O documento discute a noção de identidade nacional na música brasileira. Afirma que o nacionalismo radical que defende apenas música popular brasileira é obtuso e preconceituoso, já que a cultura brasileira é resultado de diversas influências, como africana, indígena e portuguesa. Também critica a visão de que toda música estrangeira, especialmente a americana, é massificadora, quando na verdade existem bons exemplos em diversos gêneros.
2. grandes orquestras e os crooners. Estes tiveram relação direta
EDITORIAL
RENATO GRIMBAUM com a formação da bossa nova, e não somente o samba.
Então porque o pop atual deve ser encarado como influência
O atual número é sobre a MPB. E quando vemos a sigla que
malévola e uma ameaça à frágil criação nacional? Esta idéia
virou nome, a sua força, a letra que sonoramente se destaca
parte de uma falsa polarização, uma cegueira. A idéia de que
é o B. Um B bem grande, de Brasil brasileiro. É interessante
toda música pop se assemelha ao heavy metal e sua
como que o amor por este magnético B é tão grande, que
agressividade, que seria pasteurizada e estúpida. Mas aí
leva um público específico e a um fragmento da crítica à
reside um enorme desconhecimento. A música pop média,
criação de uma reserva de mercado, de uma defesa dos
que chega às rádios e edições nacionais na maioria das vezes
valores nacionais mais autênticos. Defensores do brio da
preenche esta definição. Mas a música pop é muito mais que
brasilidade. Em nome desta guerra santa, são capazes de
isto, mais rica e diversa, e muitas vezes incapaz de ser
ressaltar compositores nacionais medíocres e ao mesmo
veiculada num esquema de massificação por não ser de rápida
tempo rejeitar música estrangeira de boa qualidade por a
assimilação. Nem toda música pop é massificadora. No caso
considerarem invasora e uma ameaça à forte cultura nacional;
do pop, a diferença entre diversão e arte também existe. E o
como se ela não tivesse a menor capacidade de sobreviver.
curioso é que a música pop é um dos gêneros mais tem o
Este segmento da inteligência emocional brasileira identifica
potencial de expressar com contemporaneidade. E há quem o
qualquer música estrangeira, em particular a americana, à
faça, com qualidade, obscurecido pelo pop oficial e lotado de
massificação.
prêmios grammy. Este pop autêntico tem inúmeras
O curioso é que este nacionalismo radical defende quase que
dificuldades de ser disseminado. A falta de interesse da
exclusivamente a música popular. Estes mesmo
indústria, e consequentemente da mídia por não possuir uma
segregacionistas ouvem Chico Buarque, Noel Rosa e aceitam o
fórmula pré-determinada, e também uma certa exigência do
prazer de outras manifestações artísticas, mesmo quando
público de associação do bem cultural com uma imagem, um
produzida longe deste império tupiniquim. Por exemplo, nas
bem de consumo, muitas vezes não preenchida pela música
artes plásticas. Este mesmo público aceita Dali, Monet e
mais espontânea. E também há o preconceito daqueles que
Rodan. É óbvio, e não precisa ser enfatizado o valor destes
poderiam ser os formadores de opinião. Estes ouvidos
artistas e a importância e beleza das suas obras. Mas o que
fechados, criando uma superficial divisão entre música
está em jogo aqui não é o valor, mas a invasão. O mérito é a
americana e brasileira nada mais fazem que gerar ignorância
perversa interferência estrangeira na espontaneidade da nossa
e preconceito. E o mais curioso é que a música mais
cultura. Então porque não fechar então nossos olhos a estes
massificadora, homogeneizante e destruidora de
artistas defloradores? Considerações similares podem ser
manifestações regionais hoje é brasileira. A musiqueta baiana
feitas para a literatura, tanto a prosa como a poesia. Só que
dos txans e txuns. Há quem as defenda como autêntica, mas
no caso da literatura, em especial na poesia a tradução
é só perceber o impacto desta massificação, o risco que traz
obrigatoriamente altera a manifestação original, e neste caso
este tipo de música, muito mais que qualquer massificação
por melhor que seja o tradutor é impossível se captar na
pop. Esta música pretende ter uma identidade nacional, e
totalidade as nuances da intenção do artista. Por isto, se mais
mais, em português. E, junto com pagode e musiquelha
uma vez quiséssemos ser radicais, só nos restaria ler material
sertaneja, de forma estúpida e burrificante, atrai todas as
nacional para sentir uma manifestação completa e original,
atenções dos verdadeiros criadores da música genuína para
além de autêntica. A situação é mais aguda no caso do
manifestações medíocres e superficiais. Há algo pior que
cinema, forma de expressão não oriunda da manifestação
chamar de autêntica música do campo esta mescla de country
popular espontânea, e necessariamente ligada à necessidade
rock e música brega que são as duplas sertanejas? Hoje a
de capital devido aos custos de produção. A maior parte do
música brasileira é veiculada de forma a ser mais massificante
cinema aceito como de qualidade é estrangeiro. Somente nos
que qualquer manifestação pop.
últimos anos o cinema nacional começou a se reerguer. Mas o
Neste ponto entra uma outra questão relevante: o fato do
cinema internacional é aceito pela inteligência brasileira.
artista ser brasileiro garante que ele esteja fazendo música
Especialmente o europeu, mas aqui entra outra manifestação
brasileira? Não. O que a maior parte das bandas pop fazem
da visão obtusa: a mediocridade do cinema americano e a
hoje não é MPB, é pop. Elas importam um modelo estrangeiro
beleza do europeu. Mas aqui cabe outra ponderação: nem
sem maior reflexão ou mescla e o replicam, muitas vezes sem
todo filme americano é superficial e massificador. Inúmeros
nem traduzir o raciocínio para o português. Isto não as coloca
exemplos exemplos poderiam ser citados, em particular
num contexto brasileiro. Estas bandas tocam pop
oriundos da cena alternativa, como Jim Jarmusch. E da
internacional, eventualmente tocado numa república
mesma forma nem todo filme europeu é bom. Às vezes há
latinoamericana. Às vezes usam um pandeirinho, uma cuíca
excessos de intelectualismos e hermetismos que servem mais
ou uma batidinha de samba, mas isto não as faz mais
para consolar as vaidades acadêmicas. Outras vezes o que
brasileiras. Estes elementos são somente curiosidade,
vemos é a aceitação de filmes ruins, por serem de um país ou
decoração. A estrutura é outra. Para se discutir a cultura
diretor da moda. A questão básica não é a origem da
genuinamente nacional há que se pensar na mescla, e não na
manifestação, mas a diferença entre massificação e arte,
importação.
entre diversão e conteúdo. Estas são as verdadeiras questões,
Este pseudo-nacionalismo, da defesa ardorosa do brio
e não superficiais questões geográficas. Agora cabe
nacional é, em conclusão, obtuso e preconceituoso. Muitas
perguntar: se outras manifestações são aceitas, porque não a
vezes esconde boas intenções, mas acaba se perdendo em
música? Porque o preconceito? Até parece que a música é a
ignorância e confusão de conceitos. Defender a cultura
única manifestação artística da brasileira. O bastião da
brasileira não é trancá-la num quadro estático, com molduras
autenticidade, a reserva moral do povo brasileiro, que merece
imóveis. A cultura evolui, com o progredir da história. E a
todo o esforço para a preservação ecológica e zoológica. E o
música, a arte como expressão do pensamento, também deve
que fazemos para as outras formas de arte? Deixamos as
refletir este movimento natural. Não adianta querer ser maior
pobrezinhas livres para serem atacadas pelas influências
que o passo da história somente com um cérebro arrogante e
malévolas?
cheio de reflexões geniais. Não é cercando os ouvidos, criando
A idéia de identidade nacional é complexa. Se analisada de
uma fronteira cultural que a autenticidade será preservada. Ao
uma forma mais radical, esta questão nos levará à idéia de
contrário, a formação desta barreira criará uma maior
que a única cultura genuinamente nacional é a indígena.
distância entre aqueles que ouvem a música e aqueles que se
Nesta ótica a cultura africana e principalmente portuguesa são
dizem refletir e definir os limites da criação. A maioria das
dominadoras e opressoras. Mas a principal característica da
pessoas está interessada numa arte que diz respeito a elas e
cultura do novo mundo, tanto a do Brasil, mas como a da
seu dia-a-dia, e não tanto numa música congelada e
América espanhola e a norte-americana é a mescla de
preservada por gerações, e nem na complexidade dos
influências. Vide o blues e o jazz. Vide o samba. Vide na
aspectos técnicos musicais. Esta fronteira servirá somente
verdade toda a música brasileira. Ela foi muito influeciada pela
para tornar a MPB uma manifestação das elites, sem
música que se ouvia na época. Alguns pequenos exemplos
abrangência nacional, longe daquilo que torna a cultura mais
comprovam esta afirmação. O que se ouvia no Rio na época
autêntica e rica no conteúdo: a sua contemporaneidade.
do império? A valsa, estilo tipicamente europeu, frequentava
os salões e participou da formação da música brasileira. E
posteriormente, já no século XX, o tango e o bolero também
frequentaram os ouvidos nacionais. Assim como o jazz, as
3. EDITORIAL
RICARDO AMARAL
Neste segundo número do Rosebud, estaremos inaugurando
Inspirado no grande sucesso de Padre uma fase temática dentro do zine. No caso, iremos focar na
MPB, com pinceladas no power pop e algumas entrevistas, e
provocar um pouco a reflexão e a discussão sobre estes
Marcelo, a K'Ralhos Records lança sua assuntos. Uma das questões que surgem é porque estamos
misturando dois temas tão diferentes, se um não tem a ver
nova linha religiosa: a Any Dei Records. com o outro?
