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Jornal



    O Bandeirante
               Ano XVIII - no 202 - Setembro de 2009
               Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP




                   A Internet, o Português e o
                           Internetês
 Helio Begliomini                                                        “Não se pode chamar realmente de língua ao idioma que não possui escritor”.
 Médico urologista                                                                       Pietro Bembo (1470-1547), literato italiano.
 Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).


     A revolução nos meios de comunicação so-            administração do narcotráfico; facilitar a cor-             em “kem”; “saudações” em “sds”; “falou” em
cial é simplesmente assustadora e encantadora,           rupção, dentre tantas outras ações malévolas.               “flw”; “beleza” em “bls”; “demais” em “d+”,
sobremodo para quem a tem acompanhado                         O vernáculo não ficou imune a essas vi-                já em “jah”, etc., etc.
desde a época em que só se dispunham do                  cissitudes. Em pouco tempo, precisamente no                      Dentre os símbolos gráficos mais usuais,
rádio e da televisão em preto e branco, com              final dos anos 80, portanto, há menos de quatro             tem-se: J ou :-) que significam sorrir; }{
poucos aparelhos existentes. Assistir televisão          lustros, tem-se assistido a uma deformação do               subentendendo encontro de faces; :-@ que
não era somente um luxo, mas um aconteci-                idioma e o surgimento de uma língua paralela                expressa grito e ;-) que deve se entendido
mento, em que se reuniam familiares, parentes            ou mesmo marginal, que é justificada pela sua               como piscar.
e vizinhos. Ou para quem é da época em que               rapidez e praticidade na comunicação digitada                    Postas essas considerações, deve-se per-
para se fazer um contato interurbano era                 no teclado do computador. Eis a formação do                 guntar: O internetês não estaria colaborando
necessário a ida a uma cabine telefônica da              internetês – corruptela do idioma português na              para o mal-aprendizado da língua culta,
cidade; a intermediação de uma telefonista               Internet –, expresso nos seus dialetos virtuais             sobremodo por ser praticado e absorvido por
que após longo tempo de espera completava                do bloguês e do orkutês.                                    adolescentes que sequer tenham aprendido
a ligação, com qualidade precária do som,                     “Naum sab?” é uma dentre tantas expres-                e sedimentado o português – que não é um
acompanhado de ruídos, chiados e reverbe-                sões existentes. As principais características              idioma fácil –, acrescido do fato de que em
rações. Ou ainda, se utilizava o Correio para                                                                        nossas escolas, particularmente as públicas,
mandar e receber cartas de amor, que sempre                                                                          apresentarem grandes deficiências no ensino?
demandavam um tempo excessivamente longo                                                                             E aí há duas correntes divergentes de opiniões,
para chegar.                                                                                                         não somente entre os jovens, mas também
     Embora esses exemplos sejam do milênio                                                                          entre os especialistas afins.
passado, são realidades vividas há menos de                                                                               Os mais puristas acham que o internetês
quarenta anos!                                                                                                       tem agredido ou mesmo assassinado a língua
     Não resta nenhuma dúvida de que a era                                                                           portuguesa em sua gramática, pois a deturpa
da informática mudou e tem mudado a vida                                                                             muito mais ainda do que na forma coloquial-
do mundo. Ontem, o analfabeto era quem                                                                               mente falada no dia a dia.
não sabia ler ou escrever. Hoje, já se considera                                                                          Outros alegam que qualquer idioma vivo é
excluído da sociedade quem não tem acesso                                                                            necessariamente dinâmico, que muda ao longo
à Internet. E os países pobres ou em desen-                                                                          do tempo, pois, sendo um fenômeno social,
volvimento, particularmente o Brasil, ainda                                                                          acompanha o desenvolvimento da sociedade.
estão longe de vencer a primeira etapa, que                                                                          Por conseguinte, acham que o internetês seja
independe da custosa tecnologia!                                                                                     apenas mais uma forma particular da expres-
      Modestamente penso que a Internet, na                                                                          são vernacular.
história da civilização, deva ser considerada                                                                             Embora o internetês seja ágil e versátil,
como um divisor de Eras, tamanho tem sido                desta neo-expressão grafológica são a exces-                pois mescla a escrita formal e informal, além
seus benefícios, modificação e repercussão               siva abreviação e a exiguidade de vocábulos;                da utilização de sinais e símbolos, ele não
na vida dos terráqueos. Através dela pode-se             as vogais desaparecem; o “h” (agá) substitui                é admitido em situações da norma culta de
informar, ouvir músicas, enviar ou receber               os acentos; são utilizados sinais, siglas e sím-            linguagem, tais como provas, exames, pales-
fotografias, textos, ou mesmo livros; conhecer           bolos, conhecidos também como emoticons                     tras, entrevistas, redação de contratos, ofícios,
museus, adquirir vários bens de consumo;                 – desenhos e fácies que expressam emoções –,                petições... etc., etc.
comprar ingressos de espetáculos ou roteiros             propiciando uma verdadeira transformação                         Será que um adolescente ou um jovem tem
turísticos; fazer cotações; direcionar-se em             (adulteração) das palavras, cuja finalidade é               plena consciência dessa diferenciação? Estaria
grandes metrópoles; obter mapas geográ-                  conversar pelo teclado numa velocidade célere               o internetês prejudicando ainda mais o apren-
ficos; empreender pesquisas várias; realizar             e próxima à da fala.                                        dizado adequado, para não dizer escorreito, do
transações bancárias, dentre tantos outros                   Assim, dentro de seu léxico, o “cadê”                   vernáculo? O que você acha?
predicados.                                              transforma-se em “kd”; “beijo” em “bju”;                         A fim de favorecer sua reflexão, vale a
     Infelizmente, também pela Internet,                 “beijão” em “bjaum”; “depois” em “dps”                      pena recordar a frase lapidar do célebre es-
pode-se disseminar a pornografia; estimular              “fique”em “fik”; “você” em “vc”; “não” em                   critor português, Fernando Antonio Nogueira
a pedofilia; incentivar o preconceito racial;            “naum”; “e” em “&”; “aqui”em “aki”; “folhas”                Pessoa (1888-1935): “minha pátria é a língua
estruturar a logística do crime organizado e a           em “fls”; “até” e “ateh”; “é” em “eh”; “quem”               portuguesa”.
2     O BANDEIRANTE - Setembro de 2009

                                                                                          A Provedora dos Gatos
    eXPeDIeNte                                                                                       10h00...faça sol ou chuva, ou tempo
                                                                                                 morno, os oito gatos lá estão à espera de sua
Jornal O Bandeirante                                                                             provedora... parecem todos da mesma família
ANO XVIII - no 202 - Setembro 2009
                                                                                                 pela homogeneidade das cores... ficam sorra-
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos                                             teiros entre folhagens de planta, em um único
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP   .
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros                                       local do Parque do Ibirapuera, em S.Paulo...
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor:
Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora:                                             pressentem, com extrema exatidão a chegada
Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores
desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão, Carlos José
                                                                                                 da provedora. Magra, alta, sempre apressada,
Benatti, Geovah Paulo da Cruz, Helio Begliomini, José                                            nem bem chega com sua sacola de comidas e
Jucovsky, Josyanne Rita de Arruda Franco, Luiz Jorge
Ferreira, Marcos Gimenes Salun, Sergio Perazzo.Tiragem                                           todos vão em sua direção... ela, rapidamen-
desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000
exemplares PDF enviados por e-mail.                            te, abre a sacola, despeja a comida num trecho acimentado sobre a grama,
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio               bem próximo à calçada... e rapidamente recolhe os talheres e pratos... não
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.          traz líquidos... e incontinenti se retira... faz isso todos os dias... na mesma
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
                                                               hora... no início me parecia que ela o fazia por prazer, pois ia com calma e
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal            se retirava da mesma forma... com o tempo percebi um aceleramento nos
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo        seus passos e uma certa inquietação... ultimamente, tenho-a visto, irritada
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
                                                               mesmo, superapressada, já não põe a comida no acimentado mas a joga
    Matérias assinadas são de responsabilidade de seus
                                                               com certa raiva e sai numa pressa incrível... fiquei pensando...e se um dia
     autores e não representam, necessariamente, a             ela morrer, ou se curar de seu ato obsessivo, como fica? Os gatos ficarão
                  opinião da Sobrames-SP
                                                               perplexos... duvidarão de si próprios se não perderam a noção do tempo...
                 Editores de O Bandeirante
                                                               será que perderam o horário-chave das 10 horas? Não, impossível... e como
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
                                                               explicar o vazio que ficou... imenso vazio... a mente dos animais não exige
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996     explicação... somente uma constatação... sem mergulho nas suas causas...
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009      acabou, acabou!!... vamos procurar outra alternativa de sobrevivência... é
Helio Begliomini – maio de 2009 -                              verdade que os incautos passarinhos que por ali aterrizam não são suficien-
    Editor: Helio Begliomini                                   tes para cessar a fome e a necessidade protéica e calórica... mas, por um
    Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto                           instante, captei o pensamento dos gatos... e das gatas... perplexas... o qual
    Diagramação: Mateus Marins Cardoso
    Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica            dizia... e ainda tem gente que acha que ninguém faz falta neste mundo... ledo
                                                               engano... principalmente os obsessivos que nutrem o planeta, sustentando
            PUBLICIDADE                                        os histéricos, os fóbicos e... os normais...
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           TABELA DE PREÇOS 2009                                                                              Médico ginecologista em São Paulo
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SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                                  O BANDEIRANTE - Setembro de 2009         3


Bola de Cristal
Infinitude Profética

José Jucovsky
Médico aposentado em São Paulo


Submetidos a tecnológicas inovações                                Sem mais mistérios, o DNA vivificador
Estilos de vidas em décadas sob pressões                           Sopra vigorosos milagres dum futuro sedutor
Permitirão expandir amplamente pioneira                            Na bola de cristal da física quântica e da genética
A bio-nanotecnologia pela vez primeira!                            Flui a pseudo-onipotente infinitude profética!

