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Pontif´ıcia Universidade Cat´olica de S˜ao Paulo
Programa de Estudos P´os-Graduados em Economia Pol´ıtica
Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente
para a economia brasileira
Rafael Donisete Bombonati
S˜ao Paulo
2016
Pontif´ıcia Universidade Cat´olica de S˜ao Paulo
Programa de Estudos P´os-Graduados em Economia Pol´ıtica
Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente
para a economia brasileira
Rafael Donisete Bombonati
Disserta¸c˜ao apresentada `a Banca Examinadora da Pontif´ıcia Uni-
versidade Cat´olica de S˜ao Paulo como exigˆencia parcial para obten¸c˜ao
do t´ıtulo de Mestre em Economia, sob a orienta¸c˜ao da Profa. Dra.
Elizabeth Borelli.
S˜ao Paulo
2016
Rafael Donisete Bombonati
Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente
para a economia brasileira
Disserta¸c˜ao apresentada `a Banca Examinadora da Pontif´ıcia Uni-
versidade Cat´olica de S˜ao Paulo como exigˆencia parcial para obten¸c˜ao
do t´ıtulo de Mestre em Economia, sob a orienta¸c˜ao da Profa. Dra.
Elizabeth Borelli.
Data da defesa: 19/04/16
Banca examinadora
Profa. Dra. Elizabeth Borelli (Orientadora)
PUCSP
Profa. Dra. Anita Kon
PUCSP
Prof. Dr. Vladimir Sipriano Camillo
FSA / S˜ao Judas
Autorizo exclusivamente para fins acadˆemicos e cient´ıficos a re-
produ¸c˜ao total ou parcial desta Disserta¸c˜ao por processos fotocopi-
adores ou eletrˆonicos, para consulta p´ublica e utiliza¸c˜ao como re-
ferˆencia bibliogr´afica desde que citada como referˆencia de autoria,
respeitados os termos da legisla¸c˜ao vigente sobre direitos autorais.
S˜ao Paulo, 19 de Abril de 2016
Assinatura:
`A minha fam´ılia.
Aluno bolsista pela Coordena¸c˜ao de Aperfei¸coamento de
Pessoal de N´ıvel Superior
Agradecimentos
Primeiramente - como n˜ao poderia ser diferente -, gostaria de agradecer `a minha fam´ılia
nas pessoas de minha m˜ae, meu pai e minha irm˜a pela paciˆencia e apoio `a minha decis˜ao
de prosseguir nos estudos, desde a decis˜ao de prestar o exame da ANPEC, largar o tra-
balho e encarar esses dois anos de mestrado na PUCSP. Agrade¸co tamb´em a minha noiva
- futura esposa - pela paciˆencia, compreens˜ao e apoio incondicional nesses dois anos. Aos
meus primos, tios, av´o e afilhada pela for¸ca e torcida, ainda que geograficamente distantes,
agrade¸co profundamente.
Aos amigos do Alcina, da Vila, da Day, da Metˆo, do P˜ao D’Alho e do JB meu muito
obrigado pelas conversas e risadas, cumprindo seu papel, oxigenando a cabe¸ca e renovando
as energias para continuar na caminhada. A divers˜ao tamb´em auxilia nos momentos de
reflex˜ao, e muito.
`A minha orientadora, Profa. Elizabeth Borelli, agrade¸co em especial por todo o su-
porte, pela motiva¸c˜ao dada nesses dois anos, pelo entusiasmo e pela positividade com que
sempre conduziu os trabalhos. Sua postura enquanto docente, incentivando a busca pelo
novo contribuiu muito para que essa pesquisa fosse conclu´ıda.
Aos membros do grupo EITT pelas discuss˜oes, invariavelmente e quinzenalmente as
ter¸cas `a tarde. Especialmente na pessoa da Profa. Anita Kon, meu agradecimento es-
pecial pelos ensinamentos e orienta¸c˜ao sobre Economia Industrial e pela participa¸c˜ao e
contribui¸c˜oes dadas na banca de qualifica¸c˜ao e defesa.
A todos os professores do Programa de P´os-Gradua¸c˜ao da PUCSP, que durante esses
dois anos ministraram aulas para nossa turma, nos ajudando a refletir um pouco mais
sobre a ciˆencia econˆomica, em especial ao Prof. J´ulio Manuel Pires, Prof. Joaquim Carlos
Racy, Prof. Antˆonio Carlos de Moraes, Prof. ´Aquilas Nogueira Mendes e Prof. Ladislau
Dowbor.
Aos meus professores da FSA nas pessoas do Prof. Ivan Prado Silva pelo incentivo
e corinthianismos. Ao Prof. Vladimir Sipriano Camillo pelas conversas rumo ao Metrˆo
Barra-Funda p´os-reuni˜ao do grupo EITT, pela imensa ajuda e participa¸c˜ao na banca de
qualifica¸c˜ao e defesa. Sua ajuda foi muito valiosa na conclus˜ao deste trabalho. Certamente
minha forma¸c˜ao enquanto economista deve-se muito aos tempos de FSA.
Aos mestrandos, mestres e doutores colegas da PUCSP por esses dois anos de muito
aprendizado e discuss˜ao, especialmente `aqueles travados no Paraty e no Terceiro Aula.
Em especial a Sˆonia Maria Santos agrade¸co pela disposi¸c˜ao em ajudar os alunos, buscando
sempre contribuir para o crescimento do Programa. Sua ajuda nesses dois anos fez e faz
toda a diferen¸ca para os novos e antigos alunos.
A CAPES pelo incentivo financeiro sem o qual essa disserta¸c˜ao n˜ao seria poss´ıvel.
General history (social, political, and cultural), economic history,
and more particularly industrial history are not indispensable but
really the most importante contributors to the understanding of our
problem. All other materials and methods, statistical and theoret-
ical, are only subservient to them and worse than useless without
them.
Joseph Alois Schumpeter
Resumo
A an´alise da teoria dos ciclos econˆomicos em seu ˆambito global teve grande destaque
dentro da ciˆencia econˆomica durante a segunda metade do s´eculo XIX at´e meados da
crise de 1929 nos EUA. A retomada dessa agenda de pesquisa s´o viria anos mais tarde,
j´a na d´ecada de 1970, com a publica¸c˜ao de obras que aliavam a an´alise dessas flutua¸c˜oes
com a utiliza¸c˜ao de instrumentos econom´etricos de apoio. No cen´ario interno, a literatura
dedicada a an´alise dos ciclos brasileiros igualmente apresentam certa divis˜ao dentro do
pensamento econˆomico consultado, apresentando uma predominˆancia de autores que se
utilizavam dessas an´alises no per´ıodo anterior a d´ecada de 1980, passando posteriormente
a vigorar an´alises mais relacionadas as teorias do crescimento econˆomico. J´a os principais
elementos destacados nessa literatura como respons´aveis pelas flutua¸c˜oes observadas no
pa´ıs apontavam para os planos de desenvolvimento econˆomico, pela influˆencia dos choques
externos e em decorrˆencia dos planos de estabiliza¸c˜ao. Nesse sentido e levando em con-
sidera¸c˜ao um cen´ario de crise j´a em 2015, a ind´ustria nacional acabou sendo al¸cada a
alternativa para revers˜ao do processo depressivo observado, mesmo apresentando desde
a d´ecada de 1980, um processo de desestrutura¸c˜ao a partir da crise da d´ıvida. Sendo
assim o prop´osito desse estudo se concentra justamente em avaliar o quanto o compor-
tamento da ind´ustria, mais especificamente o ciclo industrial, impacta o ciclo econˆomico
considerando um cen´ario de contra¸c˜ao da atividade industrial, classificada por muitos
autores como sendo uma desindustrializa¸c˜ao negativa. Sendo assim estruturou-se a argu-
menta¸c˜ao a partir de uma an´alise dos ciclos em suas concep¸c˜oes gerais e segundo alguns
autores cl´assicos, passando posteriormente para a an´alise dos ciclos brasileiros. Tamb´em
se apresentou o hist´orico da ind´ustria nacional ao longo do tempo, bem como a sua im-
portˆancia a partir dos fatos estilizados segundo as teorias consultadas. Utilizou-se tamb´em
de modelos econom´etricos para que essa importˆancia pudesse ser mensurada. Os resulta-
dos encontrados indicam que a ind´ustria vem perdendo sua capacidade de influenciar o
produto nacional ao longo do tempo, principalmente a partir da d´ecada de 1980, o que
n˜ao significa dizer, por outro lado, que a mesma n˜ao deva ser incentivada, uma vez que
parece existir certo consenso dentro da literatura sobre a sua capacidade de promover
o crescimento e o desenvolvimento econˆomico, atrav´es da mudan¸ca estrutural e do pro-
gresso tecnol´ogico. A quest˜ao que se coloca, portanto, ´e quais setores dentro da ind´ustria
deveriam ser estimulados.
Palavras-chaves: ciclos econˆomicos, teoria econˆomica, organiza¸c˜ao industrial, economia
brasileira, ind´ustria brasileira
Abstract
The analysis of the theory of business cycles in its global scope had great prominence
in the economic science during the second half of the nineteenth century to the middle of
the 1929 US crisis. The resumption of this research agenda would only years later, already
in the 1970s with the publication of works that allied with the analysis of these fluctu-
ations with the use of econometric tools support. Domestically, the literature devoted
to analysis of the Brazilian cycles also have some division within the referred economic
thought, with a predominance of authors who used these analyzes in the period before
the 1980s, later became effective more related analyzes theories of the economic growth.
Already the main elements highlighted in this literature as responsible for the fluctuations
observed in the country pointed to the economic development plans, the impact of exter-
nal shocks and as a result of the stabilization plans. In this sense and taking into account
a crisis scenario already in 2015, the domestic industry was eventually raised to alterna-
tive to reversing the depressive process observed, even with since the 1980s, a process of
disintegration from the debt crisis. Thus the purpose of this study focuses precisely to
assess how the industry’s behavior, specifically the industrial cycle, impacts the business
cycle contraction considering a scenario of industrial activity, classified by many authors
as a negative deindustrialization. Thus it structured the argument from an analysis of
cycles in its general conceptions and according to some classic authors, later moving to
the analysis of Brazilian cycles. Also presented the history of the domestic industry over
time as well as its importance from the stylized facts according to the consulted theories.
We also used econometric models for this importance could be measured. The results
indicate that the industry is losing its ability to influence the national product over time,
mainly from the 1980s, which does not mean, however, that it should not be encouraged,
since there seems to be some consensus in the literature on its ability to promote growth
and economic development through structural change and technological progress. The
question that arises, therefore, is which sectors within the industry should be encouraged.
Keywords: business cycle, economic theory, industrial organization, brazilian economy,
brazilian industry
Lista de tabelas
1 Periodiza¸c˜ao dos ciclos econˆomicos brasileiros de 1947 a 1983 . . . . . . . . 49
2 D´eficit (-) / Super´avit (+) do governo - Conceito de Contas Nacionais - em
% PIB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3 Valor adicionado industrial em 1952 e 1961 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1956-
1963 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
5 D´ıvida externa registrada total no Brasil de 1953 - 1990 . . . . . . . . . . . 58
6 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1964-
1980 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
7 Composi¸c˜ao das exporta¸c˜oes brasileiras atrav´es de seus principais produtos
1968-1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
8 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1990-
2010 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
9 Brasil: estat´ısticas descritivas sobre o emprego da ind´ustria de transforma¸c˜ao
e da economia total de 1990 a 2009 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
10 Evolu¸c˜ao da Composi¸c˜ao Setorial do Valor da Transforma¸c˜ao Industrial
exclusive Petr´oleo e Derivados no Brasil em % do total - Anos selecionados 87
11 Participa¸c˜ao da Ind´ustria no PIB, M´edias anuais para 17 Pa´ıses Desen-
volvidos + Brasil (1970-72 e 2005-07) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
12 Testes Dickey-Fuller (SIC /AIC) e Phillips-Perron . . . . . . . . . . . . . . 101
13 Teste Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin (KPSS) . . . . . . . . . . . . . . 101
14 Crit´erio de sele¸c˜ao da ordem de defasagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
15 Teste de causalidade Granger do ciclo do PIB e do ciclo da ind´ustria - de
1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
16 Decomposi¸c˜ao da variˆancia do ciclo do PIB de 1957-2013 . . . . . . . . . . 104
17 Tempo de propaga¸c˜ao dos ciclos da ind´ustria sobre os ciclos econˆomicos
(em trimestres) - de 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
18 Anexo 1: ´Indice da PIM-PF Reconstru´ıda – Base Ano 2002 = 100 - Dados
Dessazonalizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
19 Anexo 2 - Produto interno bruto (PIB) a pre¸cos de mercado: ´ındice en-
cadeado dessazonalizado (m´edia 1995 = 100) . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Lista de gr´aficos
1 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario A) . . . . . . 36
2 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario B) . . . . . . 37
3 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario C) . . . . . . 38
4 Produto Interno Bruto e o Ciclo Econˆomico Brasileiro de 1948-2013 . . . . 50
5 M´edia m´ovel de 10 anos das taxas de crescimento do PIB brasileiro (1948-
2013) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6 Infla¸c˜ao brasileira anual 1940-1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
7 Comportamento da infla¸c˜ao mensal pelo IGP-DI - de 1980 a 1996 . . . . . 63
8 Infla¸c˜ao brasileira anual 1973-1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
9 D´ıvida externa brasileira de 1971-2013 (em % do PIB - Excluindo empr´estimos
intercompanhias) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
10 Infla¸c˜ao brasileira anual 1980-1989 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
11 Taxas de crescimento do PIB, do consumo das fam´ılias, da forma¸c˜ao bruta
de capital fixo (FBCF) e dos gastos da administra¸c˜ao p´ublica no Brasil de
2003-13 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
12 IPCA 12 meses (em %) e metas de infla¸c˜ao - de 01/2003 a 12/2015 . . . . 74
13 A Hip´otese dos Trˆes Setores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
14 Participa¸c˜ao percentual da ind´ustria de transforma¸c˜ao e da ind´ustria no
PIB brasileiro de 1947-2013 (a pre¸cos correntes) . . . . . . . . . . . . . . . 83
15 ´Indice de quantum de exporta¸c˜ao por fator agregado (base m´edia de 2006
= 100) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
16 Produ¸c˜ao industrial versus vendas no varejo de 01/2003 `a 02/2014 (´Indices
dessazonalizados, base: 01.2003=100) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
17 Produto Interno Bruto (PIB) a pre¸cos de mercado e Pesquisa Industrial
Mensal - Produ¸c˜ao F´ısica (PIM-PF) (´Indices encadeados e dessazonaliza-
dos, base 2002 = 100) - 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
18 Ciclo do PIB e ciclo da PIM-PF - Bases trimestrais 1957-2013 . . . . . . . 100
19 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1957
a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
20 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
1957 A 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
21 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1963-
1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
22 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
1963 A 1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
23 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1981-
1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
24 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
1981-1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
25 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1988-
1997 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
26 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
1988 A 1997 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
27 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1998-
2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
28 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
1998 A 2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
29 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 2009-
2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
30 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB -
2009-2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Lista de abreviaturas
ADF - Dickey-Fuller Aumentado
AIC - Akaike Information Criterion
BK - Baxter-King
BN - Beveridge-Nelson
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econˆomico
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econˆomico e Social
CDI - Conselho de Desenvolvimento Industrial
CEPAL - Comiss˜ao Econˆomica para Am´erica Latina e o Caribe
COFINS - Contribui¸c˜ao para Financiamento da Seguridade Social
DGE - Dynamic General Equilibrium
EUA - Estados Unidos da Am´erica
Eviews - Econometric Views
FBCF - Forma¸c˜ao Bruta de Capital Fixo
FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Servi¸co
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FMI - Fundo Monet´ario Internacional
GH - Gini-Hirschmann
HIF - Hip´otese de Instabilidade Financeira
HP - Hodrick-Prescott
HQ - Hannan-Quinn Information Criterion
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estat´ıstica
ICM - Imposto sobre Circula¸c˜ao de Mercadorias
ICMS - Imposto sobre Circula¸c˜ao de Mercadorias e Presta¸c˜ao de Servi¸cos
IDE - Investimento Direto Estrangeito
II PND - II Plano Nacional de Desenvolvimento
IPCA - ´Indice de Pre¸cos ao Consumidor Final Amplo
IPEA - Instituto de Pesquisa Econˆomica Aplicada
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
ISI - industrializa¸c˜ao por substitui¸c˜ao de importa¸c˜oes
JK - Juscelino Kubitschek
KPSS - Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin
MQO - M´ınimos Quadrados Ordin´arios
NBER - National Bureau of Economic Research
PAC - Programa de Acelera¸c˜ao do Crescimento
PAEG - Plano de A¸c˜ao Econˆomica do Governo
PD - Ordem de integra¸c˜ao da s´erie
Petrobras - Petr´oleo Brasileiro S.A.
PIB - Produto Interno Bruto
PIM-PF - Pesquisa Industrial Mensal - Produ¸c˜ao F´ısica
PIS - Programa Integra¸c˜ao Social
PIT - Parˆametro de Intensidade Tecnol´ogica
PP - Phillips-Perron
RB - Ru´ıdo Branco
RBC - Real Business Cycles
SELIC - Sistema Especial de Liquida¸c˜ao e Cust´odia
SIA - Sistematiza¸c˜ao de Indicadores Antecedentes
SIC - Schwaz Information Criterion
SUMOC - Superintendˆencia da Moeda e do Cr´edito
TLM - Tendˆencia Linear M´edia
URV - Unidade Real de Valor
VAR - Modelo Auto-Regressivo Vetorial
VTI - Valor da Transforma¸c˜ao Industrial
Sum´ario
Introdu¸c˜ao 16
1 Um breve retrospecto sobre a Teoria do Ciclos Econˆomicos 18
1.1 Aspectos gerais e iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.2 Principais condicionantes dos ciclos econˆomicos . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.3 A abordagem proposta segundo alguns autores selecionados . . . . . . . . . 23
1.3.1 Cl´ement Juglar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.3.2 Joseph Kitchin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
1.3.3 Nikolai Kondratieff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.4 Simon Smith Kuznets . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.3.5 Joseph Alois Schumpeter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.3.6 John Maynard Keynes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.3.7 Hyman Philip Minsky . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.3.8 Michal Kalecki . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.3.9 Finn Erling Kydland, Edward Christian Prescott, Robert Emerson
Lucas Jr e Charles Plosser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1.4 Considera¸c˜oes parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2 Os ciclos econˆomicos no contexto brasileiro 48
2.1 Os ciclos econˆomicos brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.1.1 O p´os-guerra e a ISI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.1.2 Endividamento externo e os planos de estabiliza¸c˜ao . . . . . . . . . 62
2.1.3 Estabilidade e estagna¸c˜ao da economia p´os-Plano Real . . . . . . . 68
2.2 An´alise dos principais determinantes dos ciclos brasileiros . . . . . . . . . . 75
2.3 Considera¸c˜oes parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3 A ind´ustria e os ciclos econˆomicos brasileiros 79
3.1 A ind´ustria e o contexto brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.2 O papel da ind´ustria na dinˆamica econˆomica: alguns fatos estilizados . . . 91
3.3 O Filtro Hodrick-Prescott (HP) e o modelo Auto-Regressivo Vetorial (VAR) 94
3.3.1 Apresenta¸c˜ao da base de dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
3.4 Apresenta¸c˜ao dos resultados do modelo VAR, Decomposi¸c˜ao da Variˆancia
e Fun¸c˜ao Impulso-Resposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
3.5 An´alise e discuss˜ao dos m´etodos e resultados encontrados . . . . . . . . . . 112
4 Considera¸c˜oes finais 116
Referˆencias bibliogr´aficas 119
Anexos 128
16
Introdu¸c˜ao
O presente trabalho se prop˜oe a investigar a capacidade da ind´ustria nacional em impactar
os ciclos econˆomicos brasileiros, dentro de uma perspectiva te´orica, emp´ırica e at´e mesmo
hist´orica. Ainda que o objetivo geral delimitado, aparentemente, se traduza de maneira
simplista, acredita-se que o impacto de suas conclus˜oes nos termos definidos junto a sua
tem´atica, possa contribuir para a discuss˜ao no cen´ario interno, especialmente no que se
refere `as perspectivas do pa´ıs no longo prazo.
A justificativa para que essa investiga¸c˜ao desse prosseguimento no sentido de alcan¸car
seu objetivo se originou de um cen´ario econˆomico brasileiro, j´a em 2015, onde o quadro
recessivo j´a dava sinais consistentes quanto a sua presen¸ca, pelo agravamento da situa¸c˜ao
fiscal do Estado e pela acelera¸c˜ao inflacion´aria percebida naquele ano. Partindo desse
diagn´ostico inicial nada favor´avel, em que o pa´ıs se encontrava naquele per´ıodo, muitos
economistas afirmavam que uma das poss´ıveis sa´ıdas para o pa´ıs se concentrava na re-
cupera¸c˜ao da ind´ustria nacional como alternativa para a retomada do crescimento do
produto interno bruto. A quest˜ao que se colocava, nesse sentido, era que a ind´ustria
j´a vinha apresentando sinais de decr´escimo no seu comportamento, desde a d´ecada de
1980, fato este, inclusive, bastante evidenciado nas an´alises sobre ind´ustria nacional mais
recentes, especialmente aquelas dedicadas a analisar esta tem´atica.
Ora, se a economia do pa´ıs apresentava um cen´ario de crise e ao mesmo tempo se
atribu´ıa `a ind´ustria a importˆancia que a mesma vinha perdendo j´a algum tempo, qual
seria ent˜ao a sua capacidade efetiva de protagonizar uma retomada da economia nacional,
diante do quadro que se apresentava daquela forma? A hip´otese por traz dessa afirma¸c˜ao
era a de que a ind´ustria teria sim, esse potencial, uma vez que a mesma faz parte da
estrutura do produto nacional, ao mesmo tempo em que influencia o seu comportamento,
por´em sua capacidade de impactar a dinˆamica econˆomica brasileira e reverter o processo
c´ıclico depressivo observado estaria se reduzindo ao longo do tempo. Dessa forma, e com o
intuito de alcan¸car esses objetivos tra¸cados atrav´es da argumenta¸c˜ao exposta, organizou-
se esta disserta¸c˜ao em trˆes cap´ıtulos, al´em desta introdu¸c˜ao e das considera¸c˜oes finais.
No primeiro cap´ıtulo s˜ao apresentadas as caracter´ısticas gerais presentes dentro da
teoria dos ciclos econˆomicos desde a sua concep¸c˜ao inicial e mais geral, passando pos-
teriormente, para a discuss˜ao de outros aspectos, tais como a quest˜ao da regularidade
dos ciclos, da sua natureza e das diferen¸cas de abordagens observadas entre os dois gru-
pos de economistas que, marcadamente, existiam no in´ıcio das investiga¸c˜oes vinculadas a
esta tem´atica. Na sequˆencia, s˜ao apresentados seus principais condicionantes, bem como
s˜ao destacadas as principais abordagens elaboradas por alguns economistas, tais como as
abordagens de Kitchin, Keynes e Schumpeter, por exemplo.
No segundo cap´ıtulo, discute-se a interpreta¸c˜ao da economia brasileira sobre a luz
da teoria dos ciclos econˆomicos, sendo o cap´ıtulo dividido e analisado com base na de-
limita¸c˜ao te´orico-emp´ırica consultada dos ciclos brasileiros, e o per´ıodo analisado com-
preendido entre os anos de 1948 at´e 2013. Essa delimita¸c˜ao dos per´ıodos comentada
ser´a mais amplamente discutida e interpretada na introdu¸c˜ao deste cap´ıtulo posterior-
mente. O que se pode destacar, desde j´a, ´e que, aparentemente, a discuss˜ao sobre os
ciclos econˆomicos brasileiros parece apresentar uma mudan¸ca significativa a partir da
d´ecada de 1980-90, onde as abordagens te´oricas utilizadas apresentam-se distintas das
realizadas no seu per´ıodo posterior.
No terceiro cap´ıtulo, a recupera¸c˜ao hist´orica da ind´ustria dentro da hist´oria econˆomica
17
brasileira ´e retomada, passando para uma an´alise da importˆancia da ind´ustria dentro da
dinˆamica econˆomica atrav´es de alguns fatos estilizados consultados na bibliografia mais
recente. Para verificar essa relevˆancia no ambiente interno, j´a num terceiro momento
deste cap´ıtulo, s˜ao apresentados o filtro Hodrick-Prescott (HP) e o modelo Vetorial Auto-
Regressivo (VAR), bem como suas aplica¸c˜oes / ferramentas, al´em do detalhamento da
metodologia empregada na constru¸c˜ao da base de dados utilizada. O per´ıodo escolhido
para realizar esses testes baseou-se na maior amostra dispon´ıvel encontrada, referente
ao per´ıodo de 1957 at´e 2013. Ap´os a apresenta¸c˜ao dos modelos, passa-se para a an´alise
dos resultados encontrados nos testes econom´etricos realizados. No cap´ıtulo seguinte, s˜ao
apresentadas as considera¸c˜oes finais.
18
1 Um breve retrospecto sobre a Teoria do Ciclos
Econˆomicos
A agenda de pesquisa, presente dentro da Ciˆencia Econˆomica vinculada `a Teoria dos
Ciclos Econˆomicos, ´e bastante vasta. Diversos foram os autores que se preocuparam em
estudar este assunto, utilizando-se para isso de diferentes perspectivas. Sua importˆancia
enquanto objeto de pesquisa por parte dos economistas, no entanto, apresenta-se como
n˜ao linear ao longo do tempo, alternando per´ıodos de maior destaque com outros de menor
destaque, como se perceber´a nas se¸c˜oes a seguir.
