barros, pela sua orientação nesse trabalho, mas também pelo seu compromisso como profissional, sua competência e dedicação ao ensino público, sua desenvoltura na liderança de pesquisas e tantas outras. Grato. À Professora Sílvia Aguiar Carneiro Martins que com prontidão sempre auxiliou nas dúvidas, nas necessidades técnicas, teóricas e na Co–orientação desse trabalho. Pela pessoa generosa que é. Grato. Aos professores Bruno César Cavalcante, pela participação na pré–banca e banca deste TCC. Siloé Amorim, Sérgio Castilho, Alice Anabuki, Mariza Soares por sua gentileza e presteza ao enviar seu artigo e a todos aqueles que cruzaram meu caminho durante a graduação. A todos os membros da casa Palácio de Iemanjá na pessoa do babalorixá Zeca, muito grato pela abertura de seus cultos, sua vida religiosa e a permissão do registro de suas imagens. A Juliana Barretto, pela força e companheirismo. A turma de 2004 do período noturno que sem dúvida fez valer a parceria, as críticas e as descontrações. Aos amigos, aquele abraço! 6
  • 7. Resumo O presente trabalho pretende discutir o sincretismo da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD - em relação aos símbolos das religiões afro-brasileiros. Entender a postura e a dinâmica dos rituais nos cultos afro-brasileiros como também nos cultos da sessão do descarrego da IURD. Para tanto, será observado os cultos afro-brasileiros da casa Palácio de Iemanjá, situada no bairro de Jacintinho, e os do Templo Maior da IURD, situada no bairro de Mangabeiras. Pretende-se abordar como as entidades espirituais se manifestam nestas duas esferas religiosas a partir de uma observação direta dos cultos. Observo as festas dadas aos Exus na casa Palácio de Iemanjá como também os expurgos destas entidades na IURD, contudo o foco principal não é evidenciar o conflito religioso, e sim, mostrar que em um processo de inversão simbólica dos Exus e outros elementos da Umbanda e do Candomblé a IURD evidencia seu caráter sincrético- religioso. Através de uma etnografia realizada no terreiro, aqui já mencionado, observo as identificações dadas pelos membros desta casa aos Exus, por outro lado observo-os, também, dentro da IURD e suas respectivas identificações. Por fim, analiso os ataques, contidos no livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios? Do bispo Edir Macedo contra os símbolos, elementos e o todo o panteão de entidades das religiões afro-brasileiras. 7
  • 8. Introdução ... no universo da religião estamos muito mais interessados em conversar com Deus, com os santos, com a Virgem Maria e Jesus Cristo, e com toda a legião de entidades que ali habitam. Nosso modo de relacionamento aqui é diferente. Em vez de discursar, rezamos; em vez de ordenar, pedimos em vez de simplesmente falar, como fazemos habitualmente, conjugamos a forma da mensagem com seu conteúdo, suplicamos. O modo de comunicação com o além e seus habitantes, assim, é formalizado e suplicante. Feito de preces, rezas e discursos onde se acentua a cândida sinceridade, a honesta súplica, a nobre humildade e, naturalmente, a formidável promessa de renunciar ao mundo com suas pompas e honras (DaMatta, 1986: 109-110). Esse estudo pretende apresentar duas determinadas identidades religiosas que, aparentemente, se mostram diametralmente opostas uma à outra. Oposta porque uma se identifica como evangélica (Macedo, 2006) e a outra como mediúnica ou, como se convencionou chamar entre os populares, membros da Umbanda, e até mesmo entre intelectuais, a “famosa” macumba (Magnani, 1986:21). Não é preciso muitas argumentações para entender o quanto o termo evangélico se distancia do termo “macumbeiro” – caracterização evidentemente carregada de sentido negativo para muitos. Enfim, Fala-se aqui de duas religiões: da Umbanda e da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD1. A religião umbandista é caracterizada pela sua forma de re- ligare2 o homem ao sobrenatural através do transe e da possessão de seus adeptos por meio de entidades pertencentes ao plano espiritual (op. cit.:11). A IURD, religião nascida no final da década de 70, mostra-se extremamente inovadora no campo religioso brasileiro: pratica rituais de curas divinas, expurgo de demônios, rituais de incentivo à prosperidade financeira e ostenta um forte aparelhamento midiático a seu favor (Mariano, 1999:34-35). Segundo o mesmo, os movimentos evangélicos da década 1 - Segundo Ortiz (1947:132) a palavra umbanda é de origem Kimbundo e quer dizer “curar”. A sigla IURD foi adota pelos próprios líderes neopentecostais. 2 - Re-ligare é palavra oriunda do Latin e significa “religar”, e daí deriva o termo religião. A expressão é usada por Rubem Alves citado por Magnani (1986: 11). 8
  • 9. de 70 que apresentam essas mesmas características da IURD passam a ser identificados como neopentecostais, termo do qual faço uso nesse trabalho. A religião pode ser interpretada como uma forma globalizante de se relacionar com os deuses que habitam as alturas como também um meio de integrar os homens que almejam essas alturas (DaMatta, 1986:111). Ainda segundo DaMatta pode-se pensar a religião da seguinte maneira: (...) Pensamos na religião como um meio de explicação para os infortúnios – as coincidências negativas (como acidentes e doenças) -, pois a religião pode explicar por que uma pessoa ligada a nós ficou doente, sofreu um acidente fatal ou foi vítima indefesa e gratuita de desesperadora aflição (op. cit.: 111-112). De maneira geral, concentro o objetivo do estudo em dois ethos religiosos, o umbandista e o iurdiano. De acordo com Geertz, o ethos de um povo é o “tom, o caráter e qualidade de sua vida” (1989: 103). Especificamente, abordo neste estudo o caso do sincretismo iurdiano com os símbolos afro-brasileiros, através de observação direta das sessões de descarrego que acontecem todas as terças-feiras no Templo Maior da IURD em Maceió/AL3. Também pude realizar uma etnografia de uma festa de Exu no terreiro Palácio de Iemanjá, localizado em uma periferia de Maceió4. Nesta última, destaco alguns pontos principais da festa, como também alguns elementos ritualísticos próprios da Umbanda. O terreiro aqui estudado se denomina Nagô traçado5. Com o intuito de facilitar a compreensão do fenômeno sincrético religioso por parte de não adeptos das religiões afro-brasileiras, aqui exemplificados por integrantes da IURD, me valho das relações internas dos iurdianos estabelecidas com as entidades das religiões afro-brasileiras. Busco, inicialmente, entender como as entidades conhecidas como Exus se manifestam e se identificam nesse terreiro (Palácio de Iemanjá) para, somente depois, observar como essas entidades são identificadas na 3 -O Templo Maior da IURD em Maceió fica localizado na Av. Gustavo Paiva, no bairro de Mangabeiras, vizinho ao maior Shopping Center da capital alagoana. Trata-se de uma construção imponente por seu tamanho territorial e por sua arquitetura arrojada. 4 - O terreiro fica localizado no bairro do Jacintinho, uma periferia de Maceió. O bairro “situado numa área de 17.424 metros quadrados, o Jacintinho [, hoje,] atinge uma população superior a 200 mil habitantes, incluindo todas as grotas e antigos sítios”. Publicado em O JORNAL, Maceió, domingo, 27 de outubro de 1996. Texto [do] Jornalista Jair Barbosa Pimentel. 5 - Nagô traçado, o termo Nagô representa a nação ou linhagem do terreiro e traçado significa a combinação sincrética com os elementos de Umbanda. Dona Edilene, membro da casa Palácio de Iemanjá, salientou várias vezes sobre este aspecto identificador. 9
  • 10. IURD. Faço referência a alguns outros elementos sincretizados pela IURD, tais como a arruda, o despacho e o descarrego. Percebo que é importante compreender a dinâmica interna dos cultos umbandistas e ouvir as significações atribuídas a ela pelos sujeitos envolvidos no processo, sejam elas referentes aos cultos, a si mesmo, às entidades, ou relativa a qualquer outro aspecto em que se faça relevante os sentimentos e representações dos sujeitos, ou o “tom” como sugere Geertz. Também procurei dar voz ativa aos sujeitos iurdianos, mesmo enfrentando dificuldades para fazer algumas simples perguntas sobre assuntos religiosos relacionados a estudos acadêmicos. Minha presença gerou certas dúvidas por parte dos fiéis e principalmente dos líderes – relato, mais adiante, algumas das minhas dificuldades quanto a isso. Este estudo nasce, também, da minha perplexidade ao ter constatado o quão pouco o fenômeno pentecostal esteve em pauta na historiografia e nas abordagens sociológicas desde seu surgimento (1910) até as renovações feitas neste movimento, algo que caracterizou o assim chamado neopentecostalismo (1977), principalmente por causa do fenômeno iurdiano no campo religioso (Mariano,1999: 36). Segundo Freston (1994:67), “o pentencostalismo brasileiro já tem 80 anos de existência e talvez 13 milhões de adeptos, mas ainda não conta sequer com uma história acadêmica. Isso prejudica a sociologia do fenômeno, pois, como diz Joachim Wach (1944:02), “sem o trabalho do historiador da religião o sociólogo fica desamparado”. O fenômeno neopentecostal surge na contemporaneidade brasileira como um “boom” religioso, pois segundo Bonfatti (2005:1-2) o Brasil recebe o título de maior país católico do mundo, mas também o de segundo maior país protestante do mundo. Se por um lado temos uma religião que vai se consolidando como hegemônica – A IURD - no cenário religioso do país, por outro temos sua concorrente, a Umbanda. Freston (1994:136) mostra que a IURD cresce onde há “macumba”. Magnani (1986: 21) mostra que a Umbanda, ou a tão famosa “macumba”, surge no contexto sociocultural do Rio de Janeiro sob uma forte confluência de credos de origem africana, identificados por nações; por um lado, os Nagôs, para os quais predomina o estilo de religião dos sudaneses, e que são menos acessíveis à mudança religiosa; por outro, a nação Banto, com a cabula, mais acessível a mudanças religiosas. As influências religiosas entre os Bantos podem ser identificadas pela assimilação de alguns Orixás vindos dos Nagôs, pelos rituais de catimbó ou os caboclos catimbozeiros, 10