A fantástica viagem na era da informática                          As visões das nossas próprias existências clonadas
Integra a técnica da engenharia genética                           Destino desejado por heranças remodeladas
Analogias entre circuitos integrados sensíveis                     Compõem novos bailados sob peregrino céu
Entreabrem portas a todos os impossíveis!                          No vir a ser em fascinantes jornadas ao léu!

Com o “Livro da Vida” decodificado                                 Os passos do conhecimento a serem dados
A “Evolução” torna-se coisa do passado...                          Marcam o século XXI para serem conquistados
O projeto genoma na sua genialidade                                Por incansáveis cientistas e inventores visionários
Poderá ser o começo de uma outra humanidade!?                      Da longevidade em corpos humanos revolucionários.




                                                  Sinceridade
Marcos Gimenes Salun
Jornalista em São Paulo


    A mentira é uma conveniência. Seria bom se tentássemos         egoísmo. Apenas decidimos o que melhor nos convém e damos
ser menos convenientes com certas coisas. Pelo menos não se-       o caso por encerrado assim que nos convencemos de que aquilo
ríamos tão mentirosos. Principalmente com relação às pessoas       é realmente o melhor. Para nós mesmos.
a quem prezamos e queremos muito, deveríamos ser um pouco              E então mentimos. Descaradamente. Esquecemo-nos da
menos inconvenientes de vez em quando. Faria um bem dana-          fidelidade e da gratidão. Esquecemo-nos momentaneamente
do a todos, pois pelo menos não seríamos apenas o protótipo        do quanto já havíamos feito para que acreditassem em nós.
latente da mentira. E haveria o mais legítimo carinho, o mais      Desprezamos a sinceridade do relacionamento para priorizar
puro querer bem!                                                   a conveniência. E isso nos basta, quase sempre. Só que, infeliz-
    Já a conveniência é uma questão de escolha. Seria bom se       mente, é assim que perdemos a credibilidade e a confiança que
tentássemos escolher com mais critério o que nos convém. Pelo      tanto nos custou a conquistar e que são fundamentais para tudo
menos não seríamos tão superficiais com relação à verdade.         o mais que pretendemos. Perdidas a confiança e a credibilidade,
Principalmente com relação à pretensa verdade de certas esco-      pouco nos resta.
lhas que fazemos por conveniência momentânea. Deveríamos               A relação entre as pessoas é complexa demais para que se
ter um pouco mais de senso, do bom, na hora de priorizar           possa decidir certas coisas apenas com um olhar ou com algumas
escolhas, pois certamente estaríamos mentindo um pouco             palavras. É pouco para nosso ser ávido de conquistas e pleno de
menos. Menos para uns e mais para outros, é verdade, pois          conveniências. Deveria ser assim, é verdade, mas infelizmente
infelizmente sempre haveria mais mentiras e conveniências          não é, simplesmente porque sempre uma das partes vai querer
do que sinceridade e verdade na maioria de nossas escolhas. É      ser mais conveniente que a outra. É daí que vem uma mentira
próprio de nós humanos.                                            conveniente, um olhar conveniente, uma palavra não menos
    Por sua vez, a escolha é uma prioridade regida pelo egoísmo.   conveniente... E, é claro, a mentira. Mentira não... Conveniên-
Temos plena convicção de ter feito as escolhas certas, sempre      cia. Ninguém diz mentiras. Todos são convenientes. E sempre
que nos certificamos que estas são certas para nós mesmos.         são extremamente sinceros em suas conveniências, pelo menos
Raramente temos um olhar macro, justamente por causa do            consigo mesmos.
4   O BANDEIRANTE - Setembro de 2009
                                                                                                   SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                     Misamply e Lolobay
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).


    Há coisas na vida que nos deixam atônitos. Embora saibamos que um dia vão
acontecer, surpreendemo-nos da forma como ocorrem. Uma delas é a morte. Temos
ciência de que passaremos por ela, mas ignoramos o dia, a hora e a maneira.
    Estava pensativo e fora de órbita quando li no mural de avisos do velório:
Geraldo Magela Tabarani dos Santos – sala 2.
    Não conseguia acreditar que aquele meu amigo de há mais de trinta anos tinha
dado cabo à sua vida com um tiro na cabeça, da mesma maneira que sua filha há
cerca de três anos e meio.
    Estava sempre bem-humorado e bem-disposto; era esportista, advogado e
apresentava-se na reta final de conclusão de sua pós-graduação.
    O Bruno, meu filho, tinha passado um fraterno, alegre e descontraído final
de semana com ele e seu filho Felipe, em seu sítio, em Taubaté, há apenas uma
semana! Minha esposa agradeceu-lhe, por telefone, a estadia e a atenção prestadas.
E como de praxe, ele esboçou cordialidade e amizade.
    Em nossa convivência, o Geraldo sempre demonstrou alegria, espontaneidade,
firmeza e altruísmo.
    Não, não dava para acreditar no que eu estava sentindo e vendo. Ele era
sempre o mesmo amigo que conheci na Comunidade de Jovens do Tremembé. Participamos de muitos encontros, passeios,
festas, atividades sociais e religiosas.
    Lembro-me no início de nossa juventude quando ele, que já tinha ar de machão, foi surpreendido por mim com bobes
na cabeça e com uma cueca de rendinhas, à moda feminina. Daí surgiram dois apelidos inventados respectiva e instantane-
amente: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay. E eles foram ditos inúmeras vezes quando nos encontrávamos,
nos mais diversos ambientes, ainda que a idade e o tempo estivessem passando.
    Realmente, não era possível imaginar o Geraldo, de aparência tão forte, ter abdicado tragicamente do convívio de seus
familiares e amigos!
    Não faltaram especulações sobre os possíveis porquês: A ferida não cicatrizada pela morte trágica e inexplicável de sua
filha... a separação da esposa alguns meses atrás... a morte da mãe há dois meses... problemas no trabalho... depressão...
perda do prazer de viver... saudade incoercível de sua filha e mãe... Entretanto, quaisquer que fossem os motivos tornava-se
impensável admitir que ele tivesse tomado essa sombria e irrevogável decisão.
    Confesso que tive remorso e um sentimento de culpa me abateu por uma possível omissão em tentar ajudá-lo. Mas ele
não esboçava necessidades. Ao contrário, misturado à sua alegria, era calculista e aparentava ser autossuficiente. Quando
sua filha morreu, ele e a esposa, Ana Telma, resolveram doar os órgãos dela. Não me esqueço que embora ele não perten-
cesse à área da saúde, conseguiu permissão para assistir o transplante de coração, tendo sua filha como doadora. Quanta
coragem e ousadia!
    No seu computador de trabalho, havia fotos de sua mãe, Dea, e da sua querida filha, Andrezza. Pais e filhos... dois dos
mais valiosos patrimônios materiais e imateriais que o Criador pode nos conceder!	
    O pensamento voltava-se para a dor que seu pai estava experimentando – ele, que por três vezes fora submetido à cirurgia
cardíaca –, assim como pelo futuro psicológico que seu filho poderia ter.
    Por mais que nosso corpo estivesse presente entre seus familiares e amigos, todos estávamos transtornados e envolvidos
de alguma forma nessa tragédia. Nosso pensamento divagava não querendo acreditar na crua realidade. Era exatamente a
réplica dos sentimentos e da perplexidade que tivemos com relação à morte sinistra de sua filha.
    Essa tinha sido a autodetonação do homem-bomba que involuntariamente lesaria e mutilaria a todos os seus entes que-
ridos. Embora não convivêssemos sob o mesmo teto, considerávamo-nos parte de sua vida e, consequentemente, sua morte
estava levando um pouco de cada um daqueles que o amava.
    Toda uma experiência vivida passava instantaneamente como um filme em minha mente. Foi indelével a nossa alegria
quando por reiteradas vezes conseguíamos escalar a íngreme Pedra do Baú, em Campos do Jordão, sendo a última há quase
sete anos, quando eu tinha 40 e você, Geraldo, 39 anos. Quando jovens subíamos com outros amigos. Nessa última vez nos
atrevemos, juntamente com seu irmão Pio, a escalá-la com nossos filhos e alguns de seus sobrinhos.
    Lembro-me que há exatos três anos tivemos um jantar em comemoração pelos nossos vinte anos de casamento. Além da
Aida, minha esposa, e da Ana Telma, estavam nossos amigos José Alberto e Tânia, que também tinham casado na mesma
época, além do Pio com a Stefanie, que foram padrinhos nos três matrimônios.
    É, Geraldo... não consigo imaginar que você não esteja mais em nosso convívio. Prefiro me iludir e vê-lo sempre sorrindo,
disposto e entusiasmado, e chamá-lo como nos velhos tempos: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay.
    E, por trás destas enigmáticas palavras, ocultavam-se virtualmente a nossa inolvidável amizade e a nossa trajetória desde
os tempos de adolescência, que vinham à tona instantaneamente, toda vez que as pronunciávamos.
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                       O BANDEIRANTE - Setembro de 2009    5
Suburbia

