“As transferências do Estado para as autarquias não são esmolas” - Entrevista a Manuel Machado
GRANDE ENTREVISTA de Manuel Machado ao DIÁRIO ECONÓMICO
10 de Novembro de 2014
Manuel Machado é presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP) e da Câmara Municipal de Coimbra. Crítico da proposta de Orçamento do Estado para 2015 (OE/2015), que considera intrusiva da autonomia dos municípios, o autarca acredita que é possível corrigir os problemas e recuperar o acordo assinado entre o Governo e a associação.
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GRANDE ENTREVISTA de Manuel Machado ao DIÁRIO ECONÓMICO
1. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
Pág: 6
Cores: Preto e Branco
Área: 23,00 x 27,79 cm²
ID: 56557914 10-11-2014 Corte: 1 de 6
G GRANDE ENTREVISTA MANUEL MACHADO
O presidente da Câmara
de Coimbra faz o balanço
do seu primeiro ano como
líder da Associação
Nacional de Municípios.
“As transferências
do Estado para
as autarquias
não são esmolas”
Finanças O dirigente confirma que há câmaras em grave situação
financeira e defende uma distribuição mais justa dos dinheiros públicos.
António Costa e Rosário Lira
antonio.costa@economico.pt
Manuel Machado é presidente da
Associação Nacional de Municí-pios
(ANMP) e da Câmara Muni-cipal
de Coimbra. Crítico da pro-posta
de Orçamento do Estado
para 2015 (OE/2015), que consi-dera
intrusiva da autonomia dos
municípios, o autarca acredita
que é possível corrigir os proble-mase
recuperaroacordoassinado
entreoGovernoeaassociação.
Qual a sua apreciaçãoda proposta
de OE/2015?
A ANMP analisou a proposta de
Orçamento do Estado e vai conti-nuar
a fazer o seu trabalho. Pri-meiro,
a associação não é quem
vai reprovar o Orçamento, isso é
competência da Assembleia da
República. A associação emite o
parecer com base em estudos que
desenvolve e tendo presente um
conjunto de preocupações.
Quais são os limites das câmaras
para aceitar este orçamento?
Esses limites estão apontados no
acordo que aANMPfezcomoGo-verno,
onde se estabelecem os
parâmetros que devem servir de
acção conjunta e de corporação
recíproca entre as administrações
central e local.
Efalhou?
Até agora, não foi conseguido em
pleno e temos pena. Há aspectos
que se compreendem que levem
mais tempo, mas há outros que
esta lei do OE deveria de imediato
configurar.
Quais?
Por exemplo,emresultado da Lei
das Finanças Locais, institui-se o
Fundo de Apoio Municipal (FAM)
para socorrer câmaras munici-pais
em situação de ruptura fi-nanceira
ou a precisar de socor-ro.
Foi difícil conseguir um con-senso
mínimo para outorgar este
acordo em nome da ANMP.
Aliás, ainda hoje se nota, e têm
sido feitas críticas com algum
fundamento, mas frequente-mente
injustas. Este acordo visou
estabelecer uma matriz de traba-lho
de cooperação solidária e in-termunicipal
e também com o
Governo, dado que a Lei das Fi-nanças
Locais determinava que o
fundo fosse constituído com ca-pitais
estatais e municipais. No
âmbito desse acordo, por exem-plo,
a questão da autonomia do
poder local que tem vindo a ser
atacada ao longo dos tempos
mais recentes é uma questão que
para nós é fundamental.
Masé postaemcausa?
É posta em causa em alguns as-pectosmesmonesta
lei do OE.Em
concreto, as autarquias são enti-dades
constitucionalmente pro-tegidas
e não são meras direcções
regionais ou direcções locais ou
direcções geraisdo Governo.
Mas essa autonomia não pode pôr
emcausa a estabilidade financeira
do país.
Naturalmente. Por isso apresen-tamos
propostas absolutamente
razoáveis. [Mas] ao ser imposto
do modo que tem vindo a ser im-posto,
por exemplo, nos recursos
humanos, uma solução quadra-da,
cega, que não atende às ne-cessidades
locais, é evidente que
isto viola a autonomia do poder
local. Mas tem outros aspectos
onde isto também tem de ser
consagrado...