Sou obrigado a contar uma historinha para ilustrar o ponto,
Os grandes sucessos das pistas nas vozes de portanto. Fui assistir o show do Demônios da Garoa em
janeiro no clássico Café Piu Piu, no Bixiga. Lá pelas tantas do
grandes religiosos de todos os credos. show, um deles anunciou que o Ira! iria se apresentar em
alguns dias e perguntou à platéia, formada por pessoas de
bom nível educacional e com idade variada: “Alguém gosta de
Budista Chú rock, aí na platéia?”. Foi quando levantei a mão... e mais
ninguém. Pelo contrário, até deram risada. Ele, visivelmente
Free Tibet sem graça, tentou minimizar: “Mas eles são gente boa, já
tocamos com eles algumas vezes...”.
Estas são as mesmas pessoas que, quando inquiridas, vão
dizer que são ecléticas. Tudo bobagem, pois no fundo, o
iIncluindo os hits brasileiro é preconceituoso musicalmente, tacanho e
completamente encaixado em padrões definidos de tribos.
Fui à montanha e chorei Pela própria educação brasileira, que privilegia a boçalidade
Tibet é dez como forma de evitar conflitos, quando alguém se julga
eclético e diz ouvir de tudo, na verdade ouve apenas aquelas
Oh! Calcutá músicas consagradas e já consensualizadas. O brasileiro é
(part. especial Beastie Boys) muito pouco interessado na novidade, preferindo mais do
mesmo do que algo que o faça pensar ou mesmo questionar.
Isso não se aplica somente à música, claro. Um livro que trata
Rabino Jacó muito bem este assunto enraizado na cultura brasileira é
Carnavais, Ritos e Heróis, de Roberto daMatta. No livro, ele
Free Jerusalém demonstra claramente que, enquanto na língua inglesa a
palavra “discussion” tem conotação positiva, no Brasil, seu
equivalente “discussão” é claramente negativo. Repare que,
quando duas pessoas/amigos numa conversa começam a
incluindo os hits demonstrar pontos contrários (o que exercita efetivamente o
Melô do Hava Naguila espírito crítico e auto-crítico), logo surge alguém para pôr
Dança do Woody Allen panos quentes, como se as pessoas estivessem prontas a se
baterem. Isso ocorre muito freqüentemente comigo, sendo
Lollapalooza que nunca briguei com ninguém por ter opinião contrária à
(part. especial Perry Farrell) minha. Este espírito pacifista do brasileiro permite que
Sepultura namore com Carlinhos Brown, para ganhar
legitimidade entre nosso povo, como se esta mistura fosse
natural e, principalmente, necessária para harmonização da
Anti Cristo Superstar cultura. Permite até que axé seja considerada mais nacional
que bandas de rock como o Ira!, o que no meu dicionário é o
Free Lucifer oposto (axé é a transformação da batida do afoxé em batida
discoteca, o que claramente é tão “brasileiro” quanto o rock).
Essa homogeneização é tão enraizada que não se discutem
incluindo os hits algumas realidade “assumidas” pela indústria e público. Entre
Erguei os ossos da podridão elas: por que música brasileira obrigatoriamente tem que ter
batuque? Da bossa nova ao axé, o ritmo dita a regra. Pois
Melô do ódio e da putrefação onde anda o lado melódico da música brasileira, aquela
Hey Stoopid! música onde o ritmo fica em segundo plano? Por que as letras
de música seguem o estilo Caê-Gil pós Grammy, ou pior,
(part. especial Alice Cooper) Cazuza, de poesia babaca? E por que este excesso de
louvores à música baiana e nordestina em geral, como se ela
fosse o único estilo genuinamente nacional (excetuando o
Hare Fez samba)?
Pessoalmente, não me identifico com o estilo “baianidade na
cor”, “vai, ordinária”, “o pinto do meu pai fugiu com a galinha
Free Pakistan da vizinha”. Prefiro as marchinhas do Silvio Santos e
Chacrinha (que pelo menos são engraçadas) à estas idiotices
“malandras” pra turista paulista ouvir atrás de trio elétrico
incluindo os hits fechado para o povão. E o que parece-me ainda mais
Melô do Mantra estranho é essa uniformidade e unanimidade do baianês, seja
em Salvador, seja em São Paulo, Florianópolis ou Minas.
OOOMMMM UMMMUMM Carnaval, agora, é Carnabahia, Carnaxé e bobagens do
Bahia e Índia são irmãs gênero. Samba, só se for no sapatinho. É claro que há uma
crise no formato “escola de samba”, mas não justifica a perda
(part. especial Baby do Brasil) total do estilo pro fraquíssimo, enjoativo e limitado axé.
E volto então ao porquê dos temas serem diversos: porque
não nos encaixamos na tribo rock, nem na tribo indie, nem na
já nas melhores lojas do ramo tribo dance, nem em tribo alguma. Qualquer estilo musical
tem suas coisas boas e ruins, umas mais que as outras.
Vamos romper de vez aquela maldita mania de “eu ouço
rock”, “eu ouço axé”, ou pior, “ouço de tudo”. A gente sabe
que é mentira.
4. Sem o laboratório cultural que é a realidade acadêmica superior,
EDITORIAL
RODRIGO VILLALBA nossas chances de criar algo novo, bom e que tenha apelo são
muito reduzidas. Por isso que sobrevivemos, ainda, por causa dos
COM LICENÇA (OU “O QUE VEM DE CIMA NÃO ME ATINGE”)
puristas e de uma meia dúzia de gênios. Quase toda vez que um
manezão se meteu a criar uma “fusão” moderna de “ritmos” nos
Tenho pensado muito sobre um mundo ideal para a música. Uma últimos anos, o resultado foi tão forçado quanto o próprio comédia
utopia. Nela, ninguém ganharia a vida fazendo música nem que ficava citando adorno e física quântica num sambinha safado
escrevendo sobre música. Grande parte da patifaria acabaria por de três acordes...
aí. Bem, eu sei que esses devaneios não nos levam muito longe. Ora, mas vamos lá, pessoal! Até o século XIX, só 4% da população
Então volto à realidade... mundial sabiam ler e escrever. Roma não se fez num dia. A gente
Bem vindo ao meu editorial sobre MPB. sabe que muita coisa “comercialmente viável” vira história antes de
Eu tenho (de novo o verbo ter!) três observações para fazer. Como tocar a rádio mas, quem disse que reconhecimento é sinônimo de
não ganho a vida escrevendo sobre música, posso cometer erros alguma coisa que preste? Isso me lembra aquele quadro pintado
ortográficos, repetir palavras e (até) ser breve, quase etéreo e você por um chimpanzé que foi vendido por US$ 25.000 na década de
nunca mais ser* o mesmo depois de ler este texto... Veja, posso 70, no auge da pop/rock art...
ser prepotente também!
1) Não há um ambiente acadêmico decente no Brasil. As
novidades, que surgem através da mistura de conceitos culturais e
ideológicos pré-existentes e já estabelecidos, abortam na
prancheta. Veja bem: eu não estou afirmando que não há
faculdades, cursos, universidades decentes. Estou atestando que
aqui, quando o sinal da saída toca, muito pouca gente fica no pátio
esperando os colegas para produzir e conversar a respeito da
música.
Não há tolerância, também. Se você não conversa com aquele tipo
estranho, ou com aquele aparentemente normal demais, nunca
conhecerá o universo diferente que orbita o cara. Fica restrito e se
torna preconceituoso. Acha que sabe tudo e acaba fazendo o
inevitável, nesses casos: cria definições extremamente pessoais
para conceitos gerais, como MPB. Aí, não entende mais ninguém e
ninguém mais entende você. Nós somos o pessoalzinho que tem
referências. Bem ou mal, temos uma noção das coisas. Mas
sofremos um excesso de sensibilidade do tipo “ninguém está
preparado para as revelações bíblicas a não ser eu e meus
amigos.” E você sabe, como diria Mark Lanegan, “quando o gato
tem crise de identidade, os ratos fazem a festa.”