Sergio Perazzo
Médico psiquiatra em São Paulo


Ovo colorido no balcão do bar.        do Mané Mão-de-vaca,                   do terreiro de umbanda
Dois dedos de cachaça,                mulato banguela, varapau,              e a cruz da capelinha de melão.
quem paga, na porrinha                entre cervejas chocas,                 É de São João...é de São João...
desempata ímpar ou par.               marcação de caixa de fósforos,
Pinguços aos tropeços                 cavaquinho e reco-reco                 São Jorge, espada e cavalo,
na calçada fazendo chalaça.           e bolinhos de bacalhau                 bordados no banco do lotação
Massa tampando e alisando             sem azeite e sem espinhos.             onde jaz por um momento
o reboco fosco da parede                                                     na modorra refestelado,
cheirando a óleo de linhaça.          Donas de casa despachadas              dragão adormecido,
                                      com sacolas atulhadas                  o motorista caniculado
Chorinho e jaqueira no quintal        da xepa da feira de sábado,            da sesta do meio-dia,
entre penas de pato e de galinha.     minguados legumes,                     fechado para a fila conformada
Bujões de gás na cozinha.             melancia aguada,                       de passageiros ao relento.
Mãos enxugando o avental,             amareladas verduras,
rangidos de dobradiças no portão,     pastel de vento                        Ecos das peladas de dia inteiro,
docinhos de Cosme e Damião.           que nada contém,                       courinho ou bola de meia,
                                      macarronada e salada                   uniformes desbotados
Frango e leitão de padaria,           no preparo do almoço                   crucificados ao sol dos varais
camiseta, chinelo e suspensório,      do domingo que vem.                    ou espreguiçados em coradouros,
rádio de pilha abominável, duracel,                                          preguiçosos torcedores.
amplificando aos berros               Burros sem rabo e estrume
o programa de auditório               enfileirando ruas de barro.            Avesso das praias e parques,
ou novela de mistério,                Pingentes não preciosos                o pedaço que não saiu no mapa
O céu é o limite, Ministério          quase caindo de maduros                nem no colorido do cartão postal.
de perguntas cretinas, PRK30,         na linha, da beira do vagão,           Estrofes de segunda mão
Papel carbono, Jerônimo,              despejando meia-fábrica                num dó menor de samba-canção.
O Sombra, não sei mais quê,           de horas extras e cansaço              Parágrafo de um conto mal-ajam-
patrocínio Cashmere Bouquet.          na plataforma da estação.              brado,
Como se sente, rim doente?                                                   de anonimatos,
Tome Urodonal e viva contente.        É você quem manda                      de casas de pasto,
                                      no tabuleiro do camelô                 de casas de cômodos,
Velhas siglas se sucedendo            espremido na porta da venda.           de cortiços, de muquifos, de sobrados,
no ritmo paralelo dos trilhos,        Parada de ônibus entre a tenda         de quartos sombrios de pensão.
nas janelas quebradas do trem:
IAPETEC,
IAPI,
IAPC,
IAPB,
das tabuletas descascadas,                         Acróstico Libertário (Pará)
despencadas, sem prego, sem grude,                              (Poesia de guardanapo)
das faces de velhos conjuntos,
desconjuntos habitacionais
de venezianas despedaçadas                         Carlos Augusto Ferreira Galvão
e vidros vazados,                                  Médico psiquiatra em São Paulo
olho e venda de pirata,
pelas atiradeiras e bolas de gude                           P ara um povo de passado duro
da vizinhança de pé no chão.                                A mar é resistir com alacridade
                                                            R evolvendo o Araguaia ainda escuro
Pés de chinelos de arrabalde                                Á vançando assim na via Liberdade.
anotam num rabisco
o milhar do jogo do bicho
no mármore da mesa do boteco
6   O BANDEIRANTE - Setembro de 2009
                                                                                                 SUPLEMENTO LITERÁRIO




            Três Contos Negros para um Cara Pálido
Luiz Jorge Ferreira
Médico clínico em São Paulo


    Replantar árvores de noite. Na calada da noite, quando      ele que a abrira ou fora Alice que, saindo de tardezinha,
os cães principiam a adormecer imersos em sonhos                nua para estender seu vestido de chita colorida e deixá-lo
repletos de ossos enterrados. Cães sonham.                      secar ao sabor da brisa morna da madrugada, a esquecera
    Neste mesmo instante estão os gatos pelos telhados          aberta.
barulhentos e sedentos de pecados.                                 Ela sentou-se à mesa da cozinha e ficou riscando com
    A silhueta da lua jaz em uma lata abandonada de             uma faca quase sem fio um desenho bizarro de galos,
sardinha, aberta e atirada ao acaso no quintal metade           boiada, pássaros e miúdos meninos de curtas asas.
acimentado. Ele desce de chinelos muito surrados,                  Sem notar que entravam formigas, percevejos, grilos
arrastando lado esquerdo, corpo semiparalisado. Enxerga         e cupins. E começavam a importuná-la. Nem viu quando
pouco. Próximo e adiante. Mas sonha também como os              ele entrou. Havia replantado árvores, sujado de sêmen
cães, com replantar árvores.                                    o vestido de Alice e amarrado os cães aos gatos em cima
    Ninguém desconfia que ele é quem quebra o cimento           do telhado.
pacientemente com uma lâmina tosca, noite após noite.
E que é ele que se masturba incompletamente na roupa
íntima dependurada de Alice.
    Para depois lavar a mão no balde, cheio de água
aparada da bica.
    Onde às vezes a lua também mija.
    Ela abre a casa. Escancara as janelas e enxota as
formigas com uma vassoura tão velha quanto ela. Atira
pedras nos sapos e arranca as trepadeiras que se agarram
na janela traseira do barranco em que mora com o marido
semiparalítico, ex-madeireiro que, durante três décadas,
quase desmatou toda a região do Sul do Pará. Enquanto
ela repete este ritual de abrir escandalosamente portas e           Entrara pulando.
janelas, ele deixa-se ficar na cama ao lado de sua perna            Estava a perna dento do córrego a espiar Alice que
mecânica presa entre duas cadeiras e a mesinha do rádio         se banhava.
a pilha, sua companhia mais íntima. Ela é quem encontra             Ele entrou nu negro em uma perna só.
a roupa suja e amarelada com vestígios de sangue. É ela             Alice chateada com a briga do casal uma tarde de Natal
quem nota o balde de água suja e atribui aos gatos.             viajou para o Paraná onde vendeu seu olho de vidro e
    Uma noite ela sentindo-se sozinha e solitária vai até sua   alugou uma casa para cuidar dos gatos sapos e um casal
cama. Ele não estava. Havia vestido sua perna mecânica          de morcegos que vieram com ela dentro da sacola do
e saíra pela porta da cozinha. Ficou em dúvida se fora          Banco do Brasil.




               Amor Tardio
                                                                           Entre, abra a porta e preencha o vazio
Josyanne Rita de Arruda Franco
                                                                           das horas já mortas, dos dias tão frios.
Médica pediatra em Jundiaí
                                                                        Está quente? Que importa? Não é relevante
                                                                           se a vida só gosta das horas de dantes!

                                                                           A vida prefere viver de lembranças...
                                                                           Eu não! Eu prefiro a doce esperança
                                                                          do que está por vir, da grande surpresa
                                                                            que é desejar ser mais que certeza.