A escolha dos autores analisados ao longo do cap´ıtulo deu-se pela contribui¸c˜ao dada
por estes no que se refere `a tem´atica trabalhada, n˜ao pretendendo, no entanto, realizar
um levantamento bibliogr´afico definitivo sobre todos os autores que trataram deste as-
sunto, considerando, obviamente, que este n˜ao se apresenta como objetivo central desta
disserta¸c˜ao. Vale refor¸car que, ainda assim, buscou-se filtrar essas obras de modo que
os conceitos trazidos demonstrassem uma an´alise representativa das principais correntes
que trataram sobre o tema ao longo do tempo, pretendendo, dessa forma, apresentar
uma an´alise consistente o suficiente para promover um entendimento que permitisse sua
aplica¸c˜ao, segundo os objetivos definidos para este trabalho e nos cap´ıtulos posteriores,
como se ver´a mais adiante.
Nesse sentido, o cap´ıtulo est´a organizado de forma a trazer algumas caracter´ısticas
gerais sobre a Teoria dos Ciclos Econˆomicos e seus principais condicionantes, passando
posteriormente para uma an´alise individualizada dos autores escolhidos para serem anal-
isados com maiores detalhes, chegando ao final do cap´ıtulo onde se apresentam os princi-
pais elementos trazidos para a discuss˜ao proposta e as considera¸c˜oes parciais.
1.1 Aspectos gerais e iniciais
A dinˆamica da economia no tempo, observada atrav´es das varia¸c˜oes de seus diversos in-
dicadores de an´alise, pode ser interpretada sob a ´otica de diferentes correntes te´oricas, a
depender do entendimento tomado como verdadeiro pelo pesquisador, do objeto de estudo
que se deseja investigar e da perspectiva escolhida para realizar tal abordagem. Dentre
as vis˜oes existentes, temos aquela que aborda esse comportamento da economia ao longo
do tempo como sendo um comportamento dinˆamico, caracterizado por um funcionamento
repetitivo, intercalado por per´ıodos de expans˜ao com per´ıodos de recess˜ao, com diferentes
n´ıveis de intensidade entre eles, sendo esta abordagem conhecida como a que estuda os
ciclos econˆomicos. Segundo Daniel (2007), os estudos relacionados `a tem´atica tiveram
in´ıcio na segunda metade do s´eculo XIX, muito em parte devido `as mudan¸cas c´ıclicas
mais intensas observadas na economia ap´os a Revolu¸c˜ao Industrial, apresentando uma
diversidade significativa de pontos de vista por parte dos seus autores sobre as causali-
dades dessas flutua¸c˜oes que ocorriam de maneira recorrente. Isso n˜ao significa dizer, por
outro lado, que no per´ıodo anterior a esse movimento de industrializa¸c˜ao, a quest˜ao dos
ciclos econˆomicos n˜ao estivesse presente dentro do comportamento da economia: outras
vari´aveis, como o clima ou eventos aleat´orios como a ocorrˆencia de guerras, por exemplo,
tamb´em poderiam impactar a dinˆamica econˆomica e tamb´em foram estudadas por alguns
autores anteriores a esse per´ıodo.
A divis˜ao inicial dos autores que estudavam essas flutua¸c˜oes ocorria, primeiramente,
19
entre os chamados estat´ısticos-econˆomicos (empiristas) que analisavam as motiva¸c˜oes dos
ciclos observados sem uma preocupa¸c˜ao mais evidente com uma abordagem te´orica de
apoio, tendo como instrumento de an´alise desses movimentos somente os dados emp´ıricos
dispon´ıveis. Por outro lado, tamb´em existiam aqueles intitulados como economistas
te´oricos, que queriam entender os princ´ıpios de causalidade desses ciclos, indicando que
somente a an´alise emp´ırica dos dados n˜ao demonstraria as for¸cas causais que estimulavam
essas oscila¸c˜oes observadas, o que, portanto, prejudicaria o entendimento sobre poss´ıveis
alternativas para melhorar o desempenho da economia. O objeto de an´alise de ambas
as correntes, no entanto, n˜ao estava assentado na afirma¸c˜ao de que a economia flutu-
ava ao inv´es de permanecer est´avel sob um determinado equil´ıbrio constante; muito pelo
contr´ario, o que se pretendia era investigar, justamente, o comportamento das flutua¸c˜oes
da economia no tempo, considerando que cada linha de pensamento se utilizaria das
ferramentas mais convenientes para realizar suas an´alises (CARVALHO, 1988).
No que se refere `a abordagem te´orica utilizada para classificar a natureza dos ciclos,
estas se dividiam, tamb´em, em duas correntes distintas: aquela que se utilizava do modelo
de moto perp´etuo e a que se utilizava do modelo de propaga¸c˜ao1
. O primeiro modelo
partia do pressuposto de que os movimentos c´ıclicos eram uma caracter´ıstica inerente
ao pr´oprio sistema capitalista e que necessariamente os ciclos econˆomicos obedeceriam `a
sequˆencia: crise, depress˜ao, recupera¸c˜ao e prosperidade, n˜ao necessariamente iniciando na
primeira etapa - crise - por´em respeitando a ordem sequencial apontada2
, apresentando
um comportamento circular e infinitamente repetitivo ao longo do tempo. A aceita¸c˜ao
dessa afirma¸c˜ao como fact´ıvel tinha como premissa a ideia de que a economia n˜ao possu´ıa
ciclos, mais sim um cont´ınuo processo c´ıclico. J´a para os adeptos do segundo modelo,
o modelo de propaga¸c˜ao, as flutua¸c˜oes observadas tinham origem em fatores ex´ogenos
ao pr´oprio ambiente econˆomico, que acabavam por influenciar o estado de normalidade
at´e ent˜ao observado; a introspec¸c˜ao desses choques na economia ´e o que determinava as
oscila¸c˜oes observadas. Uma sucess˜ao de v´arios ciclos econˆomicos seguidos, dessa maneira,
n˜ao poderia ser explicada sem uma teoria auxiliar que discutisse esses choques ex´ogenos
j´a que para esta corrente a economia deveria apresentar certo padr˜ao linear ou de pouca
flutua¸c˜ao ao longo do tempo, n˜ao sendo poss´ıvel estabelecer nem explicar a periodicidade
do processo c´ıclico, mas sim analisar somente um ciclo de cada vez (CARVALHO, 1988;
MITCHELL, 1927; SCHUMPETER, 1997).
Diversos indicadores poderiam ser monitorados para acompanhar essas flutua¸c˜oes na
economia, a depender da abordagem utilizada segundo cada autor. Para Matthews (1964),
no entanto, convencionou-se analisar e perceber as flutua¸c˜oes econˆomicas ocorridas obser-
vando as varia¸c˜oes apresentadas na renda nacional, ao longo de um determinado per´ıodo
de tempo. Outras vari´aveis observ´aveis, como o emprego, por exemplo, tamb´em pode-
riam ser analisadas sob a ´otica dessas flutua¸c˜oes recorrentes. Na verdade, segundo este
autor, tem-se que os indicadores na sua maioria tendem a acompanhar o comportamento
agregado da economia, salvo algumas exce¸c˜oes a essa regra, que n˜ao possuem nem o
mesmo padr˜ao de comportamento e/ou nem a mesma intensidade. A escolha e utiliza¸c˜ao
mais frequente da vari´avel renda nacional na an´alise desses movimentos c´ıclicos podem
ser atribu´ıdas a sua importˆancia e influˆencia sobre a maioria dos outros componentes que
integram a dinˆamica econˆomica (BURNS e MITCHELL, 1946).
1
Deve-se registrar que existe uma s´erie de varia¸c˜oes que derivam dos dois modelos comentados e que
n˜ao ser˜ao tratados individualmente nessa disserta¸c˜ao j´a que n˜ao ´e seu objetivo analisar essas varia¸c˜oes.
2
Para alguns autores essa sequˆencia mencionada entre a crise at´e a prosperidade poderia apresentar
varia¸c˜oes que n˜ao respeitariam essa sequˆencia pr´e-determinada.
20
Outro detalhe considerado nos primeiros trabalhos realizados na literatura sobre os
ciclos econˆomicos estava vinculado `a regularidade dos ciclos ao longo do tempo. A quest˜ao
da regularidade, segundo esses trabalhos, poderia ser entendida ou diferenciada entre
regularidade fraca ou regularidade forte.
A defini¸c˜ao dada ao primeiro conceito afirmava que a alternˆancia de per´ıodos ou es-
tados em que a economia se encontrava - do estado da prosperidade at´e o da depress˜ao -
ocorria sem um padr˜ao definido, ou seja, deixada ao seu pr´oprio funcionamento ao longo
do tempo; ora a economia apresentaria um bom desempenho, ora apresentaria um desem-
penho ruim, sem um intervalo de tempo determinado entre os per´ıodos dos ciclos. Para
alguns autores que criticavam essa corrente, a ausˆencia de um padr˜ao regular entre esses
intervalos de tempo fazia com que a ideia dos ciclos econˆomicos se tornasse inadequada
(KEYNES, 2012; CARVALHO, 1988).
J´a para o conceito de regularidade forte, a quest˜ao dos movimentos padronizados tem-
poralmente adicionados a alguma m´etrica de intensidade comparada entre esses per´ıodos
mostravam-se como quest˜oes importantes dentro dessa classifica¸c˜ao. A observa¸c˜ao emp´ırica
desses momentos, no entanto, dificilmente demonstraria varia¸c˜oes perfeitamente ajustadas
ao conceito de regularidade forte conforme sua defini¸c˜ao, considerando que a economia,
entendida como um sistema complexo, apresenta uma s´erie de intera¸c˜oes dinˆamicas que
acabam por enfraquecer generaliza¸c˜oes atemporais e mecanicistas sobre o conceito e sua
verifica¸c˜ao na pr´atica (KEYNES, 2012; CARVALHO, 1988).
O que efetivamente pode-se especular ´e que, quando a economia era predominante-
mente agr´aria, varia¸c˜oes regulares das esta¸c˜oes do ano e do clima, ano ap´os ano, im-
pactavam a colheita agr´ıcola, que depois acabavam por influenciar o n´ıvel da atividade
econˆomica. Nesse cen´ario, os ciclos econˆomicos apresentavam certa regularidade, na me-
dida em que eram influenciados por fenˆomenos razoavelmente regulares. Com o avan¸co
da economia ao longo do tempo e a sua respectiva sofistica¸c˜ao para sistemas menos de-
pendentes aos fenˆomenos naturais, essa regularidade acabou se tornando dif´ıcil de ser
encontrada na pr´atica, na medida em que seus condicionantes n˜ao apresentavam essa
mesma regularidade no seu comportamento. Na pr´oxima se¸c˜ao ser˜ao analisados os princi-
pais autores a tratarem sobre esta tem´atica e os principais condicionantes que determinam
o comportamento dos ciclos econˆomicos.
1.2 Principais condicionantes dos ciclos econˆomicos
Kalecki (1977), em sua obra Teoria da dinˆamica econˆomica, publicada em 1954, aponta
que as economias capitalistas se desenvolveram ao longo do tempo apresentando uma
tendˆencia ascendente - embora com oscila¸c˜oes - na renda nacional. Com base nessa ob-
serva¸c˜ao sobre as economias capitalistas, o autor questionava: por que a renda apresentava
essa oscila¸c˜ao no tempo? por que a renda sempre crescia? e, quais eram os determi-
nantes que faziam com que a renda apresentasse um determinado n´ıvel num determinado
ano? Dito de outra forma, ele queria entender o comportamento da produ¸c˜ao ao longo
do tempo, tendo esses trˆes questionamentos o intuito de auxili´a-lo no entendimento da
dinˆamica econˆomica3
.
Tomando emprestada a reflex˜ao feita por Kalecki e conforme discuss˜ao inicial ap-
resentada no subitem anterior, os ciclos econˆomicos foram investigados sobre diferentes
3
Nas se¸c˜oes seguintes trataremos com maiores detalhes a abordagem de Kalecki sobre a quest˜ao dos
ciclos econˆomicos.
21
pontos de vista, tendo diversos determinantes apontados como os poss´ıveis respons´aveis
por essas flutua¸c˜oes, como se ver´a a seguir. Essa diversidade de diagn´osticos existentes
reflete a diversidade de intera¸c˜oes observadas na economia e sugere que a combina¸c˜ao das
abordagens te´oricas, emp´ıricas e at´e mesmo hist´oricas sobre essas flutua¸c˜oes, somados `a
an´alise de seus condicionantes, talvez nos aproxime das reais motiva¸c˜oes das flutua¸c˜oes
econˆomicas.
Dentre alguns dos fatores j´a apontados como respons´aveis pelos ciclos econˆomicos4
,
dentro da tradi¸c˜ao desta linha de pesquisa, segundo Mitchell (1927), tem-se o clima, as
incertezas sobre o futuro, os aspectos emocionais envolvidos nas decis˜oes empresariais, o
progresso t´ecnico, o car´ater progressista da economia, o status quo vigente do ambiente
de neg´ocios, a constru¸c˜ao de equipamentos industriais, a produ¸c˜ao excessiva, as opera¸c˜oes
dos bancos, o fluxo do dinheiro e o direcionamento excessivo dos neg´ocios para a obten¸c˜ao
de lucros. Segundo o autor, todos esses fatores mencionados pelas diversas correntes
merecem aten¸c˜ao porque, de alguma forma, discutem uma caracter´ıstica importante das
flutua¸c˜oes econˆomicas em um determinado per´ıodo de tempo. Pode-se argumentar que,
com o decorrer dos anos, uma ou outra vari´avel tenha sido substitu´ıda, haja vista a
evolu¸c˜ao acelerada das rela¸c˜oes econˆomicas e da sociedade. No entanto, ainda segundo
Mitchell (1927), ignorar algumas dessas vari´aveis seria a sa´ıda mais f´acil, caindo no risco
de se perder alguma abordagem importante sobre o tema analisado. Sendo assim, o
esfor¸co feito pelo mesmo na tentativa de se considerar a maior parte dessas vari´aveis, foi o
de classificar essas correntes em trˆes categorias e levantar suas principais caracter´ısticas,
assim descritas:
1. as que atribuem os ciclos econˆomicos a fatores “f´ısicos” (ou da natureza);
2. as que atribuem os ciclos econˆomicos a fatores emocionais;
3. as que atribuem os ciclos econˆomicos a processos institucionais.
Antes de entrar na discuss˜ao das categorias acima citadas, deve-se deixar claro que
n˜ao ´e inten¸c˜ao deste trabalho detalhar aqui a abordagem de todos os autores classificados
em cada uma das categorias apontadas por Mitchell (1927), haja vista a quantidade
consider´avel de pensadores que trataram sobre a tem´atica e sua infinidade de abordagens
realizadas at´e a data de publica¸c˜ao de seu livro em 1927. O objetivo desta an´alise, apoiado
na classifica¸c˜ao feita por ele, ´e apontar a principal caracter´ıstica de cada uma dessas trˆes
categorias e mencionar sua respectiva contribui¸c˜ao para a teoria econˆomica.
Dentro do primeiro grupo mencionado, referente aos fatores “f´ısicos”, a abordagem
se concentra na observa¸c˜ao de que s˜ao os fatores naturais os principais elementos que
impactam os ciclos econˆomicos. Autores, como Jevons, afirmavam que os ciclos regulares
de radia¸c˜ao solar produziam ciclos na produ¸c˜ao agr´ıcola, que depois impactavam os ciclos
das atividades econˆomicas. J´a para Henry L. Moore, essas mudan¸cas clim´aticas, que
depois se traduziam em flutua¸c˜oes econˆomicas, eram originadas pelos ciclos dos planetas
do sistema solar, e n˜ao propriamente pelo sol. Ao final, autores dessa mesma categoria,
como Ellsworth Huntington, investigavam os impactos das mudan¸cas clim´aticas na sa´ude
das pessoas, que, consequentemente, impactavam o seu comportamento e posteriormente
acabavam afetando o mundo dos neg´ocios (MITCHELL, 1927).
4
Deve-se mencionar que os condicionantes dos ciclos econˆomicos apontados neste t´opico s˜ao aqueles
relacionados ao levantamento feito por Mitchel (1927) Business cycles: The problem and It’s setting e
referente ao in´ıcio dessa agenda de pesquisa produzida at´e julho de 1927.
22
A segunda categoria estudava os impactos das altera¸c˜oes emocionais dos agentes nas
flutua¸c˜oes econˆomicas. Para alguns autores, o otimismo ou o pessimismo dos agentes
frente `a atividade econˆomica, quando descobertos como percep¸c˜oes incorretas sobre a
realidade, acabavam por gerar outras percep¸c˜oes igualmente incorretas, entrando num
espiral de desapontamentos sem fim, que acabavam por gerar as flutua¸c˜oes econˆomicas.
Outra vertente, ainda dentro dessa mesma categoria, pesquisava o impacto da flutua¸c˜ao
dos nascimentos e das mortes das pessoas nas ondas de otimismo e pessimismo dos agentes,
que depois acabavam por determinar os per´ıodos de prosperidade e depress˜ao da economia
ao longo do tempo. Como exemplo de autores dessa corrente tem-se: Arthur Cecil Pigou
e Maurice B. Hexter (MITCHELL, 1927).
Na terceira categoria, definida por Mitchell (1927), ´e onde aparece a maior concen-
tra¸c˜ao de autores que trabalhavam a tem´atica dos ciclos econˆomicos. Nessa corrente,
h´a uma subdivis˜ao que acredita que os ciclos econˆomicos s˜ao derivados das mudan¸cas
nas institui¸c˜oes e outra que afirma que os ciclos ocorrem pelo funcionamento dessas in-
stitui¸c˜oes em um novo ambiente de neg´ocios. Para autores como Joseph Schumpeter,
Minnie T. England e Emanuel H. Vogel, classificados na primeira categoria, as mudan¸cas
nas institui¸c˜oes que impactam os ciclos econˆomicos est˜ao relacionadas `as inova¸c˜oes tec-
nol´ogicas introduzidas nas empresas, ou at´e mesmo nas mudan¸cas no ritmo e na dire¸c˜ao
da produ¸c˜ao, que podem mover o equil´ıbrio da economia para outro n´ıvel. Na categoria
seguinte, daqueles autores que acreditam que o funcionamento das institui¸c˜oes num novo
ambiente econˆomico impactam os ciclos, tem-se os seguintes condicionantes levantados
como os principais respons´aveis por essas flutua¸c˜oes (MITCHELL, 1927):
1. exigˆencias excessivas de se ganhar dinheiro;
2. diferen¸ca entre o equil´ıbrio nos processos de desembolso e gastos dos sal´arios e a
produ¸c˜ao de valor;
3. diferen¸cas de equil´ıbrio entre o processo de produ¸c˜ao e o consumo de mercadorias
de maneira geral;
4. falta de equil´ıbrio entre o processo de consumo, poupan¸ca e investimento de capital
em novas constru¸c˜oes;
5. flutua¸c˜ao dos processos banc´arios.
De maneira geral, os condicionantes inclu´ıdos nessa categoria partiam do pressuposto
de que a sequˆencia observada de i. uma demanda crescente, ii. seguida pelo aumento dos
pre¸cos, iii. aumento das expectativas de lucro, iv. influenciando no incha¸co e capitaliza¸c˜ao
das empresas, v. com expans˜ao acelerada do cr´edito, sendo este, um processo cont´ınuo e
repetido em escalas cada vez maiores, trouxe novas quest˜oes a serem tratadas dentro do
ambiente das empresas. Esse processo circular ampliado nesse novo ambiente econˆomico
teria como consequˆencia imediata o aumento das despesas e do custo da m˜ao-de-obra,
chegando a um determinado momento em que esses custos avan¸cariam tanto sobre os
pre¸cos de venda, que as margens de lucro come¸cariam a diminuir. A percep¸c˜ao poste-
rior a essa queda nas margens seria a de que a capitaliza¸c˜ao refor¸cada dessas empresas
come¸caria a parecer demasiadamente excessiva, frente a esse novo cen´ario. A partir dai a
seguran¸ca at´e ent˜ao observada por tr´as dos empr´estimos que foram concedidos come¸ca a
ser questionada pelo sistema banc´ario e o tom confiante das expectativas nos neg´ocios, que
caracterizaram o per´ıodo de rendimentos e prosperidade, come¸ca a dar lugar `as incertezas
23
sobre o funcionamento desse sistema. Para se transformar em uma crise geral, alguma
instabilidade verificada em um credor consider´avel que tivesse comprometido a sua ca-
pacidade de ganho para honrar seus compromissos, frente a sua capitaliza¸c˜ao, j´a seria o
suficiente. Quando isso acontece, a liquida¸c˜ao come¸ca estendendo-se de uma ind´ustria
para outra e convertendo a prosperidade em depress˜ao (MITCHELL, 1927). Alguns dos
autores classificados nessa categoria s˜ao: Jean Lescure, Simon S. Kuznets, Willian T.
Foster, Albert Aftalion, Alvin H. Hansen e R.G. Hawtrey.
A explica¸c˜ao dada acima, evidentemente, apresenta varia¸c˜oes entre os autores classi-
ficados nessa categoria, tendo alguns deles destacado mais a quest˜ao do cr´edito, da taxa
de juros e da expans˜ao da moeda, outros a quest˜ao da demanda, a quest˜ao dos lucros, ou
at´e mesmo, a quest˜ao da produ¸c˜ao em excesso ou do subconsumo.
Como se pode observar pelo levantamento feito por Mitchell (1927), os estudos realiza-
dos at´e aquele momento sobre a teoria dos ciclos econˆomicos eram bastante abrangentes
e direcionados para diversas orienta¸c˜oes distintas. Essa vasta literatura sobre a tem´atica
dos ciclos econˆomicos acaba por sofrer certa revers˜ao na sua produ¸c˜ao, anos mais tarde,
com o avan¸co da teoria econˆomica, pelas inova¸c˜oes trazidas pelas novas abordagens ent˜ao
introduzidas naquela ´epoca e pelo avan¸co das institui¸c˜oes presentes dentro das economias
capitalistas avan¸cadas.
1.3 A abordagem proposta segundo alguns autores selecionados
Conforme comentado no final da se¸c˜ao anterior, em alguns momentos da historiografia
econˆomica mundial chegou-se a falar da extin¸c˜ao dos ciclos econˆomicos. N˜ao do ponto
de vista da sua importˆancia enquanto agenda de pesquisa, mas sim enquanto fenˆomeno
econˆomico ou caracter´ıstica observ´avel nas economias capitalistas, de uma maneira geral.
Isso pode ser percebido nos anos de 1920, de 1960 e segundo alguns especialistas na
primeira metade de 1990. Essa declara¸c˜ao apresenta como pano de fundo a afirma¸c˜ao
de que o desenvolvimento das institui¸c˜oes presentes no per´ıodo ap´os a Segunda Guerra
Mundial tinha alcan¸cado tal patamar de controle sobre a economia, que as movimenta¸c˜oes
c´ıclicas at´e ent˜ao observadas anteriormente, a partir daquele momento seriam somente flu-
tua¸c˜oes mais moderadas (AVELLA e FERGUSSON, 2003). Segundo Korotayev e Tsirel
(2010), ainda mesmo nos dias atuais alguns economistas n˜ao concordam com a abor-
dagem vinculada `a teoria dos ciclos econˆomicos5
. Do outro lado, a outra corrente n˜ao s´o
entende que os ciclos econˆomicos ainda est˜ao presentes dentro da dinˆamica econˆomica,
como tamb´em consideram que o entendimento constru´ıdo atrav´es da investiga¸c˜ao desses
fenˆomenos ou caracter´ısticas da economia capitalista mostra-se como algo relevante.
Partindo ent˜ao desse panorama mais geral, proposto nas se¸c˜oes anteriores, foram se-
lecionados aqueles autores que julgou-se ter um papel de destaque dentro da discuss˜ao
vinculada `a teoria dos ciclos econˆomicos, conforme comentado no in´ıcio deste cap´ıtulo.
Novamente: n˜ao se pretende aqui, obviamente, levantar todas as abordagens existentes
sobre os ciclos econˆomicos presentes dentro da ciˆencia econˆomica, mais sim, trazer aquelas
mais relevantes, a depender da percep¸c˜ao da representatividade do seu conte´udo dentro
da teoria econˆomica. A organiza¸c˜ao da pr´oxima se¸c˜ao, dessa forma, tentar´a respeitar a
5
Para maiores detalhes ver Korotayev e Tsirel (2010) onde menciona a obra de Gregory Mankiw
(Principles of Economics - Economic Fluctuations Are Irregular and Unpredictable, 2008: 740) como
exemplo desses economistas que seguem essa corrente ou Victor Zarnowitz (Recent Work on Business
Cycles In Historical Perspective, 1985: 544-568) para entender seus aspectos e antecedentes hist´oricos.
24
cronologia das ideias lan¸cadas nesse debate, destacando o argumento central proposto pe-
los autores ent˜ao pesquisados. Como se ver´a, as diferentes abordagens realizadas demon-
strar˜ao a complexidade do tema e sua relevˆancia enquanto agenda de pesquisa.
1.3.1 Cl´ement Juglar
Dentre os autores que iniciaram o debate sobre o ciclo econˆomico - que conforme visto,
remontam a meados do s´eculo XIX, onde a observa¸c˜ao dos movimentos ondulares no
processo econˆomico pˆode ser observado - Cl´ement Juglar talvez possa ser considerado
como o primeiro a produzir um tratado econˆomico espec´ıfico sobre essa quest˜ao, influ-
enciando, posteriormente, a agenda de pesquisa realizada nesse campo do conhecimento
econˆomico, especialmente aquele baseado na utiliza¸c˜ao de estat´ısticas para explicar esses
eventos (AVELLA e FERGUSSON, 2003; GROOT e FRANSES, 2009). Os principais
estudos realizados por este autor que se destacam nesse sentido s˜ao Des Crises Com-
merciales et Mon´etaires de 1800 `a 1857 publicado no Journal des ´Economistes em 1857,
Des Crises Commerciales et de leur Retour P´eriodique en France, en Angleterre et aux
´Etats-Unis publicado em 1862 - sendo esta sua obra referˆencia relacionada a teoria dos
ciclos econˆomicos - e, posteriormente, Commercial crises para o Dictionnaire G´en´eral de
la Politique em 1863 (BESOMI, 2005; REND´ON e V´ASQUEZ, 2011).