Quem são os ratos? São todas as pessoas que, percebendo ou não,
querendo ou não, tomam a dianteira na condução do público rumo
ao vislumbre da MPB, a palavra-puta, que cada um usa como
quiser, contanto que tenha dinheiro e tempo. Villa-Lobos, o
maestro, dentro da proposta modernista, fazia MPB. O grupo Raça
Pura (“O pinto do meu pai...”) faz MPB. Criticar a MPB? Elogiá-la?
Como fazer isso se eu não sei o que é MPB para você? [ara mim,
há boa música e música de bosta. Só Pra Contrariar é música de
bosta. Caetano Veloso moderno não é músico. Como pessoa, é um
mafioso que administra seu maior patrimônio pessoal: a imagem
pública do que já foi. Como músico, é uma cópia mal-feita dele
mesmo (mal-feito = pasteurizado, com lactobacilos vivos). Renato
Teixeira é música boa, mas não é novidade. Demônios da Garoa é
música boa, mas não é novidade. Tiazinha canta com o cú, e assim
por diante.
2) Agora, de quem é a culpa por esta situação ridícula em que nos
encontramos? Rádios inundadas por baixaria; R&B brasileiro
(pagode - aliás, quem ouve aqueles R&Bs americanos que a MTV
toca que nem louca?); sertanejo “metropolitano de propaganda de
cavalinho-de-pau” etc., é música de bosta e, ao que parecem,
sempre vão existir. Pedir que o povo, sozinho, dance, cante,
esqueça os problemas da vida e seduza, sim, mas com inteligência,
sem a ajuda da elite cultural (você) é impossível. Querer que os
donos das gravadoras corporativas invistam em novidades de
verdade, sem controlar a produção, sem podar a criatividade do
artista e descaracterizar sua obra é como pedir para o Sr. Ford
deixar cada um trabalhar como quiser na linha de montagem.
Achar que é vi*vel, hoje, largar seu emprego est*vel (!!!) e montar
uma pequena gravadora ou uma banda é, de certa forma, sonhar.
Assim... chegamos a uma grande conclusão - não havia maneira
de estar de outro jeito. O que nos leva à questão seguinte...
3) ... o futuro. Continuará a música sem alma? Tom Zé, Mutantes e
Hermeto Paschoal receberão, mesmo postumamente, discos de
ouro? Claro que não. Mas eu arrisco uma previsão bem otimista
para os próximos anos. A saturação é muita, e está sendo mal
conduzida. A coisa está tão escancaradamente patética que a
tendência é a galera acordar. Percebo também o espírito “faça-
você-mesmo” voltando mais amadurecido. E a garotada, hoje, está
mais esperta para estes lances de marketing musical do que há 4
ou 5 anos.
Existem, sim, diferenças entre a música dos americanos, por
exemplo, e o modo brasileiro de lidar com a reciclagem musical e a
imprensa interessada no assunto. Os gringos levam vantagem pois
têm, claro, as melhores publicações e fontes intensas de renovação
cultural com qualidade. Mas eles também têm mais recursos, mais
tempo e estão, por uma questão histórica conhecida, no centro do
mundo. Vistas dessa forma, nossas limitações nem são tão grandes
e aparecem como uma óbvia conseqüência de nossa condição
geral, principalmente no que se refere à questão da educação,
como deu pra perceber no começo do texto.
5. k’ralhos records
uma divisão da k’ralhos entertainment group
Press Release Urgente!
K´Ralhos Records fecha acordo inédito no entretenimento mundial
A K´Ralhos Entertainment Group, um dos mais novos e maiores conglomerados de entretenimento no
Brasil, fecha um acordo inédito no mundo, ao associar-se a ABRAS (Associação Brasileira de
Supermercados) e ser o primeiro provedor de Musicacessório(c) às grandes redes varejistas.
“Percebemos que havia um vazio no mercado para esta categoria de produto”, afirma Rodrigo Villagrande,
chairman da KEG. “Há muito tempo música deixou de ser o foco: agora música é apenas uma faceta no
conjunto do entretenimento, que é multimídia. Isto significa que temos que colocá-lo junto donde o
consumidor realmente espera o produto.” O conceito é muito inovador: posicionar música associada aos
produtos mais adequados.
“Em pesquisas recentes, percebemos que certos grupos eram diretamente relacionados a produtos de massa,
como sabonete, churrasco, papel higiênico entre outros. O que fizemos foi, através da última tecnologia em
pesquisa, banco de dados e micropartículas, criar uma linha exclusiva de acessórios com música embutida, a
linha Musicacessório(c),” nos explica Ricardo Amarelinho, diretor de branding da KEG. “Por exemplo,
nosso primeiro lançamento é o Kit É O Tchan! Para Churrasco. Você joga o produto em cima da carne e,
enquanto a carne vai assando, você vai escutando os grandes sucessos do É O Tchan!, sem parar!”
Pelo acordo com os supermercados, os produtos da linha serão colocados nas seções específicas em que cada
artista atua. O sabonete Rita Cadilac, por exemplo, ficará na área de artigos masculinos. Já o papel higiênico
Kenny G, um papel da categoria premium, ficará nesta mesma área de artigos para banheiro.
“Esta é somente a primeira etapa do Musicacessório(c) na verdade.”, nos explica Villagrande. “A idéia é
lançar também produtos específicos com os artistas, como toalhas Ivete Sangalo, torneiras Michael Bolton e
até frutas musicais, como o abacaxi Chico César, a banana Sandra Sá e a maçã Sandy Xororó. Tudo
explorando o som destes grandes hitmakers na hora que as pessoas realmente a necessitam.”
A certeza de sucesso é tão grande que as grandes gravadoras pretendem em breve explorar o sistema pay-
per-eating nos restaurantes: sua comida poderá ser salpicada de Malícia ou Só Pra Contrariar, por apenas
alguns centavos a mais em sua conta. Todas pagando direitos para a KEG, claro.
As críticas quanto a banalização da música e a posição da música como adereço não parecem afetar a
empresa. “Nós apenas reagimos ao mercado. As pesquisas demonstram que música deixou de ser algo para
se ouvir. Se você perguntar a qualquer um nas ruas, eles vão lhe lembrar que axé é ótimo para dançar,
pagodinho é ótimo pra churrascadas e uma música relaxante é perfeita para a intimidade no banheiro.
Ninguém acha que isso é bom mesmo. Só que todo mundo compra. E nós precisamos sobreviver no
mercado,” nos lembra Amarelinho. “Na verdade, pouco importa o conteúdo do que eles tocam: o povo gosta
da imagem deles, do rebolado e da pirotecnia dos shows. Ou alguém acha que É O Tchan faria sucesso sem
duas bundas cantoras? Eu, por mim, só venderia música da Gloria Gaynor e do Village People, pois
acompanham tudo a todo momento. Mas quem iria comprar um Kit YMCA para Fondue?” Amarelinho
estressa, porém, que a empresa está preparada para entrar em segmentos diferentes, se houver demanda.
Maiores informações, favor contactar na KEG: Armanda Beltrão 0XX11-123-0987
Musicacessório e seus derivados são marca registrada da KEG.
6. de raiz, agora quem dita a “mistura” é o pior
lixo “country” americano (Alan Jackson, Garth
Brooks), que efetivamente não é country. A
verdade é que o que se vende não é o
melhor, e sim o pior. É o pior do estrangeiro
misturado a nenhuma inspiração nacional.
A tal mistura brasileira, para ter crédito entre
a nata cultural, necessita ter um componente
de suingue. Se alguém mistura forró com
funk, tudo bem, afinal trata-se de ritmo, e
ritmo é Brasil; como se o único objetivo na
música brasileira fosse o balanço, a dança, a
festa e o remelexo. O foco é a bunda. Então,
a coisa se limita por baixo: a banda, para ser
aprovada pela crítica, só pode misturar ritmos
brasileiros com funk ou reggae (alguém
realmente agüenta uma tranqueira como o
Farofa Carioca?).