  • 11. pelos santos cultuados pelos católicos, e por último, pelo espiritismo Kardecista. Assim, como mostra Magnani: Esta nascendo a macumba, descrita por Arthur Ramos como o sincretismo jeje, nagô, mulçumano católico (Ibidem: idem)., caboclo, espírita e católico (Ibidem:idem). Malandrino (2006:92) mostra que a Umbanda não se define através de uma centralidade simbólica e ritual, muito pelo contrário, apresenta uma constante transformação simbólica, sendo esta a sua característica mais marcante. Para a autora, pode-se falar de “várias umbandas e não de apenas uma”, e ela mostra também, baseada em algumas informações de pais e mães-de-santo, que o que a Umbanda faz é mesclar as tradições para formar uma religião, tratando-se de um sincretismo consentido. Contudo, a Umbanda não é uma degeneração de variados credos, muito menos um amontoado simbólico. De acordo com Magnani: A umbanda não é certamente uma espécie de degeneração de antigos cultos africanos ou do espiritismo Kardecista. É, sim, o resultado de um processo de re-elaboração, em determinada conjuntura histórica de ritos, mitos e símbolos que, no interior de uma nova estrutura, adquire novos significados (op. cit.: 13). Parto para analisar a perspectiva sincrética a partir do conceito de “guerra santa”. Soares entende que o processo de “guerra”, ataques e acusações entre evangélicos e adeptos dos cultos afro-brasileiros não desmerece a tentativa de estudo sobre o sincretismo entre eles6. Trabalho aqui o sincretismo a partir do conceito de Steil (2001:31), que o define como uma síntese de elementos diversos, mas como uma estrutura, isto é, uma forma de ordenação constante, presente em todas as religiões, quebrando com o sentido de pureza ou originalidade religiosa. Nesta perspectiva, não há religiões sem sincretismos, como mostra o autor. 6 - O termo “guerra santa” é utilizado por Soares (1990). A autora, tendo sido convidada pelo Programa “Negritude Brasileira” do Instituto de Estudo da Religião (ISER), desenvolve uma etnografia sobre a “guerra santa” entre algumas igrejas evangélicas e os cultos afro-brasileiros (Idem: 75). Após ter lido a citada etnografia, decidi estudar sobre o fenômeno, e que culminou com a presente monografia. 11
  • 12. Utilizo símbolo a partir dos conceitos propostos por Malandrino (2006) - num nível mais psicológico - e por Geertz (1989) e Laplantine & Trindade (2003) – para aspectos mais antropológicos -, valendo-me, igualmente, dos conceitos de imagem e de imaginário propostos por esses últimos autores. Através dessas contribuições, faço uma interpretação simbólica das fotografias expostas no livro do Bispo Edir Macedo, Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios? (2006). Para Malandrino (2006:198), o símbolo possui um caráter bipolar e oculta sentidos não visíveis; para Geertz (op. cit.: 143), o símbolo é sintetizador de um ethos; enquanto que para Laplantine & Trindade o símbolo é o veículo propiciador de imagens no imaginário dos homens (idem: 23-24) e as imagens “são construções baseadas nas informações obtidas pelas experiências visuais anteriores” (op. cit.: 10). Sobre a análise dos rituais, utilizo o conceito de Terrin (2004) e Mauss (2003). Para Terrin (op. cit.: 161), o rito só se fundamenta a partir do momento em que consegue gerar respostas significativas aos problemas dos homens, em que demonstra a capacidade que tem de se debruçar “sobre o mundo da vida”. Para Mauss (op. cit.: 58), o rito pode ser concebido como o ato de adorar e conciliar, todavia o autor destaca que ele também coage. Por fim, abordo a questão das identidades religiosas e sua relação com as entidades que se apresentam nestas religiões. Entendo as identidades a partir do conceito de Castells (1999:22), que as define como processadas a partir da construção de significados. Aspectos Metodológicos Minha pesquisa de campo foi realizada no Templo Maior da IURD e no terreiro Palácio de Iemanjá, ambos em Maceió-AL. Percebe-se que no processo de identificação das casas de cultos não importa somente denominar o ambiente; neste campo do religioso, os adeptos sentem a necessidade de elevar ao máximo a identificação do espaço sagrado; desta forma, não basta apenas ser um templo, mas ser o Maior! No caso do terreiro, observa-se que a casa é de Iemanjá, não se tem dúvidas, mas trata-se de um palácio! Certamente, esta relação dos sujeitos com as divindades e com os espaços sagrados me faz refletir profundamente. Esse estudo nasce, então, primeiramente, de uma estupefação de sentidos que a religião passou a despertar em mim, seja pela forma com que os homens se dividem entre o mundo secular e o espiritual, seja pela maneira 12
  • 13. como essa classificação consegue embutir nos fiéis disposições e motivações tão lúcidas, até mais do quê o que se vê, e até mais do quê o que se toca. No processo de escolha dos locais onde iria se realizar minha pesquisa, me chamou a atenção o caso da Rua São Jorge situada no bairro do Jacintinho, na qual localizam-se um templo da IURD e o terreiro Palácio de Iemanjá à uma distância de 50 metros um do outro. A proximidade dessas duas casas de cultos me pareceu, apriori, interessante, visto que são duas formas religiosas que sugerem distanciar-se em quase tudo: nas roupas, nos estilos de cânticos entoados e nas explicações religiosas. A alternativa do local me parecia ideal, a escolha daquela rua seria significativo ao que pretendia pesquisar, o sincretismo. Os conflitos pessoais naquele local e os desentendimentos entre adeptos pereciam ser evidente, contudo não foi o que se esperava. Logo de início a pesquisa não teve a aceitação imaginada nesse templo da IURD. A liderança, sobretudo, não concordou com a idéia de um pesquisador no templo evangélico e também no terreiro de “macumba” – expressão comumente usada por eles. Percebi rapidamente que os meus questionamentos não teriam abertura no campo, principalmente entre os pastores. Então resolvi mudar a escolha do local do templo da IURD da Rua São Jorge para o Templo Maior da IURD no bairro de Mangabeiras. Contudo, ainda diante do contexto anterior, mantive a escolha do terreiro que fica localizado em um perímetro distante do novo templo da IURD escolhido. Contratempo que me frustrou quanto às primeiras idealizações desse projeto. Mas quando comecei a freqüentar esse templo observei que o anonimato seria a melhor forma de relacionar-me com o campo de pesquisa, visto que a minha presença não seria notada em uma igreja que foi construída para acomodar centenas de pessoas. Parto da concepção de Minayo (1994) que interpreta a pesquisa qualitativa como um caminho que responde a questões muito particulares, pois “ela se preocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado” (Idem: 21). Por outro lado, de acordo com Boudon (1989:89), “Os estudos de casos permitem uma finura na observação” maior que outros métodos. Foram quatro meses de pesquisa de campo onde pude sentir de perto como o fenômeno parecia mudar suas formas, vertiginosamente, sobre tudo aquilo que eu teria pensado sobre ele anteriormente. Isso me faz lembrar o binômio tão discutido nas Ciências Sociais: pesquisador-pesquisado. Segundo Chizzotti (1995:81-82), o pesquisador é parte fundamental da pesquisa, todavia a delimitação do problema não se evidencia por afirmações prévias. O autor define a relação da seguinte maneira: 13
  • 14. A identificação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do pesquisador na vida e no contexto (...) uma participação prática nas experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas, para descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas (op. cit.: 81). Durante quatro meses, foram realizadas 12 visitas às sessões de descarrego na IURD, sempre às terças-feiras, às 19h30. As 5 primeiras visitas tiveram por objetivo mapear e permitir meu entrosamento com o campo, pois tudo o que eu tinha em mente, então, era a idéia do sincretismo religioso dessa religião e nada mais. Com o tempo, e após algumas visitas e leituras, o objeto foi se delineando. À casa de cultos afro- brasileiros Palácio de Iemanjá realizei 10 visitas entre os meses de Janeiro e Abril, particularmente em dias de festas dedicadas aos Exus; em 8 dessas visitas realizei entrevistas e uma breve etnografia sobre os elementos umbandistas desse terreiro. As entrevistas foram não-diretivas e realizadas com os adeptos das duas religiões, pois, segundo Chizzotti (1995:85), este tipo de entrevista “reúne um corpus qualitativo de informações que se baseia na racionalidade comunicacional”. Em outros momentos foi preciso utilizar as técnicas de entrevista aprofundada, geralmente quando precisei obter informações características de algumas entidades que se manifestam no terreiro e na IURD. Segundo Granai (1977:207), nesse caso, “trata-se de uma entrevista de tipo livre, na qual o inquiridor tem por objetivo a exploração de uma reação particular do inquirido a um determinado estímulo (...) o papel do inquiridor consiste menos em interrogar”. Em uma das reuniões da sessão de descarrego que participei na IURD7, tive a nítida sensação que não só os demônios-exus – é assim que são tratadas estas entidades - iriam ser enxotados do templo, mas que eu também o seria. Antes que o culto começasse, resolvi fazer algumas perguntas aos membros, ou apenas conversar informalmente com eles, quando comecei a perceber a presença de uns quatro seguranças do templo que me olhavam insistentemente; decidi, então, me sentar e esperar que o culto começasse. Após alguns minutos o culto se iniciou e eu comecei a anotar as falas, os elementos do ritual e outros aspectos; nesse momento, e quando menos esperava, sem que eu mesmo notasse, os quatro seguranças surgiram, e sem que precisassem dizer qualquer coisa me senti “obrigado” a guardar minha caderneta e meu Mp3, fazendo de conta que tudo aquilo não passava de um mal-entendido. 7 - Visita que realizei no dia 26 /02/08 ao Templo Maior da IURD. 14
