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ECONOMISTAS
Dívida e ilusão
04 Agosto 2011 | 11:45
Robert J.Shiller - © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org
Os economistas gostam de falar de limites que se forem superados indicam problemas.
Os economistas gostam de falar de limites que se forem superados indicam problemas. Normalmente, há
uma certa verdade no que dizem. Mas muitas vezes, a opinião pública reage de forma exagerada a estes
comentários.
Consideremos, por exemplo, a relação entre produto interno bruto (PIB) e dívida, tão comentada
actualmente, nas notícias nos Estados Unidos e Europa. Diz-se muitas vezes, quase sempre sem parar para
pensar, que a dívida grega iguala 153% do seu PIB anual e que a Grécia está insolvente. Juntemos agora
estas afirmações com as imagens televisivas sobre os distúrbios nas ruas gregas. O que parecem?
Aqui nos Estados Unidos parecem uma imagem do nosso futuro, à medida que a dívida pública se aproxima
perigosamente dos 100% do PIB e continua a subir. Mas talvez esta imagem esteja demasiado viva na
nossa imaginação. Será que as pessoas pensam que um país se torna insolvente quando a sua dívida
excede os 100% do PIB?
Claramente que isto não faz sentido. A dívida (medida em unidades monetárias) e o PIB (medido em
unidades monetárias por unidade de tempo) resultam num rácio em unidades de tempo puro. Não há nada
de especial em usar um ano como unidade. Um ano é o tempo que a Terra demora a dar a volta Sol, o que
à excepção de sectores sazonais como a agricultura, não tem significado económico particular.
Das aulas de ciência, na escola secundária, devemos recordar a importância de dar atenção às unidades de
medição. Se nos enganarmos nas unidades, estamos completamente perdidos.
Se os economistas não anualizassem habitualmente os dados trimestrais do PIB e multiplicassem o PIB
trimestral por quatro, o rácio da dívida grega seria quatro vezes mais elevado do que é actualmente. Se
multiplicassem os dados trimestrais por 40 (uma década) e não por quatro, o peso da dívida grega seria de
15%. Tendo em conta a capacidade de pagamento da Grécia, estas unidades seriam mais relevantes, já
que o país não tem que pagar a sua dívida toda num ano (a não ser que a crise impossibilitasse o
refinanciamento da dívida actual).
Já agora, parte da dívida grega está nas mãos de cidadãos gregos. Assim, o peso da dívida subestima as
obrigações que os gregos têm uns com os outros (em grande parte na forma de obrigações familiares). Em
qualquer momento da história, o rácio anual da dívida (incluindo dívidas informais) excederia, largamente,
os 100%.
A maioria das pessoas nunca pensa sobre isto quando reagem aos valores da dívida pública. Podem ser tão
estúpidos ao ponto de ficarem baralhados com estes rácios? Da minha experiência profissional, a resposta
é sim, já que eu, um economista profissional, cometi algumas vezes o mesmo erro.
Os economistas que defendem o modelo de expectativas racionais nunca vão admitir, mas muito do que
acontece nos mercados é consequência de estupidez pura - ou, mais precisamente, de falta de atenção,
informação errada sobre os fundamentais e de uma atenção exagerada às histórias que circulam no
momento.
O que verdadeiramente está a suceder na Grécia é o funcionamento de um mecanismo de realimentação
social ("social-feedback"). Algo levou a que os investidores temessem um ligeiro aumento do risco de
incumprimento. A menor procura por dívida grega provocou a queda dos preços, o que significa que as
suas "yields", em termos das taxas de juro do mercado, aumentaram. Com taxas de juro mais elevadas,
passou a ser mais dispendioso para a Grécia refinanciar a sua dívida, criando uma crise orçamental que
forçou o governo a impor severas medidas de austeridade. Isto provocou distúrbios sociais e um colapso
económico que levou a um maior cepticismo por parte dos investidores sobre a capacidade da Grécia pagar
a sua dívida.
http://www.jornaldenegocios.pt/imprimirNews_v2.php?id=499869 06-08-2011
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Este mecanismo não tem nada a ver com o facto do rácio da dívida ter superado um determinado limite, a
não ser que as pessoas que contribuem para este mecanismo acreditem neste rácio. O rácio ajuda-nos a
avaliar os riscos de uma realimentação negativa, já que o governo deve refinanciar primeiro a sua dívida de
curto prazo e, se a crise provocar uma subida das taxas de juro, as autoridades vão enfrentar, mais cedo
ou mais tarde, enormes pressões no sentido de uma austeridade orçamental. Mas o rácio não é a causa da
realimentação.
Um artigo escrito no ano passado por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, "Growth in a Time of
Debt" (Crescimento numa altura de dívida) analisou 44 países ao longo de 200 anos e concluiu que quando
a dívida pública excede 90% do PIB, o crescimento económico abranda e perde cerca de um ponto
percentual na taxa anual.
Podemos então ser levados a pensar que como 90% está perto de 100%, começam a suceder coisas
terríveis aos países que estão nesta situação. Mas se lermos o artigo com cuidado, é claro que Reinhart e
Rogoff escolheram os 90% quase de forma arbitrária. Escolheram, sem explicar os motivos, dividir os
rácios da dívida nas seguintes categorias: abaixo de 30%, de 30% a 60%, de 60% a 90% e acima de 90%.
E as taxas de crescimento diminuem em todas estas categorias sempre que o rácio da dívida aumenta, só
que um pouco mais na última categoria.
Também existe a questão da casualidade inversa. Os rácios da dívida tendem a aumentar em países com
problemas económicos. Se esta é parte da razão para rácios elevados corresponderam a crescimentos
económicos mais baixos, há menos razões para pensar que os países devem evitar rácios elevados, já que
a teoria keynesiana defende que a austeridade orçamental penaliza, e não melhora, o desempenho
económico.
O principal problema que o mundo enfrenta actualmente é que os investidores estão a reagir de forma
exagerada aos rácios da dívida, porque temem que se supere algum limite mágico, exigindo a aplicação de
programas de austeridade orçamental. Exigem aos governos que cortem os gastos, enquanto as suas
economias ainda estão vulneráveis. As famílias estão assustadas, e também reduzem os seus gastos, e as
empresas estão a ser dissuadidas de financiar os gastos através do crédito.
A lição é simples: devemos estar menos preocupados com os rácios da dívida e os seus limites e mais com
a nossa incapacidade de ver estes indicadores como ideias artificiais - e muitas vezes - irrelevantes que
são.
Robert J. Shiller é professor de Economia na Universidade de Yale
© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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