No fim, temos dois problemas: as bandas só
conhecem o pior do estrangeiro e, portanto,
ao misturarem, sai porcaria, ou então se
isolam na tal música brasileira (que nunca
existiu) e tornam-se redundantes. A única
Quando lemos por aí que bagulhos como como se ouve em clássicos na voz de Nelson música genuinamente brasileira é feita nas
Chico César e Zeca Baleiro são considerados Gonçalves. Se entrarmos na bossa nova, fica ocas do Xingu ou no Amazonas: todo o resto
gênios da música e nosso maior talento é ainda mais clara a influência do jazz em cima foi importado. Do samba ao caipira, todos
Carlinhos Brown, é porque algo muito errado dela. E, hoje, a bossa nova virou quase que sofreram influências
está acontecendo. Não adianta nem discutir o um estilo do jazz para os gringos. profundas de música
brega romântico atual (que faz Amado Batista A boa safra do rock nacional dos anos 80, africana, portuguesa,
ser excelente, quando comparado a Daniel e representado pela Legião Urbana, Titãs e Ira! espanhola, latina e
Leonardo), o cornogode cauntri de Só Pra bebia do que havia de mais interessante no mesmo indígena. É
Contrariar, Malícia, Art Popular, Kiloucura e rock estrangeiro, que era o pós-punk do Joy uma grande besteira
Chitãozinho e Xororó e o medonho axé music Division, Wire e Clash. A safra seguinte, que essa crendice do
de Raça Pura, Banda Beijo e Netinho. Isso é continha boas bandas como Violeta de Outono “Brasil: país da música
chover no molhado. Todo mundo sabe que e Mulheres Negras, também bebiam de boas
“M ALA , E XTREMAMENTE MALA /P RA VOCÊ ...”
estes empresários (artistas eles não são) não fontes externas, sem abandonar SERIA ESTE O FUTURO DA MPB...
tem qualquer intenção artística mínima, sendo completamente o lado “brasileiro”.
que o número de cópias vendidas representa O problema é que, a partir de então, o mais rica do mundo”. São pensamentos como
o quão bom é o trabalho dos caras. Aliás, mercado brasileiro musical passou a se este que injetam uma xenofobia sem sentido
falar mal desta tralha é tão fácil que profissionalizar, no pior sentido. Com o fim para um país que sempre bebeu de boas
preferimos ignorá-los. das últimas gravadoras brasileiras, o fontes externas. Esta era a grande qualidade
Voltando aos artistas consagrados pela crítica crescimento das rádios FM via satélite e a da música brasileira: as misturas eram de boa
brasileira e pelo público Vila Madalena - maior massificação musical via TV, o acesso à qualidade. A tal vontade de fazer música
Pinheiros, é até engraçado tentar entender o música estrangeira de boa qualidade passou a exclusivamente brasileira deu cria a sub-
que há por trás de tantos elogios a Carlinhos ficar cada vez mais restrito a um pequeno Caetanos e sub-Cazuzas, além dos eternos
Brown. Ele é autor de pérolas como “A círculo. Se por um lado, é mais fácil se filhos e netos dos sub-Jobins. Tudo
namorada tem namorada” e acha que Zezé di conseguir álbuns hoje, o acesso à mídia é tão redundante e repetitivo, regurgitações de
Camargo é o fundador do “Movimento ruim ou pior que antes. Pior porque o “clássicos” de Dorival Caymmi ad nauseum,
Amigos, que revolucionou a música popular programador de rádio tem cada vez menos com o componente adulto-contemporâneo tão
brasileira”. Claro, claro... poder para alterar ou experimentar bandas. O amado no país (leia-se: produção burocrática,
Existem razões para esta mediocridade geral roteiro já vem montado pela gravadora (é oleosa e cheia de teclados imitando violinos e
que vão desde de xenofobia à falta de aquilo que ela quer lançar no Brasil e que, pianos).
conhecimento musical. Lembremo-nos que os obrigatoriamente, tenha feito sucesso fora, no O segundo problema vem do extremo do
grandes clássicos nacionais, desde Nelson caso das bandas estrangeiras). E, se nos anos problema anterior: a falta de personalidade do
Gonçalves e os cantores de ouro, à Mutantes 80, as bandas de rock eram influenciadas pelo que tem sido feito, pela simples importação
e Tropicália, todos incorporaram traços de que se tocava nas rádios então (Smiths, Cure, do mais chato brega-pop anglo-saxão. Do
música estrangeira. Até Chico Buarque, ícone Joy Division, Jesus & Mary Chain), agora as cauntri embalado em Nashville produzido
da resistência musical brasileira nos anos 60, influências são coisas como Anthrax, Metallica, pelos recordistas de vendas, às bandas indie
ia atrás da música italiana, incorporando Bon Jovi e Whitesnake. No lado de rock, o cariocas (que tentam emular Londres) e
aspectos desta em seu repertório que bandas como Charlie Brown Jr. fazem é paulistas (que tentam ser californianas), não
“genuinamente nacional”. Este empréstimo idêntico ao que bandas como Dog Eat Dog e há qualquer tentativa de inovação ou busca
sempre foi utilizado por todos os países, seja outros skate-punks fazem. E eles são dos de qualidade. Quer dizer: no fundo, tanto as
o americano ou o inglês. O rock foi criado nos menos ruins. Se formos chegar em bandas bandas underground quanto as
Estados Unidos, mas hoje falar em rock sem underground como Oz ou Hateen, além de multimilionárias se igualam na falta de
falar em Inglaterra é besteira. Isto significa musicalmente limitados e redundantes, são coragem de não fazer o óbvio, na ignorância
que os Estados Unidos dominaram letristas terríveis. Por mais charmoso que seja musical, conhecendo apenas aquilo que lhes é
culturalmente a Inglaterra? É claro que não. O dizer que “escreve em inglês errado”, isso jogado na cara, e na unicidade musical,
que houve foi uma troca, no sentido mais parece mais desculpa de gente que não tem repetindo o que é feito de pior lá fora.
positivo possível. E o rock incorporou em capacidade de escrever algo correto em Existe então alguma coisa interessante sendo
seguida a música indiana, e depois a japonesa português. feita? Claro. Bons exemplos não faltam na
e por aí vai. Adelino Moreira, grande Pretendo elaborar melhor a questão folk/ área caipira (com uma certa releitura urbana
compositor brasileiro, buscou referências em sertaneja no próximo zine, mas se através de violeiros como Paulo Freire,
boleros e grandes cantores como Bing Crosby. anteriormente, tínhamos uma influência direta Tavinho Moura, Renato Teixeira e Roberto
Mas o resultado era novo, diferente da fonte, da música paraguaia (guarânia) e influências Correia), no rap (cada vez mais desenvolvido
7. e adquirindo personalidade própria, e à
margem do beautiful people, pois não tratam
de alegria e diversão necessariamente, com
os eternos inovadores Thaide e DJ Hum, Gog,
Consciência Humana, o bom letrista Mano
Brown no Racionais MCs entre outros) e
principalmente na área instrumental (com
Duofel e uma banda que vi num sarau outro
dia servindo de
exemplos). Muito pouco
se salva no pop,
infelizmente. Maurício
Pereira, Karnak, Tom Zé
e ocasionalmente Jorge
Mautner tentam algo
diferente dentro do
sistema, mas há
nenhum espaço para RELACIONE OS ARTISTAS À SUAS INSPIRAÇÕES:
este tipo de
a) Chico César ( ) Caê
“M ETE A MÃO NA ANÁGUA /D Á UMA MEXIDINHA ... b) Belô Velloso ( ) Caetano Veloso
...OU SERIA ESTE? c) Paulinho Moska ( ) Família Velloso
demonstração. Quem sabe se gravarem um d) Zeca Baleiro ( ) Fina Estampa
e) Carlinhos Brown ( ) Dona Canô
pagodinho eles apareçam mais...
