REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
Educação para sustentabilidade em engenho orgânico
1. REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228
Volume 19 - Número 2 - 2º Semestre 2019
ENGENHO SANHAÇU: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA A
SUSTENTABILIDADE
Rafael Trindade Maia1
; Maria Tatiane Silva Bezerra2
; Luciana Maria Ribeiro de Oliveira3
RESUMO
Atualmente se fala muito de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável na academia, porém o
discurso é repleto de reducionismos, distorções e superficialidades. Muitas práticas educativas que
visam a sustentabilidade são bem-intencionadas, porém são ingênuas e pouco eficientes na meta de
se ensinar o conceito polissêmico da sustentabilidade e sua posição como um dos paradigmas da
sociedade. Diante desta realidade, surgiu a ideia de uma excursão didática para o Engenho Sanhaçu,
em Chã Grande-PE. O Engenho Sanhaçu é fabricante da cachaça homônima e adota uma produção
totalmente sustentável e orgânica. O objetivo desta prática foi conduzir os alunos dos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo e Tecnólogo em Agroecologia para uma visita técnica que
proporcionou uma experiência de ver como a sustentabilidade funciona na prática.
Palavras-chave: Educação ambiental, Excursão didática, Agroecologia, Turismo ecológico.
ENGENHO SANHAÇU: A PROPOSED EDUCATION FOR SUSTAINABILITY
ABSTRACT
The discourse is replete with reductions, distortions and superficialities. Many educational practices
that aim sustainability are well intentioned but are inefficient in the objective of teaching the
polysemy concept of sustainability and its position as one of the paradigms of society. Faced with
this reality, the idea of a didactic excursion for the Engenho Sanhaçu, in Chã Grande-PE. Engenho
Sanhaçu is a manufacturer of homonymous cachaça and adopts a totally sustainable and organic
production. The goal of this practice was to lead the students of the courses in Field Education and
Agroecology for a technical visit that provided an experience of seeing how sustainability works in
practice.
Keywords: Environmental education, Educational tours, Agroecology, Ecotourism.
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2. 1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento sustentável é
uma premissa que deve nortear todos os
setores da sociedade. Contudo, apesar de
amplamente difundido e divulgado seu
desdobramento na prática não
corresponde aos seus pressupostos
teóricos. As instituições de ensino
superior, como um dos principais
difusores do conhecimento devem ter
seus discursos e práticas sobre
desenvolvimento sustentável em
constante evolução. Diante disto, uma
análise da percepção sobre
desenvolvimento sustentável que
permeia a comunidade acadêmica é de
suma relevância para o amadurecimento
e diminuição das fragilidades e
controvérsias que existem atualmente no
debate desta questão.
As mudanças climáticas advindas
das atividades industriais do atual mundo
globalizado remetem toda a sociedade a
um grande paradigma: o
desenvolvimento sustentável. Uma das
definições mais aceitas de
desenvolvimento sustentável é “o
desenvolvimento capaz de suprir as
necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade de atender
as necessidades das futuras gerações”
(ALMEIDA, 2002). Trata-se, portanto
de um modelo de desenvolvimento que
não esgota os recursos para o futuro.
A noção de desenvolvimento sustentável
abrange três dimensões: a social, a
econômica e a ambiental (Figura 1).
Figura 1. As dimensões do desenvolvimento
sustentável. Fonte: Alledi 2002.
Na dimensão social incluem-se
os direitos humanos e dos trabalhadores,
a relação com a comunidade, a
transparência, a ética, a inclusão social,
aspectos políticos e culturais, saúde,
segurança e qualidade de vida. Na
dimensão econômica visa-se maximizar
a utilização dos recursos, gerar
empregos, aumentar a capacidade de
produção, agregar valores a novos bens
de consumo, distribuição e utilização
equitativa das riquezas. A dimensão
ambiental por sua vez trata da proteção e
preservação do ambiente, gerenciamento
dos recursos renováveis, gestão de
resíduos, gestão dos riscos e impactos,
potencialização do uso dos recursos e
manutenção da biodiversidade
(OLIVEIRA FILHO 2004, SEVERO et
al., 2006).
O desenvolvimento sustentável é,
portanto, alcançado através de inúmeras
práticas integradas que envolvam as três
dimensões. A divulgação da ideia de
sustentabilidade nos modelos de
desenvolvimento promoveu nos últimos
anos concomitantemente a
popularização assim como a banalização
do termo. Ultimamente muitas empresas
se auto intitulam sustentáveis como
estratégia de marketing apenas pelo fato
de adotarem pequenas ações
ecologicamente corretas, o que é um
equívoco. Uma vez que o
desenvolvimento sustentável é um
conceito sistêmico faz-se necessário uma
abordagem holística nas questões
relacionadas à sustentabilidade.
Este tema é amplamente
divulgado na mídia e discutido nas
universidades brasileiras, porém pouca
atenção é dada ao modo como ele é
abordado. No discurso prático da
sustentabilidade permeiam fragilidades,
incongruências, conflitos e contradições.