  • 15. Se por um lado a pesquisa de campo precisa ser experimentada em contato direto com os pesquisados, sem muitas conjecturas universalistas, por outro, nela se apresentam os efeitos da presença do pesquisador no campo. Segundo Georges & Jones (1980:04), a presença do pesquisador no campo pode trazer “efeitos desconhecidos sobre o bem-estar futuro dos indivíduos ou grupos”, pois o processo de inserção no campo deve ser interpretado em nível real quando se trata de gente estudando gente. Assim mostra os autores: Quando temos pessoas estudando outras, todos os indivíduos envolvidos apresentam necessariamente sentimentos ambíguos uns em relação aos outros – pelo menos inicialmente. Tanto os pesquisadores de campo quanto os informantes vêem-se obrigados a lidar com os dilemas criados pela natureza da sua relação (op. cit.: 19). Considerados esses aspectos metodológicos, passo agora a relatar de que forma encontra-se estruturado o presente estudo. No primeiro capítulo, que chamei de Aspecto sociohistórico da Igreja Universal do Reino de Deus, faço um apanhado geral sobre as religiões evangélicas no Brasil, desde seu surgimento na década de 10 do século XX em diante. Trata-se aqui de discutir rapidamente o aparecimento dos pentecostais e dos neopentecostais no cenário religioso do país, observando como a IURD surge aí como expoente entre as demais, e quais são as suas características e a sua posição simbólica em relação aos afro-brasileiros. No segundo capítulo, intitulado “Exus, protetor dos ‘home’”, título que faz referência à fala do babalorixá Zeca quando me explica que os Exus não são diabos, e sim protetor dos “home”, conduzo uma discussão sobre a identidade do diabo nas sociedades ocidentais e como Elegba ou os Exus se tornaram demônios na concepção católico-branca. Busco problematizar também a relação dos integrantes das religiões afro- brasileiras com estas entidades, considerando aspectos como sua personalidade, seu comportamento e sua identificação nos terreiros. Valho-me também de alguns pontos cantados em homenagem a estas entidades visando um melhor entendimento sobre elas, além de observar como alguns membros do Palácio de Iemanjá vêem os Exus. Por fim, discuto a relação simbólico-identitária que os adeptos desta casa desenvolvem com 15
  • 16. essas entidades. Utilizo imagens da tronqueira de Exus e da casinha dos Pretos-velhos nesse capítulo para poder ilustrar a representação das entidades dentro do terreiro. No terceiro capítulo, intitulado “Farofa na fundanga, quero ver queimar”, faço uma descrição etnográfica do terreiro aqui já mencionado, o Palácio de Iemanjá. O que está em jogo é destacar a dinâmica interna dos cultos para os Exus dentro dos hábitos e significados que os próprios membros do terreiro puderam oferecer, mas buscando observar suas práticas e referendando teoricamente estas práticas a partir da concepção de alguns autores da antropologia cultural e religiosa. No quarto e último capítulo, intitulado Despacho de Exus: uma observação direta da sessão de descarrego na IURD, abordo a identificação simbólica que os líderes e membros desta igreja elaboram sobre os Exus e outros elementos oriundos da Umbanda e do Candomblé. Procuro fazer uma análise do sincretismo desta igreja, através dos discursos, práticas ritualísticas e da inversão de sentidos feita pelos iurdianos dos símbolos das religiões afro-brasileiras. Por fim, busco fazer uma análise do livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios? (2006), do líder religioso e bispo da IURD, Edir Macedo, considerando alguns dos termos empregados por ele para classificar as entidades conhecidas nos mais diversos terreiros de Umbanda e Candomblé e analisando imagens fotográficas que apresentam adeptos das religiões afro-brasileiras que o autor tem, por finalidade, classificar como demônios. Saliento que todas as fotografias do Palácio de Iemanjá são de minha autoria, realizadas em uma festa de Pombas-gira no dia 07 de abril do corrente ano e as imagens scaneadas foram retiradas do livro do bispo Marcedo. A diferenciação entre as imagens acontece do seguinte modo: as fotos de minha autoria serão indicada, sempre sobre as imagens, com a classificação Foto do autor (negrito) e sua respectiva numeração respeitando a seqüência das fotografias, essas contêm legendas para facilitar a leitura visual e sua relação com o corpo do texto; já as do livro do bispo serão indicadas, também em cima das imagens, com a classificação Imagens scaneadas (negrito) e abaixo a fonte da qual foi retirada a(s) imagem(ns), como também a(s) página(s) do livro onde ela se encontra. 16
  • 17. 1- Aspecto sociohistórico da Igreja Universal do Reino de Deus 8 No decorrer do século XX, o Brasil experimentou um processo de pluralização religiosa resultante da sedimentação, superposição, acumulação e re-elaboração de tradições religiosas as mais diversas, como as de origem portuguesa, indígena, africana e, mais tarde, européia e asiática. Nesse processo houve a quebra do monopólio simbólico mantido até então pelo catolicismo, provocada pelo desenvolvimento de diversas expressões religiosas de matriz protestante acompanhada da insurgência de novos movimentos religiosos [...] (Rodrigues, 2003:13). Para melhor entender o panorama e a formação sociohistórica de um novo tipo de religiosidade que emergiu no Brasil na década de 70, mas que veio se processando desde década de 10 com o pentecostalismo clássico (Mariano, 1999:29), se faz necessário compreender o que se convencionou chamar, na categoria sociológica, de pentencostalismo e neopentecostalismo (1999:32). Mas antes de passar para a conceituação sociológica, é importante, também, salientar o significado que a palavra pentecostes tem para os evangélicos pentecostais. A priori, pode-se notar que é uma referência clara à passagem bíblica dos Atos dos apóstolos 2,1-13, tendo como ponto central o dia de pentecostes, quando o Espírito Santo desceu e se manifestou através do dom de línguas estranhas, exorcisando demônios e dando o dom de cura aos discípulos de Cristo. Este episódio é o referencial dos pentecostalistas na experiência cotidiana das suas liturgias (Bonfantti, 2005:01). Conforme Mariano, este evento bíblico acabou caracterizando a manifestação religiosa de diversos grupos comprometidos com uma renovação carismática, como também com os dons do Espírito Santo e o dom de línguas estranhas (1999:28). Bonfim mostra que este fenômeno conhecido como glossolalia ou balbuciar inarticulado das palavras é característica preferencial dos pentecostais. Ethos religioso que surge e se desenvolve no início do século XX nos EUA e que acaba se irradiando pelo mundo em apenas seis anos (2007:63). 8 - Usaremos aqui o abreviativo IURD quando nos referirmos à Igreja Universal do Reino de Deus. Abreviação utilizada por Freston (1994). 17
  • 18. Segundo a revista Veja9, a trajetória das igrejas evangélicas nunca foi tão ascendente. A revista traz dados de uma pesquisa realizada pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) mostrando que a Igreja Católica perdeu nas últimas décadas cerca de 15 milhões de adeptos, e que, a cada dez ex-católicos, sete se tornaram evangélicos. Outro dado interessante é trazido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde a instituição calcula que o número de evangélicos brasileiros passou de 15% para 18% da população. Esses dados são contrastantes quando comparados com os de apenas dez anos atrás, que indicam que à época nada mais que 9% da população brasileira era composta de evangélicos. Na periferia das regiões metropolitanas os números superam a perspectiva geral das estatísticas e os dados mostram a dinâmica e a versatilidade que as denominações neopentecostais conseguiram embutir no frenesi religioso do país em apenas dez anos10. Pode-se observar que o fenômeno religioso no país tem sido algo muito abordado pela grande mídia, pelos populares, como também, no circuito acadêmico. Após uma inegável hegemonia da igreja católica no país, também estatisticamente constituído como o país de maior população católica do mundo, a atual situação religiosa do Brasil tem sido, segundo os dados estatísticos de cada ano, (re)configurada pela efervescência evangélica. O perfil religioso do país tem mudado vertiginosamente sua configuração denominacional e se apresentado também, além do título de maior país católico do mundo, há de ser creditado a este, de segundo maior país protestante do mundo, perdendo apenas para os EUA (Bonfatti, idem: 1-2). Através da categoria pentecostal Freston compreende três movimentos na religiosidade brasileira. Fluxo que tem sua origem a partir da década de 10, passando pela década de 50, 60 e 70, chegando aos nossos dias. O autor realiza um corte histórico-institucional nos movimentos que ascenderam na sociedade brasileira da década de 10 a contemporaneidade (1994: 67,113 e 131). Os cortes se classificam, segundo o entendimento do autor, em ondas no movimento religioso. Pelo termo ondas, Freston entende que a frenética das denominações acontece na seguinte ordem: a primeira onda corresponde ao movimento religioso que se originou na década de 10 e que marcou a chegada no Brasil das igrejas 9 - Revista Veja, 12 de Julho de 2006, Nº 27. Título da capa da revista O Pastor é Show; Título da entrevista: Os Novos Pastores, pela jornalista Camila Pereira e Juliana Linhares; 10 - Pesquisa realizada pela socióloga Sílvia Regina Fernandes. A pesquisa abrangeu cinqüenta municípios brasileiros. Revista Veja (Idem:78). 18