A investiga¸c˜ao de Juglar sobre o tema partia do pressuposto de que o comportamento
da economia em formato de ciclos6
era uma caracter´ıstica espec´ıfica daquelas localidades,
onde os setores comerciais e industriais eram significativamente desenvolvidos e o uso do
cr´edito j´a apresentava caracter´ısticas consistentes, no que se refere ao seu uso ampliado
na economia; na verdade, na vis˜ao do autor, o cr´edito banc´ario teria um papel funda-
mental na explica¸c˜ao dos ciclos econˆomicos (AVELLA e FERGUSSON, 2003; REND´ON
e V´ASQUEZ, 2011).
Esta observa¸c˜ao feita no que se refere ao papel do cr´edito no processo c´ıclico vinha
baseada nas ”estat´ısticas banc´arias (descontos, reservas met´alicas, de circula¸c˜ao de notas,
dep´ositos)”, em compara¸c˜ao com as ”varia¸c˜oes na popula¸c˜ao, [n]o pre¸co do milho, [nas]
importa¸c˜oes e exporta¸c˜oes, [nas] rendas e receitas p´ublicas” (BESOMI, 2005: p.3) na
Fran¸ca, Inglaterra e nos Estados Unidos - em menor grau, este autor tamb´em analisou
essas estat´ısticas para a Pr´ussia e Hamburgo - que acabariam por demonstrar essa rela¸c˜ao
causal, significando ciclos econˆomicos com uma dura¸c˜ao m´edia de 7 a 11 anos (AVELLA
e FERGUSSON, 2003).
Pelas estat´ısticas pesquisadas, ent˜ao, o autor identificou que os per´ıodos de crises
observados naqueles pa´ıses ocorriam em decorrˆencia dos excessos praticados por parte
de seus agentes e relacionados a um aumento na especula¸c˜ao, somado a um crescimento
da ind´ustria nacional, inconsistente com os recursos dispon´ıveis naqueles pa´ıses, naquele
momento. A partir dessa constata¸c˜ao, o autor identificou a existˆencia de uma forte
correla¸c˜ao entre a presen¸ca dos ciclos e o n´ıvel da atividade econˆomica encontrada nesses
pa´ıses, significando, dessa forma, que os ciclos econˆomicos n˜ao eram eventos meramente
acidentais (BESOMI, 2005; OWEN y GRIFFITHS, 2008 apud MEJ´IA, 2010).
A exuberˆancia da especula¸c˜ao [...] est´a enraizada na natureza humana
[...], [que est´a] suscept´ıvel a se overexcited [...] e ser v´ıtima da paix˜ao
6
A utiliza¸c˜ao da palavra ciclo na pesquisa de Juglar se relaciona ao car´ater recorrente das crises
comerciais, onde estas apresentavam igualmente as fases de prosperidade, crise e liquida¸c˜ao no processo
de flutua¸c˜ao econˆomica ao longo do tempo.
25
pelo jogo [...] durante a fase pr´ospera da atividade econˆomica, quando
tudo parece conspirar para a ocorrˆencia de um boom sem precedentes
no mundo dos neg´ocios; todas as empresas que dependem encontrar o
capital necess´ario; voar fora dos trilhos, endividar-se com confian¸ca sem
reservas [...]. As despesas podem, por um tempo, ultrapassar as receitas
gra¸cas ao cr´edito [...]: Excessos s˜ao, portanto, nada mais do que o abuso
de cr´edito [...]. Mas isso n˜ao pode durar por muito tempo: a crise vai
intervir, cr´editos ruins e outros excessos ser˜ao liquidados, o sistema ser´a
trazido de volta ao seu curso normal de desenvolvimento que ser´a capaz
de se seguir por alguns anos, antes que novos abusos ocorram novamente
quebrando os seus fundamentos (BESOMI, 2005: p. 4, tradu¸c˜ao nossa).
Juglar, no entanto, reconhece que sua argumenta¸c˜ao sobre os ciclos somente est´a fun-
damentada na observa¸c˜ao dos fatos, sem apresentar uma abordagem te´orica para suportar
suas an´alises. Esse reconhecimento fez com que o autor utilizasse as conclus˜oes alcan¸cadas
nos seus estudos, somente para explicar o momento analisada em seus artigos, a despeito
de ser considerada como uma lei econˆomica que eventualmente poderia ser aplicada a
outros objetos de an´alise. Essa caracter´ıstica fica mais clara de ser observada, uma vez
que o objetivo inicial do seu trabalho era, justamente, observar o comportamento c´ıclico
da economia, mais do que analisar as causas de suas crises (BESOMI, 2005; GROOT e
FRANSES, 2009). Dessa forma, Juglar n˜ao explicava a rela¸c˜ao do cr´edito com os ciclos
econˆomicos, mas sim, indicava que existia um relacionamento entre essas duas vari´aveis.
De qualquer forma, o autor apontava que o processo c´ıclico era desencadeado da
seguinte maneira: quando a economia apresentasse um n´ıvel elevado de prosperidade,
as pessoas tenderiam a ficar mais animadas, aumentando, assim, a especula¸c˜ao nessa
localidade. Essa anima¸c˜ao em rela¸c˜ao ao desempenho da economia acabaria deixando
essas pessoas mais imprudentes, onde, a partir da´ı, tenderiam a cometer mais abusos e
excessos. Esses excessos se traduziriam em efeitos no mercado de cr´edito e nas reservas
de cˆambio, que igualmente afetariam a produ¸c˜ao e o pr´oprio mercado. Nesse cen´ario, os
gastos se excediam `as receitas e os investimentos avan¸cariam mais do que a poupan¸ca. O
resultado disso era que o emprego e a imobiliza¸c˜ao de capital ocorreriam acima dos recur-
sos dispon´ıveis que determinada localidade poderia oferecer. `A medida que esse processo
avan¸casse, o equil´ıbrio observado, cada vez mai,s se mostraria como algo insustent´avel de
ser praticado (BESOMI, 2005; KOROTAYEV e TSIREL, 2010).
Outro ponto destacado pelo autor ´e que, enquanto na fase de prosperidade, o status
da economia pode at´e permanecer est´avel, frente alguns choques ex´ogenos no sistema,
na fase inst´avel, qualquer acontecimento de menor magnitude pode fazer com que esse
equil´ıbrio seja quebrado. Juglar cita como exemplo ”uma bacia prestes a transbordar “
(JUGLAR, 1862: p. v apud BESOMI, 2005: p. 5, tradu¸c˜ao nossa), onde qualquer gota
d’´agua a mais faz com que a ´agua transborde do recipiente. Ele at´e mesmo se utiliza
de um exemplo de uma falha no sistema econˆomico como se fosse algo parecido com
uma falha no sistema hidr´aulico, como se os canos estivessem entupidos. Nesse cen´ario
de incertezas, ”de repente, todos os canais aparecem preenchidos, n˜ao h´a fluxo poss´ıvel,
todo o tr´afego ´e interrompido e surge uma crise. Toda a especula¸c˜ao ´e interrompida; o
dinheiro, at´e ent˜ao abundante em alguns meses anteriores, diminui, aperta, at´e mesmo
desaparece” (JUGLAR, 1857: p. 37 apud BESOMI, 2005: p.8, tradu¸c˜ao nossa). Para
que o sistema volte a funcionar novamente, o comportamento especulativo dos agentes
precisa desaparecer momentaneamente, de modo que as empresas menos s´olidas saiam de
cena, livrando o mercado de problemas. Dessa forma, esse processo de liquida¸c˜ao surge
26
apenas para que o sistema econˆomico, de uma forma geral, tenha uma base mais s´olida,
com empresas mais consistentes (JUGLAR, 1862 apud BESOMI, 2005; JUGLAR, 1863
apud BESOMI, 2005, tradu¸c˜ao nossa). ´E justamente nessas passagens que fica clara a
natureza do capitalismo, na concep¸c˜ao de Juglar.
Por defini¸c˜ao, o sistema capitalista apresenta no seu estado normal um desenvolvi-
mento est´avel da riqueza das na¸c˜oes, sendo o cr´edito necess´ario para aumentar o montante
de trocas e promover a acumula¸c˜ao.
O instinto humano para o jogo faz com que haja a super expecula¸c˜ao
[overspeculation] onde cr´editos tornam-se mais e mais duvidosos, e em
algum momento o sistema fica extremamente inst´avel. A crise explode:
excessos e abusos s˜ao eliminados e o sistema ´e reconduzido de volta `a
sua faixa normal. Nessa vis˜ao, as crises peri´odicas s˜ao um inconveniente
necess´ario: eles s˜ao ”uma perturba¸c˜ao no curso dos neg´ocios” (JUGLAR,
1863: p. 1), mas um dist´urbio intr´ınseco ao processo de acumula¸c˜ao, e
realmente ´util, para o progresso econ´omico que cont´em e desenvolve
os germes da instabilidade crescente e que precisam ser apurados. A
crise resultante ´e concebida como o produto indesej´avel da pr´opria acu-
mula¸c˜ao, e a premissa para a sua recupera¸c˜ao: as crises, como as doen¸cas
no corpo humano, parecem ser uma das condi¸c˜oes de existˆencia das so-
ciedades onde o com´ercio e a ind´ustria dominam. Podemos prevˆe-la,
suaviz´a-la, para preservar e facilitar a retomada dos neg´ocios; mas re-
movˆe-la, considerando as mais diversas combina¸c˜oes poss´ıveis, dificil-
mente se conseguir´a atingir. Oferecer uma cura, por nossa vez, n˜ao ser´a
poss´ıvel, especialmente porque sua evolu¸c˜ao natural restaura o equil´ıbrio
e preparar uma base s´olida sobre a qual podemos desenhar sem medo de
viajar um novo per´ıodo (JUGLAR, 1862: p. vii apud BESOMI, 2005:
p.9-10).
Sendo assim - novamente - Juglar acredita que o processo c´ıclico, observado nas econo-
mias desenvolvidas, n˜ao ocorre em decorrˆencia de fatores ex´ogenos, mas sim, de fatores
end´ogenos ao pr´oprio ambiente econˆomico, sendo esse processo de crise um mal necess´ario,
para que a economia se ajuste diante de um comportamento dos agentes inerentemente
propensos a se arriscar, diante de um cen´ario de prosperidade (GROOT e FRANSES,
2009).
1.3.2 Joseph Kitchin
Joseph Kitchin (1923), ao estudar os ciclos e as tendˆencias dos fatores nas economias dos
Estados Unidos da Am´erica (EUA) e da Inglaterra, no per´ıodo referente a 1890 a 1922,
acabou sendo reconhecido posteriormente como aquele que estuda os ciclos econˆomicos
no curto prazo (ciclos de Kitchin). Esse reconhecimento, enquanto abordagem no curto
prazo, veio atrav´es da observa¸c˜ao do autor em rela¸c˜ao aos pa´ıses mencionados, onde os
ciclos observados apresentavam uma dura¸c˜ao de 40 meses, sendo as estat´ısticas utilizadas
para verificar a periodicidade desses ciclos o estoque das empresas - principalmente -
o pre¸co das commodities e a taxa de juros. Posteriormente, essa abordagem utilizada
pelo autor incorpora as mudan¸cas de governo (de quatro em quatro anos), o que acabou
ampliando a dura¸c˜ao dos ciclos para 48-51 meses (MEJ´IA, 2010; KWASNICKI, 2008;
GROOT e FRANSES, 2009).
27
As an´alises feitas por Kitchin (1923), presentes no seu artigo seminal Cycles and
trends in economic fators, por outro lado, n˜ao se restringiam ao curto prazo. Na verdade,
o autor prop˜oe uma divis˜ao entre os ciclos menores (minor cycles) e os ciclos maiores
(major cycles), sendo que os ciclos maiores nada mais representam do que a ocorrˆencia
ou uni˜ao de dois ou trˆes ciclos menores, apresentando uma dura¸c˜ao m´edia de 6 a 10 anos.
A ideia por traz dessa divis˜ao se concentra na afirma¸c˜ao de que, entendendo-se como
funciona a dinˆamica dos ciclos menores, ´e poss´ıvel ent˜ao entender o comportamento dos
ciclos econˆomicos maiores. Segundo Kitchin (1923)
Os ciclos de neg´ocios e de pre¸cos devem-se a recorrˆencias c´ıclicas da
psicologia de massa que reage frente `a produ¸c˜ao capitalista. A periodi-
cidade aproximada dos ciclos de neg´ocios sugere a recorrˆencia el´astica do
funcionamento do comportamento humano e n˜ao a precis˜ao matem´atica
dos fen´omenos c´osmicos (KITCHIN, 1923: p.14, tradu¸c˜ao nossa)7.
A l´ogica presente nessa abordagem pode ser associada a uma vis˜ao neocl´assica de
equil´ıbrio, onde as assimetrias de mercado acabam por impactar o movimento da econo-
mia ao longo do tempo, significando a existˆencia de certa defasagem entre os diferentes
agentes e a sua tomada de decis˜ao, a partir de algum est´ımulo dado na economia em seu
n´ıvel agregado. Segundo Kitchin, essas defasagens se expressam, principalmente, em dois
momentos, conforme se ver´a a seguir.
De maneira geral, as empresas reagem a uma situa¸c˜ao de melhora do mercado au-
mentando sua produ¸c˜ao. Esse processo de aumento da produ¸c˜ao ao longo do tempo faz
com que a produ¸c˜ao desses produtos exceda a sua demanda, impactando os pre¸cos e o
volume dos estoques dessas empresas de uma forma geral; esse processo acaba sinalizando
para os empres´arios sobre a necessidade de um ajustamento na sua produ¸c˜ao, afim de
regular os seus estoques conjuntamente com seus pre¸cos. Esse processo de ajuste da
produ¸c˜ao impacta a utiliza¸c˜ao dos bens de capital que passam a operar num n´ıvel abaixo
do seu pleno emprego. Justamente nesse espa¸co de tempo, entre a produ¸c˜ao ´otima - num
primeiro momento - e a produ¸c˜ao excessiva - num segundo momento - ´e onde se encontra
a primeira defasagem observada e destacada, que d´a origem aos ciclos de Kitchin (KORO-
TAYEV e TSIREL, 2010; GROOT e FRANSES, 2009). O segundo momento destacado
por Kitchin (1923) ´e justamente a defasagem das a¸c˜oes acima tomadas pelos empres´arios,
de diminui¸c˜ao da produ¸c˜ao e o respectivo ajustamento dos estoques ao seu n´ıvel ´otimo.
Passada essa fase de ajustamento das duas defasagens, o autor acredita que existam novas
condi¸c˜oes para que uma nova fase de crescimento da demanda se apresente e o processo
se inicie novamente (KOROTAYEV e TSIREL, 2010; GROOT e FRANSES, 2009).
Dessa forma, pode-se entender que os ciclos nessa vis˜ao s˜ao produzidos atrav´es dos
reflexos das rea¸c˜oes psicol´ogicas `a produ¸c˜ao capitalista e as respectivas defasagens de
informa¸c˜ao presentes nesse processo, que afetam o processo de decis˜ao das empresas, no
que se refere ao seu n´ıvel de produ¸c˜ao e ao ajustamento dos seus estoques. Nesses termos,
pode-se afirmar que o autor descreve os ciclos como um ajuste entre a oferta e a demanda,
respeitando as dire¸c˜oes de causalidade observadas segundo as respostas do mercado e das
empresas (KITCHIN, 1923).
7
Essa defini¸c˜ao ´e utilizada por Kitchin no texto, por´em mencionada de maneira n˜ao referenciada e
atribu´ıda ao professor Philip Green Wrigh.
28
1.3.3 Nikolai Kondratieff
Kondratieff (1935)8
, em seu artigo publicado em 1926, The long waves in economic life,
inicia sua abordagem sobre os ciclos afirmando que a dinˆamica econˆomica n˜ao se ap-
resentava como algo linear no tempo, mas sim, possu´ıa como caracter´ıstica apresentar
um comportamento complexo. Essa observa¸c˜ao feita pelo autor partia da constata¸c˜ao
de que, at´e aquele momento, essa caracter´ıstica n˜ao estava presente dentro das an´alises
realizadas dentro da ciˆencia econˆomica, especialmente no que se referia `a teoria dos ciclos
econˆomicos, onde as flutua¸c˜oes tinham como tempo pr´e-determinado o per´ıodo entre 7
a 11 anos, dentro de uma perspectiva te´orica liberal. Por outro lado, sua abordagem
tamb´em “ia contra os dogmas leninistas de crise geral” (TOLMASQUIM, 1991: p.28),
observados na Uni˜ao Sovi´etica. Essa posi¸c˜ao distinta do autor em rela¸c˜ao `as correntes
existentes naquele per´ıodo fez com que o mesmo sofresse san¸c˜oes de car´ater diverso, sob
o ponto de vista profissional-pessoal9
.
As ondas de Kondratieff ou k-waves, como seriam conhecidas posteriormente, foram
identificadas atrav´es da an´alise das estat´ısticas da Inglaterra, Fran¸ca, Alemanha e EUA,
entre os anos de 1780 at´e 1920, onde os dados analisados demonstravam uma dura¸c˜ao
m´edia por ciclo entre 50-60 anos. As estat´ısticas utilizadas para identificar essas flu-
tua¸c˜oes na pesquisa de Kondratieff foram os pre¸cos do atacado, a taxa de juros, os sal´arios,
o consumo, a balan¸ca comercial e a produ¸c˜ao de ferro gusa, chumbo e carv˜ao (GROOT
e FRANSES, 2009; KONDRATIEFF, 1935; LOZADA e MART´INEZ. 2002). Kondrati-
eff afirmava ainda que, a an´alise de outros dados n˜ao contemplados pelo seu estudo n˜ao
apontava para os mesmos ciclos com a mesma clareza e intensidade que as estat´ısticas
efetivamente empregadas na sua pesquisa, ainda que as s´eries mais importantes exam-
inadas tenham apresentado o mesmo comportamento, no per´ıodo estudado pelo autor
(KONDRATIEFF, 1935).
Para Kondratieff, essas ondas longas faziam parte do pr´oprio sistema capitalista,
sendo, no per´ıodo analisado, identificada pelo autor, a existˆencia de dois ciclos e meio,
segundo os dados investigados para aquele per´ıodo. Ainda que o tratamento estat´ıstico-
matem´atico utilizado tenha sido sofisticado, a identifica¸c˜ao dessas ondas n˜ao poderia ser
considerada como um mero acidente, em virtude da manipula¸c˜ao dos dados (KONDRATI-
EFF, 1935; GROOT e FRANSES, 2009).
Na ocasi˜ao da publica¸c˜ao do artigo, outros autores apontavam que as k-waves eram
condicionadas por fatores ex´ogenos ao pr´oprio processo capitalista, sendo eles: (i) as
mudan¸cas tecnol´ogicas, (ii) guerras ou revolu¸c˜oes, (iii) a acomoda¸c˜ao de novos pa´ıses
na economia mundial ou (iv) a produ¸c˜ao do ouro (KONDRATIEFF, 1935). Na opini˜ao
do autor, ainda que essas cr´ıticas fossem importantes, elas n˜ao possu´ıam aderˆencia ao
contexto investigado, em virtude dos seguintes argumentos expostos:
1. Para Kondratieff, a tecnologia certamente influenciava na dinˆamica econˆomica dos
pa´ıses, por´em, at´e aquele momento, nenhum estudo havia comprovado que a evolu¸c˜ao
desta era causa acidental ou de origem externa ao pr´oprio ambiente econˆomico. Na
verdade, duas condi¸c˜oes tornavam-se preponderantes para que a mesma pudesse
8
O artigo utilizado em quest˜ao foi traduzido da vers˜ao original Die langen Wellen der Konjunktu por
W. F. Stolper de 1926, sendo algumas de suas partes resumidas em alguns conceitos chave.
9
Segundo Tolmasquim (1991: p.28) a n˜ao inclus˜ao de sua obra junto ao livro A contribution to the
theory of the trade cycles, de J. H. Hicles e a destitui¸c˜ao de seus cargos na extinta Uni˜ao Sovi´etica, sua
pris˜ao e envio para a Sib´eria, s˜ao exemplos de algumas das san¸c˜oes sofridas pelo autor em decorrˆencia
dessa nova vis˜ao encontrada nos seus trabalhos.
29
evoluir: que descobertas t´ecnico-cient´ıficas fossem alcan¸cadas e desenvolvidas, e que
ao mesmo tempo fossem economicamente vi´aveis. Al´em desses pontos, o autor argu-
mentava ainda que ´e “muito mais prov´avel que tal dire¸c˜ao e intensidade [de evolu¸c˜ao
da tecnologia] s˜ao uma fun¸c˜ao das necessidades da vida real e do desenvolvimento
precedente da ciˆencia e da t´ecnica” (KONDRATIEFF, 1935:112, tradu¸c˜ao nossa),
onde, certamente, o ambiente econˆomico est´a inserido;
2. Com rela¸c˜ao `a quest˜ao das guerras / revolu¸c˜oes, Kondratieff (1935) reconhece que,
efetivamente, elas igualmente influenciam o curso da economia. O que n˜ao fica claro
para o autor ´e se estas s˜ao geradas fora do ˆambito econˆomico. Ele afirma, na verdade,
que estas s˜ao originadas por circunstˆancias reais, e especialmente econˆomicas;
3. J´a em rela¸c˜ao `a entrada de novos pa´ıses na economia mundial, o autor argumenta
que parece ´obvio afirmar que este n˜ao pode ser considerado como um fator ex´ogeno
ao ambiente econˆomico, ou que at´e mesmo, um fator gerador das k-waves; na ver-
dade, ´e a onda ascendente que faz com que novos mercados sejam explorados em
novos pa´ıses, novas fontes de mat´eria-prima sejam buscadas e onde o processo de
desenvolvimento econˆomico ´e estimulado;
4. J´a a varia¸c˜ao da produ¸c˜ao do ouro, mesmo que esta seja a causa prov´avel do aumento
dos pre¸cos ou at´e mesmo uma alternativa para a recupera¸c˜ao geral da atividade
econˆomica, ainda assim - a exemplo da entrada de novos pa´ıses - ´e subordinada
ao ritmo das ondas longas, n˜ao podendo ser considerada como um fator causal e
aleat´orio causador das ondas de Kondratieff (KONDRATIEFF, 1935).
Sendo assim, a afirma¸c˜ao sobre a existˆencia dessas ondas longas e a nega¸c˜ao de que
estas sejam consequˆencias de causas aleat´orias, indicam que as k-waves se apresentam
como uma caracter´ıstica inerente `a pr´opria economia capitalista, segundo o autor. A na-
tureza das ocorrˆencias dessas ondas longas, no entanto, n˜ao foi explorada pelo autor no
artigo em quest˜ao, uma vez que a sua inten¸c˜ao n˜ao era abordar tal perspectiva (KON-
DRATIEFF, 1935). De qualquer forma, em estudos posteriores desenvolvidos pelo autor,
demonstrou-se que as ondas de Kondratieff estariam relacionadas a um processo de efe-
tiva¸c˜ao tecnol´ogica10
- ou simplesmente de mudan¸cas tecnol´ogicas - onde a utiliza¸c˜ao e
o tempo de vida das tecnologias empregadas ´e que determinariam o tempo dos ciclos
econˆomicos.
1.3.4 Simon Smith Kuznets
Simon Kuznets publicou, em 1930, o livro Secular Movements in Production and Prices:
Their Nature and their Bearing upon Cyclical Fluctuations, sendo sua contribui¸c˜ao con-
hecida como as oscila¸c˜oes de Kuznets (Kuznets swings). De maneira bastante gen´erica,
Kuznets identificou que os fluxos migrat´orios impactavam no ritmo e na intensidade das
constru¸c˜oes, que tamb´em impactavam nos lags (defasagens) de tempo dos investimentos
em infraestrutura, nos transportes, etc., que acabavam se refletindo nos ciclos econˆomicos
(KUZNETS, 1930; KOROTAYEV e TSIREL, 2010; KWASNICKI, 2008; R´ENDON e
V´ASQUEZ, 2011).
10
Para maiores detalhes ver Tolmasquim (1991).
30
O ciclo est´a relacionado aos investimentos em constru¸c˜ao e tem a dura¸c˜ao
m´edia entre 15 a 25 anos. Kuznets sugeriu que o crescimento da pop-
ula¸c˜ao dos Estados Unidos, com sua grande rela¸c˜ao com a imigra¸c˜ao
entre os anos 1870 e os anos 1920, causou flutua¸c˜oes na constru¸c˜ao de
casas e investimentos nas ferrovias. Essa explica¸c˜ao ex´ogena sobre o ciclo
que engloba a emigra¸c˜ao da Europa para os EUA tem sido debatida. Na
verdade, ´e incerto se a migra¸c˜ao ´e que causava a retomada da economia
ou se o ciclo j´a estando num movimento de recupera¸c˜ao melhorava as
expectativas das pessoas e desencadeava o fluxo de imigra¸c˜ao. (GROOT
e FRANSES, 2009: p. 7, tradu¸c˜ao nossa).
A investiga¸c˜ao feita por Kuznets para chegar a essa conclus˜ao estava baseada na
utiliza¸c˜ao de cinquenta e nove s´eries de tempo, abrangendo indicadores relacionados `a
produ¸c˜ao e aos pre¸cos de determinados produtos. Analisando esses n´umeros levanta-
dos, Kuznets ainda identificou que as condi¸c˜oes iniciais observadas em uma determinada
localidade s˜ao fundamentais para explicar o padr˜ao de crescimento e desenvolvimento
econˆomico alcan¸cado. Sendo assim, as ondas de Kuznets apresentariam melhor aderˆencia,
naquelas economias onde as condi¸c˜oes iniciais fossem relativamente inferiores - caso com-
parado a pa´ıses desenvolvidos - onde a combina¸c˜ao do investimento em constru¸c˜ao, so-
mado a aspectos demogr´aficos, seria determinante para o comportamento dessas flutua¸c˜oes
(GROOT e FRANSES, 2009; LOZADA e MART´INEZ, 2002; KUZNETS, 1930).