Como último ponto, e que fecha o ciclo de
GRUPO MUSICAL COM CERCA DE 8 MEMBROS (UM DUBLA E O RESTO FICA SE MEXENDO NO PALCO) E TOCAM
danação pela qual passa a música brasileira, PAGODE ROMÂNTICO. JÁ GANHARAM DISCO DE OURO, APESAR DA QUALIDADE SER SIMILAR AO QUE UM
diz respeito ao próprio estilo bunda-mole do CHIMPANZÉ GRAVARIA SE TIVESSE UM MICROFONE. ELES SÃO:
artista brasileiro. Qualquer músico babaca que
venda seu milhãozinho de cópias lá fora, abre ( ) Grupo Só Pra Contrariar ( ) Art Popular
uma gravadora, lança novos talentos e tenta ( ) Kiloucura ( ) Grupo Sensação
buscar suas raízes, trazendo à tona clássicos ( ) Grupo Katinguelê ( ) Grupo Pirraça
perdidos e, mal ou bem, movimentando mais ( ) Negritude Júnior ( ) Grupo Raça
o mercado. Isso vai desde Pearl Jam a ( ) Ginga Pura ( ) Toke Divinal
Counting Crows, de Madonna a Smashing ( ) Soweto ( ) Só Preto Sem Preconceito
( ) Grupo Malícia ( ) Molejo
Pumpkins. A razão é simples: como eles
( ) Grupo Sedução ( ) Sem Compromisso
ganham dinheiro aos burros, eles podem
( ) Os Morenos ( ) Os Travessos
investir em algo que gostem, sabendo que ( ) Exaltasamba
isto não trará talvez um retorno financeiro
enorme, mas traz um benefício próprio muito GRUPO QUE INVESTE EM 2 GOSTOSAS REBOLANDO NO PALCO, UM BAIANO CANTANDO E POR VEZES ALGUMAS
grande, além dos fatores acima mencionados. ENTIDADES REBOLANDO JUNTO. A MÚSICA POUCO IMPORTA, PORQUE É IRRELEVANTE DO PONTO DE VISTA
Agora, além de comprar carros importados e MERCADOLÓGICO:
desfilarem como grande sensações, o que
pessoas como Alexandre Pires, Ivete Sangalo ( ) Gerasamba ( ) É O Tchan
e Chitãozinho e Xororó fizeram? ( ) Raça Pura ( ) Companhia do Pagode
Absolutamente nada. Pelo contrário, não há ( ) Só No Sapatinho ( ) Banda Beijo
( ) Asa de Águia ( ) Gang do Samba
nunca show de abertura, não há nenhum
( ) Patrulha do Samba ( ) Banda Cheiro de Amor
estímulo a nenhum outro artista, a não ser
para seus filhos (no caso do Chitãozinho e POETA MODERNA E ADULTA, TOCA COM VIOLÃO/PIANO E BANQUINHO UMA MÚSICA SOFT, SUPER ACONCHEGANTE
Xororó), ou bandas “cover”, como Axé Blond E SOPORÍFERA, PERFEITA PARA A CADEIRA DE DENTISTA, COM LETRAS QUE EXPRIMEM TODO... QUER DIZER,
ou Rick e Renner. Com todos estes fatores, ALGUMA COISA, POIS SÃO MUITO INTROSPECTIVAS PARA COMPREENDERMOS. ELA É:
fica muito difícil esperar que algo bom vá
ocorrer daqui para frente, já que o ( ) Laura Finocchiaro ( ) Vange Leonel
comodismo do brasileiro é um valor nato ( ) Adriana Calcanhoto ( ) Zélia Duncan
dentro do que tange a qualquer forma de ( ) Leila Pinheiro ( ) Cássia Eller
cultura. ( ) Vânia Bastos
MUSICALMENTE, NADA ACRESCENTAM, ALIÁS, NINGUÉM CONSEGUE OUVI-LO(A), MAS É LOUVADO PELA CRÍTICA
Ricardo Amaral
POR SER PARENTE DE UMA GRANDE PERSONALIDADE DA MÚSICA BRASILEIRA, COMO SE ESTE FOSSE O
PASSAPORTE PARA A QUALIDADE. SEU NOME É:
( ) João Marcelo Bôscoli ( ) Pedro Camargo Mariano
( ) Belô Velloso ( ) Jairzinho
( ) Dora Vergueiro ( ) Sandy e Júnior
( ) Daniel Carlomagno
SUAS CARREIRAS ESTÃO NO OSSO. VIVEM DE ESPETÁCULOS ONDE RELEMBRAM GRADES SUCESSOS E REGRAVAM,
PELA 8ª VEZ, AQUELE GRANDE SUCESSO DE 1983. SE JÁ NÃO FIZERAM, IRÃO GRAVAR UM ACÚSTICO MTV. E,
MESMO COM TODOS ESTES PROBLEMAS, TEM ESPAÇO GARANTIDO NA MÍDIA, COMO SE ESTIVESSEM NO MELHOR
DE SUAS CARREIRAS, E NÃO NA MAIS PROFUNDA E COMPLETA ESTAGNAÇÃO. ELES SÃO:
( ) Titãs ( ) Barão Vermelho
( ) Kid Abelha ( ) Gal Costa
( ) Rita Lee ( ) Blitz
( ) Engenheiros do Hawaii
8. QUAL DAS CANTORAS ABAIXO IRÁ GRAVAR UM ÁLBUM NOVO AINDA ESTE ANO?
Ficamos surpresos com a recepção positiva em relação
ao primeiro número (há um ano atrás!), especialmente
com o Maverick, que rasgou o elogio violento no zine
online Página 99 (www.pagina.de/1999). Também
recebemos email de um bom número de pessoas do
meio dito “alternativo” como o Rodrigo Lariu, o Gilberto
Custódio, o pessoal do Brincando de Deus e “asseclas”
É QUERIDINHO DA FOLHA DE SÃO PAULO, DO POVINHO MUDERNO DA VILA MADALENA E JORNALISTAS QUE (no bom sentido), a Claudia Ferrari e mais alguns que vão
ACHAM QUE TEMOS UMA DÍVIDA SOCIAL COM O NORDESTE. A MÚSICA É REQUENTADA DE CAETANO E GIL E saber pois estarão recebendo este zine em mãos.
DOS CHAMADOS “RITMOS” NORDESTINOS , MESMO QUE TUDO PAREÇA MAIS UMA MASSAROCA SEM GRAÇA, LONGE Mas o mais gratificante é receber feedback de pessoas
DA VITALIDADE DOS RITMOS CITADOS. PRA GOSTAR, VOCÊ PRECISA QUEIMAR UMA TORA DE BASEADO, SER que nunca haviam lido um zine ou estão fora do meio
JORNALISTA E ACHAR CAZUZA O MÁXIMO. SEU NOME É: indie. Pessoas como o Eduardo Acquarone, o Marcelo
Moura, a Lygia, a Izabel, o Murad, Pamela e o pessoal de
( ) Chico César ( ) Zeca Baleiro Jarinu, nossos amigos gringos, o Murilo de BH - se bem
( ) Paulinho Moska ( ) Lenine que ele é do meio... E é neste ponto que procuramos
( ) Carlinhos Brown mudar um pouco neste segundo número. Se há uma
crítica clara ao primeiro número é que ele saiu muito
SEUS ÁLBUNS SÃO TÃO BEM PRODUZIDOS QUE SE TORNAM VERDADEIRAS CHATICES. MILIMETRICAMENTE hermético. E nosso objetivo desde o início era trazer a
EXECUTADOS POR MÚSICOS DE ESTÚDIO PAY-PER-PLAY, SÃO ANALMENTE INSÍPIDOS, MAS AGRADAM CRÍTICOS leitura a um público diferente do mundo zineiro, isto é,
DO EXTERIOR, QUE COMPARAM TAIS ÁLBUNS A ANTONIO CARLOS JOBIM E TOM ZÉ (COMO SE OVO TIVESSE A gente que gosta de música mas nunca tinha tido acesso
VER COM LARANJA SÓ PORQUE AMBOS SÃO COMESTÍVEIS). TRATA-SE DE: a uma série de coisas que temos e que nossos
FUTUROS COLABORADORES (dica: é com vocês que
( ) Carlinhos Brown ( ) Marisa Monte estou falando) poderão falar. Esperamos ter consiguido
( ) Timbalada ( ) Chico César isto sem prejudicar a qualidade nesta edição.
( ) Lenine Também agradecemos o Zé Flávio e a Revista ShowBizz,
que nos expuseram a um sem-número de pessoas que
LIGUE OS ARTISTAS E SUAS ORIGENS: mandaram cartas solicitando uma cópia do zine.
Nenhuma recebeu pois até agora não vi a cara delas
a) Asa de Águia ( ) Luiz Caldas (nosso colaborador Villalba terá que achá-las primeiro).
b) Araketu ( ) Gengis Khan Ao pessoal da Bizarre e da Velvet, nosso abraço pela
c) É O Tchan ( ) Abacaxi distribuição restrita.
d) Netinho ( ) Odair José E este é o último número do Rosebud Pop Media,
e) Daniel ( ) Kaoma também. Calma, ele passará a ser online quase que
f) Ricardo Chaves ( ) Cid Guerreiro totalmente em breve. A idéia é criar uma página com
g) Chico César ( ) Banda Reflexu’s destaques em que o texto completo poderá ser puxado
via Acrobat da rede, com surpresinhas extras. Ler uma
SE UMA GRALHA SE CRUZASSE COM UM MEGAFONE, CERTAMENTE CANTARIA COMO: matéria extensa online é um porre, então este meio
intermediário facilita a vida de quem faz o download (o
( ) Daniela Mercury ( ) Ivete Sangalo 2o. número pesa quase 8M!). Os dois primeiros números
( ) Simone Moreno ( ) Tiazinha continuarão no site. Os updates serão mais freqüentes
( ) Carla Lisi (acho). Além disso, estaremos com o RPM Amostra
Grátis em papel, que é uma espécie de teaser para a
BASTIÕES DO ROCK TUPINIQUIM, ESTÃO NA ESTRADA HÁ ANOS E NÃO CONSEGUEM SUCESSO, MAS TOCAM ROCK versão online, que é a completa. Provavelmente teremos
HONESTO E LOUVANDO OS GRANDES ROCKEIROS COMO STONES, ZEPPELIN E IRON. NEM MESMO SEUS FÃS um novo site para isso, mas o antigo vai estar
SUPORTAM. ELES SÃO: funcionando:
http://orbita.starmedia.com/~rosebudpopmedia
( ) Angra ( ) Dr. Sin E, para fechar, nosso email favorito que foi perdido, mas
( ) Dorsal Atlântica ( ) Golpe de Estado era algo do tipo:
( ) Viper ( ) Korzus
“Olá! Queria saber se vocês tem como me enviar todas
as letras do Pearl Jam traduzidas. Obrigado.”