  • 19. Congregação Cristã no Brasil e Assembléia de Deus (1994: 67); na década de 50 surge a segunda onda, com o aparecimento da igreja Quadrangular e o movimento da Cura Divina – movimento paraeclesiástico que reuniu vários pastores e fiéis de várias igrejas, evento realizado pela igreja do Evangelho Quadrangular na década de 50, fato que culminou na insurgência de outras denominações evangélicas (Soares, 1990:77) - entre esta surge outras, tais como a Brasil para Cristo e Deus é Amor, marcando o aparecimento pentecostal no Brasil (1994:113); a terceira onda, movimento que mais solicitaremos ao longo do trabalho, corresponde ao surgimento do ethos neopentecostal, com a criação da Igreja de Nova Vida, denominação que deu origem à formação das Igrejas Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Cristo Vive e outras. Este período foi marcado por uma crescente variedade de denominações jamais vista no país (1994:131) e (1999:32). Utiliza-se neste trabalho o termo neopentecostal de Mariano (1999), onde esse autor mostra que o prefixo neo é uma forma de classificar a dissidência do movimento neopentecostal em relação ao pentecostalismo clássico da década de 10 (idem: 33). O termo neopentecostal desenvolveu-se, no contexto sociológico, para designar uma mudança qualitativa no movimento religioso na década de 70 no Brasil em relação ao contexto religioso das igrejas inseridas na segunda onda. De forma que alguns sociólogos classificaram o movimento ascendente ao pentecostalismo como a terceira onda, mostrando algo novo e inusitado na religiosidade de algumas denominações deste período. Todavia, existe outro fator que merece ser lembrado dentro da argumentação de Mariano. A terminologia neopentecostal também se baseou no surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD – que é considerada como “a maior novidade do neopentecostalismo” do país (idem, idem: 34). Percebe-se que esta denominação religiosa apresenta características tão inovadoras para o contexto de sua época, que só após o seu aparecimento no cenário religioso é que o termo neopentecostal é cunhado. A importância de tal fato nos faz lembrar que mesmo já havendo surgido outras denominações somente com o aparecimento da IURD o termo ganha um sentido especial (1999:33). É importante mencionar que a terceira onda das denominações neopentecostais tem como cenário de fundo urbano a cidade do Rio de Janeiro, diferentemente do cenário das igrejas, situadas no movimento de segunda onda, que foram denominações surgidas em São Paulo (1999:35). Salientando, segundo Mariano, que a formação da liderança pentecostal paulista é permeada por “imigrantes de nível cultural simples”, já 19
  • 20. o contexto da liderança neopentecostal carioca é constituído por citadinos “de nível cultural um pouco mais elevado e pele mais clara” (1999:35). Outros fatores contribuem para caracterizar a IURD como uma denominação que está inserida no movimento neopentecostal; os primeiros e principais fatores são: realizam rituais de cura divina, rituais de prosperidade, exorcismo, opõe-se aos afro- brasileiros, incentivam a expressividade emocional e se utilizam dos meios de comunicação de massa (1999:34-35). Assim define Mariano o conceito de neopentecostal: “Para ser enquadrada como neopentecostal, portanto, uma igreja fundada a partir de meados da década de 70 deve apresentar as características teológicas e comportamentais distintivas dessa corrente. Quanto mais próxima destas características estiver, tanto mais adequada será classificá- la como neopentecostal. Isto é, quanto menos sectária e ascética e quanto mais liberal e tendente a investir em atividades extra-igreja (empresariais, políticas, culturais, assistências), sobretudo naquelas tradicionalmente rejeitadas ou reprovadas pelo pentencostalismo clássico, mais próxima tal hipotética igreja estará do espírito, do ethos e do modo de ser dos componentes da vertente neopentecostal” (1999:37). Outros autores também empregam o termo neopentecostal para denominar este crescente movimento de denominações que se caracterizam por realizar “evangelização de massa nos meios de comunicação, atingem as classes menos favorecidas, pregam a cura divina, prosperidade financeira, libertação dos demônios e poder no sobrenatural”, tais como Mendoça (1994), Oro (1996), Jardino (1994), Birman (1995). Segundo Mariano, o termo acabou sendo referência angular para os principais estudos sociológicos de religião, estudos que envolvessem as novas formas de ascetismo pentecostalista no Brasil (1999:33). Destaco alguns aspectos fundamentais para entendermos a trajetória histórica do conceito neopentecostal no Brasil. O primeiro diz respeito à “exacerbação da guerra espiritual contra o diabo”, algo evidente e identificatório desta corrente religiosa. Segundo Soares (1990:88), a “Guerra Santa” – com este termo a autora faz referência aos ataques e investidas contra os símbolos das religiões afro-brasileiras pelos evangélicos – é a forma pela qual certas denominações põem em prática “a obra da libertação”. Nota-se que a libertação do crente, às investidas do diabo, acontece no nível em que esse se distancia das práticas afro-brasileiras e entre outras seculares. Segundo ponto, a admoestação da “teologia da prosperidade”. Teoria, que para Rodrigues, prega os desfrutes dos bens materiais pelos filhos-de-deus, ideologia que 20
  • 21. assume que os crentes devem, não somente usufruir dos bens materiais, mas acumular riquezas na face da terra para demonstrar as bênçãos de deus para todos ainda em Terra (2003:81-82). Este tipo de teologia estimula o crente iurdiano a ter uma relação “implícita e subterrânea” com o mercado capitalista, ou estar, segundo Pr. Macedo, “disposto a aceitar a responsabilidade de ser um dos sócios e administradores da obra de Deus [...]”. Há dialogacidade entre a teologia da prosperidade e o discurso do mercado, no entanto, isso só será possível dentro do ascetismo religioso neopentecostal, no caso aqui, o iurdiano, de modo que: Ter uma existência próspera é a prova cabal do derramamento do poder de Deus sobre a vida do cristão, que fora abençoado pelo Senhor com riqueza, abundância e prosperidade nesta terra, em um contexto econômico que se fundamenta no ideário que rege o mercado e nomeia, entre seus vários aspectos de sustentação teórica e filosófica, a ética para o consumo como indispensável para a sua expansão (Rodrigues, op. cit.:82). A questão do dinheiro é um aspecto fundamental para compreender o significado da prosperidade do fiel envolvido nos rituais. Pois o dinheiro passa a ter um valor subjetivo, re-introduzido na posição religiosa iurdiana, ou então, do ponto de vista ritualístico, passa a ser até esquecido como fundamental, no entanto, ele passa a ser fundamental em outra instância, nos rituais de dízimos e ofertas, momento pelo qual o valor doado o é para glória da divindade. A contribuição financeira é introduzida no plano do ritual de forma a barganhar com o sagrado as bênçãos para os fiéis (Bonfatti, 2005:7). Quando o fiel deposita sua oferta, a divindade passa a ser credor do ofertante, tendo o compromisso de honrar seu pacto com ele. “A liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade” seria um terceiro ponto citado por Mariano (1999:36); o crente deve eliminar os ídolos e práticas idólatras de sua vida, pois a centralidade do crente deve estar na figura divina. Esta ojeriza da IURD pelos signos católicos e católico-populares culminou com o episódio que ficou conhecido como “o chute na santa”, quando em pleno feriado de Nossa Senhora Aparecida, dia 12 de outubro de 1995, o bispo, na época, Sérgio Von Helde desprendeu chutes e socos na imagem católica. Algo que promoveu um terrível mal estar entre a IURD e a comunidade católica no país. 21
  • 22. E um último ponto é chamado à atenção por Oro (1992), a estruturação empresarial pela qual se baseiam as religiões no ascetismo neopentecostalista. Tendo em vista a administração das bênçãos celestes na terra, o crente deve se portar como “embaixador, procurador ou administrador de tudo que o Senhor construiu e deixou sobre a terra” (Rodrigues, 2003:95). Dentre os pontos supracitados o que mais é solicitado nesse trabalho é o primeiro aspecto, o ideal de “Guerra-Santa” no país do sincretismo. Constata-se que o ideal da “Guerra-Santa” imbui os fiéis evangélicos do espírito de combate ao mal, este pode ser, guardado as suas proporções, uma analogia direta aos cultos afro-brasileiros (Soares 1990:76). Segundo o Pr. Macedo, o Brasil não apresenta um quadro desenvolvido devido à falta de atenção a alguns males causados pelas religiões afro- brasileiras. Vejamos: Se o povo brasileiro tivesse os olhos bem abertos contra a feitiçaria, a bruxaria e a magia, oficializados pela Umbanda, Quimbanda, Candomblé, Kardecismo e outros nomes que vivem destruindo as vidas e os lares, certamente seríamos um país bem mais desenvolvido (Macedo, 1982:50). A crise espiritual deve ser tratada em primeiro lugar; logo, surgem vários tratamentos espirituais que possam erradicar de fato o mal da vida do fiel convertido. Segundo Soares (1990:80), o mal que deve ser eliminado da vida do crente é um papel a ser cumprido pela igreja dentro do plano divino. A eliminação do mal se concretiza na prática de expulsão dos demônios, e estes ganham identificação quando associados aos elementos de religiosidade afro-brasileira, tais como os Orixás e os Exus, de modo que o crente pode escolher entre ser “templo do Espírito Santo” ou “cavalo de um exu”, assim acentuou o Pr. Macedo em uma das suas citações: Ele – o crente – pode ser templo do Espírito Santo ou cavalo, burrinho, aparelho ou porteira de um exu ou um caboclo ou demônios semelhantes. Pode ter paz consigo mesmo e com Deus ou viver num inferno com tudo e com todos (Macedo, 1982:13). A prática de associar os Orixás e os Exus aos demônios é algo absolutamente comum dentro da IURD, algo identificado através do discurso de sua liderança. 22
  • 23. Contudo, a capacidade de se libertar dos “demônios” só depende do “livre-arbítrio” do fiel (Macedo, 1982:84). Falar aqui da postura libertadora da IURD no intermédio de seus fiéis, me remete a outra instância conceitual; se o crente passa a ser liberto, o é de algo ou alguma coisa, e é aí que aparece o fenômeno da possessão para que, em seguida, se efetue a obra da libertação na vida do fiel. Abordo esta relação mais adiante, bastando, no momento, citar a relação que há entre os fenômenos de possessão e libertação para ampliar o sentido histórico do neopentecostalismo. Com todas estas características, a IURD consolida um quadro institucional bastante estável no cenário religioso do país. Mariano mostra que a média de templos erigidos chegou a 1 por dia na década de 90 (1999:65); Bonfim (2007:63) apresenta dados de crescimento dos membros desta denominação que mostram o acréscimo de 269 mil em 1991 para 2,1 milhão de adeptos em 2000. A IURD está presente em 80 países e possui no exterior 600 mil fiéis. No entanto, a situação institucional passou a ser extremamente conturbada e ambígua em outras instâncias, tais como na jurídica e entre outras igrejas evangélicas. No âmbito jurídico, a IURD passou a receber inúmeros processos judiciais por estelionato, charlatanismo, curandeirismo, extorsão e exploração (Mariano, 1999:80). E no contexto evangélico recebeu inúmeras críticas de seu principal rival, o Pr. Caio Fábio, que acusara a IURD e o bispo Macedo de liderança inescrupulosa, hostil e xiita, divulgando uma nota em nome da AEVB – Associação Evangélica do Brasil – que a denominação do bispo Macedo deveria abandonar a designação de evangélica (Mariano, 1999:83). Mas como disse certa vez Macedo, a IURD é a “igreja omelete”, pois “quanto mais batem nela mais ela cresce” (Bonfatti, 2005:3); e assim continua seu forte desenvolvimento no Brasil e no mundo, através de novos templos construídos e a adesão de novos membros. Será importante destacar aqui os aspectos de formação, expansão e consolidação da IURD. A formação desta instituição muitas vezes se confunde com a história de seu líder e fundador Edir Macedo. Macedo, após uma dissidência com a igreja Nova Vida, forma em 9 de Julho de 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus em uma sala que fora uma ex-funerária do bairro da Abolição, no Rio de Janeiro (Mariano, 1999:53-55). Poderia ser mais uma igreja entrincheirada em uma das tantas periferias deste país, o que não foi o caso. A instituição, em menos de 10 anos, conseguiu consolidar um verdadeiro império congregacional, atingindo um crescimento de 2600% 23