Nos impostos?
Quando a proposta de lei do OE
determina que o aumento das re-ceitas
do IMI serão canalizadas
obrigatoriamente, primeiro para
capitalizar o FAM, a seguir para
pagar a fornecedores e depois
para pagar à banca, isto é uma in-trusão
nos poderes próprios de
cada município, além de gerar ir-racionalidades,
de impedir uma
gestão eficiente da administração
municipal. E, portanto, estes e
outros aspectos que temos pro-posto
que sejam aperfeiçoados,
têmde ser corrigidos.
OFAMéumbom exemplo. Como
é que o Governo garante que as
câmaras pagam a sua contribui-ção
para o fundo?
As autarquias portuguesas são em
geral boas pagadoras, honram os
compromissos e pagam-nos.
Qual é a média de pagamento a
fornecedores?
Anda, em média, nos 90 dias. Em
três anos, baixou praticamente
para um terço o prazo de paga-
Rosário Lira António Costa
“
Há entre seis e 19
autarquias que
poderão recorrer
ao Fundo de Apoio
Municipal, mas é
umnúmero variável
– uma parte das
autarquias fará tudo
por tudo para evitar
esse recurso.
mento a fornecedores. O subsec-tor
da administração local é aque-le
que mais contribui para a me-lhoriadas
finanças públicas.
Porque beneficia de transferên-cias
correntes da administração
central.
As transferências não são esmola,
é um direito próprio e portanto é
uma partilha dos recursos públi-cos,
uma partilha da colecta dos
impostos nos termos da lei pelos
municípios e outras entidades. Da
dívida pública total, por exemplo,
2%é responsabilidade municipal,
3%é regional e os outros 95% são
responsabilidade estatal, seja de
empresas públicas, seja de orga-nismos
e institutos diversos den-trodo
Estado central.
Se o Estado retém uma transfe-rência
corrente ou se obriga os
municípios a canalizar um exce-dente
do IMI para esse fundo, é a
mesmacoisa não é?
Há diversos aspectos em que re-tém,
mas depois há o pagamento
da capitalização do IMI. Ao de-terminar-
se isto, viola o acordo
que celebramos para a criação do
FAM. A saber: o fundo de apoio
aos municípios é constituído por
uma dotação global de 650 mi-lhões
de euros, dos quais 325 mi-lhões
são responsabilidade di-recta
do Governo, 325 milhões
das câmaras municipais no seu
conjunto. Foi feito o rateio e cada
câmara municipal sabe o que
tem de pagar anual e mensal-mente
e durante todo este perío-do.
A proposta inicial do Gover-no
era a realização do capital do
fundo em 70% municipal e 30%
o Governo. Da nossa negociação
resultou que ficou 50/50. Não
nos conforta, eu devo confessar
que o presidente da ANMP tem
alguma dificuldade em conven-cer
o presidente da câmara de
Coimbra que este contributo,
este esforço financeiro tinha de
ser feito. Mas porque a solidarie-dade
é importante, não quero
exigir aos outros aquilo que não
exijo amimpróprio...
2. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
Pág: 7
Cores: Cor
Área: 23,00 x 27,47 cm²
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aceitar alguma das vossas pro-postas?
As nossas propostas são de tal
modo razoáveis que será um
oportunidade perdida o Gover-no
não aproveitar.
Mas neste processo agora?
Ainda ontem [sexta-feira]
apresentámos quer ao Governo,
quer aos grupos parlamentares,
propostas para resolver proble-mas,
por exemplo, os recursos
humanos das câmaras munici-pais.
Pelas sucessivas medidas
que os Orçamentos do Estado
foram impondo aos municípios,
em cinco anos, as câmaras re-duziram
cerca de 17% dos re-cursos
humanos.
Cerca de 27 mil pessoas?
À volta disso. Isto cria um pro-blema
que pode ser complicado
de resolver no futuro próximo.
Já ultrapassou o limite do possí-vel
para que as câmaras desem-penhem
as suas funções?