Começamos pelo Whitesnake, serve?
Abraços do pessoal do Rosebud Pop Media.
FAZEM PARTE DA NOVA LINHA DO ROCK, ONDE GÍRIA, MALANDRAGEM E
MULHERES VAGABUNDAS ANDAM LADO A LADO COM A MACONHA, A HEMP E A
CANNABIS, NUM GRANDE EXEMPLO DE MATURIDADE MUSICAL E IDEALÍSTICA.
ELES SÃO: ROSEBUD POP MEDIA 2 É UMA PUBLICAÇÃO
INDEPENDENTE, INCLUSIVE DE PERIODICIDADE ,
( ) Virgulóides ( ) Raimundos PRODUZIDA POR NÓS MESMOS ONDE “NÓS MESMOS”
( ) Charlie Brown Jr. ( ) Os Theobaldo SOMOS RENATO GRINBAUM, RICARDO AMARAL E
( ) Planet Hemp RODRIGO VILLALBA.
O ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA MUDOU:
AL. UIRAPURU 55
BARUERI - SP
06428-300
BRASIL
EMAIL: ROSEBUDPOPMEDIA@ZIPMAIL.COM.BR
SAITE EM HELSINQUE:
HTTP://ORBITA.STARMEDIA.COM/~ROSEBUDPOPMEDIA
9. Sem Fôlego (“Blue in the face”) 1995 Barbas do Imperador, Cuecas do Povo
Direção: Wayne Wang e Paul Auster
Biografias costumam ser muito chatas. Habitualmente
Com: Harvey Keitel, Lily Tomlin, Michael J. Fox, Jim são historinhas lineares, construídas como se fossem
Jarmush, Lou Reed, Mira Sorvino, Roseanne. um romance, guardando pouca relação com a vida
contemporânea. Falam de heróis, mitos e fatos
Esse filme, continuação de “Cortina de Fumaça”, conta a desconectados com o seu mundo. “BARBAS DO
história de um gerente de charutaria no Brooklyn, em IMPERADOR” de Lilian Schwarcz
Nova York, seus casos amorosos e a luta para manter (Companhia das Letras, 1998) não segue esta
tradição. Apesar de ser um texto elaborado para
seu local de trabalho (e ponto de encontro dos
finalidades acadêmicas, não há traços da arrogância
moradores do bairro) aberto, quando o proprietário nem do elitismo presente em textos universitários. Ao
resolve vender o imóvel. invés da autora construir uma biografia linear e
Auggie Wren (Keitel) é o conselheiro informal e cansativa, ela prefere construir o mundo de D. Pedro
II. Mais a imagem mais que sua vida, seus hábitos e
confidente de um amplo time de personalidades que o
suas amantes. Ela apresenta mundo brasileiro do século
visitam no trabalho diariamente. Alguns vão à tabacaria XIX, mas não na forma uma janela estática. Ela mostra
para dividir com ele os momentos das últimas tragadas a construção de muito daquilo que é o Brasil de hoje
dadas em um cigarro e reclamar da cultura através de representações, e suas repercussões no
mundo contemporâneo. Ela não fala de não um mero
holywoodiana em torno do hábito de fumar, como é o
ajuntamento de curiosidades, como está nas modas e
caso do diretor Jim Jamurch. nas paradas das biografias, mas numa edição linda
Outros vão a “Auggie’s Place” para filosofar sobre aproveita pinturas, objetos, fotografias da época e
óculos escuros e a vida nos países nórdicos (Lou Reed constrói o que se achava de D. Pedro e o que o Brasil
espera dos seus reinantes e do seu cotidiano. A
em cena) e outros simplesmente estão lá para matar o
representação é mais valiosa que o fato. Por isto, é uma
tempo, discutir e encher o saco. leitura fácil e prazerosa.
O grande diferencial de “Sem Fôlego” reside na Alguns fatos são particularmente interessantes, e vale
extrema espontaneidade com a qual a história pinça-los. O Brasil foi uma das últimas monarquias do
acontece, pois todas as participações são feitas por ocidente, criada numa época de decadência dos reis. E
porque isto aconteceu? A autora discute muito o
amigos dos diretores e as filmagens não levaram mais
assunto, e fica claro como que há na mentalidade e na
que alguns dias. cultura brasileira a necessidade de uma autoridade
Outro ponto interessante é o ar de documentário que o forte, quase divina. Não só nas elites. Esta cultura
filme ganha quando, entre uma cena da história e outra, autoritária certamente ainda não morreu. Outro fato
interessante é a discussão a respeito do romantismo
pessoas de verdade são entrevistadas e acabam
brasileiro, em especial o culto aos índios. Isto não
revelando a verdadeira identidade do maior bairro aconteceu por caridade ou por sinceridade, longe disto.
cosmopolita dos Estados Unidos. Mas foi um modo de se promover uma imagem justa do
Na verdade, toda essa comédia acaba sendo uma grande Brasil, como se a escravidão pudesse ser escondida.
Desta forma, atitudes nobres como a preservação da
metáfora para questionamentos que todos os
cultura brasileira e um certo nacionalismo foram usados
moradores de grandes cidades acabam fazendo de como forma de se esconder algo deplorável. Pequenas
alguma forma: “Meu bairro é um lugar melhor para se justiças usadas para grandes males. Desta forma, o
viver hoje, com todo esse progresso, ou alguma coisa se império brasileiro foi precursor do malufismo e seus
projetos sociais. Por fim, um dos aspectos mais ricos do
perdeu..?”
livro é a discussão da imagem. Um rei, antes de qualquer
As situações do filme e a personalidade de cada coisa, é a imagem de uma nação sob uma forma de quase
personagem foram desenvolvidos por atores e deus. Após a guerra do Paraguai, a imagem da monarquia
diretores, em conjunto. No meio de toda essa bagunça o e a estabilidade política começaram a ruir. O que D.
Pedro fez nesta época, entre outras coisas, foi divulgar
filme ainda arranja espaço para passar algumas “lições”.
sua imagem, algo não muito aceito nas monarquias
O resultado é ótimo entretenimento e a trilha sonora é européias. Ao mesmo tempo em que ele se tornava
Luaka Bop (David Byrne). popular, diminuindo sua rejeição, também a imagem de
Vale à pena conferir! rei, quase-deus se desgastava pelo excesso de
exposição. O rei deixava de ser rei por ser humano.
Mas, pelo sucesso da sua popularização, D. Pedro foi um
precursor e um inovador no marketing político.
10. UM DOS DISCOS MAIS INTERESSANTES LANÇADOS EM 1998 É “FELICIDADE” DE LUIS TATIT. NO DISCO É FÁCIL DE SE COMPROVAR
QUE A MPB NÃO MORREU. AO CONTRÁRIO, PERMANECE FORTE MESMO QUE UM POUCO LONGE DA ESTAGNAÇÃO E DA MONOTONIA QUE
TANTO GRAÇA NAS RÁDIOS (PELO MENOS EM MÉDIA), QUE REPETEM E REPETEM CLÁSSICOS E UMA MEIA DÚZIA DE NOVOS ARTISTAS.
CABE COMENTAR UM POUCO SOBRE O ESTILO DE COMPOSIÇÃO DO TATIT, OU
ANTES, UM POUCO SOBRE AQUILO QUE É CHAMADO DE “MELÓDICO”. A
QUESTÃO DE UMA MÚSICA SER MELÓDICA OU BONITA TEM UM BOCADO DE
CARÁTER SUBJETIVO, MESMO INDIVIDUAL. MAS EM GERAL FAZEM MAIS
SUCESSO MÚSICAS COM MELODIAS FÁCEIS (NÃO NECESSARIAMENTE RUINS),
MAS QUE POR ALGUM MECANISMO MAIOR QUE A NOSSA COMPREENSÃO
RAPIDAMENTE SÃO ASSIMILADAS E NÓS PASSAMOS A MENTALMENTE REPETIR
VÁRIAS VEZES. VIDE “PENSE EM MIM”, “SUNDAY BLOODY SUNDAY”, UM
BOCADO DAS CANÇÕES DO THE CURE. MAS NÃO É ESTA MELODIOSIDADE
FÁCIL QUE, PELO MENOS SOZINHA, FAZ UMA MÚSICA SER BOA. VIDE O TRASH
EXEMPLO DE “SMOKE ON THE WATER”, CLÁSSICO DO MAU GOSTO DO DEEP
PURPLE. AQUELE RIFFZINHO QUE QUALQUER DESMIOLADO METIDO A
GUITARRISTA SABE TOCAR NÃO FAZ A MÚSICA BOA, LONGE DISTO, É UMA
EXPLORAÇÃO INSISTENTE DA DITA “MELODIA” DO TEMA.