  • 24. (Idem,1999:65) não só no Rio de Janeiro, mas em muitas outras cidades do Brasil e em algumas do exterior. Macedo tem uma história familiar circundada de pobreza, religiosidade católica e umbandista. Aí começa uma grande coincidência, as duas religiões mais atacadas nos rituais da IURD, a Católica e a Umbanda – atacadas não só pelo próprio Edir Macedo, mas também por todos os outros líderes espirituais da instituição – foram a base na qual Macedo relatou que recorria nos momentos de aflição e angústia (Mariano, 1999: 54- 55). Segundo Mariano, não é por acaso que os três estados de maior representatividade de cultos afro-brasileiros no país: Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia – este último, diga-se de passagem, foi o único estado do nordeste a ter mantida, pela IURD, uma forte representatividade denominacional - foram os centros de maior expansão da IURD. Nestes núcleos observa-se uma baixa representatividade Católica nas décadas de setenta e oitenta. Apresenta também uma forte disponibilidade, por parte das pessoas, em mudarem frequentemente de religião, dentre os quais alguns abandonaram a antiga fé (Mariano, 1999:65). Cabe ressaltar que sua expansão deve-se, em grande parte, à sua desenvoltura no uso dos meios de comunicação de massa – tanto o rádio como a TV. Costumava aproveitar os horários de rádio que conciliasse com o término de programas de mães e pais-de-santo para poder aproveitar a audiência dos cultos afro-brasileiros na difusão de suas mensagens. Logo no início de suas transmissões a igreja possuía no máximo 15 minutos de emissão via rádio, algo que foi mudando gradualmente, seja no aumento da emissão radiofônica, seja pela compra de algumas emissoras de rádio e TV, crescimento que culminou com a compra da rádio e TV Record, em novembro de 1989, por quantia equivalente a US$ 45 milhões (Mariano, 1999: 66). As nuances e as complexidades que emergiram ao longo destas três décadas de neopentecostalismo no Brasil é algo muito mais amplo do que se compreende através do caso iurdiano. A IURD é sem dúvida um fenômeno especial quando se resolve pesquisar a emergência do ethos neopentecostal. Contudo, há algumas outras denominações religiosas que necessitam ser melhor abordadas, tendo em vista alguns fenômenos que passam despercebidos, como o caso do sincretismo religioso iurdiano, que é o que nos interessa neste trabalho. Acredita-se que a tríade, proposta por Bonfatti, “conversão-exorcismo-cura”, o “simbolismo do dinheiro”, a “guerra santa” contra o 24
  • 25. mal, traz uma visão importante sobre o fenômeno, mas como afirma o autor, limitada e superficial do fato, pois este tem se mostrado de modo “bem mais rico” (2005:14). Mostra-se importante traçar as especificidades sociohistóricas do pentencostalismo e neopentecostalismo para oferecer certas informações a respeito do fenômeno histórico-religioso, para só após, centrar a atenção no fenômeno do sincretismo iurdiano, que abordo nos capítulos a seguir. 25
  • 26. 2-“Exus, protetor dos ‘home’”11 Neste capítulo pretendo discutir as identidades dos Exus e dos Orixás dentro da religião afro-brasileira, assim como as interpretações e concepções sobre essas entidades dentro da religião neopentecostal da IURD. A partir da descrição etnográfica serão delimitadas imagens e identidades de Exus dentro do terreiro Palácio de Iemanjá12 e na igreja neopentecostal iurdiana Templo Maior13. Também será analisada bibliografia religiosa neopentencostal que aborda as manifestações dos Exus e Orixás no campo do sagrado. É necessário aqui descrever as concepções existentes, nestas religiões, sobre os Exus e os Orixás. Se por um lado as religiões afro-brasileiras possuem total primazia na explicação dos seus mitos e ritos, no que diz respeito aos próprios signos e às interpretações internas, é importante também notar que há uma reinterpretação e utilização, feitas pelas igrejas neopentecostais, dos signos umbandistas e candomblesistas (Soares, 1990:88). Os símbolos das religiões afro-brasileiras estão, a cada dia mais, deslocados de seu contexto religioso originário-comum; a tônica tem sido motivo de polêmica, crises e descontentamentos entre os adeptos das religiões afro-brasileiras e os neopentecostais. É muito comum, atualmente, encontrar livros neopentecostais publicados que abordam assuntos ou discutem práticas diabólicas. Essas práticas são associadas às identidades dos Exus e Orixás, como sendo uma mesma identidade. Entre alguns livros que abordam o tema, se destaca o polêmico livro do Bispo Edir Macedo – do qual farei uma análise ainda neste capítulo, como também nos capítulos subseqüentes -, livro Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? (2006) que acabou sendo proibido pela Justiça devido às suas acusações contra os rituais e depreciação de símbolos religiosos afro- brasileiros14. 11 - Expressão utilizada por pai Zeca para identificar os Exus em entrevista realizada no dia 18-01-2008; 12 - Terreiro localizado no bairro de Jacintinho; 13 - A IURD se localiza no bairro de Mangabeiras, na Avenida Gustavo Paiva, vizinha ao Shopping Center Iguatemi. 14 - 10/11/05 “A juíza Nair Cristina de Castro, da 4ª Vara da Justiça Federal da Bahia, determinou na noite de quarta-feira (9) a suspensão da venda do livro "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?", escrito pelo bispo Edir Macedo, um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus. Em sua sentença, a juíza criticou o livro do bispo Edir Macedo”. Noticia retirada www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115122.shtml - 29k - . 26
  • 27. Uma discussão que merece destaque aqui também é a alusão feita ao diabo nas religiões formais tradicionais no Brasil, desde a nossa herança católico-portuguesa. De acordo com Câmara Cascudo, não há demônio negro a não ser através da concepção católica do branco. A presença do diabo na mitologia africana só é possível pela concepção católico-branca, “não há mesmo um vocábulo próprio para designá-lo a não ser personalizando uma de suas atribuições. Psicologicamente, uma projeção cristã de Satanás” (2002a:107). A figura do diabolus é potencializada por outras mitologias ocidentais, tais como, o cacodaemom grego, o genius daimôn romano ou haschaatán hebraico. Em todas estas culturas, o diabo é visto como o gênio do mal, “o grande adversário da tranqüilidade humana”, “o inimigo total” e “a fonte de todos os males”. Todavia, nas palavras de Câmara Cascudo, “esse está ausente [se referindo ao diabo] das funções extraterrenas no continente negro, para a mentalidade negra” (Idem:108). Pode-se também constatar que há uma possível influência árabe, juntamente com o ideal religioso dos colonizadores portugueses, na concepção idealizada do diabo Ocidental. Os árabes acreditavam que Ech-Cheitân ou Iblis é atarefadíssimo, ocupado em punir e tentar os homens (Idem: ibidem). Segundo o autor, o dualismo “do-bem-e- do-mal foi uma dádiva Oriental, trazida pela irrupção árabe” para os negros (idem: ibiden). O referido autor mostra que entre os negros de Angola e do Congo “nunca [ouviu-se] as vozes dos nativos” sobre algo semelhante à concepção de diabo Ocidental: Nem mais ouviremos confidenciar a história matinal de suas esperanças e temores (...) Todos os deuses africanos são interessados na cotidianidade do culto votivo. Ficam maus quando são esquecidos, negligenciados, postos na margem devocional. É preciso uma vigilância obstinada no plano reverencial para evitar a transferência do protetor para o campo adversário. Uma entidade funcionalmente perversa, tentadora, malvada, praticando o mal pelo mal, não há no panteon africano (Câmara Cascudo, op. cit.:109). Esses dados servem de base para começar outra controvérsia bastante comum na chamada “guerra santa”, estabelecida entre as religiões neopentecostais e afro- brasileiras. Segundo Soares (op. cit.), o simbolismo do bem e do mal entre estes dois ethos são excludentes e opostos. Tanto nas religiões cristãs como nas afro-brasileiras, o bem e o mal existem e possuem suas características próprias; paralelamente, a concepção de certo e errado também está no bojo da bipolaridade. Soares observa que: 27