1.3.5 Joseph Alois Schumpeter
A obra de Schumpeter relacionada aos ciclos econˆomicos ´e bastante vasta. O argumento
central escolhido para dar base a esta se¸c˜ao, dessa forma, refere-se `aquela contida no
seu livro Teoria do desenvolvimento econˆomico: Uma investiga¸c˜ao sobre lucros, capital,
cr´edito, juro e o ciclo econˆomico, publicada originalmente em 1911. Outras publica¸c˜oes
posteriores que, reconhecidamente, trouxeram alguma contribui¸c˜ao a esta, principalmente
`aquela referente ao livro Business Cycles - A Theorical, Historical and Statistical Analysis
of the Capitalist Process de 1939 e Capitalismo, Socialismo e Democracia de 1942, ser˜ao
igualmente consideradas ao longo do texto, quando se julgar necess´ario. Antes do in´ıcio da
discuss˜ao propriamente dita sobre os ciclos econˆomicos na abordagem deste autor, julga-
se necess´ario entender algumas considera¸c˜oes te´oricas iniciais, feitas na sua publica¸c˜ao de
1911.
Schumpeter (1997) come¸ca descrevendo a dinˆamica econˆomica como um fluxo circular,
onde a intera¸c˜ao observada entre os agentes pertencentes a este processo ocorre “essencial-
mente pelos mesmos canais, ano ap´os ano - semelhante `a circula¸c˜ao do sangue num organ-
ismo animal” (SCHUMPETER, 1997: p. 72), podendo esses fluxos se alterar ao longo do
tempo, por´em, somente dentro de um determinado limite. Esse movimento percebido se
aproxima de um comportamento com tendˆencia para o equil´ıbrio, uma vez que os agentes
que participam desse fluxo circular baseiam suas a¸c˜oes de troca em informa¸c˜oes do pas-
sado para projetar suas expectativas e a¸c˜oes para o futuro, sendo poss´ıvel, dessa forma, a
determina¸c˜ao de pre¸cos e quantidades a serem produzidas / consumidas. Esse mecanismo
baseado nas informa¸c˜oes precedentes faz com que este empres´ario apresente tamb´em uma
tendˆencia ao lucro econˆomico zero, dentro desse fluxo circular. Essa caracter´ıstica apon-
tada pelo autor apresenta similaridades ao princ´ıpio de continuidade de Wieser, dentro
da dinˆamica econˆomica onde, nas suas palavras, “o sistema econˆomico n˜ao se modificar´a
31
arbitrariamente por iniciativa pr´opria, mas estar´a sempre vinculado ao estado precedente
dos neg´ocios” (SCHUMPETER, 1997: 28).
N˜ao obstante o processo econˆomico descrito apresentar essa caracter´ıstica circular, ´e
tamb´em verdade que este processo pode apresentar algumas altera¸c˜oes ao longo do tempo,
de modo que seu padr˜ao de comportamento e a magnitude das suas oscila¸c˜oes mudem
significativamente, apresentando um movimento fora do tradicional. “Essas mudan¸cas e
os fenˆomenos que surgem em seu curso s˜ao [justamente] o objeto de nossa investiga¸c˜ao”,
j´a que ´e dentro desse escopo que o desenvolvimento econˆomico se faz presente (SCHUM-
PETER, 1997: p. 73).
O desenvolvimento, no sentido em que o tomamos, ´e um fenˆomeno dis-
tinto, inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular
ou na tendˆencia para o equil´ıbrio. ´E uma mudan¸ca espontˆanea e de-
scont´ınua nos canais do fluxo, perturba¸c˜ao do equil´ıbrio, que altera e
desloca para sempre o estado de equil´ıbrio previamente existente. Nossa
teoria do desenvolvimento n˜ao ´e nada mais que um modo de tratar esse
fenˆomeno e os processos a ele inerentes (SCHUMPETER, 1997: p. 75).
Sendo assim, para que a economia de um determinado pa´ıs possa apresentar um pro-
cesso de desenvolvimento, faz-se necess´ario que seu fluxo econˆomico com tendˆencia ao
equil´ıbrio seja perturbado. Na vis˜ao de Schumpeter (1997), o que desestabiliza esse fluxo
circular ´e a introdu¸c˜ao de inova¸c˜oes dentro desse processo econˆomico, atrav´es de novas
empresas e segundo a orienta¸c˜ao de um dirigente de empresas ou gerente de neg´ocio
com caracter´ısticas diferenciadas do t´ıpico empres´ario contido dentro do fluxo circular,
dito tradicional (SCHUMPETER, 1997: p. 84). Esses agentes diferenciados acabam in-
troduzindo novas combina¸c˜oes entre os fatores de produ¸c˜ao atrav´es da cria¸c˜ao de novas
firmas, promovendo o desenvolvimento econˆomico. Dito de outro modo: na medida em
que os agentes inseridos dentro desse fluxo circular apresentam um comportamento es-
perado em seu n´ıvel agregado, os sinais enviados atrav´es desse comportamento acabam
se traduzindo numa sensa¸c˜ao de seguran¸ca, j´a que o comportamento observado ´e igual
ao esperado. Na medida em que alguns desses agentes se deparam com um cen´ario difer-
ente do esperado, esta sensa¸c˜ao de seguran¸ca acaba perdendo for¸ca, passando a vigorar
um processo de ajustamento ou acomoda¸c˜ao. Essa sa´ıda da zona de conforto acaba pro-
movendo o aprendizado for¸cado, com diferentes timings de aprendizado entre os agentes,
onde as firmas tenderiam a melhorar o ambiente econˆomico no longo prazo, melhorando,
consequentemente, o bem estar das pessoas. Esse processo de ajustamento da conduta
desses agentes n˜ao ´e r´apido e nem racional.
Schumpeter (1997: p. 204) aponta, no entanto, que esses desequil´ıbrios observados
e que se traduzem num processo de crescimento e desenvolvimento econˆomico n˜ao ocor-
rem, a exemplo do crescimento “orgˆanico gradual de uma ´arvore”, mas sim, apresenta um
comportamento intermitente ao longo do tempo, onde, em determinados per´ıodos, esse
processo de crescimento ´e at´e mesmo interrompido. Quando esse movimento ´e retomado,
dificilmente este retorna `a posi¸c˜ao original onde estava anteriormente posicionado, al-
terando o plano dos dirigentes, no que se refere ao andamento da economia. A quest˜ao
central que se coloca a partir disso ´e que esses descompassos observados entre o avan¸co
da economia e seus per´ıodos de quebra, caso fossem eventos pontuais ou distribu´ıdos
igualitariamente ao longo do tempo, n˜ao seriam objeto de preocupa¸c˜ao por parte dos
economistas.
Realizadas essas considera¸c˜oes iniciais, como ocorrem ent˜ao os ciclos econˆomicos? Para
32
Schumpeter, diversas s˜ao as fontes causadoras dos ciclos econˆomicos, sejam elas elementos
puramente econˆomicos ou at´e mesmo aspectos que escapam `as teorias dedicadas `a ciˆencia
econˆomica. Em outras palavras, as perturba¸c˜oes que provocam as crises econˆomicas j´a
vieram ou podem vir de v´arios lugares; dentro da ciˆencia econˆomica elas s˜ao observadas
tanto pelo lado da oferta como pelo lado da demanda. Al´em desses fatores, existem ainda
crises que se apresentam atrav´es de fatores externos a quest˜oes puramente econˆomicas,
como por exemplo, a ocasi˜ao de guerras - ainda que a ocorrˆencia deste exemplo seja en-
tendida pelo autor como um “acidente de percurso”. De qualquer forma, pode-se afirmar,
categoricamente, que as crises tenham sua origem em fatores puramente econˆomicos, sem
outros est´ımulos externos conforme mencionado? Na vis˜ao do autor
A descoberta decisiva, que resolveu a nossa quest˜ao e ao mesmo tempo
pˆos o nosso problema em bases um tanto diferentes, consistiu em estab-
elecer o fato de que h´a, de qualquer modo, alguns tipos de crises, que s˜ao
elementos ou, pelo menos, componentes regulares, se n˜ao necess´arios, de
um movimento em forma de onda que alterna per´ıodos de prosperidade
e depress˜ao, que tˆem permeado a vida econˆomica desde o in´ıcio da era
capitalista (SCHUMPETER, 1997: p. 210).
E prossegue na conclus˜ao do argumento
Pelo contr´ario, seria bem poss´ıvel que as causas reais das crises existissem
fora da esfera puramente econˆomica, ou seja, que fossem consequˆencias
de perturba¸c˜oes que atuassem de fora sobre estas ´ultimas. A frequˆencia e
mesmo a regularidade das crises tantas vezes confirmada n˜ao seria em si
mesma nenhum argumento conclusivo, uma vez que se pode facilmente
conceber que tais perturba¸c˜oes devam ocorrer na vida pr´atica. Uma
crise seria ent˜ao simplesmente o processo pelo qual a vida econˆomica se
adapta a novas condi¸c˜oes (SCHUMPETER, 1997: p. 206).
Louren¸co (2006) afirma que, dentro da teoria dos ciclos econˆomicos, Schumpeter
acabou por definir duas abordagens sobre as causas dessas flutua¸c˜oes: i. na primeira
delas, o comportamento da economia ao longo do tempo se aproximaria de algo pr´oximo
a um crescimento estacion´ario (steady state growth), onde os ciclos econˆomicos seriam
produzidos por choques ex´ogenos aleat´orios ou a pr´opria interven¸c˜ao governamental; e,
ii. na segunda categoria, encontra-se a interpreta¸c˜ao de que os ciclos econˆomicos decor-
rem do pr´oprio funcionamento da economia, onde a “busca dos agentes pelos seus obje-
tivos econˆomicos (lucro, utilidade) desencadearia movimentos cumulativos, com retroal-
imenta¸c˜ao positiva, e que cedo ou tarde acabariam sendo revertidos tamb´em endogena-
mente” (LOURENC¸O, 2006: p. 452).
Para Schumpeter, de todo modo, n˜ao estaria errado assumir que as crises possuem car-
acter´ısticas individuais, de modo que, analisar suas especificidades seria mais importante
do que tentar construir uma teoria geral que explicasse os movimentos c´ıclicos observados
em todos os pa´ıses, sendo ent˜ao, mais ´util essa an´alise individualizada, no sentido de es-
timular seu diagn´ostico associado `a proposi¸c˜ao de pol´ıticas que, de alguma forma, possam
indicar caminhos para a revers˜ao de crises ou depress˜oes. O autor entende, no entanto,
que o in´ıcio do processo c´ıclico ocorre nos meios de produ¸c˜ao com reflexos na produ¸c˜ao
e nas novas plantas instaladas, mais precisamente no impacto das inova¸c˜oes tecnol´ogicas
na economia (CARCIENTE, 2004; SCHUMPETER, 1997). Sendo assim, o boom surge
“porque se investe mais capital, este se fixa em novos neg´ocios, e [...] o impulso se difunde
33
ent˜ao pelos mercados de mat´erias-primas, trabalho, equipamentos etc” (SCHUMPETER,
1997: p. 203), sendo, ent˜ao, o investimento autˆonomo como a principal vari´avel que im-
pacta os ciclos econˆomicos. Dito de outra forma, pode-se descrever o processo c´ıclico em
Schumpeter na forma de ondas.
Na primeira onda, tem-se o aparecimento de novas empresas inovadoras ao lado das
empresas que n˜ao inovam, processo este que acaba por quebrar o equil´ıbrio at´e ent˜ao
observado na economia. O momento reconhecido como boom, no entanto, somente acon-
teceria quando um grupo significativo de empres´arios aderisse a essas inova¸c˜oes e esse
movimento come¸casse a se espalhar pela economia, onde, justamente, come¸ca a segunda
onda. Nessa fase, essa nova empresa acaba por alavancar uma s´erie de produtos e servi¸cos
em diversos setores e segmentos, estimula ainda mais o processo econˆomico, ocorrendo
o chamado boom secund´ario; neste momento, um grande termˆometro para verificar esse
dinamismo proposto ´e o aumento do investimento na ind´ustria de bens de capital. Os
reflexos observados a partir dai, relacionados `a queda no desemprego com aumento dos
sal´arios e das transa¸c˜oes banc´arias somados `a eleva¸c˜ao dos pre¸cos, dada a escassez de
recursos, ´e outra caracter´ıstica observada. Esses novos produtos entram no mercado para
competir com os produtos antigos e at´e mesmo, os pre¸cos praticados desses novos produ-
tos podem ser mais elevados do que os seus concorrentes, dada suas novas caracter´ısticas,
garantindo lucros para esses empres´arios inovadores. `A medida que outros novos em-
pres´arios igualmente come¸cam a seguir esse movimento e passam a produzir c´opias desses
produtos, a oferta acaba se tornando maior que a demanda, acarretando a defla¸c˜ao dos
pre¸cos e o encerramento do boom. Essa interrup¸c˜ao do movimento ascendente da economia
leva a uma quebra na sua trajet´oria, indicando agora uma tendˆencia de crise e depress˜ao.
Nas palavras de Schumpeter (1997)
A diferen¸ca entre n´os reside na explica¸c˜ao da circunstˆancia que corta
o boom e ocasiona a depress˜ao. Para Spiethoff essa circunstˆancia ´e a
superprodu¸c˜ao de bens de capital com rela¸c˜ao, por um lado, ao cap-
ital existente, e, por outro, `a demanda efetiva. Como descri¸c˜ao dos
fatos efetivos, eu tamb´em poderia aceitar isso. Mas, enquanto a teoria
de Spiethoff p´ara nesse elemento e tenta nos fazer entender que cir-
cunstˆancias induzem os produtores de equipamentos fabris, de material
de constru¸c˜ao etc., a produzir periodicamente mais do que os seus mer-
cados s˜ao capazes de absorver no momento, minha teoria tenta explicar
o estado dos neg´ocios da maneira que aparece neste cap´ıtulo, que pode
ser resumida como se segue. O efeito do aparecimento de novos em-
preendimentos en masse sobre as empresas antigas e sobre a situa¸c˜ao
econˆomica estabelecida, tendo em considera¸c˜ao o fato estabelecido[...]
de que, em regra, o novo n˜ao nasce do velho, mas aparece ao lado deste
e o elimina na concorrˆencia, ´e o de mudar de tal modo todas as condi¸c˜oes
[econˆomicas] que se torna necess´ario um processo especial de adapta¸c˜ao
[e ajustamento] (SCHUMPETER, 1997: p. 204).
Dessa forma, fica mais evidente na argumenta¸c˜ao exposta pelo autor de que, caso
esse movimento em massa fosse substitu´ıdo por um movimento cont´ınuo e distribu´ıdo
ao longo do tempo essas perturba¸c˜oes seriam paulatinamente absorvidas pela pr´opria
dinˆamica econˆomica. No caso desse movimento em massa, Schumpeter (1997) acredita
que a liquida¸c˜ao do processo de boom surge, justamente, para realizar essa acomoda¸c˜ao
para um novo estado est´atico; ele entende que esse processo de liquida¸c˜ao ´e o “combate
do sistema econˆomico no sentido de uma nova posi¸c˜ao de equil´ıbrio, sua adapta¸c˜ao aos
34
dados alterados pela perturba¸c˜ao trazida pelo boom” (SCHUMPETER, 1997: p. 217).
O tempo m´edio que leva para que os produtos das empresas “imitadoras” apare¸cam
nesse mercado ante ao impulso inicial causado pelas empresas inovadoras ´e, justamente, o
per´ıodo de dura¸c˜ao do boom. Conforme comentado, esses produtos lan¸cados no mercado
e que imitam o impulso inicial produzem “uma queda dos pre¸cos, que, por sua vez, p˜oe
fim ao boom, pode levar a uma crise, deve levar a uma depress˜ao e assim se inicia todo o
resto [novamente]” (SCHUMPETER, 1997: p. 218-219).
Carciente (2004: p. 120-121, tradu¸c˜ao nossa) aponta que o aspecto mais interes-
sante na abordagem de Schumpeter ´e a incorpora¸c˜ao de trˆes elementos: “de mudan¸cas
end´ogenas a partir da an´alise do fluxo circular incorporando uma perspectiva dinˆamica
frente a tradicional an´alise de est´atica comparativa, a inclus˜ao do cr´edito na an´alise
econˆomica e a incorpora¸c˜ao de aspectos monet´arios de capital e juros”.
1.3.6 John Maynard Keynes
A contribui¸c˜ao de Keynes (2012) para a ciˆencia econˆomica atrav´es da Teoria geral do
emprego, do juro e da moeda trouxe uma nova interpreta¸c˜ao para os problemas obser-
vados na economia, se comparado ao entendimento proposto pelos ent˜ao denominados
economistas cl´assicos11
. O diagn´ostico e as medidas necess´arias para que a economia
retomasse sua trajet´oria ascendente, na nova abordagem proposta por Keynes, resultou
numa mudan¸ca significativa na perspectiva dos economistas sobre seu objeto de estudo,
haja vista o per´ıodo em que a obra foi escrita, fevereiro de 1936, p´os-crise de 1929,
e os desdobramentos observados a partir daquele momento12
. Keynes quis demonstrar
que o sistema capitalista possu´ıa, como caracter´ıstica, ser inst´avel, e que as for¸cas de
mercado, por si s´o, dificilmente atingiriam o bem estar de toda a sociedade, conforme
advogavam os economistas cl´assicos, podendo at´e mesmo o comportamento defendido por
esses economistas contribuir para o agravamento e alongamento das crises na economia.
A problem´atica dos ciclos econˆomicos ´e um dos assuntos tamb´em tratados nessa nova
perspectiva proposta por Keynes na Teoria Geral, ainda que n˜ao a sua quest˜ao central.
Os elementos iniciais levantados pelo autor, que explicavam o in´ıcio ou o fim dos ci-
clos econˆomicos, eram derivados das altera¸c˜oes na propens˜ao ao consumo, no estado da
preferˆencia pela liquidez e/ou na eficiˆencia marginal do capital. No entanto, a eficiˆencia
marginal do capital era apontada como a principal vari´avel respons´avel pelos movimentos
dos ciclos observados na economia. Na verdade, Keynes afirmava que o car´ater temporal
do processo c´ıclico ao qual a economia estava condicionada indefinidamente, estava vin-
culado `a maneira como flutuava a eficiˆencia marginal do capital ao longo do tempo e seus
reflexos na economia, de uma maneira geral. A taxa de juros, por exemplo, era um desses
elementos importantes que poderiam influenciar a dinˆamica econˆomica, por´em, com uma
relevˆancia inferior `a eficiˆencia marginal do capital (KEYNES, 2012).
O mecanismo de funcionamento da eficiˆencia marginal do capital estava intrinseca-
mente vinculado `a psicologia aleat´oria dos neg´ocios, principalmente quando considerada
a expectativa desses agentes no longo prazo. A utiliza¸c˜ao do termo aleat´orio devia-se
`a forma¸c˜ao das expectativas dos empres´arios, determinadas pela expectativa de lucro no
11
Keynes, atrav´es da classifica¸c˜ao proposta por Marx, apontava como economistas cl´assicos David
Ricardo, Adam Smith e John Stuart Mill, bem como os economistas seguidores do pensamento ricardiano,
dentre eles Alfred Marshall, Francis Y. Edgeworth e Arthur C. Pigou.
12
Para maiores detalhes sobre a contribui¸c˜ao de Keynes para a teoria econˆomica ver Snowdon e Vane
(2005).
35
longo prazo, que sob fundamentos muito prec´arios estavam baseadas em “ind´ıcios vari´aveis
e incertos, [...] sujeitos a varia¸c˜oes repentinas e violentas” (KEYNES, 2012: 286). No
curto prazo, essas expectativas eram determinadas pela realiza¸c˜ao da produ¸c˜ao segundo
os pre¸cos estipulados, sendo baseadas em resultados realizados e ajustadas conforme a
necessidade, diariamente, caso fosse preciso. A intera¸c˜ao observada entre as duas de-
terminantes e o modo como esses empres´arios entendiam esses movimentos - sejam eles
ascendentes ou descendentes - eram o centro da dinˆamica econˆomica na vis˜ao de Keynes.
Embora fosse a intera¸c˜ao dos determinantes acima mencionados - com maior destaque
para o longo prazo - que traduzissem as tendˆencias da economia, existia uma diferen¸ca
importante mencionada na Teoria geral que dizia respeito `a velocidade com que essas
tendˆencias se alastravam pelo sistema econˆomico. Keynes afirmava que, o processo de
ruptura de um per´ıodo de crescimento e bons resultados possu´ıa como caracter´ıstica ocor-
rer de maneira repentina, avan¸cando rapidamente de um processo de prosperidade para
um processo de decl´ınio da atividade econˆomica, ao passo que o processo contr´ario de
recupera¸c˜ao p´os-depress˜ao ocorria de maneira lenta e gradual. Mais do que isso, o autor
afirmava que a incerteza sobre o futuro, uma vez institu´ıda no ambiente econˆomico, teria
a propriedade de se multiplicar numa intensidade bastante alta nos diversos atores que
interagiam nesse cen´ario. A diferencia¸c˜ao de intensidade e dura¸c˜ao entre os dois per´ıodos
estava fortemente vinculada ao modo como as expectativas e a confian¸ca dos agentes se
relacionavam frente aos movimentos de alta e baixa observados na economia, ou seja,
o comportamento do empres´ario apresentaria uma diferen¸ca significativa frente ao mo-
mento da economia, j´a que, caso esta estivesse numa tendˆencia de alta, o comportamento
desses agentes apresentaria certa caracter´ıstica, enquanto que se esse momento fosse de
tendˆencia de baixa, haveria um comportamento completamente diferente. Os ajustes, a
partir da´ı, necess´arios para que a economia retomasse sua tendˆencia ascendente, seriam,
talvez, a quest˜ao chave a ser respondida, relacionada `a tem´atica dos ciclos econˆomico,s
nessa vis˜ao.
Uma maneira de se entender como ocorria a intera¸c˜ao entre as for¸cas comentadas
dentro da Teoria geral ´e exemplificar o trajeto da renda nacional, at´e que ela se posicione
no ponto R1A1, conforme destacado no gr´afico 1, a seguir. Deve-se ressaltar que o gr´afico
1 ´e meramente ilustrativa e demonstra na reta T a tendˆencia de crescimento da renda,
enquanto a reta Y representa seu comportamento efetivo ao longo do per´ıodo. Alguns
fatores concorrem para que a economia se direcione para o ponto R1A1, em destaque.
Pode-se dizer que a transmiss˜ao da queda das expectativas dos empres´arios no longo
prazo para a flutua¸c˜ao acentuada da economia no curto prazo, traduzida, no limite, como
depress˜ao econˆomica no ponto R1A1, passa pelo racioc´ınio de que, como a eficiˆencia
marginal do capital est´a ancorada na expectativa de lucro do empres´ario no futuro, levando
em considera¸c˜ao seu desempenho no presente, este acaba por se prevenir quanto aos riscos
do seu neg´ocio, entendendo que a acumula¸c˜ao de estoques e a queda na sua rentabilidade
momentˆanea s˜ao sinais de que precisa frear seu investimento, considerando que o retorno
financeiro n˜ao estar´a mais garantido no futuro, caso esse cen´ario se perpetue. Novamente,
essa expectativa desse empres´ario quanto ao futuro, ainda assim, continua sendo uma
expectativa que, sob fundamentos muito prec´arios, est˜ao baseadas em “ind´ıcios vari´aveis
e incertos, [...], sujeitos a varia¸c˜oes repentinas e violentas” (KEYNES, 2012: 286).
36
Gr´afico 1: Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario A)
Fonte: Elabora¸c˜ao pr´opria
Essa queda na eficiˆencia marginal do capital de um empres´ario individual se alastra
para outros empres´arios e tamb´em para o mercado de a¸c˜oes - mais vol´atil do que o mercado
de bens e servi¸cos - influenciando ainda mais a tendˆencia de queda no n´ıvel da atividade
econˆomica, de maneira geral. Ali´as, como a organiza¸c˜ao dos mercados e empresas vem
evoluindo gradativamente e, em tempos mais recentes, essa intera¸c˜ao ocorre quase que
em tempo real e em um escopo bastante grande e intersetorial, o impacto das altera¸c˜oes
dessas expectativas nesse conglomerado de agentes se d´a quase que instantaneamente,
dificultando, ainda mais, a retomada da confian¸ca desses empres´arios quanto ao futuro.
A queda na eficiˆencia marginal do capital, principalmente quando refletidas na Bolsa de
Valores, tamb´em afeta a propens˜ao marginal a consumir.
Esse mecanismo de transmiss˜ao para os diversos agentes, conforme descrito acima,
ocorre em partes porque a incerteza instalada ´e seguida gradualmente pelo aumento da
preferˆencia pela liquidez, impactando a taxa de juros. Esse processo consegue traduzir
o porquˆe uma queda na eficiˆencia marginal do capital ´e acompanhada por um aumento
da taxa de juros, podendo afetar ainda mais negativamente os investimentos. Por esse
motivo, a revers˜ao de um processo de depress˜ao na economia torna-se complicada de ser
efetuado. O colapso da eficiˆencia marginal do capital pode ser t˜ao agudo, que nenhum
ajuste da taxa de juros pode ser suficiente para reverter essa situa¸c˜ao: a recupera¸c˜ao da
confian¸ca desses agentes, nesse cen´ario, ´e um dos elementos centrais complicados de serem
controlados na economia.
Adicional a essas quest˜oes, Keynes acredita, ainda, que existe uma rela¸c˜ao bastante
intensa entre a dura¸c˜ao da depress˜ao, a dura¸c˜ao da vida ´util dos bens duradouros e a
taxa normal de crescimento. O que ele quis dizer com a rela¸c˜ao entre essas vari´aveis ´e
que, partindo do princ´ıpio que de est´a dentro do um processo recessivo, os empres´arios,
assumindo um comportamento de prote¸c˜ao aos seus recursos, tendem a esperar a venda
dos itens em excesso nos seus estoques advindo das m´aquinas existentes, cortando in-
vestimentos, e somente a partir da normaliza¸c˜ao da sua rentabilidade e no seu n´ıvel de
37
estoques, ´e que esses empres´arios retomam seus investimentos e o processo de recupera¸c˜ao
da economia come¸ca a acontecer. Dessa forma, quando temos um processo c´ıclico descen-
dente dessa natureza “[...] haver´a pouco incentivo para uma recupera¸c˜ao, enquanto o ciclo
n˜ao tiver percorrido uma parte de seu caminho” (KEYNES, 2012: 289).