NA MÚSICA DE TATIT ESTA MELODIOSIDADE FÁCIL ESTÁ AUSENTE, OU PELO
MENOS NÃO CONTA TANTO. O QUE NÃO FAZ A MÚSICA FEIA, RUIM, NEM
MESMO DIFÍCIL. O ENFOQUE É QUE MUDA. A CONSTRUÇÃO DA CANÇÃO
PARECE PARTIR DA LETRA, OU PELO MENOS HÁ UMA INTEGRAÇÃO ENTRE
MÚSICA E LETRA. AO CONTRÁRIO DA COMPOSIÇÃO DE HITS, ONDE
O TEMA FÁCIL É ELABORADO, E EM SEGUIDA A LETRA COMPOSTA
EM SUA FUNÇÃO. E É NESTA DIFERENÇA QUE TAMBÉM RESIDE A
MUSICALIDADE DE TATIT. NAS CANÇÕES EXISTEM REFRÕES,
TEMAS QUE SE REPETEM, MAS A MÚSICA É MUITO COMPOSTA A
PARTIR DA SONORIDADE DAS PALAVRAS E DO PRÓPRIO
CONTEÚDO. O QUE A PRINCÍPIO PARECE SEM COR, NA VERDADE
TEM MUITO MAIS VIDA E MELODIA QUE QUALQUER CANÇÃO
APARENTEMENTE DE FÁCIL ASSIMILAÇÃO. A EMOÇÃO E A BELEZA
NA MÚSICA ESTÃO EM CADA PALAVRA E EM CADA MOMENTO, O
QUE TORNA A BELEZA MUITO MAIS RICA E INTENSA.
CERTAMENTE A INTERPRETAÇÃO DE UMA MÚSICA COMPOSTA
DESTE MODO DEVE SER BEM MAIS COMPLEXA E DIFÍCIL QUE UM
AGUDO HISTRIÔNICO, NO ESTILO EDSON CORDEIRO. SENTIR A
MÚSICA NÃO É GRITAR NEM FECHAR OS OLHOS COMO SE
ESTIVESSE NUM MOMENTO DE TRANSE. SENTIR A MÚSICA É
CANTAR, SEM CHAVÕES, LIVRE DE LUGARES COMUNS.
A PERGUNTA QUE FICA: MAS É ASSIM, TÃO RACIONAL?
DEVE SER
DIFÍCIL DE ENTENDER... AO CONTRÁRIO.
A MÚSICA NÃO É PURA
RAZÃO NEM COMPLEXIDADE. AO CONTRÁRIO, É ATÉ MAIS EMOTIVA. SÓ NÃO APELA. E NEM É DIFÍCIL. MAS AO CONTRÁRIO DE SMOKE ON THE WATER, PARA OUVIR
TATIT É NECESSÁRIO NÃO TER EXPECTATIVAS DE UMA EMOÇÃO HISTÉRICA, UM BERRO OU UM NIRVANA. DEVE-SE DEIXAR SER LEVADO PELA MÚSICA. E, POR FIM, MÚSICA
NÃO É ACESSÓRIO DE DECORAÇÃO. A MÚSICA DE TATIT NÃO É PARA SER OUVIDA NUMA FESTINHA, NEM NA HORA DO JANTAR. ALIÁS, ISTO SERVE PARA QUALQUER
COMPOSITOR. MÚSICA FOI FEITA PARA SER OUVIDA. E NADA COMO UNS POUCOS MINUTOS DE ATENÇÃO PARA PERCEBER COMO É RICA A MÚSICA EM “FELICIDADE”. O
LUIS TATIT É QUEM FALA AGORA.
RPM: EM PRIMEIRO LUGAR, FALE SOBRE SEU DISCO NOVO. o ouvinte a respeito do elo entre o conteúdo e o seu sujeito. De
R: Meu CD “Felicidade” nasceu de uma proposta da Dabliú, na nada adianta um jogo inteligente de palavras se o ouvinte não o
pessoa do advogado, produtor e poeta J. C. Costa Netto, que há associa ao seu produtor. A dimensão subjetiva é insubstituível.
tempo acompanha meu trabalho. Como ele fez questão que o Compreendo que a indústria cultural dependa de padronização
repertório incluísse a canção “Felicidade”, acabei fazendo desse para a realização de produtos em série. Isso é um pouco
tema um mote para as demais composições: quase todas inevitável e, frequentemente, esse universo, a princípio
passam por esse assunto. Essa canção, mais “No decorrer da previsível, revela verdadeiros achados que surpreendem (e
madrugada” e ainda “O menino” já tiveram uma versão no confundem) os que não admitem qualidade no âmbito da
Rumo. As demais foram compostas especialmente para o disco. produção em massa. Estão aí as composições do Jorge Benjor,
Quanto ao estilo, penso que continuo o que já fazia do Peninha e até de Zezé di Camargo que nem sempre são
anteriormente, talvez ainda com mais liberdade. descartáveis, muito pelo contrário. Penso que parte de minhas
RPM: UMA COISA EVIDENTE NO DISCO É O FORTE PAPEL DAS LETRAS, O QUE canções são em si tão comerciais quanto as desses autores.
É MUITAS VEZES NEGLIGENCIADO, ESPECIALMENTE NO POP/ROCK NACIONAL.
Apenas não desfrutam das mesmas oportunidades, como aliás
E DENTRO DO TRABALHO COM AS LETRAS É PERCEPTÍVEL UM CONSTANTE acontece com uma gama imensa de bons compositores que
JOGO COM AS PALAVRAS. MAS NÃO DA FORMA DE PEQUENAS BRINCADEIRAS conheço. Isso está mudando um pouco em razão do boom da
SEM CONSEQÜÊNCIAS. NA VERDADE VOCÊ PARECE CONVIDAR O OUVINTE A
música brasileira no mercado de disco. Embora ainda não haja
PARTICIPAR DA LETRA, NUM JOGO DE SENTIDOS, O QUE ME FAZ LEMBRAR DOS
espaço para todos - e nem poderia haver numa época em que o
JOGOS DE PALAVRAS DE LEWIS CARROL. VOCÊ PODE FALAR UM POUCO SO- disco deixou de ser um produto raro e caro -, hoje há muito
BRE ESTE TRABALHO COM AS PALAVRAS?
mais esquemas de divulgação, apresentação, etc. que na
década passada. Enfim, minha música não visa à um público
R: Sim, trabalho a letra com cuidado, durante muito tempo,
específico mas também sei que jamais será um produto de
mas não mais que a melodia que, em geral, faço primeiro.
massa. Deve haver um nível intermediário de difusão, como
Quando tenho o “modo de dizer” (ou seja, os contornos
sempre houve em países mais desenvolvidos. Esse nível seria o
melódicos que nada mais são que entonações de fala usadas no
ideal para o caso.
canto), “o que dizer” é o de menos. O tratamento dos detalhes
da letra, de fato, depende de muita paciência. Refaço o trabalho RPM: DE CERTA FORMA, COM ESTA OPÇÃO QUE FEITA VOCÊ ACABA SAINDO
numerosas vezes. DO LUGAR COMUM DO MERCADO FONOGRÁFICO (TANTO PÚBLICO COMO AS
GRAVADORAS), QUE ESPERA UM FORMATO MAIS TRADICIONAL E PREVISÍVEL.
RPM: EXISTE UMA CERTA MODA HOJE EM ALGUNS COMPOSITORES NA MPB
VOCÊ ACHA QUE COMPÕE PARA UM PÚBLICO ESPECÍFICO OU A QUESTÃO É A
QUE, NO MEU MODO DE VER, É UMA VONTADE PSEUDO-MÍSTICA, UMA IMITA-
FALTA DE INTERESSE NA DIVULGAÇÃO? ESTENDENDO A QUESTÃO - QUAL O
ÇÃO BARATA DE GUIMARÃES ROSA. ESTES POUCOS COMPOSITORES FAZEM
ESPAÇO PARA O TIPO DE MÚSICA QUE VOCÊ FAZ NO CENÁRIO FONOGRÁFICO E
UMA MEIA DÚZIA DE TROCADILHOS FÁCEIS E RÁPIDOS, PASSANDO UMA CERTA
NA MÍDIA?