Segundo alguns autores a teoria e prática
do desenvolvimento sustentável estão
entrincheiradas (MARCONATTO et al.,
3. 2013) e isto faz com que seja fortemente
caracterizado pelas pluralidades de
perspectivas e marcadas por conflitos de
visão, opinião e interesses (HOPWOOD
et al., 2005).
Estes conflitos estão em maior
parte relacionados a dois grupos
ideológicos principais: os adeptos da
visão biocêntrica, e os adeptos da visão
antropocêntrica. O biocentrismo se
baseia na premissa essencial de que a
natureza é detentora de direitos iguais,
ou até mesmo superiores aos dos homens
(MARCONATTO et al., 2013). Há
inclusive os que defendam que a
natureza seja o meio ambiente
personificado na ideia da teoria Gaia –
um organismo vivo, autorregulador e
capaz de responder a interferências
externas, como as causadas pelo homem
(LOVELOCK, 1975). Na visão
biocêntrica todos os seres vivos e
recursos naturais fazem parte de um
delicado equilíbrio do planeta terra,
numa relação de interdependência.
Deste modo, na perspectiva biocêntrica a
importância natureza é predominante e
está acima do homem, que faz parte dela.
Portanto os defensores do biocentrismo
advogam que proteger a natureza é o
caminho para garantir o futuro da
humanidade como parte do planeta
Terra.
Existe outra visão, a
antropocêntrica, que entende o meio
ambiente como um conjunto de recursos
e meios para a manutenção e satisfação
da vida humana (FAUCHEUX et al.,
1995) e que deve ser utilizado de forma
eficiente para garantir sua conservação.
Em outras palavras, o homem deve
reinar sobre a natureza deter seus direitos
sobre ela (MARCONATTO et al., 2013).
De modo geral este segmento inclui
empresas, instituições e pensadores que
acreditam que avanço tecnológico em
substituir os ativos naturais em suas
funções, seja biológica, econômica ou
mesmo recreativa (MUNASINGHE,
2002; FAUCHEUX et al., 1995). Neste
contexto, para os antropocentristas o
aumento do consumo não consiste em
um problema, mas sim na força motriz
para o desenvolvimento sustentável.
Nesta linha de raciocínio, se o
crescimento econômico é a alavanca que
levará à sustentabilidade, então, quanto
mais consumo houver, melhor
(ROBINSON, 2004).
Sendo assim, é fato que as
perspectivas biocêntrica e
antropocêntrica advém de visões de
mundo fundamentalmente distintas
(MARCONATTO et al., 2013). Isto
acarreta numa fragmentação no debate
acerca da sustentabilidade, marcado por
conflitos e apresentando diferentes
objetivos, por vezes diagonalmente
opostos, que sofrem interferências e
vieses ide lógicos, culturais, políticos e
econômicos. Portanto para que haja
soluções realmente viáveis na prática é
necessária uma aproximação maior entre
os dois tipos de visões que permita a
coexistência, ou pelo menos um
entendimento mútuo, de elementos e
motivações muitas vezes conflitantes
(MARCONATTO et al., 2013).
2 METODOLOGIA
2.1 O CDSA- Centro de Desenvolvimento
Sustentável do Semiárido
O Centro de Desenvolvimento
Sustentável do Semiárido (CDSA) é o
mais recente campus for a de sede da
Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), situado em Sumé, no
cariri paraibano (Figura 2).
Figura 2. Estado da Paraíba com destaque para o
município de Sumé (vermelho). Fonte: adaptado
de
https://www.flickr.com/photos/egbertoaraujo/80
68761124.
4. O CDSA foi implementado em 2009 e
oferece atualmente os cursos de
Licenciatura em Ciências Sociais,
Licenciatura em Educação do Campo,
Superior de Tecnologia em Gestão
Pública, Engenharia de Biossistemas,
Superior em Tecnologia em
Agroecologia, Engenharia de Produção e
Engenharia de Biotecnologia e
Bioprocessos. Na pós-graduação tem as
opções de Mestrado Interinstitucional
em Farmacoquímica, Especialização em
Ensino de Ciências da Natureza e
Matemática para a convivência com o
Semiárido, Especialização em Gestão
das Políticas Públicas e Especialização
em Educação de Jovens e Adultos com
Ênfase em Economia Solidária no
Semiárido Paraibano. O CDSA tem
como premissa fundamental a
sustentabilidade e visa promover o
desenvolvimento sustentável no cariri
paraibano.
2.2 O Engenho Sanhaçu
O Engenho Sanhaçu localiza-se
no município de Chã Grande, agreste de
Pernambuco (Figura 3). O engenho é
produtor da cachaça Sanhaçu, uma
aguardente de cana orgânica e de
excelência comprovada por várias
premiações. Além dos diversos tipos de
aguardente o engenho também produz
outros derivados de cana-de-açúcar
como mel de engenho, açúcar mascavo e
rapadura.
Figura 3. Estado de Pernambuco com destaque
para o município de Chã Grande (vermelho).