Alguns autores que trabalhavam com a quest˜ao dos ciclos econˆomicos anteriores a
Keynes, como visto na abordagem de Cl´ement Juglar, por exemplo, apontavam como
solu¸c˜ao para os ciclos econˆomicos a absten¸c˜ao do investimento excessivo, chamado por
Keynes de sobreinvestimento, com o argumento de que o controle sobre esse fluxo de
capitais evitaria o processo depressivo observado na economia. Na vis˜ao keynesiana, no
entanto, esse conceito de sobreinvestimento apresenta duas poss´ıveis defini¸c˜oes:
i. Caso a economia estivesse funcionando na sua capacidade m´axima, conforme o
ponto R2A2 no gr´afico 2, qualquer incremento no investimento n˜ao iria produzir o retorno
esperado, caracterizando um processo de sobreinvestimento;
ii. Caso a economia apresentasse o seu oposto, ou seja, o ponto localizado no seu
vale, conforme apresentado no ponto R1A1 do gr´afico 1, seria poss´ıvel ter-se a mesma
frustra¸c˜ao do ponto de vista do empres´ario j´a que o investimento realizado tamb´em n˜ao
traria os retornos esperados.
Gr´afico 2: Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario B)
Fonte: Elabora¸c˜ao pr´opria
Para Keynes, no entanto, somente no primeiro caso ´e que ocorreria, efetivamente, o
conceito de sobreinvestimento, na pr´atica. A cr´ıtica feita por Keynes, na verdade, n˜ao est´a
relacionada a qual das duas defini¸c˜oes sobre o conceito de sobreinvestimeto est´a correta ou
pode ser verificada no ambiente econˆomico. O que ele est´a tentando argumentar ´e como
a vis˜ao cl´assica enxerga esse sobreinvestimento e as poss´ıveis a¸c˜oes defendidas por estes,
bem como seu reflexo na taxa de juros. No primeiro caso, por exemplo, n˜ao poderia ser
considerado como adequado manter a taxa de juros elevada para tentar frear o movimento
excessivo dos investimentos, como advogavam esses economistas. O argumento utilizado
por Keynes centra-se na afirma¸c˜ao de que esse mecanismo somente teria alguma for¸ca,
caso se estivesse em uma situa¸c˜ao de pleno emprego, fato este nunca observado na pr´atica
nas economias desenvolvidas at´e aquele momento - na ´epoca de elabora¸c˜ao da Teoria
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Bombonati

  • 1. Pontif´ıcia Universidade Cat´olica de S˜ao Paulo Programa de Estudos P´os-Graduados em Economia Pol´ıtica Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente para a economia brasileira Rafael Donisete Bombonati S˜ao Paulo 2016
  • 2. Pontif´ıcia Universidade Cat´olica de S˜ao Paulo Programa de Estudos P´os-Graduados em Economia Pol´ıtica Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente para a economia brasileira Rafael Donisete Bombonati Disserta¸c˜ao apresentada `a Banca Examinadora da Pontif´ıcia Uni- versidade Cat´olica de S˜ao Paulo como exigˆencia parcial para obten¸c˜ao do t´ıtulo de Mestre em Economia, sob a orienta¸c˜ao da Profa. Dra. Elizabeth Borelli. S˜ao Paulo 2016
  • 3. Rafael Donisete Bombonati Os ciclos econˆomicos e a ind´ustria: uma abordagem recente para a economia brasileira Disserta¸c˜ao apresentada `a Banca Examinadora da Pontif´ıcia Uni- versidade Cat´olica de S˜ao Paulo como exigˆencia parcial para obten¸c˜ao do t´ıtulo de Mestre em Economia, sob a orienta¸c˜ao da Profa. Dra. Elizabeth Borelli. Data da defesa: 19/04/16 Banca examinadora Profa. Dra. Elizabeth Borelli (Orientadora) PUCSP Profa. Dra. Anita Kon PUCSP Prof. Dr. Vladimir Sipriano Camillo FSA / S˜ao Judas
  • 4. Autorizo exclusivamente para fins acadˆemicos e cient´ıficos a re- produ¸c˜ao total ou parcial desta Disserta¸c˜ao por processos fotocopi- adores ou eletrˆonicos, para consulta p´ublica e utiliza¸c˜ao como re- ferˆencia bibliogr´afica desde que citada como referˆencia de autoria, respeitados os termos da legisla¸c˜ao vigente sobre direitos autorais. S˜ao Paulo, 19 de Abril de 2016 Assinatura:
  • 6. Aluno bolsista pela Coordena¸c˜ao de Aperfei¸coamento de Pessoal de N´ıvel Superior
  • 7. Agradecimentos Primeiramente - como n˜ao poderia ser diferente -, gostaria de agradecer `a minha fam´ılia nas pessoas de minha m˜ae, meu pai e minha irm˜a pela paciˆencia e apoio `a minha decis˜ao de prosseguir nos estudos, desde a decis˜ao de prestar o exame da ANPEC, largar o tra- balho e encarar esses dois anos de mestrado na PUCSP. Agrade¸co tamb´em a minha noiva - futura esposa - pela paciˆencia, compreens˜ao e apoio incondicional nesses dois anos. Aos meus primos, tios, av´o e afilhada pela for¸ca e torcida, ainda que geograficamente distantes, agrade¸co profundamente. Aos amigos do Alcina, da Vila, da Day, da Metˆo, do P˜ao D’Alho e do JB meu muito obrigado pelas conversas e risadas, cumprindo seu papel, oxigenando a cabe¸ca e renovando as energias para continuar na caminhada. A divers˜ao tamb´em auxilia nos momentos de reflex˜ao, e muito. `A minha orientadora, Profa. Elizabeth Borelli, agrade¸co em especial por todo o su- porte, pela motiva¸c˜ao dada nesses dois anos, pelo entusiasmo e pela positividade com que sempre conduziu os trabalhos. Sua postura enquanto docente, incentivando a busca pelo novo contribuiu muito para que essa pesquisa fosse conclu´ıda. Aos membros do grupo EITT pelas discuss˜oes, invariavelmente e quinzenalmente as ter¸cas `a tarde. Especialmente na pessoa da Profa. Anita Kon, meu agradecimento es- pecial pelos ensinamentos e orienta¸c˜ao sobre Economia Industrial e pela participa¸c˜ao e contribui¸c˜oes dadas na banca de qualifica¸c˜ao e defesa. A todos os professores do Programa de P´os-Gradua¸c˜ao da PUCSP, que durante esses dois anos ministraram aulas para nossa turma, nos ajudando a refletir um pouco mais sobre a ciˆencia econˆomica, em especial ao Prof. J´ulio Manuel Pires, Prof. Joaquim Carlos Racy, Prof. Antˆonio Carlos de Moraes, Prof. ´Aquilas Nogueira Mendes e Prof. Ladislau Dowbor. Aos meus professores da FSA nas pessoas do Prof. Ivan Prado Silva pelo incentivo e corinthianismos. Ao Prof. Vladimir Sipriano Camillo pelas conversas rumo ao Metrˆo Barra-Funda p´os-reuni˜ao do grupo EITT, pela imensa ajuda e participa¸c˜ao na banca de qualifica¸c˜ao e defesa. Sua ajuda foi muito valiosa na conclus˜ao deste trabalho. Certamente minha forma¸c˜ao enquanto economista deve-se muito aos tempos de FSA. Aos mestrandos, mestres e doutores colegas da PUCSP por esses dois anos de muito aprendizado e discuss˜ao, especialmente `aqueles travados no Paraty e no Terceiro Aula. Em especial a Sˆonia Maria Santos agrade¸co pela disposi¸c˜ao em ajudar os alunos, buscando sempre contribuir para o crescimento do Programa. Sua ajuda nesses dois anos fez e faz toda a diferen¸ca para os novos e antigos alunos. A CAPES pelo incentivo financeiro sem o qual essa disserta¸c˜ao n˜ao seria poss´ıvel.
  • 8. General history (social, political, and cultural), economic history, and more particularly industrial history are not indispensable but really the most importante contributors to the understanding of our problem. All other materials and methods, statistical and theoret- ical, are only subservient to them and worse than useless without them. Joseph Alois Schumpeter
  • 9. Resumo A an´alise da teoria dos ciclos econˆomicos em seu ˆambito global teve grande destaque dentro da ciˆencia econˆomica durante a segunda metade do s´eculo XIX at´e meados da crise de 1929 nos EUA. A retomada dessa agenda de pesquisa s´o viria anos mais tarde, j´a na d´ecada de 1970, com a publica¸c˜ao de obras que aliavam a an´alise dessas flutua¸c˜oes com a utiliza¸c˜ao de instrumentos econom´etricos de apoio. No cen´ario interno, a literatura dedicada a an´alise dos ciclos brasileiros igualmente apresentam certa divis˜ao dentro do pensamento econˆomico consultado, apresentando uma predominˆancia de autores que se utilizavam dessas an´alises no per´ıodo anterior a d´ecada de 1980, passando posteriormente a vigorar an´alises mais relacionadas as teorias do crescimento econˆomico. J´a os principais elementos destacados nessa literatura como respons´aveis pelas flutua¸c˜oes observadas no pa´ıs apontavam para os planos de desenvolvimento econˆomico, pela influˆencia dos choques externos e em decorrˆencia dos planos de estabiliza¸c˜ao. Nesse sentido e levando em con- sidera¸c˜ao um cen´ario de crise j´a em 2015, a ind´ustria nacional acabou sendo al¸cada a alternativa para revers˜ao do processo depressivo observado, mesmo apresentando desde a d´ecada de 1980, um processo de desestrutura¸c˜ao a partir da crise da d´ıvida. Sendo assim o prop´osito desse estudo se concentra justamente em avaliar o quanto o compor- tamento da ind´ustria, mais especificamente o ciclo industrial, impacta o ciclo econˆomico considerando um cen´ario de contra¸c˜ao da atividade industrial, classificada por muitos autores como sendo uma desindustrializa¸c˜ao negativa. Sendo assim estruturou-se a argu- menta¸c˜ao a partir de uma an´alise dos ciclos em suas concep¸c˜oes gerais e segundo alguns autores cl´assicos, passando posteriormente para a an´alise dos ciclos brasileiros. Tamb´em se apresentou o hist´orico da ind´ustria nacional ao longo do tempo, bem como a sua im- portˆancia a partir dos fatos estilizados segundo as teorias consultadas. Utilizou-se tamb´em de modelos econom´etricos para que essa importˆancia pudesse ser mensurada. Os resulta- dos encontrados indicam que a ind´ustria vem perdendo sua capacidade de influenciar o produto nacional ao longo do tempo, principalmente a partir da d´ecada de 1980, o que n˜ao significa dizer, por outro lado, que a mesma n˜ao deva ser incentivada, uma vez que parece existir certo consenso dentro da literatura sobre a sua capacidade de promover o crescimento e o desenvolvimento econˆomico, atrav´es da mudan¸ca estrutural e do pro- gresso tecnol´ogico. A quest˜ao que se coloca, portanto, ´e quais setores dentro da ind´ustria deveriam ser estimulados. Palavras-chaves: ciclos econˆomicos, teoria econˆomica, organiza¸c˜ao industrial, economia brasileira, ind´ustria brasileira
  • 10. Abstract The analysis of the theory of business cycles in its global scope had great prominence in the economic science during the second half of the nineteenth century to the middle of the 1929 US crisis. The resumption of this research agenda would only years later, already in the 1970s with the publication of works that allied with the analysis of these fluctu- ations with the use of econometric tools support. Domestically, the literature devoted to analysis of the Brazilian cycles also have some division within the referred economic thought, with a predominance of authors who used these analyzes in the period before the 1980s, later became effective more related analyzes theories of the economic growth. Already the main elements highlighted in this literature as responsible for the fluctuations observed in the country pointed to the economic development plans, the impact of exter- nal shocks and as a result of the stabilization plans. In this sense and taking into account a crisis scenario already in 2015, the domestic industry was eventually raised to alterna- tive to reversing the depressive process observed, even with since the 1980s, a process of disintegration from the debt crisis. Thus the purpose of this study focuses precisely to assess how the industry’s behavior, specifically the industrial cycle, impacts the business cycle contraction considering a scenario of industrial activity, classified by many authors as a negative deindustrialization. Thus it structured the argument from an analysis of cycles in its general conceptions and according to some classic authors, later moving to the analysis of Brazilian cycles. Also presented the history of the domestic industry over time as well as its importance from the stylized facts according to the consulted theories. We also used econometric models for this importance could be measured. The results indicate that the industry is losing its ability to influence the national product over time, mainly from the 1980s, which does not mean, however, that it should not be encouraged, since there seems to be some consensus in the literature on its ability to promote growth and economic development through structural change and technological progress. The question that arises, therefore, is which sectors within the industry should be encouraged. Keywords: business cycle, economic theory, industrial organization, brazilian economy, brazilian industry
  • 11. Lista de tabelas 1 Periodiza¸c˜ao dos ciclos econˆomicos brasileiros de 1947 a 1983 . . . . . . . . 49 2 D´eficit (-) / Super´avit (+) do governo - Conceito de Contas Nacionais - em % PIB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3 Valor adicionado industrial em 1952 e 1961 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1956- 1963 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5 D´ıvida externa registrada total no Brasil de 1953 - 1990 . . . . . . . . . . . 58 6 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1964- 1980 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 7 Composi¸c˜ao das exporta¸c˜oes brasileiras atrav´es de seus principais produtos 1968-1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 8 S´ıntese de indicadores macroeconˆomicos da economia brasileira entre 1990- 2010 (m´edias anuais por per´ıodo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 9 Brasil: estat´ısticas descritivas sobre o emprego da ind´ustria de transforma¸c˜ao e da economia total de 1990 a 2009 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 10 Evolu¸c˜ao da Composi¸c˜ao Setorial do Valor da Transforma¸c˜ao Industrial exclusive Petr´oleo e Derivados no Brasil em % do total - Anos selecionados 87 11 Participa¸c˜ao da Ind´ustria no PIB, M´edias anuais para 17 Pa´ıses Desen- volvidos + Brasil (1970-72 e 2005-07) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 12 Testes Dickey-Fuller (SIC /AIC) e Phillips-Perron . . . . . . . . . . . . . . 101 13 Teste Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin (KPSS) . . . . . . . . . . . . . . 101 14 Crit´erio de sele¸c˜ao da ordem de defasagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 15 Teste de causalidade Granger do ciclo do PIB e do ciclo da ind´ustria - de 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 16 Decomposi¸c˜ao da variˆancia do ciclo do PIB de 1957-2013 . . . . . . . . . . 104 17 Tempo de propaga¸c˜ao dos ciclos da ind´ustria sobre os ciclos econˆomicos (em trimestres) - de 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 18 Anexo 1: ´Indice da PIM-PF Reconstru´ıda – Base Ano 2002 = 100 - Dados Dessazonalizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 19 Anexo 2 - Produto interno bruto (PIB) a pre¸cos de mercado: ´ındice en- cadeado dessazonalizado (m´edia 1995 = 100) . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
  • 12. Lista de gr´aficos 1 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario A) . . . . . . 36 2 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario B) . . . . . . 37 3 Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario C) . . . . . . 38 4 Produto Interno Bruto e o Ciclo Econˆomico Brasileiro de 1948-2013 . . . . 50 5 M´edia m´ovel de 10 anos das taxas de crescimento do PIB brasileiro (1948- 2013) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 6 Infla¸c˜ao brasileira anual 1940-1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 7 Comportamento da infla¸c˜ao mensal pelo IGP-DI - de 1980 a 1996 . . . . . 63 8 Infla¸c˜ao brasileira anual 1973-1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 9 D´ıvida externa brasileira de 1971-2013 (em % do PIB - Excluindo empr´estimos intercompanhias) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 10 Infla¸c˜ao brasileira anual 1980-1989 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 11 Taxas de crescimento do PIB, do consumo das fam´ılias, da forma¸c˜ao bruta de capital fixo (FBCF) e dos gastos da administra¸c˜ao p´ublica no Brasil de 2003-13 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 12 IPCA 12 meses (em %) e metas de infla¸c˜ao - de 01/2003 a 12/2015 . . . . 74 13 A Hip´otese dos Trˆes Setores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 14 Participa¸c˜ao percentual da ind´ustria de transforma¸c˜ao e da ind´ustria no PIB brasileiro de 1947-2013 (a pre¸cos correntes) . . . . . . . . . . . . . . . 83 15 ´Indice de quantum de exporta¸c˜ao por fator agregado (base m´edia de 2006 = 100) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 16 Produ¸c˜ao industrial versus vendas no varejo de 01/2003 `a 02/2014 (´Indices dessazonalizados, base: 01.2003=100) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 17 Produto Interno Bruto (PIB) a pre¸cos de mercado e Pesquisa Industrial Mensal - Produ¸c˜ao F´ısica (PIM-PF) (´Indices encadeados e dessazonaliza- dos, base 2002 = 100) - 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 18 Ciclo do PIB e ciclo da PIM-PF - Bases trimestrais 1957-2013 . . . . . . . 100 19 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1957 a 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 20 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1957 A 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 21 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1963- 1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 22 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1963 A 1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 23 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1981- 1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 24 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1981-1987 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 25 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1988- 1997 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 26 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1988 A 1997 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 27 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1998- 2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
  • 13. 28 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 1998 A 2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 29 Fun¸c˜ao Impulso-Resposta do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 2009- 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 30 Estabilidade do modelo VAR do ciclo da ind´ustria sobre o ciclo do PIB - 2009-2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
  • 14. Lista de abreviaturas ADF - Dickey-Fuller Aumentado AIC - Akaike Information Criterion BK - Baxter-King BN - Beveridge-Nelson BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econˆomico BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econˆomico e Social CDI - Conselho de Desenvolvimento Industrial CEPAL - Comiss˜ao Econˆomica para Am´erica Latina e o Caribe COFINS - Contribui¸c˜ao para Financiamento da Seguridade Social DGE - Dynamic General Equilibrium EUA - Estados Unidos da Am´erica Eviews - Econometric Views FBCF - Forma¸c˜ao Bruta de Capital Fixo FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Servi¸co FHC - Fernando Henrique Cardoso FMI - Fundo Monet´ario Internacional GH - Gini-Hirschmann HIF - Hip´otese de Instabilidade Financeira HP - Hodrick-Prescott HQ - Hannan-Quinn Information Criterion IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estat´ıstica ICM - Imposto sobre Circula¸c˜ao de Mercadorias ICMS - Imposto sobre Circula¸c˜ao de Mercadorias e Presta¸c˜ao de Servi¸cos IDE - Investimento Direto Estrangeito II PND - II Plano Nacional de Desenvolvimento IPCA - ´Indice de Pre¸cos ao Consumidor Final Amplo IPEA - Instituto de Pesquisa Econˆomica Aplicada IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados ISI - industrializa¸c˜ao por substitui¸c˜ao de importa¸c˜oes JK - Juscelino Kubitschek KPSS - Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin MQO - M´ınimos Quadrados Ordin´arios NBER - National Bureau of Economic Research PAC - Programa de Acelera¸c˜ao do Crescimento PAEG - Plano de A¸c˜ao Econˆomica do Governo PD - Ordem de integra¸c˜ao da s´erie Petrobras - Petr´oleo Brasileiro S.A. PIB - Produto Interno Bruto PIM-PF - Pesquisa Industrial Mensal - Produ¸c˜ao F´ısica PIS - Programa Integra¸c˜ao Social PIT - Parˆametro de Intensidade Tecnol´ogica PP - Phillips-Perron RB - Ru´ıdo Branco RBC - Real Business Cycles SELIC - Sistema Especial de Liquida¸c˜ao e Cust´odia
  • 15. SIA - Sistematiza¸c˜ao de Indicadores Antecedentes SIC - Schwaz Information Criterion SUMOC - Superintendˆencia da Moeda e do Cr´edito TLM - Tendˆencia Linear M´edia URV - Unidade Real de Valor VAR - Modelo Auto-Regressivo Vetorial VTI - Valor da Transforma¸c˜ao Industrial
  • 16. Sum´ario Introdu¸c˜ao 16 1 Um breve retrospecto sobre a Teoria do Ciclos Econˆomicos 18 1.1 Aspectos gerais e iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 1.2 Principais condicionantes dos ciclos econˆomicos . . . . . . . . . . . . . . . 20 1.3 A abordagem proposta segundo alguns autores selecionados . . . . . . . . . 23 1.3.1 Cl´ement Juglar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.3.2 Joseph Kitchin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.3.3 Nikolai Kondratieff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 1.3.4 Simon Smith Kuznets . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.3.5 Joseph Alois Schumpeter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 1.3.6 John Maynard Keynes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 1.3.7 Hyman Philip Minsky . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 1.3.8 Michal Kalecki . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 1.3.9 Finn Erling Kydland, Edward Christian Prescott, Robert Emerson Lucas Jr e Charles Plosser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 1.4 Considera¸c˜oes parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2 Os ciclos econˆomicos no contexto brasileiro 48 2.1 Os ciclos econˆomicos brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 2.1.1 O p´os-guerra e a ISI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 2.1.2 Endividamento externo e os planos de estabiliza¸c˜ao . . . . . . . . . 62 2.1.3 Estabilidade e estagna¸c˜ao da economia p´os-Plano Real . . . . . . . 68 2.2 An´alise dos principais determinantes dos ciclos brasileiros . . . . . . . . . . 75 2.3 Considera¸c˜oes parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 3 A ind´ustria e os ciclos econˆomicos brasileiros 79 3.1 A ind´ustria e o contexto brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 3.2 O papel da ind´ustria na dinˆamica econˆomica: alguns fatos estilizados . . . 91 3.3 O Filtro Hodrick-Prescott (HP) e o modelo Auto-Regressivo Vetorial (VAR) 94 3.3.1 Apresenta¸c˜ao da base de dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 3.4 Apresenta¸c˜ao dos resultados do modelo VAR, Decomposi¸c˜ao da Variˆancia e Fun¸c˜ao Impulso-Resposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 3.5 An´alise e discuss˜ao dos m´etodos e resultados encontrados . . . . . . . . . . 112 4 Considera¸c˜oes finais 116 Referˆencias bibliogr´aficas 119 Anexos 128
  • 17. 16 Introdu¸c˜ao O presente trabalho se prop˜oe a investigar a capacidade da ind´ustria nacional em impactar os ciclos econˆomicos brasileiros, dentro de uma perspectiva te´orica, emp´ırica e at´e mesmo hist´orica. Ainda que o objetivo geral delimitado, aparentemente, se traduza de maneira simplista, acredita-se que o impacto de suas conclus˜oes nos termos definidos junto a sua tem´atica, possa contribuir para a discuss˜ao no cen´ario interno, especialmente no que se refere `as perspectivas do pa´ıs no longo prazo. A justificativa para que essa investiga¸c˜ao desse prosseguimento no sentido de alcan¸car seu objetivo se originou de um cen´ario econˆomico brasileiro, j´a em 2015, onde o quadro recessivo j´a dava sinais consistentes quanto a sua presen¸ca, pelo agravamento da situa¸c˜ao fiscal do Estado e pela acelera¸c˜ao inflacion´aria percebida naquele ano. Partindo desse diagn´ostico inicial nada favor´avel, em que o pa´ıs se encontrava naquele per´ıodo, muitos economistas afirmavam que uma das poss´ıveis sa´ıdas para o pa´ıs se concentrava na re- cupera¸c˜ao da ind´ustria nacional como alternativa para a retomada do crescimento do produto interno bruto. A quest˜ao que se colocava, nesse sentido, era que a ind´ustria j´a vinha apresentando sinais de decr´escimo no seu comportamento, desde a d´ecada de 1980, fato este, inclusive, bastante evidenciado nas an´alises sobre ind´ustria nacional mais recentes, especialmente aquelas dedicadas a analisar esta tem´atica. Ora, se a economia do pa´ıs apresentava um cen´ario de crise e ao mesmo tempo se atribu´ıa `a ind´ustria a importˆancia que a mesma vinha perdendo j´a algum tempo, qual seria ent˜ao a sua capacidade efetiva de protagonizar uma retomada da economia nacional, diante do quadro que se apresentava daquela forma? A hip´otese por traz dessa afirma¸c˜ao era a de que a ind´ustria teria sim, esse potencial, uma vez que a mesma faz parte da estrutura do produto nacional, ao mesmo tempo em que influencia o seu comportamento, por´em sua capacidade de impactar a dinˆamica econˆomica brasileira e reverter o processo c´ıclico depressivo observado estaria se reduzindo ao longo do tempo. Dessa forma, e com o intuito de alcan¸car esses objetivos tra¸cados atrav´es da argumenta¸c˜ao exposta, organizou- se esta disserta¸c˜ao em trˆes cap´ıtulos, al´em desta introdu¸c˜ao e das considera¸c˜oes finais. No primeiro cap´ıtulo s˜ao apresentadas as caracter´ısticas gerais presentes dentro da teoria dos ciclos econˆomicos desde a sua concep¸c˜ao inicial e mais geral, passando pos- teriormente, para a discuss˜ao de outros aspectos, tais como a quest˜ao da regularidade dos ciclos, da sua natureza e das diferen¸cas de abordagens observadas entre os dois gru- pos de economistas que, marcadamente, existiam no in´ıcio das investiga¸c˜oes vinculadas a esta tem´atica. Na sequˆencia, s˜ao apresentados seus principais condicionantes, bem como s˜ao destacadas as principais abordagens elaboradas por alguns economistas, tais como as abordagens de Kitchin, Keynes e Schumpeter, por exemplo. No segundo cap´ıtulo, discute-se a interpreta¸c˜ao da economia brasileira sobre a luz da teoria dos ciclos econˆomicos, sendo o cap´ıtulo dividido e analisado com base na de- limita¸c˜ao te´orico-emp´ırica consultada dos ciclos brasileiros, e o per´ıodo analisado com- preendido entre os anos de 1948 at´e 2013. Essa delimita¸c˜ao dos per´ıodos comentada ser´a mais amplamente discutida e interpretada na introdu¸c˜ao deste cap´ıtulo posterior- mente. O que se pode destacar, desde j´a, ´e que, aparentemente, a discuss˜ao sobre os ciclos econˆomicos brasileiros parece apresentar uma mudan¸ca significativa a partir da d´ecada de 1980-90, onde as abordagens te´oricas utilizadas apresentam-se distintas das realizadas no seu per´ıodo posterior. No terceiro cap´ıtulo, a recupera¸c˜ao hist´orica da ind´ustria dentro da hist´oria econˆomica
  • 18. 17 brasileira ´e retomada, passando para uma an´alise da importˆancia da ind´ustria dentro da dinˆamica econˆomica atrav´es de alguns fatos estilizados consultados na bibliografia mais recente. Para verificar essa relevˆancia no ambiente interno, j´a num terceiro momento deste cap´ıtulo, s˜ao apresentados o filtro Hodrick-Prescott (HP) e o modelo Vetorial Auto- Regressivo (VAR), bem como suas aplica¸c˜oes / ferramentas, al´em do detalhamento da metodologia empregada na constru¸c˜ao da base de dados utilizada. O per´ıodo escolhido para realizar esses testes baseou-se na maior amostra dispon´ıvel encontrada, referente ao per´ıodo de 1957 at´e 2013. Ap´os a apresenta¸c˜ao dos modelos, passa-se para a an´alise dos resultados encontrados nos testes econom´etricos realizados. No cap´ıtulo seguinte, s˜ao apresentadas as considera¸c˜oes finais.