Há perdas que são irreparáveis.
As câmaras têm serviços escola,
calceteiros, várias artes que,
depois, não há facilidade de re-cuperar
em tempo útil. Depois
há questão do envelhecimento
dos recursos humanos...
E as restrições à contratação?
A restrição à contratação pro-vocou
um envelhecimento
enorme dos recursos humanos
municipais e não há uma nova
geração para tomar esse cami-nho.
Mas se há restrição à contrata-ção
no Estado central, por que
não haveria nas câmaras muni-cipais?
A questão não está por aí. As câ-maras
são o único subsector que
cumpriu. É que o Estado esque-ce-
se frequentemente de si
próprio, sejam institutos ou
empresas públicas e demais en-tidades
que directamente diri-ge.
E as câmaras cumprem e são
penalizadas. O caso dos 35%
[de tecto de despesa com pes-soal
no total do orçamento] é
uma outra fasquia que querem
impor de modo peculiar na lei
do OE para limitar a contrata-ção.
Comprometemo-nos que
não iríamos contribuir para o
agravamento da massa salarial
do Estado. Defendo que os salá-rios
deviam subir, mas as regras
são essas e respeitamos isso.
Não aceitamos é que seja metida
uma maneira ardilosa que vai
determinar, no futuro, um li-mite
de encargos com pessoal
de 35% das receitas correntes
da média dos três anos anterio-res.
Isto é inaceitável. O acordo
estabelecia que isso ia ser nego-ciado,
mas não foi.
Defende então...
Tem de haver um acordo relati-vamente
a 2015 para garantir
que exista uma bolsa nacional
de número de trabalhadores a
ratear pelas câmaras sem pro-blemas
financeiros, sem agra-var
a massa salarial total, resul-tante
das câmaras municipais
que vão ter de recorrer ao FAM
e que ficam obrigadas a reduzir
efectivos e impedidas de con-tratar.
Isso permite manter o
equilíbrio, respeita o acordo e
permite que haja um número
significativo de autarquias que
podem renovar recursos huma-nos,
as que tenham condições
financeiras para o fazer. ■
PONTOS
CHAVE
● Manuel Machado foi eleito presidente
da Associação Nacional de Municípios em
Novembro de 2013, com 93% dos votos,
sucedendo assim a Fernando Ruas.
● É presidente da Câmara Municipal de
Coimbra, lugar que conquistou pela
primeira vez em 1989. Foi reeleito em
1993 e em 1997.
● Economista, foi dirigente nacional da
Juventude Socialista e liderou a
Federação de Coimbra do PS.
● Num intervalo entre mandatos
autárquicos, integrou o secretariado
técnico do programa operacional regional
do QREN, o “Mais Centro”.
Paula Nunes “As câmaras municipais
são o único subsector
do Estado que cumpriu”
Autarca defende que as
restrições impostas pelo
Governo estão a penalizar
actividade municipal.
Manuel Machado destaca as
áreas onde os cortes estão a
afectar mais as autarquias. Ain-da
assim, defende que municí-pios
têm cumpridos as regras
impostas.
A ANMP já manifestou uma po-sição
crítica em relação ao
OE/2015 e propôs alternativas.
Qual a disponibilidade do Go-verno
para aceitar essas pro-postas?
Praticamos o diálogo e não de
forma cínica ou dissimulada…
Têm estado a falar com alguém?
… e com todos os órgãos de so-berania,
relacionamo-nos
construtivamente. A sério e à
séria. E daí também reclamar-mos
o direito de sermos reci-procamente
tratados.
Qual a verdadeira margem de
manobra para o Governo e os
partidos que suportam a coliga-ção
para mudar o OE e cumprir
“ Então?
o acordo com as autarquias?
O acordo não foi rasgado. O
acordo está em vigor, não está é
a ser cumprido com aquilo que
estava convencionado.
Está a começar a caminhar mal.
O caminho tem de ser aperfei-çoado.