  • 28. A diferença está na maneira como esses quatro elementos se combinam. Nas religiões cristãs, o certo está associado ao bem e o errado ao mal. Essa combinação estrangula a busca do prazer e abre as portas para um pensamento maniqueísta, onde os homens se dividem em dois grupos, o mundo em dois lados e a vida em dois caminhos. No caso do Candomblé (...) O Bem e O Mal existem, mas nem sempre o Certo é bom nem tampouco o Errado é necessariamente mau. O Errado pode ser ótimo e o Certo pode ser profundamente penoso (idem: 89-90). Todavia, para os evangélicos, a bipolaridade ganha sentido universal e generalizante, não importando o credo ou as especificidades de outras religiosidades. Interpretações referentes à identidade religiosa afro-brasileira se dão a partir do corolário ocidental cristão do bem e do mal (Soares, idem: ibiden). Dessa forma, tornou-se comum entre os pentecostais e neopentecostais associar elementos de religiosidade afro-brasileira, como os Guias, os Orixás e os Exus, ao demônio do universo cristocêntrico, esgotando e limitando o panteão religioso candomblesista e umbandista à sua própria concepção de mundo religioso neopentecostal. Os Exus são comumente interpretados e difundidos como sendo os demônios ou o próprio diabo (Macedo, 1982:31). Câmara Cascudo afirma que “ninguém poderá considerar que Elegbara, Elegbá, Exu, o Legba dos Fons, o Edschou de Frobenius, [seja] um diabo nos cultos africanos sudaneses e no panorama dos candomblés da Bahia, Rio de Janeiro ou Recife. Difere-se, substancialmente e essencialmente, na atuação” (2002:109)15. É possível estender essa visão aos cultos umbandistas16. A propósito, Pai Zeca, em certa entrevista, afirmou: Os Exus não são demônios. São protetores dos home [sic], conhece [sic] os caminhos dos home [sic] e resolve o que os Orixás não podem se meter, porque os Orixás não colocam a mão nas coisas da Terra, isso é trabalho pra o Exu17. 15 - Alguns membros umbandistas também concebem os Exus como demônios, porém algumas proporções devem ser guardadas, tendo em vista o modo como se processam as relações entre os adepto e essas entidades, de modo que as especificidades com que essa relação se incidi deve ser observada com acuidade. 16 - Religião mediúnica baseada na incorporação de entidades espirituais, constituída a partir de doutrinas e ritos oriundos dos cultos africanos, indígenas, espíritas kardecista e católicos (Magnani, 1986: 61). 17 - Entrevista realizada com Pai Zeca no dia 19-01-2008. 28
  • 29. Nas palavras de Birman (1983:41) “não há quem ignore a força e o perigo dos Exus”; estes representam o outro lado da civilização, a marginalidade. Os Exus são considerados como entidades conhecedoras das ruas, becos, encruzilhadas e dos perigos urbanos. Para Birman, estes são entidades que não estão ligadas aos valores da família e do privado, muito pelo contrário, vivem livremente desde as ruas até os cemitérios. Alguns possuem nomes geralmente expressivos, do tipo Tranca-Ruas, Pomba-Gira – entidade feminina simbolicamente representada por uma prostituta – Exu-Caveira, Zé Pelintra – este último, um Exu do tipo “malandro carioca”, com vasta popularidade, – Sete Encruzilhadas e outros. Os Exus ganham uma qualificação de “povo da rua”, e esta classificação mostra a relação de “familiaridade” que têm essas entidades com as ruas e becos, sabem a cada palmo os limites do urbano (Idem:ibidem). A autora mostra que esta analogia com o “povo da rua” é uma forma de lembrar a massa anônima das ruas, “as pessoas comuns que ocupam o espaço público”, os malandros, as prostitutas, os trabalhadores nas suas idas e vindas (Birman, 1983:42), de modo que: Fica claro que na elaboração do tipo exu existe uma oposição fundamental entre o domínio da casa e da rua. O primeiro é marcado pelas relações de afeto e de parentesco e o segundo pela marginalidade, pelo anonimato e relações impessoais. (...) [os exus são] mestres em contornar situações difíceis (Birman, 1983:42). 29
  • 30. Foto 1 Tronqueira dos Exus, Palácio de Iemanjá. Fotografia do autor. Essa relação entre o de dentro e o de fora, o de casa e o da rua é observada por DaMatta (1986:23) como a dicotomia existente entre o “lugar de tranqüilidade” e o “lugar de movimento”. Para o autor, a casa não é somente um lugar de destaque por sua proteção dos males da rua, lugar onde se abriga das chuvas, do frio, não pode ser interpretado apenas como um “lugar físico”, mas também um espaço “moral e social” (op. cit.:25). É na casa que a identidade social é aprofundada. Segundo DaMatta: 30
  • 31. [O lar é] algo que contrasta terrivelmente com a morada coletiva das prisões, dormitórios, alojamentos, hotéis e motéis, onde não se pode efetivamente projetar nas paredes, nas portas, no chão e nas janelas a nossa identidade social (op. cit.:27). Na rua, o processo social acontece baseado na “indiferença”; as “pessoas” de casa passam a ser o “povo da rua” quando se juntam ao grande contingente humano que as ruas possuem, as relações privativa à família se esvai prontamente ao frenesi urbano, e a rua passa a simbolizar lugar de contrastes, de lutas árduas; se em casa temos a gente- da-gente, na rua são as massas anônimas que prevalecem (op.cit.:29). Para o cosmo umbandista, os Exus e as Pombas-gira pertencem às ruas, são entidades que possuem suas tronqueiras – casas destinadas aos Exus -, mas majoritariamente não se limitam a elas, pelo contrário, sua identidade está nas ruas, por isso são considerados, na Umbanda, como “o povo da rua”; são entidades que habitam os cemitérios, as “encruzas”, os becos, se identificam como prostitutas, boêmios, guerreiros bélicos, “fechadores” de locais públicos, todavia, na Umbanda, não são desprezados, se potencializam. Segundo Birmam (1983:46), “o grande trunfo da umbanda” consiste em inverter a escala social, onde os menos favorecidos no espaço social ganham poder, prestígio e conhecimento entre aqueles que estão bem posicionados na escala social. A “rua” então ganha sentido entre os umbandistas, através dessas entidades, e “só eles podem resolver”18 os problemas oriundos dela: O fluxo da vida, com suas contradições, durezas e surpresas, está certamente na rua onde o tempo é medido pelo relógio e a história se faz acrescentando evento a evento numa cadeia complexa e ínfima (DaMatta, idem: ibidem). Acredito ser necessário marcar a diferença existente entre a identidade dos Exus e a identidade do diabo. Os Exus são figuras características por sua ambigüidade moral ou por serem considerados amorais. Para alguns, eles são associações ao diabo, todavia para os membros da Umbanda (e do Candomblé), são seres possuidores e conhecedores das ruas, capazes de mediar, resolver e solucionar qualquer “galho”, excelentes “abridores de caminhos” (Birman, idem: ibidem). 18 - Afirmação de seu Zeca sobre os Exus, em entrevista no dia 18/01/08 na sua residência. 31
  • 32. Como já mencionei, na Umbanda os homens subalternos são superestimados e representados por meios das entidades. Estes ganham força e poder diante de uma sociedade, preconcebida pela elite branca, que lhe dá pouco ou nenhum espaço social e religioso (Birman, op. cit.:46). Citando Birman, podemos dizer: (...) que o poder religioso da umbanda decorre disso, de uma inversão simbólica em que os estruturalmente inferiores na sociedade são detentores de um poder mágico particular, advindo da própria condição que possuem (...). O grande trunfo da umbanda é esse – inverte os valores da hierarquia que ordena os espíritos, e esse “menos” em vários aspectos passa a “mais” em outros. O homem branco, imagem ideal colocada no topo da ordem evolutiva, não tem os poderes que possuem os subalternos. (...) Ganham por meio da inversão simbólica um poder mágico inigualável (Idem: ibidem). 32
  • 33. Foto 2 Pretos-velhos e Pretas-velhas. Palácio de Iemanjá19. Foto do Autor. Embora a interpretação sobre o panteão afro-brasileiro, através de seus adeptos, venha tentando mostrar a diferença significativa que há entre os Exus e a identidade do diabo, os elementos da religiosidade desta têm sido constantemente reinterpretados de forma etnocêntrica, e até mesmo desrespeitosa, por algumas igrejas neopentecostais20. Uma das igrejas que mais se destaca nestes ataques, seja pelo status que possui na esfera midiática ou pela freqüência com que estes se dão, é a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. O líder desta igreja, Pr. Macedo, chegou a produzir um livro, aqui já citado, que se destaca pelos seus ataques aos símbolos, rituais e imagens do universo religioso afro-brasileiro. 19 - entidades bem características para ilustrar essa inversão de hierarquia da qual fala Birman (idem). Segundo Magnani (1986:48) estas entidades que “em vida foram explorados, marginalizados, que ocupam os interstícios do sistema”, são visto nos terreiros “por um processo de inversão, em heróis dotados de força espiritual”. 20 - No capítulo quatro abordo, mais especificamente, os termos reinterpretação e etnocentrismo. 33
  • 34. Este está entre os mais polêmicos da história da literatura neopentecostal. Trata- se do livro Orixás, Caboclos e Guias - deuses ou demônios? Esta publicação faz sérias acusações e admoestações contra os símbolos dos cultos afro-brasileiros. Segundo Macedo, os Orixás, os Guias, os Exus e os Caboclos nada mais são do que demônios disfarçados de espíritos. O autor abre um dos capítulos do livro declarando que o leitor irá ter “um esclarecimento acerca dos demônios” (2006:13-14). Segundo o referido bispo, na realidade, as entidades afro-brasileiras não são deuses, e sim demônios vindos desde “seitas mais primitivas da África” (Idem:16; 27). Todos os ataques não só tentam mostrar que as entidades espirituais da Umbanda e do Candomblé são símbolos diabólicos, mas seres não-divinos: Os exus, os pretos-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os “santos” são espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo (Macedo, 2006:16). Em entrevista com o bispo José21, da IURD, perguntei-lhe sobre o porquê dos “demônios” terem nomes tais como Pomba-Gira, Exu da Morte22, Tranca-Rua e outros; prontamente ele afirmou que “‘eles’ têm necessidade de se expressarem através de um corpo que um dia foi aberto por trabalho de bruxaria e feitiçaria (...)”, logo depois completando que: “(...) o ‘mal’ usa um nome para se diferenciar dos outros milhares de espíritos malignos que podem habitar em um só homem”. Não é mera coincidência que o discurso do pastor José seja tão semelhante em determinados pontos com o discurso do Pr. Edir Macedo, citado anteriormente. Segundo Mariano (1999:63-64), “o governo eclesiástico da Universal é centralizado em torno de seu líder carismático. Sua estrutura é vertical, despótica até. (...) Nunca existiram assembléias gerais do presbitério para decidir os destinos da igreja. Macedo tomava as decisões, mandava fazer uma ata e os componentes da diretoria assinavam junto com alguns pastores”. Pode-se perceber através do fragmento do texto do livro de Macedo e da fala do bispo José, que há evidente consenso, fazendo relevar quaisquer coincidências de discursos. 21 - Este nome é fictício, visto que o Pastor entrevistado não me autorizou revelar sua identidade; entrevista feita no dia 28/02/2008, às 9hs30 no Templo Maior da IURD em Maceió, localizado no bairro de Mangabeiras, vizinho ao Shopping Center Iguatemi. 22 - Expressão usada pelo pastor André do Templo Maior da IURD (AL). Talvez na tentativa classificar pejorativamente uma entidade da Umbanda chamada de Exu-Caveira. Abordaremos a seguir sobre estas novas classificações. 34