  • 19. 18 1 Um breve retrospecto sobre a Teoria do Ciclos Econˆomicos A agenda de pesquisa, presente dentro da Ciˆencia Econˆomica vinculada `a Teoria dos Ciclos Econˆomicos, ´e bastante vasta. Diversos foram os autores que se preocuparam em estudar este assunto, utilizando-se para isso de diferentes perspectivas. Sua importˆancia enquanto objeto de pesquisa por parte dos economistas, no entanto, apresenta-se como n˜ao linear ao longo do tempo, alternando per´ıodos de maior destaque com outros de menor destaque, como se perceber´a nas se¸c˜oes a seguir. A escolha dos autores analisados ao longo do cap´ıtulo deu-se pela contribui¸c˜ao dada por estes no que se refere `a tem´atica trabalhada, n˜ao pretendendo, no entanto, realizar um levantamento bibliogr´afico definitivo sobre todos os autores que trataram deste as- sunto, considerando, obviamente, que este n˜ao se apresenta como objetivo central desta disserta¸c˜ao. Vale refor¸car que, ainda assim, buscou-se filtrar essas obras de modo que os conceitos trazidos demonstrassem uma an´alise representativa das principais correntes que trataram sobre o tema ao longo do tempo, pretendendo, dessa forma, apresentar uma an´alise consistente o suficiente para promover um entendimento que permitisse sua aplica¸c˜ao, segundo os objetivos definidos para este trabalho e nos cap´ıtulos posteriores, como se ver´a mais adiante. Nesse sentido, o cap´ıtulo est´a organizado de forma a trazer algumas caracter´ısticas gerais sobre a Teoria dos Ciclos Econˆomicos e seus principais condicionantes, passando posteriormente para uma an´alise individualizada dos autores escolhidos para serem anal- isados com maiores detalhes, chegando ao final do cap´ıtulo onde se apresentam os princi- pais elementos trazidos para a discuss˜ao proposta e as considera¸c˜oes parciais. 1.1 Aspectos gerais e iniciais A dinˆamica da economia no tempo, observada atrav´es das varia¸c˜oes de seus diversos in- dicadores de an´alise, pode ser interpretada sob a ´otica de diferentes correntes te´oricas, a depender do entendimento tomado como verdadeiro pelo pesquisador, do objeto de estudo que se deseja investigar e da perspectiva escolhida para realizar tal abordagem. Dentre as vis˜oes existentes, temos aquela que aborda esse comportamento da economia ao longo do tempo como sendo um comportamento dinˆamico, caracterizado por um funcionamento repetitivo, intercalado por per´ıodos de expans˜ao com per´ıodos de recess˜ao, com diferentes n´ıveis de intensidade entre eles, sendo esta abordagem conhecida como a que estuda os ciclos econˆomicos. Segundo Daniel (2007), os estudos relacionados `a tem´atica tiveram in´ıcio na segunda metade do s´eculo XIX, muito em parte devido `as mudan¸cas c´ıclicas mais intensas observadas na economia ap´os a Revolu¸c˜ao Industrial, apresentando uma diversidade significativa de pontos de vista por parte dos seus autores sobre as causali- dades dessas flutua¸c˜oes que ocorriam de maneira recorrente. Isso n˜ao significa dizer, por outro lado, que no per´ıodo anterior a esse movimento de industrializa¸c˜ao, a quest˜ao dos ciclos econˆomicos n˜ao estivesse presente dentro do comportamento da economia: outras vari´aveis, como o clima ou eventos aleat´orios como a ocorrˆencia de guerras, por exemplo, tamb´em poderiam impactar a dinˆamica econˆomica e tamb´em foram estudadas por alguns autores anteriores a esse per´ıodo. A divis˜ao inicial dos autores que estudavam essas flutua¸c˜oes ocorria, primeiramente,
  • 20. 19 entre os chamados estat´ısticos-econˆomicos (empiristas) que analisavam as motiva¸c˜oes dos ciclos observados sem uma preocupa¸c˜ao mais evidente com uma abordagem te´orica de apoio, tendo como instrumento de an´alise desses movimentos somente os dados emp´ıricos dispon´ıveis. Por outro lado, tamb´em existiam aqueles intitulados como economistas te´oricos, que queriam entender os princ´ıpios de causalidade desses ciclos, indicando que somente a an´alise emp´ırica dos dados n˜ao demonstraria as for¸cas causais que estimulavam essas oscila¸c˜oes observadas, o que, portanto, prejudicaria o entendimento sobre poss´ıveis alternativas para melhorar o desempenho da economia. O objeto de an´alise de ambas as correntes, no entanto, n˜ao estava assentado na afirma¸c˜ao de que a economia flutu- ava ao inv´es de permanecer est´avel sob um determinado equil´ıbrio constante; muito pelo contr´ario, o que se pretendia era investigar, justamente, o comportamento das flutua¸c˜oes da economia no tempo, considerando que cada linha de pensamento se utilizaria das ferramentas mais convenientes para realizar suas an´alises (CARVALHO, 1988). No que se refere `a abordagem te´orica utilizada para classificar a natureza dos ciclos, estas se dividiam, tamb´em, em duas correntes distintas: aquela que se utilizava do modelo de moto perp´etuo e a que se utilizava do modelo de propaga¸c˜ao1 . O primeiro modelo partia do pressuposto de que os movimentos c´ıclicos eram uma caracter´ıstica inerente ao pr´oprio sistema capitalista e que necessariamente os ciclos econˆomicos obedeceriam `a sequˆencia: crise, depress˜ao, recupera¸c˜ao e prosperidade, n˜ao necessariamente iniciando na primeira etapa - crise - por´em respeitando a ordem sequencial apontada2 , apresentando um comportamento circular e infinitamente repetitivo ao longo do tempo. A aceita¸c˜ao dessa afirma¸c˜ao como fact´ıvel tinha como premissa a ideia de que a economia n˜ao possu´ıa ciclos, mais sim um cont´ınuo processo c´ıclico. J´a para os adeptos do segundo modelo, o modelo de propaga¸c˜ao, as flutua¸c˜oes observadas tinham origem em fatores ex´ogenos ao pr´oprio ambiente econˆomico, que acabavam por influenciar o estado de normalidade at´e ent˜ao observado; a introspec¸c˜ao desses choques na economia ´e o que determinava as oscila¸c˜oes observadas. Uma sucess˜ao de v´arios ciclos econˆomicos seguidos, dessa maneira, n˜ao poderia ser explicada sem uma teoria auxiliar que discutisse esses choques ex´ogenos j´a que para esta corrente a economia deveria apresentar certo padr˜ao linear ou de pouca flutua¸c˜ao ao longo do tempo, n˜ao sendo poss´ıvel estabelecer nem explicar a periodicidade do processo c´ıclico, mas sim analisar somente um ciclo de cada vez (CARVALHO, 1988; MITCHELL, 1927; SCHUMPETER, 1997). Diversos indicadores poderiam ser monitorados para acompanhar essas flutua¸c˜oes na economia, a depender da abordagem utilizada segundo cada autor. Para Matthews (1964), no entanto, convencionou-se analisar e perceber as flutua¸c˜oes econˆomicas ocorridas obser- vando as varia¸c˜oes apresentadas na renda nacional, ao longo de um determinado per´ıodo de tempo. Outras vari´aveis observ´aveis, como o emprego, por exemplo, tamb´em pode- riam ser analisadas sob a ´otica dessas flutua¸c˜oes recorrentes. Na verdade, segundo este autor, tem-se que os indicadores na sua maioria tendem a acompanhar o comportamento agregado da economia, salvo algumas exce¸c˜oes a essa regra, que n˜ao possuem nem o mesmo padr˜ao de comportamento e/ou nem a mesma intensidade. A escolha e utiliza¸c˜ao mais frequente da vari´avel renda nacional na an´alise desses movimentos c´ıclicos podem ser atribu´ıdas a sua importˆancia e influˆencia sobre a maioria dos outros componentes que integram a dinˆamica econˆomica (BURNS e MITCHELL, 1946). 1 Deve-se registrar que existe uma s´erie de varia¸c˜oes que derivam dos dois modelos comentados e que n˜ao ser˜ao tratados individualmente nessa disserta¸c˜ao j´a que n˜ao ´e seu objetivo analisar essas varia¸c˜oes. 2 Para alguns autores essa sequˆencia mencionada entre a crise at´e a prosperidade poderia apresentar varia¸c˜oes que n˜ao respeitariam essa sequˆencia pr´e-determinada.
  • 21. 20 Outro detalhe considerado nos primeiros trabalhos realizados na literatura sobre os ciclos econˆomicos estava vinculado `a regularidade dos ciclos ao longo do tempo. A quest˜ao da regularidade, segundo esses trabalhos, poderia ser entendida ou diferenciada entre regularidade fraca ou regularidade forte. A defini¸c˜ao dada ao primeiro conceito afirmava que a alternˆancia de per´ıodos ou es- tados em que a economia se encontrava - do estado da prosperidade at´e o da depress˜ao - ocorria sem um padr˜ao definido, ou seja, deixada ao seu pr´oprio funcionamento ao longo do tempo; ora a economia apresentaria um bom desempenho, ora apresentaria um desem- penho ruim, sem um intervalo de tempo determinado entre os per´ıodos dos ciclos. Para alguns autores que criticavam essa corrente, a ausˆencia de um padr˜ao regular entre esses intervalos de tempo fazia com que a ideia dos ciclos econˆomicos se tornasse inadequada (KEYNES, 2012; CARVALHO, 1988). J´a para o conceito de regularidade forte, a quest˜ao dos movimentos padronizados tem- poralmente adicionados a alguma m´etrica de intensidade comparada entre esses per´ıodos mostravam-se como quest˜oes importantes dentro dessa classifica¸c˜ao. A observa¸c˜ao emp´ırica desses momentos, no entanto, dificilmente demonstraria varia¸c˜oes perfeitamente ajustadas ao conceito de regularidade forte conforme sua defini¸c˜ao, considerando que a economia, entendida como um sistema complexo, apresenta uma s´erie de intera¸c˜oes dinˆamicas que acabam por enfraquecer generaliza¸c˜oes atemporais e mecanicistas sobre o conceito e sua verifica¸c˜ao na pr´atica (KEYNES, 2012; CARVALHO, 1988). O que efetivamente pode-se especular ´e que, quando a economia era predominante- mente agr´aria, varia¸c˜oes regulares das esta¸c˜oes do ano e do clima, ano ap´os ano, im- pactavam a colheita agr´ıcola, que depois acabavam por influenciar o n´ıvel da atividade econˆomica. Nesse cen´ario, os ciclos econˆomicos apresentavam certa regularidade, na me- dida em que eram influenciados por fenˆomenos razoavelmente regulares. Com o avan¸co da economia ao longo do tempo e a sua respectiva sofistica¸c˜ao para sistemas menos de- pendentes aos fenˆomenos naturais, essa regularidade acabou se tornando dif´ıcil de ser encontrada na pr´atica, na medida em que seus condicionantes n˜ao apresentavam essa mesma regularidade no seu comportamento. Na pr´oxima se¸c˜ao ser˜ao analisados os princi- pais autores a tratarem sobre esta tem´atica e os principais condicionantes que determinam o comportamento dos ciclos econˆomicos. 1.2 Principais condicionantes dos ciclos econˆomicos Kalecki (1977), em sua obra Teoria da dinˆamica econˆomica, publicada em 1954, aponta que as economias capitalistas se desenvolveram ao longo do tempo apresentando uma tendˆencia ascendente - embora com oscila¸c˜oes - na renda nacional. Com base nessa ob- serva¸c˜ao sobre as economias capitalistas, o autor questionava: por que a renda apresentava essa oscila¸c˜ao no tempo? por que a renda sempre crescia? e, quais eram os determi- nantes que faziam com que a renda apresentasse um determinado n´ıvel num determinado ano? Dito de outra forma, ele queria entender o comportamento da produ¸c˜ao ao longo do tempo, tendo esses trˆes questionamentos o intuito de auxili´a-lo no entendimento da dinˆamica econˆomica3 . Tomando emprestada a reflex˜ao feita por Kalecki e conforme discuss˜ao inicial ap- resentada no subitem anterior, os ciclos econˆomicos foram investigados sobre diferentes 3 Nas se¸c˜oes seguintes trataremos com maiores detalhes a abordagem de Kalecki sobre a quest˜ao dos ciclos econˆomicos.
  • 22. 21 pontos de vista, tendo diversos determinantes apontados como os poss´ıveis respons´aveis por essas flutua¸c˜oes, como se ver´a a seguir. Essa diversidade de diagn´osticos existentes reflete a diversidade de intera¸c˜oes observadas na economia e sugere que a combina¸c˜ao das abordagens te´oricas, emp´ıricas e at´e mesmo hist´oricas sobre essas flutua¸c˜oes, somados `a an´alise de seus condicionantes, talvez nos aproxime das reais motiva¸c˜oes das flutua¸c˜oes econˆomicas. Dentre alguns dos fatores j´a apontados como respons´aveis pelos ciclos econˆomicos4 , dentro da tradi¸c˜ao desta linha de pesquisa, segundo Mitchell (1927), tem-se o clima, as incertezas sobre o futuro, os aspectos emocionais envolvidos nas decis˜oes empresariais, o progresso t´ecnico, o car´ater progressista da economia, o status quo vigente do ambiente de neg´ocios, a constru¸c˜ao de equipamentos industriais, a produ¸c˜ao excessiva, as opera¸c˜oes dos bancos, o fluxo do dinheiro e o direcionamento excessivo dos neg´ocios para a obten¸c˜ao de lucros. Segundo o autor, todos esses fatores mencionados pelas diversas correntes merecem aten¸c˜ao porque, de alguma forma, discutem uma caracter´ıstica importante das flutua¸c˜oes econˆomicas em um determinado per´ıodo de tempo. Pode-se argumentar que, com o decorrer dos anos, uma ou outra vari´avel tenha sido substitu´ıda, haja vista a evolu¸c˜ao acelerada das rela¸c˜oes econˆomicas e da sociedade. No entanto, ainda segundo Mitchell (1927), ignorar algumas dessas vari´aveis seria a sa´ıda mais f´acil, caindo no risco de se perder alguma abordagem importante sobre o tema analisado. Sendo assim, o esfor¸co feito pelo mesmo na tentativa de se considerar a maior parte dessas vari´aveis, foi o de classificar essas correntes em trˆes categorias e levantar suas principais caracter´ısticas, assim descritas: 1. as que atribuem os ciclos econˆomicos a fatores “f´ısicos” (ou da natureza); 2. as que atribuem os ciclos econˆomicos a fatores emocionais; 3. as que atribuem os ciclos econˆomicos a processos institucionais. Antes de entrar na discuss˜ao das categorias acima citadas, deve-se deixar claro que n˜ao ´e inten¸c˜ao deste trabalho detalhar aqui a abordagem de todos os autores classificados em cada uma das categorias apontadas por Mitchell (1927), haja vista a quantidade consider´avel de pensadores que trataram sobre a tem´atica e sua infinidade de abordagens realizadas at´e a data de publica¸c˜ao de seu livro em 1927. O objetivo desta an´alise, apoiado na classifica¸c˜ao feita por ele, ´e apontar a principal caracter´ıstica de cada uma dessas trˆes categorias e mencionar sua respectiva contribui¸c˜ao para a teoria econˆomica. Dentro do primeiro grupo mencionado, referente aos fatores “f´ısicos”, a abordagem se concentra na observa¸c˜ao de que s˜ao os fatores naturais os principais elementos que impactam os ciclos econˆomicos. Autores, como Jevons, afirmavam que os ciclos regulares de radia¸c˜ao solar produziam ciclos na produ¸c˜ao agr´ıcola, que depois impactavam os ciclos das atividades econˆomicas. J´a para Henry L. Moore, essas mudan¸cas clim´aticas, que depois se traduziam em flutua¸c˜oes econˆomicas, eram originadas pelos ciclos dos planetas do sistema solar, e n˜ao propriamente pelo sol. Ao final, autores dessa mesma categoria, como Ellsworth Huntington, investigavam os impactos das mudan¸cas clim´aticas na sa´ude das pessoas, que, consequentemente, impactavam o seu comportamento e posteriormente acabavam afetando o mundo dos neg´ocios (MITCHELL, 1927). 4 Deve-se mencionar que os condicionantes dos ciclos econˆomicos apontados neste t´opico s˜ao aqueles relacionados ao levantamento feito por Mitchel (1927) Business cycles: The problem and It’s setting e referente ao in´ıcio dessa agenda de pesquisa produzida at´e julho de 1927.
  • 23. 22 A segunda categoria estudava os impactos das altera¸c˜oes emocionais dos agentes nas flutua¸c˜oes econˆomicas. Para alguns autores, o otimismo ou o pessimismo dos agentes frente `a atividade econˆomica, quando descobertos como percep¸c˜oes incorretas sobre a realidade, acabavam por gerar outras percep¸c˜oes igualmente incorretas, entrando num espiral de desapontamentos sem fim, que acabavam por gerar as flutua¸c˜oes econˆomicas. Outra vertente, ainda dentro dessa mesma categoria, pesquisava o impacto da flutua¸c˜ao dos nascimentos e das mortes das pessoas nas ondas de otimismo e pessimismo dos agentes, que depois acabavam por determinar os per´ıodos de prosperidade e depress˜ao da economia ao longo do tempo. Como exemplo de autores dessa corrente tem-se: Arthur Cecil Pigou e Maurice B. Hexter (MITCHELL, 1927). Na terceira categoria, definida por Mitchell (1927), ´e onde aparece a maior concen- tra¸c˜ao de autores que trabalhavam a tem´atica dos ciclos econˆomicos. Nessa corrente, h´a uma subdivis˜ao que acredita que os ciclos econˆomicos s˜ao derivados das mudan¸cas nas institui¸c˜oes e outra que afirma que os ciclos ocorrem pelo funcionamento dessas in- stitui¸c˜oes em um novo ambiente de neg´ocios. Para autores como Joseph Schumpeter, Minnie T. England e Emanuel H. Vogel, classificados na primeira categoria, as mudan¸cas nas institui¸c˜oes que impactam os ciclos econˆomicos est˜ao relacionadas `as inova¸c˜oes tec- nol´ogicas introduzidas nas empresas, ou at´e mesmo nas mudan¸cas no ritmo e na dire¸c˜ao da produ¸c˜ao, que podem mover o equil´ıbrio da economia para outro n´ıvel. Na categoria seguinte, daqueles autores que acreditam que o funcionamento das institui¸c˜oes num novo ambiente econˆomico impactam os ciclos, tem-se os seguintes condicionantes levantados como os principais respons´aveis por essas flutua¸c˜oes (MITCHELL, 1927): 1. exigˆencias excessivas de se ganhar dinheiro; 2. diferen¸ca entre o equil´ıbrio nos processos de desembolso e gastos dos sal´arios e a produ¸c˜ao de valor; 3. diferen¸cas de equil´ıbrio entre o processo de produ¸c˜ao e o consumo de mercadorias de maneira geral; 4. falta de equil´ıbrio entre o processo de consumo, poupan¸ca e investimento de capital em novas constru¸c˜oes; 5. flutua¸c˜ao dos processos banc´arios. De maneira geral, os condicionantes inclu´ıdos nessa categoria partiam do pressuposto de que a sequˆencia observada de i. uma demanda crescente, ii. seguida pelo aumento dos pre¸cos, iii. aumento das expectativas de lucro, iv. influenciando no incha¸co e capitaliza¸c˜ao das empresas, v. com expans˜ao acelerada do cr´edito, sendo este, um processo cont´ınuo e repetido em escalas cada vez maiores, trouxe novas quest˜oes a serem tratadas dentro do ambiente das empresas. Esse processo circular ampliado nesse novo ambiente econˆomico teria como consequˆencia imediata o aumento das despesas e do custo da m˜ao-de-obra, chegando a um determinado momento em que esses custos avan¸cariam tanto sobre os pre¸cos de venda, que as margens de lucro come¸cariam a diminuir. A percep¸c˜ao poste- rior a essa queda nas margens seria a de que a capitaliza¸c˜ao refor¸cada dessas empresas come¸caria a parecer demasiadamente excessiva, frente a esse novo cen´ario. A partir dai a seguran¸ca at´e ent˜ao observada por tr´as dos empr´estimos que foram concedidos come¸ca a ser questionada pelo sistema banc´ario e o tom confiante das expectativas nos neg´ocios, que caracterizaram o per´ıodo de rendimentos e prosperidade, come¸ca a dar lugar `as incertezas
  • 24. 23 sobre o funcionamento desse sistema. Para se transformar em uma crise geral, alguma instabilidade verificada em um credor consider´avel que tivesse comprometido a sua ca- pacidade de ganho para honrar seus compromissos, frente a sua capitaliza¸c˜ao, j´a seria o suficiente. Quando isso acontece, a liquida¸c˜ao come¸ca estendendo-se de uma ind´ustria para outra e convertendo a prosperidade em depress˜ao (MITCHELL, 1927). Alguns dos autores classificados nessa categoria s˜ao: Jean Lescure, Simon S. Kuznets, Willian T. Foster, Albert Aftalion, Alvin H. Hansen e R.G. Hawtrey. A explica¸c˜ao dada acima, evidentemente, apresenta varia¸c˜oes entre os autores classi- ficados nessa categoria, tendo alguns deles destacado mais a quest˜ao do cr´edito, da taxa de juros e da expans˜ao da moeda, outros a quest˜ao da demanda, a quest˜ao dos lucros, ou at´e mesmo, a quest˜ao da produ¸c˜ao em excesso ou do subconsumo. Como se pode observar pelo levantamento feito por Mitchell (1927), os estudos realiza- dos at´e aquele momento sobre a teoria dos ciclos econˆomicos eram bastante abrangentes e direcionados para diversas orienta¸c˜oes distintas. Essa vasta literatura sobre a tem´atica dos ciclos econˆomicos acaba por sofrer certa revers˜ao na sua produ¸c˜ao, anos mais tarde, com o avan¸co da teoria econˆomica, pelas inova¸c˜oes trazidas pelas novas abordagens ent˜ao introduzidas naquela ´epoca e pelo avan¸co das institui¸c˜oes presentes dentro das economias capitalistas avan¸cadas. 1.3 A abordagem proposta segundo alguns autores selecionados Conforme comentado no final da se¸c˜ao anterior, em alguns momentos da historiografia econˆomica mundial chegou-se a falar da extin¸c˜ao dos ciclos econˆomicos. N˜ao do ponto de vista da sua importˆancia enquanto agenda de pesquisa, mas sim enquanto fenˆomeno econˆomico ou caracter´ıstica observ´avel nas economias capitalistas, de uma maneira geral. Isso pode ser percebido nos anos de 1920, de 1960 e segundo alguns especialistas na primeira metade de 1990. Essa declara¸c˜ao apresenta como pano de fundo a afirma¸c˜ao de que o desenvolvimento das institui¸c˜oes presentes no per´ıodo ap´os a Segunda Guerra Mundial tinha alcan¸cado tal patamar de controle sobre a economia, que as movimenta¸c˜oes c´ıclicas at´e ent˜ao observadas anteriormente, a partir daquele momento seriam somente flu- tua¸c˜oes mais moderadas (AVELLA e FERGUSSON, 2003). Segundo Korotayev e Tsirel (2010), ainda mesmo nos dias atuais alguns economistas n˜ao concordam com a abor- dagem vinculada `a teoria dos ciclos econˆomicos5 . Do outro lado, a outra corrente n˜ao s´o entende que os ciclos econˆomicos ainda est˜ao presentes dentro da dinˆamica econˆomica, como tamb´em consideram que o entendimento constru´ıdo atrav´es da investiga¸c˜ao desses fenˆomenos ou caracter´ısticas da economia capitalista mostra-se como algo relevante. Partindo ent˜ao desse panorama mais geral, proposto nas se¸c˜oes anteriores, foram se- lecionados aqueles autores que julgou-se ter um papel de destaque dentro da discuss˜ao vinculada `a teoria dos ciclos econˆomicos, conforme comentado no in´ıcio deste cap´ıtulo. Novamente: n˜ao se pretende aqui, obviamente, levantar todas as abordagens existentes sobre os ciclos econˆomicos presentes dentro da ciˆencia econˆomica, mais sim, trazer aquelas mais relevantes, a depender da percep¸c˜ao da representatividade do seu conte´udo dentro da teoria econˆomica. A organiza¸c˜ao da pr´oxima se¸c˜ao, dessa forma, tentar´a respeitar a 5 Para maiores detalhes ver Korotayev e Tsirel (2010) onde menciona a obra de Gregory Mankiw (Principles of Economics - Economic Fluctuations Are Irregular and Unpredictable, 2008: 740) como exemplo desses economistas que seguem essa corrente ou Victor Zarnowitz (Recent Work on Business Cycles In Historical Perspective, 1985: 544-568) para entender seus aspectos e antecedentes hist´oricos.