O acordo está bem, o
procedimento de execução do
acordo é que tem de ser melho-rado
e em aspectos da lei do OE
e noutros diplomas, porque es-tão
ali outras matérias. A ques-tão
dos recursos humanos, da
recapitalização do FAM... o ex-cedente
gerado por causa da
lei-travão que determina que
nenhuma câmara pode subir
mais de 5% ou baixar mais de
5% de um ano para o outro, e
daí gera-se um excedente, da
participação legítima dos mu-nicípios
na colecta dos impostos
estatais, de 180 milhões de eu-ros,
que revertam directamente
para a capitalização do fundo e
refazem-se as contas de afecta-ção
a cada município do encar-go
anual que vai ter.
Mas, no imediato, há alguma
perspectiva de o Governo
Tem de haverum
acordo para 2015 para
garantir uma bolsa
nacional de número de
trabalhadores a ratear
pelas câmaras sem
problemas financeiros,
sem agravar a massa
salarial total.
Ora, se o Governo determina na
proposta de lei do OE que no
exercício económico de 2015 o
acréscimo de IMI reverte para a
realização de capital do FAM, a
questão dos sete anos fica posta
em causa. Porque antecipa a
realização do capital municipal
forçada através deste artifício
de intrusão na autonomia do
poder local que não deve ter.
Ora, o ponto de equilíbrio acon-selharia
a que, por exemplo,
neste caso, uma vez que há ne-cessidade
de realizar o capital
do fundo o mais rapidamente
possível, então, da participação
dos municípios nos impostos
estatais que são fixados por lei,
verifica-se que há um exceden-te
de 180 milhões de euros que é
municipal e que o Governo quer
tomar conta.
A necessidade de antecipar esse
fundo não decorre do facto deha-ver
mais autarquias do que aque-las
que se pensava em enormes
dificuldades financeiras e a preci-sarem
de recorrer ao fundo?
Penso que não. Os dados que te-mos
não apontam nesse sentido.
Só mesmo no limite é que uma
autarquia recorrerá ao FAM, por-que
as consequências que deri-vam
de uma subjugação às regras
do fundo são onerosas. É impor-tante
que se saiba que uma das
consequências imediata é que as
taxasdos impostos estatais,doIMI
por exemplo, e outras, disparam
automaticamente para o máximo
permitidopor lei.Opoderdeacti-vidade…
Quantas é que pediram nesta fase
ainda de transição o acesso a esta
linha deemergência?
Neste momento, há um número
que varia entre seis e 19 câmaras,
porque há uma parte das autar-quias
que fará tudo por tudo para
evitar, se tiver uma alternativa
evitará recorrer ao FAM. E este
número é variável. Veremos no
dia 1ou2deJaneiropróximooque
efectivamentevai acontecer.■
3. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
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Cores: Cor
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G GRANDE ENTREVISTA MANUEL MACHADO
“É preciso reverter a
extinção de freguesias”
Reforma Redução de freguesias não reduziu despesa pública e só criou problemas.
Machado confia que um Governo PS permitirá inverter a decisão em muitos casos.
Paula Nunes
António Costa e Rosário Lira
antonio.costa@economico.pt
O presidente da ANMP defende
que a reforma do poder local rea-lizada
pelo actual Governo não
cumpriu o desígnio de baixar a
despesa pública e que, em muitos
casos, criou problemas adminis-trativos
onde não os havia. E es-pera
que Costa, se chegar a pri-meiro-
ministro, cumpra a pro-messa
de rever todo o processo.
Afirmou que o Orçamento do Es-tado
para 2015 esclarece pouco
sobre a política de descentraliza-ção,
mas a moção de António
Costa ao congresso do PStambém
esclarece pouco. Como avalia as
as poucas proposta que se conhe-cempara
o podermunicipal?
Está previsto um encontro hoje
[sexta-feira] em Coimbra com o
meu amigo e camarada António
Costa, presidente da Câmara de
Lisboa, que aqui também repre-sento
nessa qualidade. Tenho a
convicção que, sendo ele um au-tarca
experiente, seguirá um ca-minho
diferente na relação entre
o poder central e o local. E se for
neste caminho de tratar as coisas
pela concertação, pela negociação
consequente, será uma boa op-ção.