                                                                            Eu gosto dos sonhos e da fantasia!
                                                                          Eu quero a bonança de crer que os dias
                                                                               são puro acaso, são bela orgia
                                                                           e ter, por inteiro, a vida que expia...
SUPLEMENTO LITERÁRIO
                                                                         O BANDEIRANTE - Setembro de 2009            7
                                         Coma-se Milho
Geovah Paulo da Cruz
Médico oftalmologista em São Paulo.


     Frango é milho que anda. Se        planta muito exigente, não produz       era jogada fora na lavagem ou na
milho vira frango, leite, carne, ovo,   em solos pobres, nem ácidos. Mas        sopragem, para em seguida triturá-
banha, pele, vísceras, e como afro-     é muito produtivo. Na Bíblia se diz     lo no pilão manual ou no monjolo.
disíaco dá filhote e cria, então deve   que Canaã era a terra prometida,        Este milho, se pouco quebrado, é a
ter uma potência nutritiva muito        muito rica, onde para cada semen-       canjica que se cozinha com água ou
grande. Não há nenhum outro             te plantada se colhiam setenta. Na      leite, e pode ser enriquecido com sal,
vegetal que sozinho seja capaz de       modernidade só o milho ultrapassou      açúcar, coco, amendoim. Se a tritura-
tudo isso.                              esse número.                            ção atingir o estado de pó, é o fubá-
     O milho nasceu na América. Foi        Os índios faziam um roçado           de-canjica, considerado mais nobre
levado para a Europa depois do des-     rústico com machados de pedra,          do que o fubá comum. Também se
cobrimento. No centro e no norte,       esperavam secar, botavam fogo           pode fazer fubá-de-canjica no moi-
onde já se comia pão de trigo, ele      e plantavam milho, por uns dois         nho, com milho despeliculado. Mas
não teve lugar na mesa. Foi destina-    anos seguidos. A terra se esgotava      o fubá comum leva uma vantagem:
do aos animais. Depois perdeu lugar     e eles abandonavam aquele roçado,       mantém a película que não é digerí-
para a batata, também americana.        cuja mata se recuperava. O branco
Bem ao sul, apesar do pão e das         chegou com a foice e o machado de                           (continua na próxima página)

massas de trigo, o milho já teve seu    aço e a eficiência no roçar aumen-
lugar importante na alimentação
humana com a polenta.
                                        tou muito. Começou a devastação,
                                        o desmatamento, as grandes quei-        REVISÃO
     A polenta tem uma história inte-   madas, a erosão, a desertificação, o     de textos em geral
ressante. Os italianos dizem que são    empobrecimento.
                                                                                  Ligia Pezzuto
os seus inventores e os brasileiros,       Os índios desenvolveram mal o          Especialista em Língua Portuguesa
particularmente os mineiros, se van-    beneficiamento do milho. Comiam-
gloriam de serem os criadores dela      no cru, assado, cozido. No máximo         (11) 3864-4494 ou 8546-1725
com outro nome, o angu. Nenhum          quebravam-no com o pilão. A Amé-
dos dois tem razão. Quem inventou       rica aprendeu a moer o milho com
a polenta ou o angu foram os africa-    os europeus, em moinhos iguais aos        ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
nos. Mas como, se os africanos não      de trigo. Uma pedra rotativa rolava        ADVOGADO - OAB-SP 51.532
tinham milho? Tá certo, mas eles        sobre outra, esmagando os grãos até
                                                                                 ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
tinham o sorgo, o chamado milho         virarem pó. Esse pó, cru, recebeu um      NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
dos pobres. Tudo o que se faz com       nome, o substantivo fubá, talvez para       COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
um, se faz com o outro. O sorgo é um    se diferenciar da farinha de trigo,      ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
parente do milho que exige poucas       simplesmente chamada farinha. O          TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
chuvas e viceja naturalmente nos        fubá processado numa chapa quente
campos africanos. A história registra   virou farinha de milho. Isto deve ter
que as hostes romanas já comeram        sido copiado da mandioca, porque o
                                                                                Terminou de
angu no norte da África, mil anos       processamento é semelhante.
antes do descobrimento. Os negros          Os pilões manuais foram melho-       escrever seu
levaram o angu nas suas migrações.      rados nos pilões mecânicos, movidos     livro? Então
A Itália é muito próxima da África,     à água, o monjolo e a trapizonga,       publique!
tanto que há uma grande população       este último constituído de monjolos
italiana com os sobrenomes: Nero,       múltiplos, um engenho com um
                                                                                 Nesta hora importante, não deixe de
Negrini, Del Nero, Negroni, Dal Pre-    eixo excêntrico acionando vários
                                                                                 consultar a RUMO EDITORIAL.
ti, todos descendentes de africanos.    braços. Um uso destes últimos foi na
                                                                                 Publicações com qualidade impecável,
Ao Brasil o angu chegou nos navios      mineração de ouro, para pulverizar       dedicação, cuidado artesanal e preço
negreiros.                              as pepitas.                              justo. Você não tem mais desculpas
     Nos Andes, junto ao lago Titi-        Onde não havia moinhos de pe-         para deixar seu talento na gaveta.
caca, muito piscoso, os indígenas       dra engenhou-se uma forma prática           rumoeditorial@uol.com.br
depositavam um peixe dentro de          de beneficiar o milho. Deixava-se o              (11) 9182-4815
cada cova de plantio de milho, como     grão de molho para amolecer, inchar
adubação orgânica. O milho é uma        e soltar a película envoltória que
8     O BANDEIRANTE - Setembro de 2009
                                                                                              SUPLEMENTO LITERÁRIO




                                          Coma-se Milho

(continuação da página anterior)

vel e forma as fibras indispensáveis    se esqueceram do fubá, ou ficaram         na geladeira e aquecer na hora de
para a saúde dos intestinos. Mais       com preguiça de usá-lo. Eles fize-        comer. Quando menino eu morei
barato e melhor.                        ram como os traficantes: vendem o         com minha madrinha, casada com
    As proteínas do milho são duras,    produto barato, a crédito, até que o      descendentes de ingleses, e era cos-
difíceis de fragmentar-se em ami-       freguês vicie e não possa mais viver      tume a empregada nos acordar com
noácidos no processo digestivo. Os      sem o produto.                            um fumegante prato de creme de
milhos amarelos são todos assim.           Quanto sustenta um pãozinho de         aveia, que tomávamos na cama. Mi-
Institutos de pesquisa criaram um       50 gramas? Nada. Coisa nenhuma!           lho é mais completo do que aveia.
milho branco mais rico em proteínas     Não tem proteínas, não tem gor-               Ao cozinhar feijão, um produto
e mais “mole”, mas não tenho notí-      duras, nem vitaminas. Tem apenas          geralmente caro, ponha fubá para
cia dele no mercado.                                                                             engrossar o caldo e
Acho que não vingou.                                                                             baratear o custo. Au-
Mas agora o milho                                                                                menta muito o volu-
amarelo comercial                                                                                me, rende, fica mais
comum ficou fácil de                                                                             forte e gostoso, ali-
desdobrar, com os                                                                                menta. E dispensa a
produtos pré-cozidos                                                                             carne, porque já tem
(quimilho, milharina,                                                                            as proteínas neces-
polentina, fubá, etc),                                                                           sárias. É ideal para
e com fogão a gás, pa-                                                                           merendas escolares,
nela de pressão e pa-                                                                            instituições com gran-
nelas antiaderentes;                                                                             des cozinhas, como
ficou bem digestivo.                                                                             creches, asilos, alber-
    O fubá comum, de                                                                             gues, abrigos, restau-
granulação levemente                                                                             rantes coletivos. Ou
grosseira, e mesmo                                                                               para a sua família,
o mais fino, o fubá                                                                              vegetariana ou não.
pré-cozido e os flocos                                                                               Somos hoje um
para polenta, cuscuz                                                                             dos maiores produto-
e mingau são os mais                                                                             res de milho do mun-
baratos alimentos que                                                                            do. Mas não fizemos
existem. O povo deixou de usá-los       hidrato de carbono que engorda            como os mexicanos, que não perde-
por causa de uma esperteza dos          adoidado e muito sal, que faz subir       ram sua cultura alimentar, embora
produtores estrangeiros de trigo,       a pressão. É só volume, a arte de         eles produzam muito menos milho
Estados Unidos, Canadá, e uma           industrializar ar. É vento assado...      do que nós e estejam pertinho dos
safadeza dos políticos brasileiros.     Pegue 50 gramas de fubá e cozinhe         Estados Unidos, grande produtor
Os governos deles compravam (e          em água. Verá que faz volume, sus-        de trigo. Mesmo que sejam pobres,
ainda compram) o trigo dos seus         tenta. Dá sustança, como diz o caipira.   porque seu território é menor e
produtores por um preço alto e nos      Ponha açúcar e terá combustível para      menos aproveitável e tenham muitos
vendiam mais barato, a crédito, com     crianças, jovens e trabalhadores,         filhos, são capazes de produzir seu
financiamentos de longo prazo, 10,      gente que gasta energia. Ponha leite      próprio alimento. Sua agricultura
20 anos para pagar. Que vergonha,       em vez de água e ponha ovo: terá o        de subsistência funciona. Histori-
comermos a crédito! Os políticos        mais completo alimento para todos,        camente o Brasil nunca conseguiu
brasileiros, interessados em pão,       crianças, adultos, velhos. É um ver-      produzir mais do que 30 a 40% do
circo e votos, aliviavam os impostos    dadeiro coquetel de saúde. Pode ser       trigo que consumia e nos últimos
de importação. A farinha ficou tão      mingau na mamadeira, mingau de            60 anos sempre dependeu deste ali-
barata que substituiu a cal no bali-    se comer com colher, cuscuz, farofa,      mento produzido no exterior. Será a
zamento dos campos de futebol! O        farinha, bolo, pudim, angu, polenta       “Síndrome de Portugal”, cujo prato
pãozinho ficou tão barato, durante      em pedaços. Para os apressados, bas-      principal é o bacalhau produzido na
tanto tempo, que as donas de casa       ta preparar no dia anterior, guardar      Noruega?