  • 25. 24 cronologia das ideias lan¸cadas nesse debate, destacando o argumento central proposto pe- los autores ent˜ao pesquisados. Como se ver´a, as diferentes abordagens realizadas demon- strar˜ao a complexidade do tema e sua relevˆancia enquanto agenda de pesquisa. 1.3.1 Cl´ement Juglar Dentre os autores que iniciaram o debate sobre o ciclo econˆomico - que conforme visto, remontam a meados do s´eculo XIX, onde a observa¸c˜ao dos movimentos ondulares no processo econˆomico pˆode ser observado - Cl´ement Juglar talvez possa ser considerado como o primeiro a produzir um tratado econˆomico espec´ıfico sobre essa quest˜ao, influ- enciando, posteriormente, a agenda de pesquisa realizada nesse campo do conhecimento econˆomico, especialmente aquele baseado na utiliza¸c˜ao de estat´ısticas para explicar esses eventos (AVELLA e FERGUSSON, 2003; GROOT e FRANSES, 2009). Os principais estudos realizados por este autor que se destacam nesse sentido s˜ao Des Crises Com- merciales et Mon´etaires de 1800 `a 1857 publicado no Journal des ´Economistes em 1857, Des Crises Commerciales et de leur Retour P´eriodique en France, en Angleterre et aux ´Etats-Unis publicado em 1862 - sendo esta sua obra referˆencia relacionada a teoria dos ciclos econˆomicos - e, posteriormente, Commercial crises para o Dictionnaire G´en´eral de la Politique em 1863 (BESOMI, 2005; REND´ON e V´ASQUEZ, 2011). A investiga¸c˜ao de Juglar sobre o tema partia do pressuposto de que o comportamento da economia em formato de ciclos6 era uma caracter´ıstica espec´ıfica daquelas localidades, onde os setores comerciais e industriais eram significativamente desenvolvidos e o uso do cr´edito j´a apresentava caracter´ısticas consistentes, no que se refere ao seu uso ampliado na economia; na verdade, na vis˜ao do autor, o cr´edito banc´ario teria um papel funda- mental na explica¸c˜ao dos ciclos econˆomicos (AVELLA e FERGUSSON, 2003; REND´ON e V´ASQUEZ, 2011). Esta observa¸c˜ao feita no que se refere ao papel do cr´edito no processo c´ıclico vinha baseada nas ”estat´ısticas banc´arias (descontos, reservas met´alicas, de circula¸c˜ao de notas, dep´ositos)”, em compara¸c˜ao com as ”varia¸c˜oes na popula¸c˜ao, [n]o pre¸co do milho, [nas] importa¸c˜oes e exporta¸c˜oes, [nas] rendas e receitas p´ublicas” (BESOMI, 2005: p.3) na Fran¸ca, Inglaterra e nos Estados Unidos - em menor grau, este autor tamb´em analisou essas estat´ısticas para a Pr´ussia e Hamburgo - que acabariam por demonstrar essa rela¸c˜ao causal, significando ciclos econˆomicos com uma dura¸c˜ao m´edia de 7 a 11 anos (AVELLA e FERGUSSON, 2003). Pelas estat´ısticas pesquisadas, ent˜ao, o autor identificou que os per´ıodos de crises observados naqueles pa´ıses ocorriam em decorrˆencia dos excessos praticados por parte de seus agentes e relacionados a um aumento na especula¸c˜ao, somado a um crescimento da ind´ustria nacional, inconsistente com os recursos dispon´ıveis naqueles pa´ıses, naquele momento. A partir dessa constata¸c˜ao, o autor identificou a existˆencia de uma forte correla¸c˜ao entre a presen¸ca dos ciclos e o n´ıvel da atividade econˆomica encontrada nesses pa´ıses, significando, dessa forma, que os ciclos econˆomicos n˜ao eram eventos meramente acidentais (BESOMI, 2005; OWEN y GRIFFITHS, 2008 apud MEJ´IA, 2010). A exuberˆancia da especula¸c˜ao [...] est´a enraizada na natureza humana [...], [que est´a] suscept´ıvel a se overexcited [...] e ser v´ıtima da paix˜ao 6 A utiliza¸c˜ao da palavra ciclo na pesquisa de Juglar se relaciona ao car´ater recorrente das crises comerciais, onde estas apresentavam igualmente as fases de prosperidade, crise e liquida¸c˜ao no processo de flutua¸c˜ao econˆomica ao longo do tempo.
  • 26. 25 pelo jogo [...] durante a fase pr´ospera da atividade econˆomica, quando tudo parece conspirar para a ocorrˆencia de um boom sem precedentes no mundo dos neg´ocios; todas as empresas que dependem encontrar o capital necess´ario; voar fora dos trilhos, endividar-se com confian¸ca sem reservas [...]. As despesas podem, por um tempo, ultrapassar as receitas gra¸cas ao cr´edito [...]: Excessos s˜ao, portanto, nada mais do que o abuso de cr´edito [...]. Mas isso n˜ao pode durar por muito tempo: a crise vai intervir, cr´editos ruins e outros excessos ser˜ao liquidados, o sistema ser´a trazido de volta ao seu curso normal de desenvolvimento que ser´a capaz de se seguir por alguns anos, antes que novos abusos ocorram novamente quebrando os seus fundamentos (BESOMI, 2005: p. 4, tradu¸c˜ao nossa). Juglar, no entanto, reconhece que sua argumenta¸c˜ao sobre os ciclos somente est´a fun- damentada na observa¸c˜ao dos fatos, sem apresentar uma abordagem te´orica para suportar suas an´alises. Esse reconhecimento fez com que o autor utilizasse as conclus˜oes alcan¸cadas nos seus estudos, somente para explicar o momento analisada em seus artigos, a despeito de ser considerada como uma lei econˆomica que eventualmente poderia ser aplicada a outros objetos de an´alise. Essa caracter´ıstica fica mais clara de ser observada, uma vez que o objetivo inicial do seu trabalho era, justamente, observar o comportamento c´ıclico da economia, mais do que analisar as causas de suas crises (BESOMI, 2005; GROOT e FRANSES, 2009). Dessa forma, Juglar n˜ao explicava a rela¸c˜ao do cr´edito com os ciclos econˆomicos, mas sim, indicava que existia um relacionamento entre essas duas vari´aveis. De qualquer forma, o autor apontava que o processo c´ıclico era desencadeado da seguinte maneira: quando a economia apresentasse um n´ıvel elevado de prosperidade, as pessoas tenderiam a ficar mais animadas, aumentando, assim, a especula¸c˜ao nessa localidade. Essa anima¸c˜ao em rela¸c˜ao ao desempenho da economia acabaria deixando essas pessoas mais imprudentes, onde, a partir da´ı, tenderiam a cometer mais abusos e excessos. Esses excessos se traduziriam em efeitos no mercado de cr´edito e nas reservas de cˆambio, que igualmente afetariam a produ¸c˜ao e o pr´oprio mercado. Nesse cen´ario, os gastos se excediam `as receitas e os investimentos avan¸cariam mais do que a poupan¸ca. O resultado disso era que o emprego e a imobiliza¸c˜ao de capital ocorreriam acima dos recur- sos dispon´ıveis que determinada localidade poderia oferecer. `A medida que esse processo avan¸casse, o equil´ıbrio observado, cada vez mai,s se mostraria como algo insustent´avel de ser praticado (BESOMI, 2005; KOROTAYEV e TSIREL, 2010). Outro ponto destacado pelo autor ´e que, enquanto na fase de prosperidade, o status da economia pode at´e permanecer est´avel, frente alguns choques ex´ogenos no sistema, na fase inst´avel, qualquer acontecimento de menor magnitude pode fazer com que esse equil´ıbrio seja quebrado. Juglar cita como exemplo ”uma bacia prestes a transbordar “ (JUGLAR, 1862: p. v apud BESOMI, 2005: p. 5, tradu¸c˜ao nossa), onde qualquer gota d’´agua a mais faz com que a ´agua transborde do recipiente. Ele at´e mesmo se utiliza de um exemplo de uma falha no sistema econˆomico como se fosse algo parecido com uma falha no sistema hidr´aulico, como se os canos estivessem entupidos. Nesse cen´ario de incertezas, ”de repente, todos os canais aparecem preenchidos, n˜ao h´a fluxo poss´ıvel, todo o tr´afego ´e interrompido e surge uma crise. Toda a especula¸c˜ao ´e interrompida; o dinheiro, at´e ent˜ao abundante em alguns meses anteriores, diminui, aperta, at´e mesmo desaparece” (JUGLAR, 1857: p. 37 apud BESOMI, 2005: p.8, tradu¸c˜ao nossa). Para que o sistema volte a funcionar novamente, o comportamento especulativo dos agentes precisa desaparecer momentaneamente, de modo que as empresas menos s´olidas saiam de cena, livrando o mercado de problemas. Dessa forma, esse processo de liquida¸c˜ao surge
  • 27. 26 apenas para que o sistema econˆomico, de uma forma geral, tenha uma base mais s´olida, com empresas mais consistentes (JUGLAR, 1862 apud BESOMI, 2005; JUGLAR, 1863 apud BESOMI, 2005, tradu¸c˜ao nossa). ´E justamente nessas passagens que fica clara a natureza do capitalismo, na concep¸c˜ao de Juglar. Por defini¸c˜ao, o sistema capitalista apresenta no seu estado normal um desenvolvi- mento est´avel da riqueza das na¸c˜oes, sendo o cr´edito necess´ario para aumentar o montante de trocas e promover a acumula¸c˜ao. O instinto humano para o jogo faz com que haja a super expecula¸c˜ao [overspeculation] onde cr´editos tornam-se mais e mais duvidosos, e em algum momento o sistema fica extremamente inst´avel. A crise explode: excessos e abusos s˜ao eliminados e o sistema ´e reconduzido de volta `a sua faixa normal. Nessa vis˜ao, as crises peri´odicas s˜ao um inconveniente necess´ario: eles s˜ao ”uma perturba¸c˜ao no curso dos neg´ocios” (JUGLAR, 1863: p. 1), mas um dist´urbio intr´ınseco ao processo de acumula¸c˜ao, e realmente ´util, para o progresso econ´omico que cont´em e desenvolve os germes da instabilidade crescente e que precisam ser apurados. A crise resultante ´e concebida como o produto indesej´avel da pr´opria acu- mula¸c˜ao, e a premissa para a sua recupera¸c˜ao: as crises, como as doen¸cas no corpo humano, parecem ser uma das condi¸c˜oes de existˆencia das so- ciedades onde o com´ercio e a ind´ustria dominam. Podemos prevˆe-la, suaviz´a-la, para preservar e facilitar a retomada dos neg´ocios; mas re- movˆe-la, considerando as mais diversas combina¸c˜oes poss´ıveis, dificil- mente se conseguir´a atingir. Oferecer uma cura, por nossa vez, n˜ao ser´a poss´ıvel, especialmente porque sua evolu¸c˜ao natural restaura o equil´ıbrio e preparar uma base s´olida sobre a qual podemos desenhar sem medo de viajar um novo per´ıodo (JUGLAR, 1862: p. vii apud BESOMI, 2005: p.9-10). Sendo assim - novamente - Juglar acredita que o processo c´ıclico, observado nas econo- mias desenvolvidas, n˜ao ocorre em decorrˆencia de fatores ex´ogenos, mas sim, de fatores end´ogenos ao pr´oprio ambiente econˆomico, sendo esse processo de crise um mal necess´ario, para que a economia se ajuste diante de um comportamento dos agentes inerentemente propensos a se arriscar, diante de um cen´ario de prosperidade (GROOT e FRANSES, 2009). 1.3.2 Joseph Kitchin Joseph Kitchin (1923), ao estudar os ciclos e as tendˆencias dos fatores nas economias dos Estados Unidos da Am´erica (EUA) e da Inglaterra, no per´ıodo referente a 1890 a 1922, acabou sendo reconhecido posteriormente como aquele que estuda os ciclos econˆomicos no curto prazo (ciclos de Kitchin). Esse reconhecimento, enquanto abordagem no curto prazo, veio atrav´es da observa¸c˜ao do autor em rela¸c˜ao aos pa´ıses mencionados, onde os ciclos observados apresentavam uma dura¸c˜ao de 40 meses, sendo as estat´ısticas utilizadas para verificar a periodicidade desses ciclos o estoque das empresas - principalmente - o pre¸co das commodities e a taxa de juros. Posteriormente, essa abordagem utilizada pelo autor incorpora as mudan¸cas de governo (de quatro em quatro anos), o que acabou ampliando a dura¸c˜ao dos ciclos para 48-51 meses (MEJ´IA, 2010; KWASNICKI, 2008; GROOT e FRANSES, 2009).
  • 28. 27 As an´alises feitas por Kitchin (1923), presentes no seu artigo seminal Cycles and trends in economic fators, por outro lado, n˜ao se restringiam ao curto prazo. Na verdade, o autor prop˜oe uma divis˜ao entre os ciclos menores (minor cycles) e os ciclos maiores (major cycles), sendo que os ciclos maiores nada mais representam do que a ocorrˆencia ou uni˜ao de dois ou trˆes ciclos menores, apresentando uma dura¸c˜ao m´edia de 6 a 10 anos. A ideia por traz dessa divis˜ao se concentra na afirma¸c˜ao de que, entendendo-se como funciona a dinˆamica dos ciclos menores, ´e poss´ıvel ent˜ao entender o comportamento dos ciclos econˆomicos maiores. Segundo Kitchin (1923) Os ciclos de neg´ocios e de pre¸cos devem-se a recorrˆencias c´ıclicas da psicologia de massa que reage frente `a produ¸c˜ao capitalista. A periodi- cidade aproximada dos ciclos de neg´ocios sugere a recorrˆencia el´astica do funcionamento do comportamento humano e n˜ao a precis˜ao matem´atica dos fen´omenos c´osmicos (KITCHIN, 1923: p.14, tradu¸c˜ao nossa)7. A l´ogica presente nessa abordagem pode ser associada a uma vis˜ao neocl´assica de equil´ıbrio, onde as assimetrias de mercado acabam por impactar o movimento da econo- mia ao longo do tempo, significando a existˆencia de certa defasagem entre os diferentes agentes e a sua tomada de decis˜ao, a partir de algum est´ımulo dado na economia em seu n´ıvel agregado. Segundo Kitchin, essas defasagens se expressam, principalmente, em dois momentos, conforme se ver´a a seguir. De maneira geral, as empresas reagem a uma situa¸c˜ao de melhora do mercado au- mentando sua produ¸c˜ao. Esse processo de aumento da produ¸c˜ao ao longo do tempo faz com que a produ¸c˜ao desses produtos exceda a sua demanda, impactando os pre¸cos e o volume dos estoques dessas empresas de uma forma geral; esse processo acaba sinalizando para os empres´arios sobre a necessidade de um ajustamento na sua produ¸c˜ao, afim de regular os seus estoques conjuntamente com seus pre¸cos. Esse processo de ajuste da produ¸c˜ao impacta a utiliza¸c˜ao dos bens de capital que passam a operar num n´ıvel abaixo do seu pleno emprego. Justamente nesse espa¸co de tempo, entre a produ¸c˜ao ´otima - num primeiro momento - e a produ¸c˜ao excessiva - num segundo momento - ´e onde se encontra a primeira defasagem observada e destacada, que d´a origem aos ciclos de Kitchin (KORO- TAYEV e TSIREL, 2010; GROOT e FRANSES, 2009). O segundo momento destacado por Kitchin (1923) ´e justamente a defasagem das a¸c˜oes acima tomadas pelos empres´arios, de diminui¸c˜ao da produ¸c˜ao e o respectivo ajustamento dos estoques ao seu n´ıvel ´otimo. Passada essa fase de ajustamento das duas defasagens, o autor acredita que existam novas condi¸c˜oes para que uma nova fase de crescimento da demanda se apresente e o processo se inicie novamente (KOROTAYEV e TSIREL, 2010; GROOT e FRANSES, 2009). Dessa forma, pode-se entender que os ciclos nessa vis˜ao s˜ao produzidos atrav´es dos reflexos das rea¸c˜oes psicol´ogicas `a produ¸c˜ao capitalista e as respectivas defasagens de informa¸c˜ao presentes nesse processo, que afetam o processo de decis˜ao das empresas, no que se refere ao seu n´ıvel de produ¸c˜ao e ao ajustamento dos seus estoques. Nesses termos, pode-se afirmar que o autor descreve os ciclos como um ajuste entre a oferta e a demanda, respeitando as dire¸c˜oes de causalidade observadas segundo as respostas do mercado e das empresas (KITCHIN, 1923). 7 Essa defini¸c˜ao ´e utilizada por Kitchin no texto, por´em mencionada de maneira n˜ao referenciada e atribu´ıda ao professor Philip Green Wrigh.
  • 29. 28 1.3.3 Nikolai Kondratieff Kondratieff (1935)8 , em seu artigo publicado em 1926, The long waves in economic life, inicia sua abordagem sobre os ciclos afirmando que a dinˆamica econˆomica n˜ao se ap- resentava como algo linear no tempo, mas sim, possu´ıa como caracter´ıstica apresentar um comportamento complexo. Essa observa¸c˜ao feita pelo autor partia da constata¸c˜ao de que, at´e aquele momento, essa caracter´ıstica n˜ao estava presente dentro das an´alises realizadas dentro da ciˆencia econˆomica, especialmente no que se referia `a teoria dos ciclos econˆomicos, onde as flutua¸c˜oes tinham como tempo pr´e-determinado o per´ıodo entre 7 a 11 anos, dentro de uma perspectiva te´orica liberal. Por outro lado, sua abordagem tamb´em “ia contra os dogmas leninistas de crise geral” (TOLMASQUIM, 1991: p.28), observados na Uni˜ao Sovi´etica. Essa posi¸c˜ao distinta do autor em rela¸c˜ao `as correntes existentes naquele per´ıodo fez com que o mesmo sofresse san¸c˜oes de car´ater diverso, sob o ponto de vista profissional-pessoal9 . As ondas de Kondratieff ou k-waves, como seriam conhecidas posteriormente, foram identificadas atrav´es da an´alise das estat´ısticas da Inglaterra, Fran¸ca, Alemanha e EUA, entre os anos de 1780 at´e 1920, onde os dados analisados demonstravam uma dura¸c˜ao m´edia por ciclo entre 50-60 anos. As estat´ısticas utilizadas para identificar essas flu- tua¸c˜oes na pesquisa de Kondratieff foram os pre¸cos do atacado, a taxa de juros, os sal´arios, o consumo, a balan¸ca comercial e a produ¸c˜ao de ferro gusa, chumbo e carv˜ao (GROOT e FRANSES, 2009; KONDRATIEFF, 1935; LOZADA e MART´INEZ. 2002). Kondrati- eff afirmava ainda que, a an´alise de outros dados n˜ao contemplados pelo seu estudo n˜ao apontava para os mesmos ciclos com a mesma clareza e intensidade que as estat´ısticas efetivamente empregadas na sua pesquisa, ainda que as s´eries mais importantes exam- inadas tenham apresentado o mesmo comportamento, no per´ıodo estudado pelo autor (KONDRATIEFF, 1935). Para Kondratieff, essas ondas longas faziam parte do pr´oprio sistema capitalista, sendo, no per´ıodo analisado, identificada pelo autor, a existˆencia de dois ciclos e meio, segundo os dados investigados para aquele per´ıodo. Ainda que o tratamento estat´ıstico- matem´atico utilizado tenha sido sofisticado, a identifica¸c˜ao dessas ondas n˜ao poderia ser considerada como um mero acidente, em virtude da manipula¸c˜ao dos dados (KONDRATI- EFF, 1935; GROOT e FRANSES, 2009). Na ocasi˜ao da publica¸c˜ao do artigo, outros autores apontavam que as k-waves eram condicionadas por fatores ex´ogenos ao pr´oprio processo capitalista, sendo eles: (i) as mudan¸cas tecnol´ogicas, (ii) guerras ou revolu¸c˜oes, (iii) a acomoda¸c˜ao de novos pa´ıses na economia mundial ou (iv) a produ¸c˜ao do ouro (KONDRATIEFF, 1935). Na opini˜ao do autor, ainda que essas cr´ıticas fossem importantes, elas n˜ao possu´ıam aderˆencia ao contexto investigado, em virtude dos seguintes argumentos expostos: 1. Para Kondratieff, a tecnologia certamente influenciava na dinˆamica econˆomica dos pa´ıses, por´em, at´e aquele momento, nenhum estudo havia comprovado que a evolu¸c˜ao desta era causa acidental ou de origem externa ao pr´oprio ambiente econˆomico. Na verdade, duas condi¸c˜oes tornavam-se preponderantes para que a mesma pudesse 8 O artigo utilizado em quest˜ao foi traduzido da vers˜ao original Die langen Wellen der Konjunktu por W. F. Stolper de 1926, sendo algumas de suas partes resumidas em alguns conceitos chave. 9 Segundo Tolmasquim (1991: p.28) a n˜ao inclus˜ao de sua obra junto ao livro A contribution to the theory of the trade cycles, de J. H. Hicles e a destitui¸c˜ao de seus cargos na extinta Uni˜ao Sovi´etica, sua pris˜ao e envio para a Sib´eria, s˜ao exemplos de algumas das san¸c˜oes sofridas pelo autor em decorrˆencia dessa nova vis˜ao encontrada nos seus trabalhos.
  • 30. 29 evoluir: que descobertas t´ecnico-cient´ıficas fossem alcan¸cadas e desenvolvidas, e que ao mesmo tempo fossem economicamente vi´aveis. Al´em desses pontos, o autor argu- mentava ainda que ´e “muito mais prov´avel que tal dire¸c˜ao e intensidade [de evolu¸c˜ao da tecnologia] s˜ao uma fun¸c˜ao das necessidades da vida real e do desenvolvimento precedente da ciˆencia e da t´ecnica” (KONDRATIEFF, 1935:112, tradu¸c˜ao nossa), onde, certamente, o ambiente econˆomico est´a inserido; 2. Com rela¸c˜ao `a quest˜ao das guerras / revolu¸c˜oes, Kondratieff (1935) reconhece que, efetivamente, elas igualmente influenciam o curso da economia. O que n˜ao fica claro para o autor ´e se estas s˜ao geradas fora do ˆambito econˆomico. Ele afirma, na verdade, que estas s˜ao originadas por circunstˆancias reais, e especialmente econˆomicas; 3. J´a em rela¸c˜ao `a entrada de novos pa´ıses na economia mundial, o autor argumenta que parece ´obvio afirmar que este n˜ao pode ser considerado como um fator ex´ogeno ao ambiente econˆomico, ou que at´e mesmo, um fator gerador das k-waves; na ver- dade, ´e a onda ascendente que faz com que novos mercados sejam explorados em novos pa´ıses, novas fontes de mat´eria-prima sejam buscadas e onde o processo de desenvolvimento econˆomico ´e estimulado; 4. J´a a varia¸c˜ao da produ¸c˜ao do ouro, mesmo que esta seja a causa prov´avel do aumento dos pre¸cos ou at´e mesmo uma alternativa para a recupera¸c˜ao geral da atividade econˆomica, ainda assim - a exemplo da entrada de novos pa´ıses - ´e subordinada ao ritmo das ondas longas, n˜ao podendo ser considerada como um fator causal e aleat´orio causador das ondas de Kondratieff (KONDRATIEFF, 1935). Sendo assim, a afirma¸c˜ao sobre a existˆencia dessas ondas longas e a nega¸c˜ao de que estas sejam consequˆencias de causas aleat´orias, indicam que as k-waves se apresentam como uma caracter´ıstica inerente `a pr´opria economia capitalista, segundo o autor. A na- tureza das ocorrˆencias dessas ondas longas, no entanto, n˜ao foi explorada pelo autor no artigo em quest˜ao, uma vez que a sua inten¸c˜ao n˜ao era abordar tal perspectiva (KON- DRATIEFF, 1935). De qualquer forma, em estudos posteriores desenvolvidos pelo autor, demonstrou-se que as ondas de Kondratieff estariam relacionadas a um processo de efe- tiva¸c˜ao tecnol´ogica10 - ou simplesmente de mudan¸cas tecnol´ogicas - onde a utiliza¸c˜ao e o tempo de vida das tecnologias empregadas ´e que determinariam o tempo dos ciclos econˆomicos. 1.3.4 Simon Smith Kuznets Simon Kuznets publicou, em 1930, o livro Secular Movements in Production and Prices: Their Nature and their Bearing upon Cyclical Fluctuations, sendo sua contribui¸c˜ao con- hecida como as oscila¸c˜oes de Kuznets (Kuznets swings). De maneira bastante gen´erica, Kuznets identificou que os fluxos migrat´orios impactavam no ritmo e na intensidade das constru¸c˜oes, que tamb´em impactavam nos lags (defasagens) de tempo dos investimentos em infraestrutura, nos transportes, etc., que acabavam se refletindo nos ciclos econˆomicos (KUZNETS, 1930; KOROTAYEV e TSIREL, 2010; KWASNICKI, 2008; R´ENDON e V´ASQUEZ, 2011). 10 Para maiores detalhes ver Tolmasquim (1991).