Se tiver isso na moção, terá o
meu apoio. Espero que esteja. Em
todo o caso, uma moção é apenas
um apontamento inicial, vai ser
debatido, certamente vai ser su-jeito
a diversos aperfeiçoamentos
também e, daquilo que conheço
do António Costa, acho que pode
conseguir melhorar o relaciona-mento
entre a administração cen-traleaadministração
local.
Uma das propostas que António
Costa faz é que é necessário passar
em revista o processo de extinção
das freguesias. Do seu ponto de
vista, istotemde ser feito?
Isso tem de ser feito, a ANMP
aprovou no Congresso de Santa-rém,
faz agoraumano,umareco-mendação
nesse sentido. Onde
não haviaumproblema, criaram-
-se muitos problemas. A reforma
precipitada que levou à extinção
de freguesias – há que não ter
medoda palavra, as uniões de fre-guesias
pressupõem a extinção de
freguesias – não trouxe nada de
especial a não ser agravar as difi-culdades.
Não reduziu a despesa
isso é que tem perdurado. Porque
se não se tivesse actualizado, isso
tinha levado a outro tipo de com-portamentos.
Portanto, a provada
longevidade é que poder autár-quico
sobe actualizar-se às neces-sidades
contemporâneas de cada
época e de cada etapa da vida. O
poder dos concelhos é essencial e
é útil ao todo nacional.
Mas a extinção de freguesias não
põe issoemcausa.
A extinção de freguesias só veio
fazer confusão. Elas estão aí. A
agregação forçada de freguesias
deu um conjunto de dificuldades.
Não reduziu a despesa pública,
que era essa a justificação, é preci-so
recordá-lo. Não resolveu nada
e criou só problemas.
Então, não deveria mudar-se
nada?
Isso não é o problema nacional, o
problema nacional é termos ní-veis
de governação autárquica,
local, regional nos Açores e na
Madeira, mas as regiões adminis-trativas
não têm legitimação de-mocrática.
Essa é que é a questão
central.
Mas pelos vistos é uma questão
central porque António Costa
considera-a na sua moção e dá-
-lhe relevância. Até admite re-verter
a decisão.
A afirmação, e que subscrevo, é
fazer reverter essa decisão. Há
pessoas que estão altamente des-confortadas,
esta agregação for-çada
criou conflitos, até pela pe-quenas
relações de proximidade e
de algumas competitividades.
Também ainda não passou o tem-po
suficiente para fazer uma ava-liação
sólida dos resultados da ex-tinção
de algumas freguesias.
Certamente está atento às eleições
mais recentes, às Europeias, e terá
observado que, em vários sítios,
houve problemas com os cader-nos
eleitorais, com as mesas de
voto,coma recolha... As reformas
devem ser equacionadas, discuti-das
e, depois de estarem minima-mente
amadurecidas, devem ir
para o terreno.
Mas reverter a extinção de fre-guesias
não épior nesta altura?
Não, as sedes das juntas de fre-guesia
estão aí, penso que isso re-solveria
uma série de problemas.
Onde as pessoas quiserem manter
as uniões de freguesia, ok. Agora,
temde ser dialogado.■
“Quem quiser lançar taxas de dormidas,
pode fazê-lo”
Manuel Machado defende que a
criação de uma taxa turística,
como Costa quer fazer em Lisboa,
é uma competência autárquica.
Mas não seguirá o exemplo e
reconhece que há um excesso de
taxas no quadro fiscal português.
Aprova a aplicação de taxas
de dormidas e de taxas
turísticas pelos municípios?
O quadro de fiscalidade é definido
na lei geral, depois é aplicado em
cada município no âmbito da sua
autonomia. Portanto, são os
órgãos autárquicos respectivos
que decidem. Na Câmara de
Coimbra, não lancei nenhuma
taxa de dormida ou o equivalente
porque não me parece necessário,
mas é legítimo que quem o quiser
fazer possa fazê-lo. Além disso, o
esforço que devemos fazer é o de
reduzir a diversidade de taxas,
mas isso tem de começar no
legislador. Em cada novo diploma,
acaba sempre por aparecer
empacotada mais uma taxa, mais
uma licença, mais um papel. Na
prática, aparece mais um papel
que responsabiliza alguém na sua
assinatura e quando é um autarca
é responsabilizado pessoal, civil e
criminalmente. Se for um
governante do Terreiro do Paço,
não é a mesma coisa.