  • 35. Ainda através de informações dada pelo bispo citado acima, compreende-se que a verossimilhança feita entre os demônios e os Exus está tão arraigada no discurso que não há nenhum receio em associá-los. Perguntando-lhe sobre quem seria o tal “Exu-da- morte”, ele me respondeu: “é um demônio causador da morte física, espiritual, financeira e familiar”. Em seguida lhe perguntei: qual seria a saída para se livrar de tal “demônio?”23, ao que me respondeu: “despachando ele pro inferno, onde é o lugar dele!”. Vale ressaltar aqui a compreensão que a literatura antropológica tem sobre os Orixás e os Exus, antes de adentrar na polêmica das identidades dos Exus na IURD. Não poderia deixar de fora, em hipótese alguma, o grande trabalho realizado pelo fotógrafo e etnólogo Pierre Fatumbi Verger, e, mais pontualmente, sobre a concepção que este autor tem sobre os Orixás e os Exus. Segundo Verger (2002:18), “O Orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhes garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas”. O Orixá ganha sentido através dos poderes que estabelece com sua ancestralidade e com os elementos naturais dos quais possui o domínio. Os Orixás possuem, ao contrário do que muitos neopentecostais apresentam em seus cultos, um poder puro. Verger apresenta assim essas entidades: O orixá é uma força pura, asé24 imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporados em um deles. (...) Um deus protetor, cujas graças são reservadas, é verdade, só ao grupo familiar (Verger, idem: 19). Faz-se necessário destacar novamente a fala do bispo entrevistado para poder lembrar que “‘eles’ – os entes espirituais – têm necessidade de se expressar através de um corpo”, algo também dito por Verger no texto supracitado, apenas salientando que as coincidências, neste caso, novamente, não são meras coincidências, e sim, intencionalidade do recorte aqui utilizado, para dizer que, se para o primeiro a entidade incorporada em seus templos é a manifestação dos demônios ocidentais, para o segundo, são seres sagrados, cheios de pureza, outrora humanidade e àse (Verger, op. cit.:18-19). Logo, e segundo afirma o autor de Orixás: 23 - Entrevista feita no dia 28/02/2008, às 9hs30 no Templo Maior da IURD em Maceió; 24 - Asé, termo utilizado por Verger (2002:19), que na tradição Iorubá quer dizer poder. 35
  • 36. Estamos longe da imagem dos “feiticeiros sanguinários”, reinando pelo terror, que a literatura cristã esforçou-se em apresentar para justificar a ação evangélica dos missionários (Verger, idem: 20). Sobre os Exus, Verger faz uma admoestação de seu lado benfeitor; contudo, mostra que para aqueles que não seguem à risca suas obrigações para com eles, mostram-se rapidamente irritados e insatisfeitos com a desfeita. De certa forma, o autor afirma que os Exus ou os Ebora – outra denominação dada a eles – são em certo sentido contraditórios em seus aspectos, o que os tornam difíceis de serem compreendidos ou definidos de maneira coerente (cf. Verger, idem: 76). Assim define Verger o lado benfeitor destas entidades: Os exus possuem o seu lado bom, se ele é tratado com consideração reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as pessoas se esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas, podem esperar todas as catástrofes. Em certa visita que fiz ao Terreiro Palácio de Iemanjá25 uma senhora, que não vinha cumprindo com suas obrigações para com seu Exu, recebeu um castigo do mesmo dentro do terreiro; esse fez com que esta senhora rolasse pelo chão freneticamente, balbuciando, gritando e transparecendo um semblante de dor. Ao observar a cena, Pai Zeca chamou veementemente a atenção do Exu: “Ori babá! Ori babá! (...) [aumentava o tom de voz à medida que a entidade não lhe dava ouvidos] olha... já lhe disse a você [sic] que aqui não é lugar pra castigar o cavalo, tá ouvindo?! Tá ouvindo?!!! O lugar de castigar ela é na casa dela, aqui não!” Após algum tempo, a entidade deixou o castigo de lado e foi reverenciar a autoridade do Pai-de-Santo; ao reiniciar a gira, seu Zeca saudou-lhe (ao Exu) com um tocar de dedos nos ombros e lhe disse: “vá brincar, vá!”. Uma evidência clara daquilo a que chamou atenção Verger aos não cumpridores de suas obrigações, “podem esperar 25 - Visita realizada no dia 24/03/08, às 19h30. 36
  • 37. todas as catástrofes” (op. cit.:76). Há um ponto cantado, no terreiro citado, que demonstra o lado “abissal” dos Exus: Exu fez uma casa sem porta e sem janela ainda não achou morador pra morar nela26. Sentir o ar temperamental dessas entidades que conseguem reunir, em sua personalidade, diferenças abruptas que se expressam em suas atitudes, é crucial para entendê-los. Os Exus unificam dentro de um mesmo espírito traços tão ambíguos quanto os seres humanos. A figura do homem Ocidental com sua natureza dividida entre o bem e o mal, como assim são definidos os seres humanos pelas religiões ocidentais, também pode ser vista entre os Exus. Segundo Verger, o Exu “revela-se, talvez desta maneira, o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom” (2002:76). O que aparenta ser estranho nesta analogia que o etnólogo francês faz dos Exus aos humanos é o fato de que o ser homem não está acostumado ou não quer conceber divindades tão próximas de seu caráter irascível e vaidoso. Não se pode afirmar que alguns adeptos não vejam alguns Exus como a própria imagem do diabo. Em entrevista que realizei com Gilmar, membro da casa Palácio de Iemanjá27, pude notar os extremos que cada Exu pode atuar dependendo da personalidade de quem o incorpora. Pergunto ao membro do terreiro: - [Entrevistador:] Como são os Orixás para você? - [Gilmar:] Ah! Os Orixás são finos, é mansidão, bondade, paz (...). - [E:] E os Exus? - [G:] São escravos de santos, eles obedecem aos Orixás. - [E:] Quem são os Exus que você incorpora nas segundas-feiras aqui no terreiro? - [G:] Toquinho-do-Inferno (o de frente, principal que comanda), Exu-Tiriri, Serra-de- Fogo e Exu-da-Meia-Noite. - [E:] Explica um pouco como é cada um deles. 26 - Este ponto cantado é geralmente entoado pelos membros do Palácio de Iemanjá nos cultos destinados aos Exus, que acontecem todas as segundas-feiras, com exceção de alguns feriados santos, como no caso da Semana Santa, onde o culto para Exu é suspenso. Cabe ressaltar aqui que os pontos cantados são louvores próprios ao contexto umbandista. 27 - Visita realizada no dia 24/03/08 ao terreiro. 37
  • 38. - [G:] Toquinho-do-Inferno é sério e bagunceiro, perverso, traiçoeiro; Exu-Tiriri é legal, brincalhão, toma conta e é bondoso; Serra-de-Fogo resolve as causas impossíveis, devolve o que é seu [exemplo dado por ele: devolve esposa, marido etc.]; Exu-da-Meia- Noite já mata, vem pra bagunçar a pessoa. Agora os Exus podem mudar de personalidade de pessoa para pessoa, o que é sério comigo pode ser brincalhão com outro “cavalo”, e assim vai. Na mesma noite, conversando informalmente com Seu Quixabeira28, ele me perguntava “em quem está o mal?”, silenciei um tempo e esperei que dissesse mais, então ele contou a seguinte estória: Meu carro esta lá fora, passa alguém, vê o carro, sabe que é meu e chama um menino destes aí... e diz: quer um real para arranhar aquele carro ali [faz um sinal que indica onde está seu carro], o menino vai e aceita. No outro dia descubro qual foi o menino que fez aquilo e lhe pergunto por que fez aquilo, ele me diz que ganhou um real de fulano para fazer, então lhe ofereço dois reais para fazer o mesmo no carro do fulano, ele vai e faz pior. Aí eu te pergunto: em quem está o mal, no menino ou em quem mandou? No mandante é claro. Bem assim é o Exu, faz o que você manda porque não sabem negar nada a você, se torna seu amigo. O mal não está neles e sim em quem pede. É evidente na fala desses membros a relação de cumplicidade que os sujeitos ganham em relação aos Exus. Estes são seres que possuem uma identidade próxima do “cavalo”, uma identidade que é cotidianamente negociada entre as duas partes. Na estória de seu Quixabeira, os Exus não são seres que simbolizam o mal, mas obedecem cegamente aos ofertantes, mesmo que para isso tenham que praticar atrocidades. Algo que levou muitos dos primeiros missionários a associarem os Ebora à imagem do diabo fôra sua postura astuciosa, vaidosa, grosseira e indecente, fazendo-os “o símbolo de tudo que é maldade, perversidade, abjeção, ódio [...]” (idem: ibidem). Um personagem folclórico e extremamente elucidativo a este estudo é o Exu Zé Pelintra. Figura saída do Nordeste e que se tornou ícone bamba nos morros e terreiros 28 - Membro da casa Palácio de Iemanjá. Visita feita ao terreiro no dia 24-03-08. 38
  • 39. cariocas (Ligiéro, 2004: 54-55), Zé Pelintra é considerado, na tradição umbandista, um excelente protetor, pois na tradição carioca pode-se encontrar: Zé Pelintra, Zé Pelintra Boêmio da madugrada Vem na linha das almas e Também da encruzilhada Mas o amigo que nasceu lá no sertão Enfrentou a boemia com seresta e violão Hoje na lei da Umbanda Acredito no senhor, sou seu filho de fé Pois tem fama de doutor Com magias e mirongas Dando forças ao terreiro Saravá, seu Zé Pelintra O amigo verdadeiro29. Como mostra o ponto cantado30 de José de Aloiá, o Exu Zé Pelintra é um “amigo”. Na representação nordestina podemos encontrar um autêntico “valentão briguento” desde pequeno (2004:27), desentrosado das hierarquias a ponto de matar pai, mãe e pessoas indefesas como mostra o ponto abaixo: Matei pai e matei mãe Matei ‘padrin’ e madrinha, Matei um cego assentado E um aleijado no caminho (Carlini, 1993: 165). Ligiéro faz uma análise psicológica da entidade: “seria um personagem que luta para desapegar-se do universo no qual foi gerado” (2004: 29). Algo bem característico para um Exu. Ainda segundo Ligiéro (Op. cit.: 69), Zé Pelintra é uma entidade desafiadora, e quanto mais forte o inimigo, melhor será a disputa, pois “Seu Zé também 29 - Amigo Zé Pelintra, ponto cantado no Cd Zé Pelintra, do babalorixá José de Aloiá, de São Paulo. Citado por Ligiéro (Op. Cit.: 37). 30 - Cantiga que se faz em homenagem às entidades ou para convidá-los a incorporar nos médiuns (Magnani, 1986: 61). 39