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O Bandeirante - n.202 - Setembro de 2009

  • 1. Jornal O Bandeirante Ano XVIII - no 202 - Setembro de 2009 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP A Internet, o Português e o Internetês Helio Begliomini “Não se pode chamar realmente de língua ao idioma que não possui escritor”. Médico urologista Pietro Bembo (1470-1547), literato italiano. Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). A revolução nos meios de comunicação so- administração do narcotráfico; facilitar a cor- em “kem”; “saudações” em “sds”; “falou” em cial é simplesmente assustadora e encantadora, rupção, dentre tantas outras ações malévolas. “flw”; “beleza” em “bls”; “demais” em “d+”, sobremodo para quem a tem acompanhado O vernáculo não ficou imune a essas vi- já em “jah”, etc., etc. desde a época em que só se dispunham do cissitudes. Em pouco tempo, precisamente no Dentre os símbolos gráficos mais usuais, rádio e da televisão em preto e branco, com final dos anos 80, portanto, há menos de quatro tem-se: J ou :-) que significam sorrir; }{ poucos aparelhos existentes. Assistir televisão lustros, tem-se assistido a uma deformação do subentendendo encontro de faces; :-@ que não era somente um luxo, mas um aconteci- idioma e o surgimento de uma língua paralela expressa grito e ;-) que deve se entendido mento, em que se reuniam familiares, parentes ou mesmo marginal, que é justificada pela sua como piscar. e vizinhos. Ou para quem é da época em que rapidez e praticidade na comunicação digitada Postas essas considerações, deve-se per- para se fazer um contato interurbano era no teclado do computador. Eis a formação do guntar: O internetês não estaria colaborando necessário a ida a uma cabine telefônica da internetês – corruptela do idioma português na para o mal-aprendizado da língua culta, cidade; a intermediação de uma telefonista Internet –, expresso nos seus dialetos virtuais sobremodo por ser praticado e absorvido por que após longo tempo de espera completava do bloguês e do orkutês. adolescentes que sequer tenham aprendido a ligação, com qualidade precária do som, “Naum sab?” é uma dentre tantas expres- e sedimentado o português – que não é um acompanhado de ruídos, chiados e reverbe- sões existentes. As principais características idioma fácil –, acrescido do fato de que em rações. Ou ainda, se utilizava o Correio para nossas escolas, particularmente as públicas, mandar e receber cartas de amor, que sempre apresentarem grandes deficiências no ensino? demandavam um tempo excessivamente longo E aí há duas correntes divergentes de opiniões, para chegar. não somente entre os jovens, mas também Embora esses exemplos sejam do milênio entre os especialistas afins. passado, são realidades vividas há menos de Os mais puristas acham que o internetês quarenta anos! tem agredido ou mesmo assassinado a língua Não resta nenhuma dúvida de que a era portuguesa em sua gramática, pois a deturpa da informática mudou e tem mudado a vida muito mais ainda do que na forma coloquial- do mundo. Ontem, o analfabeto era quem mente falada no dia a dia. não sabia ler ou escrever. Hoje, já se considera Outros alegam que qualquer idioma vivo é excluído da sociedade quem não tem acesso necessariamente dinâmico, que muda ao longo à Internet. E os países pobres ou em desen- do tempo, pois, sendo um fenômeno social, volvimento, particularmente o Brasil, ainda acompanha o desenvolvimento da sociedade. estão longe de vencer a primeira etapa, que Por conseguinte, acham que o internetês seja independe da custosa tecnologia! apenas mais uma forma particular da expres- Modestamente penso que a Internet, na são vernacular. história da civilização, deva ser considerada Embora o internetês seja ágil e versátil, como um divisor de Eras, tamanho tem sido desta neo-expressão grafológica são a exces- pois mescla a escrita formal e informal, além seus benefícios, modificação e repercussão siva abreviação e a exiguidade de vocábulos; da utilização de sinais e símbolos, ele não na vida dos terráqueos. Através dela pode-se as vogais desaparecem; o “h” (agá) substitui é admitido em situações da norma culta de informar, ouvir músicas, enviar ou receber os acentos; são utilizados sinais, siglas e sím- linguagem, tais como provas, exames, pales- fotografias, textos, ou mesmo livros; conhecer bolos, conhecidos também como emoticons tras, entrevistas, redação de contratos, ofícios, museus, adquirir vários bens de consumo; – desenhos e fácies que expressam emoções –, petições... etc., etc. comprar ingressos de espetáculos ou roteiros propiciando uma verdadeira transformação Será que um adolescente ou um jovem tem turísticos; fazer cotações; direcionar-se em (adulteração) das palavras, cuja finalidade é plena consciência dessa diferenciação? Estaria grandes metrópoles; obter mapas geográ- conversar pelo teclado numa velocidade célere o internetês prejudicando ainda mais o apren- ficos; empreender pesquisas várias; realizar e próxima à da fala. dizado adequado, para não dizer escorreito, do transações bancárias, dentre tantos outros Assim, dentro de seu léxico, o “cadê” vernáculo? O que você acha? predicados. transforma-se em “kd”; “beijo” em “bju”; A fim de favorecer sua reflexão, vale a Infelizmente, também pela Internet, “beijão” em “bjaum”; “depois” em “dps” pena recordar a frase lapidar do célebre es- pode-se disseminar a pornografia; estimular “fique”em “fik”; “você” em “vc”; “não” em critor português, Fernando Antonio Nogueira a pedofilia; incentivar o preconceito racial; “naum”; “e” em “&”; “aqui”em “aki”; “folhas” Pessoa (1888-1935): “minha pátria é a língua estruturar a logística do crime organizado e a em “fls”; “até” e “ateh”; “é” em “eh”; “quem” portuguesa”.
  • 2. 2 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 A Provedora dos Gatos eXPeDIeNte 10h00...faça sol ou chuva, ou tempo morno, os oito gatos lá estão à espera de sua Jornal O Bandeirante provedora... parecem todos da mesma família ANO XVIII - no 202 - Setembro 2009 pela homogeneidade das cores... ficam sorra- Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos teiros entre folhagens de planta, em um único Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros local do Parque do Ibirapuera, em S.Paulo... - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor: Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: pressentem, com extrema exatidão a chegada Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão, Carlos José da provedora. Magra, alta, sempre apressada, Benatti, Geovah Paulo da Cruz, Helio Begliomini, José nem bem chega com sua sacola de comidas e Jucovsky, Josyanne Rita de Arruda Franco, Luiz Jorge Ferreira, Marcos Gimenes Salun, Sergio Perazzo.Tiragem todos vão em sua direção... ela, rapidamen- desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail. te, abre a sacola, despeja a comida num trecho acimentado sobre a grama, Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio bem próximo à calçada... e rapidamente recolhe os talheres e pratos... não Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. traz líquidos... e incontinenti se retira... faz isso todos os dias... na mesma Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo- hora... no início me parecia que ela o fazia por prazer, pois ia com calma e Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal se retirava da mesma forma... com o tempo percebi um aceleramento nos Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo seus passos e uma certa inquietação... ultimamente, tenho-a visto, irritada da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré. mesmo, superapressada, já não põe a comida no acimentado mas a joga Matérias assinadas são de responsabilidade de seus com certa raiva e sai numa pressa incrível... fiquei pensando...e se um dia autores e não representam, necessariamente, a ela morrer, ou se curar de seu ato obsessivo, como fica? Os gatos ficarão opinião da Sobrames-SP perplexos... duvidarão de si próprios se não perderam a noção do tempo... Editores de O Bandeirante será que perderam o horário-chave das 10 horas? Não, impossível... e como Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992 Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994 explicar o vazio que ficou... imenso vazio... a mente dos animais não exige Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996 explicação... somente uma constatação... sem mergulho nas suas causas... Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 acabou, acabou!!... vamos procurar outra alternativa de sobrevivência... é Helio Begliomini – maio de 2009 - verdade que os incautos passarinhos que por ali aterrizam não são suficien- Editor: Helio Begliomini tes para cessar a fome e a necessidade protéica e calórica... mas, por um Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto instante, captei o pensamento dos gatos... e das gatas... perplexas... o qual Diagramação: Mateus Marins Cardoso Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica dizia... e ainda tem gente que acha que ninguém faz falta neste mundo... ledo engano... principalmente os obsessivos que nutrem o planeta, sustentando PUBLICIDADE os histéricos, os fóbicos e... os normais... Carlos José Benatti TABELA DE PREÇOS 2009 Médico ginecologista em São Paulo (valor do anúncio por edição) 1 módulo horizontal R$ 30,00 2 módulos horizontais R$ 60,00 3 módulos horizontais R$ 90,00 Walter Whitton Harris 2 módulos verticais R$ 60,00 Cirurgia do Pé e Tornozelo 4 módulos R$ 120,00 Ortopedia e Traumatologia Geral 6 módulos R$ 180,00 CRM 18317 Av. República do Líbano, 344 Outros tamanhos sob consulta Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833 heomini.ops@terra.com.br Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br ligiapezzuto@terra.com.br Cel. 9932 5098  CUPOM DE ASSINATURAS* longevità Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675 Nome:___________________________________________________________ estética facial, corporal e odontológica * massagem * Drenagem * bronze Spray * End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * rPG Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar ________________________________ nº. _______ complemento _________ Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________ Clínica Benatti Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF) Obstetrícia *Disponível para o público em geral e para não sócios da SOBRAMES-SP Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal a SOBRAMES-SP para REDAÇÃO Mastologia “O Bandeirante” R. Bias, 234 - Tremembé - CEP 02371-020 - São Paulo - SP Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega (11) 2215-2951
  • 3. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 3 Bola de Cristal Infinitude Profética José Jucovsky Médico aposentado em São Paulo Submetidos a tecnológicas inovações Sem mais mistérios, o DNA vivificador Estilos de vidas em décadas sob pressões Sopra vigorosos milagres dum futuro sedutor Permitirão expandir amplamente pioneira Na bola de cristal da física quântica e da genética A bio-nanotecnologia pela vez primeira! Flui a pseudo-onipotente infinitude profética! A fantástica viagem na era da informática As visões das nossas próprias existências clonadas Integra a técnica da engenharia genética Destino desejado por heranças remodeladas Analogias entre circuitos integrados sensíveis Compõem novos bailados sob peregrino céu Entreabrem portas a todos os impossíveis! No vir a ser em fascinantes jornadas ao léu! Com o “Livro da Vida” decodificado Os passos do conhecimento a serem dados A “Evolução” torna-se coisa do passado... Marcam o século XXI para serem conquistados O projeto genoma na sua genialidade Por incansáveis cientistas e inventores visionários Poderá ser o começo de uma outra humanidade!? Da longevidade em corpos humanos revolucionários. Sinceridade Marcos Gimenes Salun Jornalista em São Paulo A mentira é uma conveniência. Seria bom se tentássemos egoísmo. Apenas decidimos o que melhor nos convém e damos ser menos convenientes com certas coisas. Pelo menos não se- o caso por encerrado assim que nos convencemos de que aquilo ríamos tão mentirosos. Principalmente com relação às pessoas é realmente o melhor. Para nós mesmos. a quem prezamos e queremos muito, deveríamos ser um pouco E então mentimos. Descaradamente. Esquecemo-nos da menos inconvenientes de vez em quando. Faria um bem dana- fidelidade e da gratidão. Esquecemo-nos momentaneamente do a todos, pois pelo menos não seríamos apenas o protótipo do quanto já havíamos feito para que acreditassem em nós. latente da mentira. E haveria o mais legítimo carinho, o mais Desprezamos a sinceridade do relacionamento para priorizar puro querer bem! a conveniência. E isso nos basta, quase sempre. Só que, infeliz- Já a conveniência é uma questão de escolha. Seria bom se mente, é assim que perdemos a credibilidade e a confiança que tentássemos escolher com mais critério o que nos convém. Pelo tanto nos custou a conquistar e que são fundamentais para tudo menos não seríamos tão superficiais com relação à verdade. o mais que pretendemos. Perdidas a confiança e a credibilidade, Principalmente com relação à pretensa verdade de certas esco- pouco nos resta. lhas que fazemos por conveniência momentânea. Deveríamos A relação entre as pessoas é complexa demais para que se ter um pouco mais de senso, do bom, na hora de priorizar possa decidir certas coisas apenas com um olhar ou com algumas escolhas, pois certamente estaríamos mentindo um pouco palavras. É pouco para nosso ser ávido de conquistas e pleno de menos. Menos para uns e mais para outros, é verdade, pois conveniências. Deveria ser assim, é verdade, mas infelizmente infelizmente sempre haveria mais mentiras e conveniências não é, simplesmente porque sempre uma das partes vai querer do que sinceridade e verdade na maioria de nossas escolhas. É ser mais conveniente que a outra. É daí que vem uma mentira próprio de nós humanos. conveniente, um olhar conveniente, uma palavra não menos Por sua vez, a escolha é uma prioridade regida pelo egoísmo. conveniente... E, é claro, a mentira. Mentira não... Conveniên- Temos plena convicção de ter feito as escolhas certas, sempre cia. Ninguém diz mentiras. Todos são convenientes. E sempre que nos certificamos que estas são certas para nós mesmos. são extremamente sinceros em suas conveniências, pelo menos Raramente temos um olhar macro, justamente por causa do consigo mesmos.
  • 4. 4 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Misamply e Lolobay Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). Há coisas na vida que nos deixam atônitos. Embora saibamos que um dia vão acontecer, surpreendemo-nos da forma como ocorrem. Uma delas é a morte. Temos ciência de que passaremos por ela, mas ignoramos o dia, a hora e a maneira. Estava pensativo e fora de órbita quando li no mural de avisos do velório: Geraldo Magela Tabarani dos Santos – sala 2. Não conseguia acreditar que aquele meu amigo de há mais de trinta anos tinha dado cabo à sua vida com um tiro na cabeça, da mesma maneira que sua filha há cerca de três anos e meio. Estava sempre bem-humorado e bem-disposto; era esportista, advogado e apresentava-se na reta final de conclusão de sua pós-graduação. O Bruno, meu filho, tinha passado um fraterno, alegre e descontraído final de semana com ele e seu filho Felipe, em seu sítio, em Taubaté, há apenas uma semana! Minha esposa agradeceu-lhe, por telefone, a estadia e a atenção prestadas. E como de praxe, ele esboçou cordialidade e amizade. Em nossa convivência, o Geraldo sempre demonstrou alegria, espontaneidade, firmeza e altruísmo. Não, não dava para acreditar no que eu estava sentindo e vendo. Ele era sempre o mesmo amigo que conheci na Comunidade de Jovens do Tremembé. Participamos de muitos encontros, passeios, festas, atividades sociais e religiosas. Lembro-me no início de nossa juventude quando ele, que já tinha ar de machão, foi surpreendido por mim com bobes na cabeça e com uma cueca de rendinhas, à moda feminina. Daí surgiram dois apelidos inventados respectiva e instantane- amente: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay. E eles foram ditos inúmeras vezes quando nos encontrávamos, nos mais diversos ambientes, ainda que a idade e o tempo estivessem passando. Realmente, não era possível imaginar o Geraldo, de aparência tão forte, ter abdicado tragicamente do convívio de seus familiares e amigos! Não faltaram especulações sobre os possíveis porquês: A ferida não cicatrizada pela morte trágica e inexplicável de sua filha... a separação da esposa alguns meses atrás... a morte da mãe há dois meses... problemas no trabalho... depressão... perda do prazer de viver... saudade incoercível de sua filha e mãe... Entretanto, quaisquer que fossem os motivos tornava-se impensável admitir que ele tivesse tomado essa sombria e irrevogável decisão. Confesso que tive remorso e um sentimento de culpa me abateu por uma possível omissão em tentar ajudá-lo. Mas ele não esboçava necessidades. Ao contrário, misturado à sua alegria, era calculista e aparentava ser autossuficiente. Quando sua filha morreu, ele e a esposa, Ana Telma, resolveram doar os órgãos dela. Não me esqueço que embora ele não perten- cesse à área da saúde, conseguiu