Em Coimbra, portanto, não
haverá taxas de dormidas nem
taxas turísticas do género?
Não, em Coimbra dorme-se bem,
não é para pagar mais taxas. As
coisas estão equilibradas.
pública, não aumentou a eficiên-cia
dos serviços, reduziram-se
minimamente nas senhas de pre-sença
dos autarcas de freguesia...
Mas não foram assim tantas ex-tintas.
Foi um número significativo. Se
olharmos para a história da nossa
pátria, o poder dos concelhos e
das paróquias, depois freguesias,
éumpoder ancestral.
Sim, mas tem de ser actualizado.
Sim e tem sido actualizado, por
RESPOSTAS RÁPIDAS
António Leitão Amaro.
Como secretário de Estado,
temos tido alguns confrontos,
como pessoa é estimável e o
confronto que temos tido tem
permitido encontrar soluções
para alguns problemas. Lei-tão
Amaro é da administra-ção
central, eu sou da admi-nistração
local, mas também
já conseguimos chegar a
acordoemalgumas impor-tantes
questões do interesse
municipal e nacional.
Queima das fitas.
É uma tradição académica
notável, uma festa bonita, in-felizmente
nos tempos mais
recentes tempassado mais
uma mensagem de bebedei-ra,
o que não corresponde de
todo à essência da queima
das fitas, que é uma festa de
fraternidade, de iniciação na
academia, na universidade e
nas escolas superiores poli-técnicas,
é uma festa de fra-ternidade
e de amizade. Ape-sar
damensagem que tem
sobressaído ser mais outra...
praxes que são estúpidas, di-reitos
que são ofendidos, ex-purgado
disso, a queima das
fitaséuma festade fraterni-dade.
São rosas, senhor,
são rosas.
Nemsempre, também há es-pinhos
nas rosas, mas é uma
mensagem bonita e de espe-rança.
Portugal.
Aminha pátria.
4. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
Pág: 9
Cores: Cor
Área: 5,20 x 25,36 cm²
ID: 56557914 10-11-2014 Corte: 4 de 6
“O problema
da Madeira
não é por ser
uma região”
Machado defende a ideia de Costa,
de tornar as CCDR elegíveis. E
admite que essa é uma forma de
avançar com a regionalização.
Pelas suas palavras e pela moção
de António Costa, a reversão da
extinção das freguesias éumpro-blema
central. E a eleição directa
dos presidentes das comissões de
coordenação?
Eu defendo que as regiões admi-nistrativas
devem ser governadas
democraticamente por eleitos.
Aregionalização?
Aregionalização.
As freguesias são um problema, a
regionalização não podia ser um
problema ainda maior?
Não é um problema maior. Veja-
-se os problemas das NUTS, as
Unidades Técnicas Estatísticas,
mesmo para o uso dos fundos co-munitários,
as confusões que
existem. As relações da presença
de Portugal nas reuniões em que
reúnem as regiões. Nós temos
funcionários ao lado de eleitos.Na
União Europeia, a relação entre
eleitos é uma coisa e a relação en-tre
funcionários é outra diferente.
Ora, este centralismo tem impe-dido
Portugal de se desenvolver.
OGoverno quer ter sempre a mão
longa, a dominar as regiões, e tem
feito isso de várias formas.
O exemplo da Madeira e do que
deu o programa de ajustamento,
para o qual fomos todos obrigados
colectivamente a pagar, não nos
diznada sobre a regionalização?
Essa parte do problema não é por
ser regionalização, pode ser por
uma forma menos responsável do
exercício do poder democrático.
Prefiroirpela essência,oexercício
da política democrática não pode
permitir consequências do tipo
daquela que se deu na Região Au-tónoma
da Madeira, mas é por aí,
não é por ser região, é por ter sido
governadadomodo que foi.