Fonte: adaptado de
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ch%C3%
A3_Grande.png
O Engenho Sanhaçu adota o princípio da
sustentabilidade em toda a sua produção,
desde a plantação orgânica e
agroflorestal até o reaproveitamento dos
resíduos sólidos para adubo. É o
primeiro engenho de cana-de-açúcar do
mundo a implementar energia 100%
fotovoltaica em sua produção. O
engenho também oferece o “tour
pedagógico”, onde os alunos das escolas
e universidades acompanham toda a
produção guiados por um técnico. O
“tour pedagógico” é precedido por uma
aula de história e cultura da cachaça e
finaliza-se com uma aula de apreciação e
degustação (apenas para maiores de 18
anos).
2.3 A excursão
Foram conduzidos ao Engenho
Sanhaçu alunos dos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo,
Tecnólogo em Agroecologia e
Licenciatura em Ciências Sociais junto
com dois professores, da área de
biologia, antropologia respectivamente.
Iniciou-se a excursão com uma aula num
mini auditório ao ar livre com
arquibancadas concêntricas que remetia
aos senados gregos e romanos (Figura 4).
Figura 4. Mini auditório ao ar livre.
Inicialmente, Oto, o responsável
técnico do Engenho e filho do
5. proprietário, se apresentou e deu uma
aula sobre história e cultura da cachaça.
Após a aula introdutória fomos
conduzidos à fábrica, onde tivemos aula
sobre energia fotovoltaica e sobre
produção sustentável de cachaça.
Em seguida recebemos uma aula
de apreciação de cachaças, aprendendo a
visualizar, sentir o aroma e degustar a
cachaça. Como o próprio guia ressalta,
para apreciar uma boa cachaça é preciso
utilizar os 3 sentidos (visão, olfato,
paladar).
Após a visita à fábrica,
caminhamos numa trilha do sistema
agroflorestal no qual eles cultivam
organicamente a cana-de-açúcar (Figura
5).
Figura 5. Área de reflorestamento.
Devido ao reflorestamento
promovido pela empresa, uma espécie de
pássaro (Tangara sayaca) (Figura 6) que
havia sumido das redondezas voltou a ser
avistado na região. O nome popular deste
pássaro é Sanhaçu, e devido a este
acontecimento a empresa decidiu adotar
o nome.
Figura 6. Tangara sayaca, vulgo Sanhaçu. Fonte:
adaptado de
https://casadospassaros.net/sanhaco-azul/
Este fato é bem interessante porque
demonstra que reflorestamento de áreas
de solo desgastados resgatam a
biodiversidade e geram efeitos colaterais
positivos no meio ambiente, como
reintrodução de fauna e flora. Portanto, o
Engenho Sanhaçu é um empreendimento
também envolvido com a conservação
das espécies.
Após a visita à área de reflorestamento
fomos para a loja onde foi oferecido um
lanche regional (caldo de cana, bolo e
pão doce). Em seguida visitamos o
interior da loja onde houve mais
degustação de produtos e pôde-se
comprar produtos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O impacto da excursão para os
alunos foi muito positivo nos discentes e
impressionou bastante os docentes
envolvidos (um biólogo e uma
antropóloga) tamanha a riqueza das
informações. O fascínio tomou conta de
todos que foram ao local. O acolhimento
feito dos proprietários é excelente e o
local apresenta uma beleza poética, com
muita simplicidade.
Os alunos tiveram a oportunidade
de ver a sustentabilidade in situ, para
além dos conceitos teóricos dentro da
academia.
Os diálogos foram muito
produtivos e esclarecedores, o que fez
com que todos os participantes
aprendessem muito. Os alunos
confessaram que havia sido a melhor
excursão didática que já participaram. O
atual contexto aponta para necessidade
do professor em promover ações que
estimulem os discentes (OLIVEIRA
2015). Neste âmbito excursões didáticas
são providenciais para despertar o
interesse e participação dos alunos
(SILVA et al., 2016).
Além do conhecimento adquirido, esta
excursão resultou em um convênio para
estágios entre o CDSA e o Engenho
Sanhaçu. Muitos alunos demonstraram
vontade de estagiar na empresa, que se
mostra comprometida com a formação
dos alunos.
6. A parceria institucional adquirida
também promoverá futuros projetos de
pesquisa envolvendo estudantes e
docentes que se interessa por processos
de fermentação e produção de cachaças e
também por aqueles que se interessam
pela sustentabilidade.
4. CONCLUSÕES
Pelas observações, diálogos e pelo teor
das palavras nos relatórios dos alunos
podemos concluir sem reservas que a
excursão ao Engenho Sanhaçu é uma
excelente proposta de excursão didática.
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________________________________
1- Rafael Trindade Maia – Professor do Centro
de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido
(CDSA) da Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG) rafael.rafatrin@gmail.com
2- Maria Tatiane Silva Bezerra UFCG –
Universidade Federal de Campina
Grande/CDSA tatianetaty-96@outlook.com
3- Luciana Maria Ribeiro de Oliveira –
Professora Adjunta do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal da Paraíba
(DCS/UFPB) e Professora Colaboradora do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(PPGA/UFPB) lulucaribeiro@ig.com.br
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