permissão para assistir o transplante de coração, tendo sua filha como doadora. Quanta coragem e ousadia! No seu computador de trabalho, havia fotos de sua mãe, Dea, e da sua querida filha, Andrezza. Pais e filhos... dois dos mais valiosos patrimônios materiais e imateriais que o Criador pode nos conceder! O pensamento voltava-se para a dor que seu pai estava experimentando – ele, que por três vezes fora submetido à cirurgia cardíaca –, assim como pelo futuro psicológico que seu filho poderia ter. Por mais que nosso corpo estivesse presente entre seus familiares e amigos, todos estávamos transtornados e envolvidos de alguma forma nessa tragédia. Nosso pensamento divagava não querendo acreditar na crua realidade. Era exatamente a réplica dos sentimentos e da perplexidade que tivemos com relação à morte sinistra de sua filha. Essa tinha sido a autodetonação do homem-bomba que involuntariamente lesaria e mutilaria a todos os seus entes que- ridos. Embora não convivêssemos sob o mesmo teto, considerávamo-nos parte de sua vida e, consequentemente, sua morte estava levando um pouco de cada um daqueles que o amava. Toda uma experiência vivida passava instantaneamente como um filme em minha mente. Foi indelével a nossa alegria quando por reiteradas vezes conseguíamos escalar a íngreme Pedra do Baú, em Campos do Jordão, sendo a última há quase sete anos, quando eu tinha 40 e você, Geraldo, 39 anos. Quando jovens subíamos com outros amigos. Nessa última vez nos atrevemos, juntamente com seu irmão Pio, a escalá-la com nossos filhos e alguns de seus sobrinhos. Lembro-me que há exatos três anos tivemos um jantar em comemoração pelos nossos vinte anos de casamento. Além da Aida, minha esposa, e da Ana Telma, estavam nossos amigos José Alberto e Tânia, que também tinham casado na mesma época, além do Pio com a Stefanie, que foram padrinhos nos três matrimônios. É, Geraldo... não consigo imaginar que você não esteja mais em nosso convívio. Prefiro me iludir e vê-lo sempre sorrindo, disposto e entusiasmado, e chamá-lo como nos velhos tempos: Geraldão das candongas com seu misamply e lolobay. E, por trás destas enigmáticas palavras, ocultavam-se virtualmente a nossa inolvidável amizade e a nossa trajetória desde os tempos de adolescência, que vinham à tona instantaneamente, toda vez que as pronunciávamos.
  • 5. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 5 Suburbia Sergio Perazzo Médico psiquiatra em São Paulo Ovo colorido no balcão do bar. do Mané Mão-de-vaca, do terreiro de umbanda Dois dedos de cachaça, mulato banguela, varapau, e a cruz da capelinha de melão. quem paga, na porrinha entre cervejas chocas, É de São João...é de São João... desempata ímpar ou par. marcação de caixa de fósforos, Pinguços aos tropeços cavaquinho e reco-reco São Jorge, espada e cavalo, na calçada fazendo chalaça. e bolinhos de bacalhau bordados no banco do lotação Massa tampando e alisando sem azeite e sem espinhos. onde jaz por um momento o reboco fosco da parede na modorra refestelado, cheirando a óleo de linhaça. Donas de casa despachadas dragão adormecido, com sacolas atulhadas o motorista caniculado Chorinho e jaqueira no quintal da xepa da feira de sábado, da sesta do meio-dia, entre penas de pato e de galinha. minguados legumes, fechado para a fila conformada Bujões de gás na cozinha. melancia aguada, de passageiros ao relento. Mãos enxugando o avental, amareladas verduras, rangidos de dobradiças no portão, pastel de vento Ecos das peladas de dia inteiro, docinhos de Cosme e Damião. que nada contém, courinho ou bola de meia, macarronada e salada uniformes desbotados Frango e leitão de padaria, no preparo do almoço crucificados ao sol dos varais camiseta, chinelo e suspensório, do domingo que vem. ou espreguiçados em coradouros, rádio de pilha abominável, duracel, preguiçosos torcedores. amplificando aos berros Burros sem rabo e estrume o programa de auditório enfileirando ruas de barro. Avesso das praias e parques, ou novela de mistério, Pingentes não preciosos o pedaço que não saiu no mapa O céu é o limite, Ministério quase caindo de maduros nem no colorido do cartão postal. de perguntas cretinas, PRK30, na linha, da beira do vagão, Estrofes de segunda mão Papel carbono, Jerônimo, despejando meia-fábrica num dó menor de samba-canção. O Sombra, não sei mais quê, de horas extras e cansaço Parágrafo de um conto mal-ajam- patrocínio Cashmere Bouquet. na plataforma da estação. brado, Como se sente, rim doente? de anonimatos, Tome Urodonal e viva contente. É você quem manda de casas de pasto, no tabuleiro do camelô de casas de cômodos, Velhas siglas se sucedendo espremido na porta da venda. de cortiços, de muquifos, de sobrados, no ritmo paralelo dos trilhos, Parada de ônibus entre a tenda de quartos sombrios de pensão. nas janelas quebradas do trem: IAPETEC, IAPI, IAPC, IAPB, das tabuletas descascadas, Acróstico Libertário (Pará) despencadas, sem prego, sem grude, (Poesia de guardanapo) das faces de velhos conjuntos, desconjuntos habitacionais de venezianas despedaçadas Carlos Augusto Ferreira Galvão e vidros vazados, Médico psiquiatra em São Paulo olho e venda de pirata, pelas atiradeiras e bolas de gude P ara um povo de passado duro da vizinhança de pé no chão. A mar é resistir com alacridade R evolvendo o Araguaia ainda escuro Pés de chinelos de arrabalde Á vançando assim na via Liberdade. anotam num rabisco o milhar do jogo do bicho no mármore da mesa do boteco
  • 6. 6 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Três Contos Negros para um Cara Pálido Luiz Jorge Ferreira Médico clínico em São Paulo Replantar árvores de noite. Na calada da noite, quando ele que a abrira ou fora Alice que, saindo de tardezinha, os cães principiam a adormecer imersos em sonhos nua para estender seu vestido de chita colorida e deixá-lo repletos de ossos enterrados. Cães sonham. secar ao sabor da brisa morna da madrugada, a esquecera Neste mesmo instante estão os gatos pelos telhados aberta. barulhentos e sedentos de pecados. Ela sentou-se à mesa da cozinha e ficou riscando com A silhueta da lua jaz em uma lata abandonada de uma faca quase sem fio um desenho bizarro de galos, sardinha, aberta e atirada ao acaso no quintal metade boiada, pássaros e miúdos meninos de curtas asas. acimentado. Ele desce de chinelos muito surrados, Sem notar que entravam formigas, percevejos, grilos arrastando lado esquerdo, corpo semiparalisado. Enxerga e cupins. E começavam a importuná-la. Nem viu quando pouco. Próximo e adiante. Mas sonha também como os ele entrou. Havia replantado árvores, sujado de sêmen cães, com replantar árvores. o vestido de Alice e amarrado os cães aos gatos em cima Ninguém desconfia que ele é quem quebra o cimento do telhado. pacientemente com uma lâmina tosca, noite após noite. E que é ele que se masturba incompletamente na roupa íntima dependurada de Alice. Para depois lavar a mão no balde, cheio de água aparada da bica. Onde às vezes a lua também mija. Ela abre a casa. Escancara as janelas e enxota as formigas com uma vassoura tão velha quanto ela. Atira pedras nos sapos e arranca as trepadeiras que se agarram na janela traseira do barranco em que mora com o marido semiparalítico, ex-madeireiro que, durante três décadas, quase desmatou toda a região do Sul do Pará. Enquanto ela repete este ritual de abrir escandalosamente portas e Entrara pulando. janelas, ele deixa-se ficar na cama ao lado de sua perna Estava a perna dento do córrego a espiar Alice que mecânica presa entre duas cadeiras e a mesinha do rádio se banhava. a pilha, sua companhia mais íntima. Ela é quem encontra Ele entrou nu negro em uma perna só. a roupa suja e amarelada com vestígios de sangue. É ela Alice chateada com a briga do casal uma tarde de Natal quem nota o balde de água suja e atribui aos gatos. viajou para o Paraná onde vendeu seu olho de vidro e Uma noite ela sentindo-se sozinha e solitária vai até sua alugou uma casa para cuidar dos gatos sapos e um casal cama. Ele não estava. Havia vestido sua perna mecânica de morcegos que vieram com ela dentro da sacola do e saíra pela porta da cozinha. Ficou em dúvida se fora Banco do Brasil. Amor Tardio Entre, abra a porta e preencha o vazio Josyanne Rita de Arruda Franco das horas já mortas, dos dias tão frios. Médica pediatra em Jundiaí Está quente? Que importa? Não é relevante se a vida só gosta das horas de dantes! A vida prefere viver de lembranças... Eu não! Eu prefiro a doce esperança do que está por vir, da grande surpresa que é desejar ser mais que certeza. Eu gosto dos sonhos e da fantasia! Eu quero a bonança de crer que os dias são puro acaso, são bela orgia e ter, por inteiro, a vida que expia...