  • 40. protege aqueles que o convocam para missões bélicas, e parece se excitar com a grandeza do rival (...)”. Observa-se, através do exemplo de Zé Pelintra, que assim como ele, os Exus são entidades que mudam de personalidade para outra muito rapidamente, personalidades totalmente díspares, de forma hábil e geniosa. “seu Zé” – como muitos membros da Umbanda carinhosamente lhe chamam – é um espírito ligado aos prazeres terrenos e mundanos, aos desafios “bélicos”, um espírito desencarnado que um dia viveu entre os homens, porém não quis se desvincular das coisas e prazeres da terra (Ligiéro, 2004: 74). Cito aqui o ponto apresentado por Ligiéro em seu livro, e diz o seguinte: No encruzo me chamavam Pra quebrar uma demanda Se presente vou ganhar Sua demanda vou quebrar. Se o inimigo for bem forte Vou gostar de demandar Com seu Santo Antônio de fogo Sua demanda eu vou quebrar Sou Zé Pelintra Que gosta de brincar. 40
  • 41. Foto 3 No centro da imagem o Exu Zé Pelintra, essa é a representação nordestina da entidade. Há também o “seu Zé” de terno e gravata, representação boêmia da entidade (Magnani, 1986:47). Foto do Autor. A importância que os Exus têm para os grupos religiosos umbandistas, bem como sua interpretação no meio iurdiano merece destaque e acuidade. Se por um lado é coerente falar da importância dos Exus dentro do meio umbandista, se torna confuso e contraditório quando enfatizamos que estas entidades também são elementos significantes e, até mesmo indispensáveis, nos rituais das “terças-feiras de descarrego”, patrocinados pela IURD. Nessas sessões de descarrego, a liderança iurdiana, juntamente com os fiéis, faz um trabalho de despacho dos demônios que se apoderam das pessoas que lá buscam auxílio. Nas reuniões os demônios são identificados pelos nomes de entidades-Exus conhecidos no meio umbandista. A associação é direta e sem nenhum receio à prática de preconceito contra os símbolos e identidades das religiões afro- brasileiras. Em visita a uma dessas sessões de descarrego, pude notar que as entidades 41
  • 42. umbandistas mais atacadas são os Exus, com uma menor freqüência ataca-se os Orixás, todavia não se tem muita distinção dessas identidades entre os membros e os líderes31: Você que veio aqui para se sentir leve do peso que está sendo causado pelos espíritos malignos, espíritos de morte, o espírito chamado Zé Pelintra, espírito chamado Zé Pelintra! Espírito chamado Pomba-Gira, espírito chamado “Tranca-Caminho”32. Nesta passagem, observa-se que além das ofensivas feita aos Exus, entre as entidades atacadas ou associadas aos demônios há uma outra que surge no discurso iurdiano, o Exu “Tranca-Caminho”. Dentro da tradição umbandista, encontra-se um Exu chamado Tranca-Rua, mas a entidade invocada nesta sessão foi o “Tranca-Caminho”, entidade desconhecida dentro do panteão umbandista33. A referência ao caminho, a verdade e a vida está presente no discurso evangélico, características bíblicas que são constantemente expressas nos cultos protestantes e (neo)pentecostalistas34. Portanto concebo que a troca dos termos Tranca-Rua por Tranca-Caminho não é uma mera confusão e sim uma forma de afirmar os perigos dessas entidades no caminho e na vida do fiel. Nesse sentido o termo caminho possui um sentido bem mais amplo para o fiel iurdiano do que o termo rua, esse último tem sentido estreito não abrange a metafísica que carrega o termo caminho para o cristão iurdiano. Isso mostra que para além do sincretismo ritual, há também uma re-significação sincrética das entidades, ou o que Fernando Ortiz, citando Herskovits (apud Motta, 2005:265), chamou de transculturação e neoculturação: Acredito que a palavra transculturação exprime melhor as diferentes fases do processo de transição de uma cultura a outra, porque o processo não consiste simplesmente na aquisição de outra cultura, o que corresponde ao termo inglês acculturation, mas compreende, também, e necessariamente, a perda ou a extirpação de uma cultura precedente, que poderia ser chamada de 31 - Durante as entrevistas e bate-papo informal pude perceber que todas as entidades espirituais das religiões afro-brasileiras são identificadas como “criaturas diabólicas”, “espíritos das trevas”, demônios etc. Estas expressões foram se repetindo com muita freqüência nas conversas e até mesmo nos cultos. 32 - Entidade apresentada pelo pastor André que lidera os cultos de descarrego no Templo Maior da IURD em Maceió. 33 - Conversando informalmente com Pai Zeca, lhe perguntei se há no panteão umbandista esta entidade chamada Tranca-Caminho, segundo ele não existe, há o Tranca-Ruas. Visita ao terreiro no dia 07/04/08. 34 - Referência a passagem bíblica de São João 14:06. 42
  • 43. deculturação. Acarreta também a idéia de criação de novos fenômenos culturais, o que equivaleria a uma neoculturação (Herskovits, 1952: 231 apud Motta, op. cit.: 265). O termo neoculturação, desenvolvido por Herskovits, pode ser utilizado para fins analíticos porque considera a perspectiva de que os elementos umbandistas inseridos no ritual iurdiano não são apenas extirpados, como muitas vezes percebem-se os expurgos dos Exus em seus cultos, mas re-introduzidos como entidades maléficas ao homem. Mostram-se indispensáveis no sentido em que é através deles que o mal pode ser identificado, desautorizado e extirpado da vida do fiel. Sua importante presença consiste em ser expurgado uma hora ou outra, assim que pareça conveniente que o 35 “mal” “pegue sua passagem para o inferno” . Esta significação é feita de maneira própria, acarretando a idéia de “criação de novos fenômenos culturais”, segundo observa Motta. Porém esta mudança cultural pode ser pensada como uma “reinterpretação [que] conserva significados antigos dentro de novas formas, ou conserva velhas formas dentro de novas significações” (Ortiz,1947: 125). Segundo Soares (op. cit) a eficiência do modelo iurdiano junto aos seus freqüentadores e adeptos - eficácia que se estende também a outras denominações religiosas pentecostais e neopentecostais - “não está na criação de um novo modelo de relação com o sobrenatural, mas justamente na repetição de um modelo já existente (...) nos parece, [que] o que muda são os valores atribuídos aos símbolos” (Idem: 89). Assistindo a um dos programas televisivos da IURD36 na TV Record, observei que Pr. André, responsável pela apresentação do mesmo, mostrava imagens de rituais chamados por ele de feitiçaria. Nesses rituais, alguns elementos da cultura afro- brasileira estavam sendo expostos como elementos de feitiçaria. As imagens mostravam uma mulher negra com vestes brancas, um peji, quartinhas de barro, bacias de barro, guias, velas e uma garrafa com bebida. Estava supostamente atendendo a uma cliente que, segundo mostrava a emissão, encomendava à “feiticeira” um trabalho espiritual para prejudicar a filha de sua vizinha. A encomenda, segundo o relato, estava sendo feita para que a filha de sua vizinha virasse uma prostituta. Em certo momento foi interessante notar que para desfazer o feitiço, ou despachá-lo, era preciso que o fiel 35 - Expressão usada pelo Pastor e recolhida em visita realizada à igreja no dia 03/03/2008. 36 -Programa exibido em Maceió no dia 06/03/2008, às 13h30, pela rede Record de televisão. 43
  • 44. desse um nó em uma meia da pessoa que ele desejasse as bênçãos, e só desatasse o nó na reunião da sexta-feira da libertação. Em outro momento, Pr. André anotava nomes, em pequenos pedaços de papéis, de pessoas que telefonavam para o programa, e, logo em seguida, colocava os nomes das pessoas dentro de uma bacia com água, arruda e sal- grosso. Enquanto as anotações eram depositadas na bacia com arruda, as imagens de fundo mostravam uma espécie de clipe que apresentava uma bacia de barro com ervas, velas nas cores vermelho e preto, e uma mão que segurava um maracá. Foi interessante notar uma “feitiçaria” sendo desfeita com outra, e usando elementos da primeira – arruda e sal-grosso - para poder mostrar sua eficácia. Muitos consideram estranho encontrar em igrejas que se denominam evangélicas, rituais que apresentem a arruda37 e o sal-grosso como elementos necessários a momentos religiosos. Para algumas lideranças evangélicas, a prática é apontada como um tanto estranha. Freston (1994:136) mostra que alguns evangélicos não consideram a IURD uma igreja que segue os preceitos pentecostais, “vendo-a como sincrética”. Essas opiniões são difundas entre igrejas pentecostais a partir do momento em que se vêem nos rituais iurdianos elementos oriundos do catolicismo popular e da Umbanda. Freston faz menção à afirmação feita por um pastor iurdiano de que a igreja cresce onde há “macumba” (Freston, 1994:136), isso se dá de forma vertiginosa nos grandes centros urbanos: Seu sucesso parece ter muito a ver com o cruzamento que faz entre duas pontes: uma que liga à tradição religiosa nacional e outra ligada com a cultura urbana do Brasil moderno (Freston, op. cit.: 142). Ainda segundo Freston, as lideranças iurdianas começaram a perceber que não adiantava concentrar os ataques contra a igreja Católica, pois esta passa por um forte declínio; contudo, suas forças deveriam se concentrar contra a concorrência umbandista (Idem: 140). Talvez aí se compreenda a inserção da arruda e do sal-grosso em seus rituais, afinal, é preciso manter uma linguagem acessível e significativa para aqueles que um dia foram freqüentadores ou adeptos da Umbanda ou do Candomblé; uma linguagem acessível visando uma aproximação ao referido universo religioso, mas não 37 - Nome Científico: Ruta graveolens / família Rutáceas. Planta Originária do sul da Europa. Uso mágico: Carregar arruda atrás da orelha para espantar o mau-olhado (portugueses). Ritos africanos usavam arruda, e a própria Igreja chegou a usá-la sob forma de vassourinhas para aspergir água benta sobre os fiéis em missas solenes. O banho com arruda combate todos os tipos de mau-olhado (Fonte www.achetudoeregiao.com.br/ANIMAIS/arruda.htm - 26k -). 44