Isso significa quenumgoverno PS
a regionalização avançará?
Não sou mandatário de António
Costa, sou camarada dele, milita-mos
no mesmo partido há muito
tempo, portanto não estou man-datado
para dizê-lo.
Masacha que deveria avançar?
Deveria ser uma das componen-tes
do projecto político do PS e
de outros partidos que defen-dem
a necessidade de uma re-gionalização
governada demo-craticamente.
■
5. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
Pág: 10
Cores: Cor
Área: 23,00 x 28,04 cm²
ID: 56557914 10-11-2014 Corte: 5 de 6
G GRANDE ENTREVISTA MANUEL MACHADO
“O Governo está a dar um prato
de lentilhas às autarquias”
Poder local Transferências de competências para os municípios está a ser feita de “forma armadilhada”, diz Manuel Machado.
Paula Nunes
António Costa e Rosário Lira
antonio.costa@economico.pt
Algumas das transferências de
competências que o Governo está
a fazer para as autarquias são ape-nas
uma forma de desresponsabi-lização
da administração central,
sem que isso seja sequer acompa-nhado
da correspondente trans-ferência
de verbas, defende Ma-nuelMachado.
O Governo tem aumentado a
transferência de competências
para as câmaras. Sublinha e aten-de
a essa transferência de compe-tênciasounão?
Não, de todo não. Aquando das
negociações que levaramao acor-do
de 8 de Julho, ficou convencio-nadoqueiriamos
fazerumesforço
para criar, por exemplo, uma Loja
do Cidadão em cada município. E
onde se mostrasse necessário
acrescentava-se o Espaço Cida-dão.
O que o Governo está a fazer
é exactamente o contrário. Está a
fazer pesca à linha, está a pôr os
municípios a assinar um protoco-lo
– uma forma peculiar de fun-cionamento,
os protocolos – de
modo a que acabe por colocar nos
encargos dos municípios que ou-torgamesses
protocolosumasérie
de funções do Governo, da admi-nistração
central. E depois con-trola
‘online’ ou em ‘backoffice’,
como agora se usa dizer, a opera-ção
informática. Isto é uma forma
encapotada de descarregar res-ponsabilidades
da administração
central nas costas dos municípios.
Sem a transferência de recursos
financeiros?
Sem a transferência de nada. Há
um prato de lentilhas que é im-próprio,
não é assim que as coisas
devem funcionar. O que con-vencionámos
é que eram criadas
lojas do cidadão mobilizando
fundos comunitários. O próximo
quadro comunitário de apoio se-ria
mobilizado para este objecti-vo.
A desertificação está a acon-tecer
porque o Estado se distan-cia
dos cidadãos e das comunida-des
e os cidadãos podem come-çar
a esquecer-se do Estado. Isto
é perigoso para a Democracia. O
programa da construção de lojas
do cidadão não avançou nada. É
uma experiência notável que se
fez em Portugal, importante de
modernização administrativa. E
depois o que vai fazer-se é pegar
numas quantas funções, que
custam dinheiro naturalmente,
mas que o Estado tem de cumprir
– o Estado tem de reconhecer os
cidadãos estrangeiros que cá es-tão,
tem de passar as licenças de
condução automóvel, natural-mente,
nós pagamos impostos
para isso – e passar de forma ar-madilhada
para o encargo dos
municípios, que pagamos recur-soshumanos,
pagamo papel, pa-gam
as instalações, pagam tudo.
Isto para começar, porque a se-guir
basta dizer que pagam im-posto
por fazerem isso. Não é
correcta esta forma de governa-ção
centralista.
E na saúde e na educação, o que
separa o Governo e as autarquias
em matéria de descentralização?
Ouvimos falar disso também, lê-
-se alguma coisita na proposta do
Orçamento do Estado, objectiva-mente
não tem lá nada útil que
permita deslindar o que é que se
quer dizer. Na questão da saúde,
temos em Portugal um sistema
pioneiro, o Sistema Nacional de
Saúde, que funciona bem. E ago-ra
o que se lê deste intento do Or-çamento
do Estado é transferir
responsabilidades na área da
saúde para cima das autarquias,
“O plano de rescisões
não está a ter êxito”
Como está a correr o processo
de rescisões nas câmaras?