  • 7. SUPLEMENTO LITERÁRIO O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 7 Coma-se Milho Geovah Paulo da Cruz Médico oftalmologista em São Paulo. Frango é milho que anda. Se planta muito exigente, não produz era jogada fora na lavagem ou na milho vira frango, leite, carne, ovo, em solos pobres, nem ácidos. Mas sopragem, para em seguida triturá- banha, pele, vísceras, e como afro- é muito produtivo. Na Bíblia se diz lo no pilão manual ou no monjolo. disíaco dá filhote e cria, então deve que Canaã era a terra prometida, Este milho, se pouco quebrado, é a ter uma potência nutritiva muito muito rica, onde para cada semen- canjica que se cozinha com água ou grande. Não há nenhum outro te plantada se colhiam setenta. Na leite, e pode ser enriquecido com sal, vegetal que sozinho seja capaz de modernidade só o milho ultrapassou açúcar, coco, amendoim. Se a tritura- tudo isso. esse número. ção atingir o estado de pó, é o fubá- O milho nasceu na América. Foi Os índios faziam um roçado de-canjica, considerado mais nobre levado para a Europa depois do des- rústico com machados de pedra, do que o fubá comum. Também se cobrimento. No centro e no norte, esperavam secar, botavam fogo pode fazer fubá-de-canjica no moi- onde já se comia pão de trigo, ele e plantavam milho, por uns dois nho, com milho despeliculado. Mas não teve lugar na mesa. Foi destina- anos seguidos. A terra se esgotava o fubá comum leva uma vantagem: do aos animais. Depois perdeu lugar e eles abandonavam aquele roçado, mantém a película que não é digerí- para a batata, também americana. cuja mata se recuperava. O branco Bem ao sul, apesar do pão e das chegou com a foice e o machado de (continua na próxima página) massas de trigo, o milho já teve seu aço e a eficiência no roçar aumen- lugar importante na alimentação humana com a polenta. tou muito. Começou a devastação, o desmatamento, as grandes quei- REVISÃO A polenta tem uma história inte- madas, a erosão, a desertificação, o de textos em geral ressante. Os italianos dizem que são empobrecimento. Ligia Pezzuto os seus inventores e os brasileiros, Os índios desenvolveram mal o Especialista em Língua Portuguesa particularmente os mineiros, se van- beneficiamento do milho. Comiam- gloriam de serem os criadores dela no cru, assado, cozido. No máximo (11) 3864-4494 ou 8546-1725 com outro nome, o angu. Nenhum quebravam-no com o pilão. A Amé- dos dois tem razão. Quem inventou rica aprendeu a moer o milho com a polenta ou o angu foram os africa- os europeus, em moinhos iguais aos ROBERTO CAETANO MIRAGLIA nos. Mas como, se os africanos não de trigo. Uma pedra rotativa rolava ADVOGADO - OAB-SP 51.532 tinham milho? Tá certo, mas eles sobre outra, esmagando os grãos até ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS tinham o sorgo, o chamado milho virarem pó. Esse pó, cru, recebeu um NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO dos pobres. Tudo o que se faz com nome, o substantivo fubá, talvez para COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS um, se faz com o outro. O sorgo é um se diferenciar da farinha de trigo, ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA parente do milho que exige poucas simplesmente chamada farinha. O TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224 chuvas e viceja naturalmente nos fubá processado numa chapa quente campos africanos. A história registra virou farinha de milho. Isto deve ter que as hostes romanas já comeram sido copiado da mandioca, porque o Terminou de angu no norte da África, mil anos processamento é semelhante. antes do descobrimento. Os negros Os pilões manuais foram melho- escrever seu levaram o angu nas suas migrações. rados nos pilões mecânicos, movidos livro? Então A Itália é muito próxima da África, à água, o monjolo e a trapizonga, publique! tanto que há uma grande população este último constituído de monjolos italiana com os sobrenomes: Nero, múltiplos, um engenho com um Nesta hora importante, não deixe de Negrini, Del Nero, Negroni, Dal Pre- eixo excêntrico acionando vários consultar a RUMO EDITORIAL. ti, todos descendentes de africanos. braços. Um uso destes últimos foi na Publicações com qualidade impecável, Ao Brasil o angu chegou nos navios mineração de ouro, para pulverizar dedicação, cuidado artesanal e preço negreiros. as pepitas. justo. Você não tem mais desculpas Nos Andes, junto ao lago Titi- Onde não havia moinhos de pe- para deixar seu talento na gaveta. caca, muito piscoso, os indígenas dra engenhou-se uma forma prática rumoeditorial@uol.com.br depositavam um peixe dentro de de beneficiar o milho. Deixava-se o (11) 9182-4815 cada cova de plantio de milho, como grão de molho para amolecer, inchar adubação orgânica. O milho é uma e soltar a película envoltória que
  • 8. 8 O BANDEIRANTE - Setembro de 2009 SUPLEMENTO LITERÁRIO Coma-se Milho (continuação da página anterior) vel e forma as fibras indispensáveis se esqueceram do fubá, ou ficaram na geladeira e aquecer na hora de para a saúde dos intestinos. Mais com preguiça de usá-lo. Eles fize- comer. Quando menino eu morei barato e melhor. ram como os traficantes: vendem o com minha madrinha, casada com As proteínas do milho são duras, produto barato, a crédito, até que o descendentes de ingleses, e era cos- difíceis de fragmentar-se em ami- freguês vicie e não possa mais viver tume a empregada nos acordar com noácidos no processo digestivo. Os sem o produto. um fumegante prato de creme de milhos amarelos são todos assim. Quanto sustenta um pãozinho de aveia, que tomávamos na cama. Mi- Institutos de pesquisa criaram um 50 gramas? Nada. Coisa nenhuma! lho é mais completo do que aveia. milho branco mais rico em proteínas Não tem proteínas, não tem gor- Ao cozinhar feijão, um produto e mais “mole”, mas não tenho notí- duras, nem vitaminas. Tem apenas geralmente caro, ponha fubá para cia dele no mercado. engrossar o caldo e Acho que não vingou. baratear o custo. Au- Mas agora o milho menta muito o volu- amarelo comercial me, rende, fica mais comum ficou fácil de forte e gostoso, ali- desdobrar, com os menta. E dispensa a produtos pré-cozidos carne, porque já tem (quimilho, milharina, as proteínas neces- polentina, fubá, etc), sárias. É ideal para e com fogão a gás, pa- merendas escolares, nela de pressão e pa- instituições com gran- nelas antiaderentes; des cozinhas, como ficou bem digestivo. creches, asilos, alber- O fubá comum, de gues, abrigos, restau- granulação levemente rantes coletivos. Ou grosseira, e mesmo para a sua família, o mais fino, o fubá vegetariana ou não. pré-cozido e os flocos Somos hoje um para polenta, cuscuz dos maiores produto- e mingau são os mais res de milho do mun- baratos alimentos que do. Mas não fizemos existem. O povo deixou de usá-los hidrato de carbono que engorda como os mexicanos, que não perde- por causa de uma esperteza dos adoidado e muito sal, que faz subir ram sua cultura alimentar, embora produtores estrangeiros de trigo, a pressão. É só volume, a arte de eles produzam muito menos milho Estados Unidos, Canadá, e uma industrializar ar. É vento assado... do que nós e estejam pertinho dos safadeza dos políticos brasileiros. Pegue 50 gramas de fubá e cozinhe Estados Unidos, grande produtor Os governos deles compravam (e em água. Verá que faz volume, sus- de trigo. Mesmo que sejam pobres, ainda compram) o trigo dos seus tenta. Dá sustança, como diz o caipira. porque seu território é menor e produtores por um preço alto e nos Ponha açúcar e terá combustível para menos aproveitável e tenham muitos vendiam mais barato, a crédito, com crianças, jovens e trabalhadores, filhos, são capazes de produzir seu financiamentos de longo prazo, 10, gente que gasta energia. Ponha leite próprio alimento. Sua agricultura 20 anos para pagar. Que vergonha, em vez de água e ponha ovo: terá o de subsistência funciona. Histori- comermos a crédito! Os políticos mais completo alimento para todos, camente o Brasil nunca conseguiu brasileiros, interessados em pão, crianças, adultos, velhos. É um ver- produzir mais do que 30 a 40% do circo e votos, aliviavam os impostos dadeiro coquetel de saúde. Pode ser trigo que consumia e nos últimos de importação. A farinha ficou tão mingau na mamadeira, mingau de 60 anos sempre dependeu deste ali- barata que substituiu a cal no bali- se comer com colher, cuscuz, farofa, mento produzido no exterior. Será a zamento dos campos de futebol! O farinha, bolo, pudim, angu, polenta “Síndrome de Portugal”, cujo prato pãozinho ficou tão barato, durante em pedaços. Para os apressados, bas- principal é o bacalhau produzido na tanto tempo, que as donas de casa ta preparar no dia anterior, guardar Noruega?