IMPRESSÃO DE GENIALIDADE. QUAL A DIFERENÇA, NA VERDADE, ENTRE TRO-
CADILHOS E O TIPO DE LETRA QUE VOCÊ CONSTRÓI?
R: Teoricamente, o mesmo espaço de que dispõe Chico
Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso. Na prática, cada
R: Há um trabalho técnico que não substitui uma certa
um tem sua história e faz o que faz justamente por causa disso.
dimensão existencial que toda letra deve ter para que convença
11. C. Brown, Marisa Monte, José Miguel Wisnik, Itamar
grandes estrelas. Quanto à qualidade, Lenine, Arnaldo Antunes,
vez mais, gravações de compositores “desconhecidos” por
(Tom Zé, Luiz Melodia, Jorge Mautner) e ainda permite, cada
(Axé, Olodum, Timbalada, etc), recuperou nomes esquecidos
americana das rádios, constituiu-se a partir de temas regionais
as suas faixas de realização: expulsou a música norte-
ilimitada. Nunca a música brasileira esteve tão bem em todas
definem nossa época como um período de diversidade quase
escalas (top, médio e independentes de modo geral), que
existem centenas de núcleos de divulgação, nas diversas
emissora. Hoje não temos mais isso mas, em compensação,
passar por ali para depois irradiar pelo Brasil com o aval da
Record, de tal forma que tudo que era importante precisava
na década de 60 estava integralmente concentrada na TV
“A cumplicidade do público”, em 12/04/1998, p.5.5. A música
que penso possa ser encontrada num artigo que saiu na Folha,
R: Bem, tenho falado muito sobre isso e talvez boa parte do
DE VER?
QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS PARA A MPB NO SEU MODO PONTO DE VISTA?
CONCORDA COM ESTE VOCÊ É O MESMO QUE AFIRMAR QUE SÃO RUINS).
(O QUE NÃO QUILO QUE SE FAZIA, POR ESTA RAZÃO SEM FORÇA NEM IMPACTO
AQUELES QUE OCUPAM ESTE ESPAÇO SÃO APENAS UMA CONTINUIDADE DA-
MÚSICA MAIS INTERESSANTE NÃO SE POPULARIZOU E A NÃO SE RENOVOU.
CAETANO/GIL/CHICO/BOSSA NOVA QUE O ESPAÇO ANTES OCUPADO POR
MAS A IDÉIA É
TRANSFORMADORA E DE GRANDE QUALIDADE SENDO FEITA.
UMA CRISE CRIATIVA, O QUE NÃO QUER DIZER QUE NÃO EXISTA MÚSICA
PASSA POR MPB MODO DE VER DOS EDITORES DESTE ZINE, A RPM: NO
Estranha”. Precisamos de todas as dicções.
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321 maneira dele: “Como Dois e Dois”, “Muito Romântico” e “Força
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321 que tentou fazer (com grande êxito) três composições à
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
R U M O A O V I V O - CA M E R A T I ( 1 9 9 2 ) - C D “Folhetim”. Caetano admira tanto a dicção de Roberto Carlos
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321 como esses não conseguiriam nem esboçar algo semelhante a
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
O SU M O DO RU M O - ELDORADO ( 1 9 8 9 )
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EM C D
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de tempos em tempos, se entrecruzam. Chico não é capaz de
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Q U E R O PA S S E A R - ELDORADO ( 1 9 8 8 ) - DISPONÍVEL
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C APRICHOSO - INDEPENDENTE ( 1 9 8 5 )
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D ILETANTISMO - CO N T I N E N T A L ( 1 9 8 3 )
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CARLOS/PAGODE/AXÉ) É POSSÍVEL DIZER QUE HÁ UMA SUPERIORIDADE
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R U M O A O S A N T I G O S - INDEPENDENTE ( 1 9 8 1 ) E MESMO RUMO/ARRIGO) COM A MÚSICA REALMENTE POPULAR (ROBERTO
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CD
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R U M O - INDEPENDENTE ( 1 9 8 1 ) - DISPONÍVEL E M de um registro considerado “apenas” popular.
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expressiva. São verdadeiras jóias do nosso repertório advindas
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com Arnaldo Antunes e verifique se não há profundidade
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D ISCOGRAFIA GR U P O RU M O
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
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“Sonhos” ou “Jorge de Capadócia” com Caetano ou “Judiaria”
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21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
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F ELICIDADE - GR A V A D O R A DA B L I Ú/ ELDORADO ( 1 9 9 7 )
21098765432109876543212109876543210987654321098765432121098765432109876543210987654321
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TRANSFORMAÇÃO?
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D ISCOGRAFIA LU I Z TA T I T A MÚSICA TEM PODER DE - DISTO ALÉM TER PROFUNDIDADE EXPRESSIVA?
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POSSÍVEL FAZER MÚSICA FÁCIL E ACESSÍVEL E AO MESMO TEMPO RPM: É
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isso não vem ao caso.
II, acho que tem tudo a ver. obras. Se a música popular é considerada Arte oficialmente,
em nossa mente. Quanto à aproximação com o nosso D. Pedro ficamos extremamente sensibilizados com a realização das
Pensamos por narrativas, por isso essas histórias ressoam bem analisar seus efeitos no plano dos ouvintes. Nos dois casos,
Jorge já citado) ou mesmo Itamar (Nego Dito, Beleléu, etc. Quanto à função estética de ambas as linguagens, basta
exemplo, Jorge Benjor (Charles, Anjo 45, Zumbi ou o próprio diferentes. Os cancionistas, em geral, nem são músicos.
melodias sugestivas. Penso que crio alguns mitos como faz, por diferentes e que possuem tradições também completamente
grandes narrativas (para a escala da canção) a partir de linguagens completamente diferentes que mobilizam conteúdos
depreendê-la. Não está explícita. Gosto de elaborar essas mais conhecido é o livro “O cancionista...”). Trata-se de
um certo esforço, como imagino que você tenha feito, para R: Já debati exaustivamente esse tema em outros trabalhos (o
seu arranjo, nem mesmo sua interpretação vocal. É necessário É ARTE? A MPB DITA?
comentou-a comigo. Tenho a hipótese de que nunca acertei o À ERU- ACHA QUE A MÚSICA POPULAR É UM GÊNERO DE CONTEÚDO INFERIOR
uma canção chamativa no meio do disco. Pouca gente VOCÊFORMA ESTES GÊNEROS SERIAM MAIS PROFUNDOS E INTELIGENTES.
R: Também gosto de “O Rei”, embora tenha sentido que não é DESTA TÉCNICO-ACADÊMICOS SÃO MAIS IMPORTANTES PARA A AVALIAÇÃO.
UM POUCO SOBRE ELA E SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO. DADE SERIA A MÚSICA ERUDITA OU O JAZZ DE ACADEMIA, ONDE PARÂMETROS
MÚSICA. GOSTARIA QUE VOCÊ FALASSE SOBRE ESTA CANÇÃO, E DISCUTISSE DE VER- ARTE VEZES COM FINALIDADE SOCIAL, MAS SEMPRE TRANSITÓRIA.
DOR”, BIOGRAFIA DE D. PEDRO II, O QUE ME GEROU MAIS SIMPATIA À MÚSICA DE ÉPOCA, ÀS SERIA CERTA FORMA COMO UM GÊNERO INFERIOR.
ÇÃO. COINCIDIU COM O MOMENTO EM QUE LIA “AS BARBAS DO IMPERA- COMO QUASE TODA FORMA DE MÚSICA POPULAR É TIDA DE RPM: A MPB,
TRANSCORRE O MOMENTO QUE SE PODERIA CHAMAR DE “CLÍMAX” DA CAN- canção popular.
A FAIXA “O REI”, ESPECIALMENTE COM A FORMA SUAVE E DELICADA EM QUE
Parece-me que aqui está um dos focos do problema atual da
TADO MUITO DO SEU DISCO, FIQUEI PARTICULARMENTE IMPRESSIONADO COM
balançaria um pouco a estabilidade dos guetos musicais.
RPM: UMA ÚLTIMA PERGUNTA, MUITO PESSOAL MINHA. ALÉM DE TER GOS- caracterize por revelar a música menos consagrada. Só isso já
tempo de carreira. dedicada a ela, que concorra com a Musical FM, e que se
valor quanto os ídolos dos anos 60, apenas possuem menos cenário da música brasileira é a alternativa de uma outra rádio
Assumpção, Ná Ozzetti, Djavan e outros têm, a meu ver, tanto De um ponto de vista bem pragmático, o que está faltando no