A experiência mostra que o plano
de rescisões não vai ter o êxito
que lhe é atribuído. São rescisões
amigáveis, pelas dificuldades da
vida, pelos baixos salários, por
tudo o que se conhece,
pouquíssimas pessoas vão querer
recorrer a esse programa. É por
mútuo acordo e é preciso pagar
as indemnizações.
Através do Fundo de Apoio
Municipal (FAM)?
Não, não. Através dos orçamentos
das câmaras. O Governo disse
que, eventualmente, poderia
haver essa possibilidade. Pode, no
caso daquelas câmaras que
estejam já na alçada do FAM,
portanto já nas regras restritivas
máximas.
Em Coimbra tem tido algum tipo
de manifestação de
disponibilidade para esse
programa de rescisões?
Até este momento ainda não tive
um único trabalhador dos 2.100
que coordeno que tenha
mostrado intenção de querer
seguir esse caminho.
Isso, por outro lado, também é
positivo, tendo em conta as
limitações à contratação..?
É sempre penoso… A renovação
de recursos humanos é uma
questão essencial numa empresa,
numa instituição, em qualquer
entidade, porque, senão, as
entidades morrem, definham, é a
desertificação por dentro. Não é o
interior a desertificar-se, e ele
está a desertificar-se,
infelizmente, são as próprias
entidades. O que vai fazer-se é
pegar numas quantas
funções que o Estado
tem de cumprir
e passar de forma
armadilhada para
os municípios, que
pagam tudo. Isto para
começar, porque
a seguir basta dizer
que pagam imposto
por fazerem isso.
outra vez. Não é correcto. Os
postos médicos foram feitos em
terrenos das autarquias, na ge-neralidade,
os centros de saúde
idem aspas. As câmaras coope-ram.
Mas assumir parcelas que o
Estado quer centrifugar do SNS, a
pretexto de criar o tal sistema
nacional de saúde, é coisa total-mente
diferente, é um caminho
errado, não contará com a nossa
colaboração.
Não há entendimentos possíveis?
Dizendo isto com esta veemência,
estamos abertos a conhecer o
projecto de diploma, os estudos, o
que quiserem, nós analisamos
tudo. E depois concluiremos se
haverá acordoounão.
Já percebemos, ao longo da en-trevista,
que o Estado exige às au-tarquias
aquilo que não faz. É
isso?
Mas é verdade. Isto éumaquestão
já bastante antiga. A civilização, a
Democracia, o sentido da cidada-nia
já devia aconselhar a que se
arrepiasse essecaminho.
Eemrelação à educação,umpro-cesso
mais adiantado, é possível ir
mais longe?
Depende do quê. Esta forma de
governação em que é dado um
palpite e, depois, discute-se não
se sabe o quê...
Atéondeachamque se pode ir?
Tem de se equacionar todo o sis-tema
educativo até ao ensino
obrigatório. Tem de ser todo ree-quacionado,
tem de ser compagi-nada
a definição de ensino obri-gatório
com os transportes esco-lares,
por exemplo. A generalida-de
das câmaras pagam transpor-tes
escolares para toda a faixa do
ensino obrigatório, o ensino bási-co,
masa lei não diz isso e o Estado
não compensa as autarquias. Foi
uma das transferências que des-carregou,
já há vários anos, para
cima da câmaras municipais, mas
depois não refez as contas.■
“
6. Tiragem: 16669
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Economia, Negócios e.
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Área: 13,74 x 7,24 cm²
ID: 56557914 10-11-2014 Corte: 6 de 6
GRANDE ENTREVISTA MANUEL MACHADO
“Transferências do
Estado para câmaras
não são esmolas”
O autarca de Coimbra e presidente da
Associação Nacional de Municípios
defende uma maior justiça na partilha
do dinheiro público. E assume que há
entre seis a 19 câmaras que podem
recorrer à linha de emergência. ➥ P6 A 10