  • 31. 30 O ciclo est´a relacionado aos investimentos em constru¸c˜ao e tem a dura¸c˜ao m´edia entre 15 a 25 anos. Kuznets sugeriu que o crescimento da pop- ula¸c˜ao dos Estados Unidos, com sua grande rela¸c˜ao com a imigra¸c˜ao entre os anos 1870 e os anos 1920, causou flutua¸c˜oes na constru¸c˜ao de casas e investimentos nas ferrovias. Essa explica¸c˜ao ex´ogena sobre o ciclo que engloba a emigra¸c˜ao da Europa para os EUA tem sido debatida. Na verdade, ´e incerto se a migra¸c˜ao ´e que causava a retomada da economia ou se o ciclo j´a estando num movimento de recupera¸c˜ao melhorava as expectativas das pessoas e desencadeava o fluxo de imigra¸c˜ao. (GROOT e FRANSES, 2009: p. 7, tradu¸c˜ao nossa). A investiga¸c˜ao feita por Kuznets para chegar a essa conclus˜ao estava baseada na utiliza¸c˜ao de cinquenta e nove s´eries de tempo, abrangendo indicadores relacionados `a produ¸c˜ao e aos pre¸cos de determinados produtos. Analisando esses n´umeros levanta- dos, Kuznets ainda identificou que as condi¸c˜oes iniciais observadas em uma determinada localidade s˜ao fundamentais para explicar o padr˜ao de crescimento e desenvolvimento econˆomico alcan¸cado. Sendo assim, as ondas de Kuznets apresentariam melhor aderˆencia, naquelas economias onde as condi¸c˜oes iniciais fossem relativamente inferiores - caso com- parado a pa´ıses desenvolvidos - onde a combina¸c˜ao do investimento em constru¸c˜ao, so- mado a aspectos demogr´aficos, seria determinante para o comportamento dessas flutua¸c˜oes (GROOT e FRANSES, 2009; LOZADA e MART´INEZ, 2002; KUZNETS, 1930). 1.3.5 Joseph Alois Schumpeter A obra de Schumpeter relacionada aos ciclos econˆomicos ´e bastante vasta. O argumento central escolhido para dar base a esta se¸c˜ao, dessa forma, refere-se `aquela contida no seu livro Teoria do desenvolvimento econˆomico: Uma investiga¸c˜ao sobre lucros, capital, cr´edito, juro e o ciclo econˆomico, publicada originalmente em 1911. Outras publica¸c˜oes posteriores que, reconhecidamente, trouxeram alguma contribui¸c˜ao a esta, principalmente `aquela referente ao livro Business Cycles - A Theorical, Historical and Statistical Analysis of the Capitalist Process de 1939 e Capitalismo, Socialismo e Democracia de 1942, ser˜ao igualmente consideradas ao longo do texto, quando se julgar necess´ario. Antes do in´ıcio da discuss˜ao propriamente dita sobre os ciclos econˆomicos na abordagem deste autor, julga- se necess´ario entender algumas considera¸c˜oes te´oricas iniciais, feitas na sua publica¸c˜ao de 1911. Schumpeter (1997) come¸ca descrevendo a dinˆamica econˆomica como um fluxo circular, onde a intera¸c˜ao observada entre os agentes pertencentes a este processo ocorre “essencial- mente pelos mesmos canais, ano ap´os ano - semelhante `a circula¸c˜ao do sangue num organ- ismo animal” (SCHUMPETER, 1997: p. 72), podendo esses fluxos se alterar ao longo do tempo, por´em, somente dentro de um determinado limite. Esse movimento percebido se aproxima de um comportamento com tendˆencia para o equil´ıbrio, uma vez que os agentes que participam desse fluxo circular baseiam suas a¸c˜oes de troca em informa¸c˜oes do pas- sado para projetar suas expectativas e a¸c˜oes para o futuro, sendo poss´ıvel, dessa forma, a determina¸c˜ao de pre¸cos e quantidades a serem produzidas / consumidas. Esse mecanismo baseado nas informa¸c˜oes precedentes faz com que este empres´ario apresente tamb´em uma tendˆencia ao lucro econˆomico zero, dentro desse fluxo circular. Essa caracter´ıstica apon- tada pelo autor apresenta similaridades ao princ´ıpio de continuidade de Wieser, dentro da dinˆamica econˆomica onde, nas suas palavras, “o sistema econˆomico n˜ao se modificar´a
  • 32. 31 arbitrariamente por iniciativa pr´opria, mas estar´a sempre vinculado ao estado precedente dos neg´ocios” (SCHUMPETER, 1997: 28). N˜ao obstante o processo econˆomico descrito apresentar essa caracter´ıstica circular, ´e tamb´em verdade que este processo pode apresentar algumas altera¸c˜oes ao longo do tempo, de modo que seu padr˜ao de comportamento e a magnitude das suas oscila¸c˜oes mudem significativamente, apresentando um movimento fora do tradicional. “Essas mudan¸cas e os fenˆomenos que surgem em seu curso s˜ao [justamente] o objeto de nossa investiga¸c˜ao”, j´a que ´e dentro desse escopo que o desenvolvimento econˆomico se faz presente (SCHUM- PETER, 1997: p. 73). O desenvolvimento, no sentido em que o tomamos, ´e um fenˆomeno dis- tinto, inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular ou na tendˆencia para o equil´ıbrio. ´E uma mudan¸ca espontˆanea e de- scont´ınua nos canais do fluxo, perturba¸c˜ao do equil´ıbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equil´ıbrio previamente existente. Nossa teoria do desenvolvimento n˜ao ´e nada mais que um modo de tratar esse fenˆomeno e os processos a ele inerentes (SCHUMPETER, 1997: p. 75). Sendo assim, para que a economia de um determinado pa´ıs possa apresentar um pro- cesso de desenvolvimento, faz-se necess´ario que seu fluxo econˆomico com tendˆencia ao equil´ıbrio seja perturbado. Na vis˜ao de Schumpeter (1997), o que desestabiliza esse fluxo circular ´e a introdu¸c˜ao de inova¸c˜oes dentro desse processo econˆomico, atrav´es de novas empresas e segundo a orienta¸c˜ao de um dirigente de empresas ou gerente de neg´ocio com caracter´ısticas diferenciadas do t´ıpico empres´ario contido dentro do fluxo circular, dito tradicional (SCHUMPETER, 1997: p. 84). Esses agentes diferenciados acabam in- troduzindo novas combina¸c˜oes entre os fatores de produ¸c˜ao atrav´es da cria¸c˜ao de novas firmas, promovendo o desenvolvimento econˆomico. Dito de outro modo: na medida em que os agentes inseridos dentro desse fluxo circular apresentam um comportamento es- perado em seu n´ıvel agregado, os sinais enviados atrav´es desse comportamento acabam se traduzindo numa sensa¸c˜ao de seguran¸ca, j´a que o comportamento observado ´e igual ao esperado. Na medida em que alguns desses agentes se deparam com um cen´ario difer- ente do esperado, esta sensa¸c˜ao de seguran¸ca acaba perdendo for¸ca, passando a vigorar um processo de ajustamento ou acomoda¸c˜ao. Essa sa´ıda da zona de conforto acaba pro- movendo o aprendizado for¸cado, com diferentes timings de aprendizado entre os agentes, onde as firmas tenderiam a melhorar o ambiente econˆomico no longo prazo, melhorando, consequentemente, o bem estar das pessoas. Esse processo de ajustamento da conduta desses agentes n˜ao ´e r´apido e nem racional. Schumpeter (1997: p. 204) aponta, no entanto, que esses desequil´ıbrios observados e que se traduzem num processo de crescimento e desenvolvimento econˆomico n˜ao ocor- rem, a exemplo do crescimento “orgˆanico gradual de uma ´arvore”, mas sim, apresenta um comportamento intermitente ao longo do tempo, onde, em determinados per´ıodos, esse processo de crescimento ´e at´e mesmo interrompido. Quando esse movimento ´e retomado, dificilmente este retorna `a posi¸c˜ao original onde estava anteriormente posicionado, al- terando o plano dos dirigentes, no que se refere ao andamento da economia. A quest˜ao central que se coloca a partir disso ´e que esses descompassos observados entre o avan¸co da economia e seus per´ıodos de quebra, caso fossem eventos pontuais ou distribu´ıdos igualitariamente ao longo do tempo, n˜ao seriam objeto de preocupa¸c˜ao por parte dos economistas. Realizadas essas considera¸c˜oes iniciais, como ocorrem ent˜ao os ciclos econˆomicos? Para
  • 33. 32 Schumpeter, diversas s˜ao as fontes causadoras dos ciclos econˆomicos, sejam elas elementos puramente econˆomicos ou at´e mesmo aspectos que escapam `as teorias dedicadas `a ciˆencia econˆomica. Em outras palavras, as perturba¸c˜oes que provocam as crises econˆomicas j´a vieram ou podem vir de v´arios lugares; dentro da ciˆencia econˆomica elas s˜ao observadas tanto pelo lado da oferta como pelo lado da demanda. Al´em desses fatores, existem ainda crises que se apresentam atrav´es de fatores externos a quest˜oes puramente econˆomicas, como por exemplo, a ocasi˜ao de guerras - ainda que a ocorrˆencia deste exemplo seja en- tendida pelo autor como um “acidente de percurso”. De qualquer forma, pode-se afirmar, categoricamente, que as crises tenham sua origem em fatores puramente econˆomicos, sem outros est´ımulos externos conforme mencionado? Na vis˜ao do autor A descoberta decisiva, que resolveu a nossa quest˜ao e ao mesmo tempo pˆos o nosso problema em bases um tanto diferentes, consistiu em estab- elecer o fato de que h´a, de qualquer modo, alguns tipos de crises, que s˜ao elementos ou, pelo menos, componentes regulares, se n˜ao necess´arios, de um movimento em forma de onda que alterna per´ıodos de prosperidade e depress˜ao, que tˆem permeado a vida econˆomica desde o in´ıcio da era capitalista (SCHUMPETER, 1997: p. 210). E prossegue na conclus˜ao do argumento Pelo contr´ario, seria bem poss´ıvel que as causas reais das crises existissem fora da esfera puramente econˆomica, ou seja, que fossem consequˆencias de perturba¸c˜oes que atuassem de fora sobre estas ´ultimas. A frequˆencia e mesmo a regularidade das crises tantas vezes confirmada n˜ao seria em si mesma nenhum argumento conclusivo, uma vez que se pode facilmente conceber que tais perturba¸c˜oes devam ocorrer na vida pr´atica. Uma crise seria ent˜ao simplesmente o processo pelo qual a vida econˆomica se adapta a novas condi¸c˜oes (SCHUMPETER, 1997: p. 206). Louren¸co (2006) afirma que, dentro da teoria dos ciclos econˆomicos, Schumpeter acabou por definir duas abordagens sobre as causas dessas flutua¸c˜oes: i. na primeira delas, o comportamento da economia ao longo do tempo se aproximaria de algo pr´oximo a um crescimento estacion´ario (steady state growth), onde os ciclos econˆomicos seriam produzidos por choques ex´ogenos aleat´orios ou a pr´opria interven¸c˜ao governamental; e, ii. na segunda categoria, encontra-se a interpreta¸c˜ao de que os ciclos econˆomicos decor- rem do pr´oprio funcionamento da economia, onde a “busca dos agentes pelos seus obje- tivos econˆomicos (lucro, utilidade) desencadearia movimentos cumulativos, com retroal- imenta¸c˜ao positiva, e que cedo ou tarde acabariam sendo revertidos tamb´em endogena- mente” (LOURENC¸O, 2006: p. 452). Para Schumpeter, de todo modo, n˜ao estaria errado assumir que as crises possuem car- acter´ısticas individuais, de modo que, analisar suas especificidades seria mais importante do que tentar construir uma teoria geral que explicasse os movimentos c´ıclicos observados em todos os pa´ıses, sendo ent˜ao, mais ´util essa an´alise individualizada, no sentido de es- timular seu diagn´ostico associado `a proposi¸c˜ao de pol´ıticas que, de alguma forma, possam indicar caminhos para a revers˜ao de crises ou depress˜oes. O autor entende, no entanto, que o in´ıcio do processo c´ıclico ocorre nos meios de produ¸c˜ao com reflexos na produ¸c˜ao e nas novas plantas instaladas, mais precisamente no impacto das inova¸c˜oes tecnol´ogicas na economia (CARCIENTE, 2004; SCHUMPETER, 1997). Sendo assim, o boom surge “porque se investe mais capital, este se fixa em novos neg´ocios, e [...] o impulso se difunde
  • 34. 33 ent˜ao pelos mercados de mat´erias-primas, trabalho, equipamentos etc” (SCHUMPETER, 1997: p. 203), sendo, ent˜ao, o investimento autˆonomo como a principal vari´avel que im- pacta os ciclos econˆomicos. Dito de outra forma, pode-se descrever o processo c´ıclico em Schumpeter na forma de ondas. Na primeira onda, tem-se o aparecimento de novas empresas inovadoras ao lado das empresas que n˜ao inovam, processo este que acaba por quebrar o equil´ıbrio at´e ent˜ao observado na economia. O momento reconhecido como boom, no entanto, somente acon- teceria quando um grupo significativo de empres´arios aderisse a essas inova¸c˜oes e esse movimento come¸casse a se espalhar pela economia, onde, justamente, come¸ca a segunda onda. Nessa fase, essa nova empresa acaba por alavancar uma s´erie de produtos e servi¸cos em diversos setores e segmentos, estimula ainda mais o processo econˆomico, ocorrendo o chamado boom secund´ario; neste momento, um grande termˆometro para verificar esse dinamismo proposto ´e o aumento do investimento na ind´ustria de bens de capital. Os reflexos observados a partir dai, relacionados `a queda no desemprego com aumento dos sal´arios e das transa¸c˜oes banc´arias somados `a eleva¸c˜ao dos pre¸cos, dada a escassez de recursos, ´e outra caracter´ıstica observada. Esses novos produtos entram no mercado para competir com os produtos antigos e at´e mesmo, os pre¸cos praticados desses novos produ- tos podem ser mais elevados do que os seus concorrentes, dada suas novas caracter´ısticas, garantindo lucros para esses empres´arios inovadores. `A medida que outros novos em- pres´arios igualmente come¸cam a seguir esse movimento e passam a produzir c´opias desses produtos, a oferta acaba se tornando maior que a demanda, acarretando a defla¸c˜ao dos pre¸cos e o encerramento do boom. Essa interrup¸c˜ao do movimento ascendente da economia leva a uma quebra na sua trajet´oria, indicando agora uma tendˆencia de crise e depress˜ao. Nas palavras de Schumpeter (1997) A diferen¸ca entre n´os reside na explica¸c˜ao da circunstˆancia que corta o boom e ocasiona a depress˜ao. Para Spiethoff essa circunstˆancia ´e a superprodu¸c˜ao de bens de capital com rela¸c˜ao, por um lado, ao cap- ital existente, e, por outro, `a demanda efetiva. Como descri¸c˜ao dos fatos efetivos, eu tamb´em poderia aceitar isso. Mas, enquanto a teoria de Spiethoff p´ara nesse elemento e tenta nos fazer entender que cir- cunstˆancias induzem os produtores de equipamentos fabris, de material de constru¸c˜ao etc., a produzir periodicamente mais do que os seus mer- cados s˜ao capazes de absorver no momento, minha teoria tenta explicar o estado dos neg´ocios da maneira que aparece neste cap´ıtulo, que pode ser resumida como se segue. O efeito do aparecimento de novos em- preendimentos en masse sobre as empresas antigas e sobre a situa¸c˜ao econˆomica estabelecida, tendo em considera¸c˜ao o fato estabelecido[...] de que, em regra, o novo n˜ao nasce do velho, mas aparece ao lado deste e o elimina na concorrˆencia, ´e o de mudar de tal modo todas as condi¸c˜oes [econˆomicas] que se torna necess´ario um processo especial de adapta¸c˜ao [e ajustamento] (SCHUMPETER, 1997: p. 204). Dessa forma, fica mais evidente na argumenta¸c˜ao exposta pelo autor de que, caso esse movimento em massa fosse substitu´ıdo por um movimento cont´ınuo e distribu´ıdo ao longo do tempo essas perturba¸c˜oes seriam paulatinamente absorvidas pela pr´opria dinˆamica econˆomica. No caso desse movimento em massa, Schumpeter (1997) acredita que a liquida¸c˜ao do processo de boom surge, justamente, para realizar essa acomoda¸c˜ao para um novo estado est´atico; ele entende que esse processo de liquida¸c˜ao ´e o “combate do sistema econˆomico no sentido de uma nova posi¸c˜ao de equil´ıbrio, sua adapta¸c˜ao aos
  • 35. 34 dados alterados pela perturba¸c˜ao trazida pelo boom” (SCHUMPETER, 1997: p. 217). O tempo m´edio que leva para que os produtos das empresas “imitadoras” apare¸cam nesse mercado ante ao impulso inicial causado pelas empresas inovadoras ´e, justamente, o per´ıodo de dura¸c˜ao do boom. Conforme comentado, esses produtos lan¸cados no mercado e que imitam o impulso inicial produzem “uma queda dos pre¸cos, que, por sua vez, p˜oe fim ao boom, pode levar a uma crise, deve levar a uma depress˜ao e assim se inicia todo o resto [novamente]” (SCHUMPETER, 1997: p. 218-219). Carciente (2004: p. 120-121, tradu¸c˜ao nossa) aponta que o aspecto mais interes- sante na abordagem de Schumpeter ´e a incorpora¸c˜ao de trˆes elementos: “de mudan¸cas end´ogenas a partir da an´alise do fluxo circular incorporando uma perspectiva dinˆamica frente a tradicional an´alise de est´atica comparativa, a inclus˜ao do cr´edito na an´alise econˆomica e a incorpora¸c˜ao de aspectos monet´arios de capital e juros”. 1.3.6 John Maynard Keynes A contribui¸c˜ao de Keynes (2012) para a ciˆencia econˆomica atrav´es da Teoria geral do emprego, do juro e da moeda trouxe uma nova interpreta¸c˜ao para os problemas obser- vados na economia, se comparado ao entendimento proposto pelos ent˜ao denominados economistas cl´assicos11 . O diagn´ostico e as medidas necess´arias para que a economia retomasse sua trajet´oria ascendente, na nova abordagem proposta por Keynes, resultou numa mudan¸ca significativa na perspectiva dos economistas sobre seu objeto de estudo, haja vista o per´ıodo em que a obra foi escrita, fevereiro de 1936, p´os-crise de 1929, e os desdobramentos observados a partir daquele momento12 . Keynes quis demonstrar que o sistema capitalista possu´ıa, como caracter´ıstica, ser inst´avel, e que as for¸cas de mercado, por si s´o, dificilmente atingiriam o bem estar de toda a sociedade, conforme advogavam os economistas cl´assicos, podendo at´e mesmo o comportamento defendido por esses economistas contribuir para o agravamento e alongamento das crises na economia. A problem´atica dos ciclos econˆomicos ´e um dos assuntos tamb´em tratados nessa nova perspectiva proposta por Keynes na Teoria Geral, ainda que n˜ao a sua quest˜ao central. Os elementos iniciais levantados pelo autor, que explicavam o in´ıcio ou o fim dos ci- clos econˆomicos, eram derivados das altera¸c˜oes na propens˜ao ao consumo, no estado da preferˆencia pela liquidez e/ou na eficiˆencia marginal do capital. No entanto, a eficiˆencia marginal do capital era apontada como a principal vari´avel respons´avel pelos movimentos dos ciclos observados na economia. Na verdade, Keynes afirmava que o car´ater temporal do processo c´ıclico ao qual a economia estava condicionada indefinidamente, estava vin- culado `a maneira como flutuava a eficiˆencia marginal do capital ao longo do tempo e seus reflexos na economia, de uma maneira geral. A taxa de juros, por exemplo, era um desses elementos importantes que poderiam influenciar a dinˆamica econˆomica, por´em, com uma relevˆancia inferior `a eficiˆencia marginal do capital (KEYNES, 2012). O mecanismo de funcionamento da eficiˆencia marginal do capital estava intrinseca- mente vinculado `a psicologia aleat´oria dos neg´ocios, principalmente quando considerada a expectativa desses agentes no longo prazo. A utiliza¸c˜ao do termo aleat´orio devia-se `a forma¸c˜ao das expectativas dos empres´arios, determinadas pela expectativa de lucro no 11 Keynes, atrav´es da classifica¸c˜ao proposta por Marx, apontava como economistas cl´assicos David Ricardo, Adam Smith e John Stuart Mill, bem como os economistas seguidores do pensamento ricardiano, dentre eles Alfred Marshall, Francis Y. Edgeworth e Arthur C. Pigou. 12 Para maiores detalhes sobre a contribui¸c˜ao de Keynes para a teoria econˆomica ver Snowdon e Vane (2005).
  • 36. 35 longo prazo, que sob fundamentos muito prec´arios estavam baseadas em “ind´ıcios vari´aveis e incertos, [...] sujeitos a varia¸c˜oes repentinas e violentas” (KEYNES, 2012: 286). No curto prazo, essas expectativas eram determinadas pela realiza¸c˜ao da produ¸c˜ao segundo os pre¸cos estipulados, sendo baseadas em resultados realizados e ajustadas conforme a necessidade, diariamente, caso fosse preciso. A intera¸c˜ao observada entre as duas de- terminantes e o modo como esses empres´arios entendiam esses movimentos - sejam eles ascendentes ou descendentes - eram o centro da dinˆamica econˆomica na vis˜ao de Keynes. Embora fosse a intera¸c˜ao dos determinantes acima mencionados - com maior destaque para o longo prazo - que traduzissem as tendˆencias da economia, existia uma diferen¸ca importante mencionada na Teoria geral que dizia respeito `a velocidade com que essas tendˆencias se alastravam pelo sistema econˆomico. Keynes afirmava que, o processo de ruptura de um per´ıodo de crescimento e bons resultados possu´ıa como caracter´ıstica ocor- rer de maneira repentina, avan¸cando rapidamente de um processo de prosperidade para um processo de decl´ınio da atividade econˆomica, ao passo que o processo contr´ario de recupera¸c˜ao p´os-depress˜ao ocorria de maneira lenta e gradual. Mais do que isso, o autor afirmava que a incerteza sobre o futuro, uma vez institu´ıda no ambiente econˆomico, teria a propriedade de se multiplicar numa intensidade bastante alta nos diversos atores que interagiam nesse cen´ario. A diferencia¸c˜ao de intensidade e dura¸c˜ao entre os dois per´ıodos estava fortemente vinculada ao modo como as expectativas e a confian¸ca dos agentes se relacionavam frente aos movimentos de alta e baixa observados na economia, ou seja, o comportamento do empres´ario apresentaria uma diferen¸ca significativa frente ao mo- mento da economia, j´a que, caso esta estivesse numa tendˆencia de alta, o comportamento desses agentes apresentaria certa caracter´ıstica, enquanto que se esse momento fosse de tendˆencia de baixa, haveria um comportamento completamente diferente. Os ajustes, a partir da´ı, necess´arios para que a economia retomasse sua tendˆencia ascendente, seriam, talvez, a quest˜ao chave a ser respondida, relacionada `a tem´atica dos ciclos econˆomico,s nessa vis˜ao. Uma maneira de se entender como ocorria a intera¸c˜ao entre as for¸cas comentadas dentro da Teoria geral ´e exemplificar o trajeto da renda nacional, at´e que ela se posicione no ponto R1A1, conforme destacado no gr´afico 1, a seguir. Deve-se ressaltar que o gr´afico 1 ´e meramente ilustrativa e demonstra na reta T a tendˆencia de crescimento da renda, enquanto a reta Y representa seu comportamento efetivo ao longo do per´ıodo. Alguns fatores concorrem para que a economia se direcione para o ponto R1A1, em destaque. Pode-se dizer que a transmiss˜ao da queda das expectativas dos empres´arios no longo prazo para a flutua¸c˜ao acentuada da economia no curto prazo, traduzida, no limite, como depress˜ao econˆomica no ponto R1A1, passa pelo racioc´ınio de que, como a eficiˆencia marginal do capital est´a ancorada na expectativa de lucro do empres´ario no futuro, levando em considera¸c˜ao seu desempenho no presente, este acaba por se prevenir quanto aos riscos do seu neg´ocio, entendendo que a acumula¸c˜ao de estoques e a queda na sua rentabilidade momentˆanea s˜ao sinais de que precisa frear seu investimento, considerando que o retorno financeiro n˜ao estar´a mais garantido no futuro, caso esse cen´ario se perpetue. Novamente, essa expectativa desse empres´ario quanto ao futuro, ainda assim, continua sendo uma expectativa que, sob fundamentos muito prec´arios, est˜ao baseadas em “ind´ıcios vari´aveis e incertos, [...], sujeitos a varia¸c˜oes repentinas e violentas” (KEYNES, 2012: 286).
  • 37. 36 Gr´afico 1: Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario A) Fonte: Elabora¸c˜ao pr´opria Essa queda na eficiˆencia marginal do capital de um empres´ario individual se alastra para outros empres´arios e tamb´em para o mercado de a¸c˜oes - mais vol´atil do que o mercado de bens e servi¸cos - influenciando ainda mais a tendˆencia de queda no n´ıvel da atividade econˆomica, de maneira geral. Ali´as, como a organiza¸c˜ao dos mercados e empresas vem evoluindo gradativamente e, em tempos mais recentes, essa intera¸c˜ao ocorre quase que em tempo real e em um escopo bastante grande e intersetorial, o impacto das altera¸c˜oes dessas expectativas nesse conglomerado de agentes se d´a quase que instantaneamente, dificultando, ainda mais, a retomada da confian¸ca desses empres´arios quanto ao futuro. A queda na eficiˆencia marginal do capital, principalmente quando refletidas na Bolsa de Valores, tamb´em afeta a propens˜ao marginal a consumir. Esse mecanismo de transmiss˜ao para os diversos agentes, conforme descrito acima, ocorre em partes porque a incerteza instalada ´e seguida gradualmente pelo aumento da preferˆencia pela liquidez, impactando a taxa de juros. Esse processo consegue traduzir o porquˆe uma queda na eficiˆencia marginal do capital ´e acompanhada por um aumento da taxa de juros, podendo afetar ainda mais negativamente os investimentos. Por esse motivo, a revers˜ao de um processo de depress˜ao na economia torna-se complicada de ser efetuado. O colapso da eficiˆencia marginal do capital pode ser t˜ao agudo, que nenhum ajuste da taxa de juros pode ser suficiente para reverter essa situa¸c˜ao: a recupera¸c˜ao da confian¸ca desses agentes, nesse cen´ario, ´e um dos elementos centrais complicados de serem controlados na economia. Adicional a essas quest˜oes, Keynes acredita, ainda, que existe uma rela¸c˜ao bastante intensa entre a dura¸c˜ao da depress˜ao, a dura¸c˜ao da vida ´util dos bens duradouros e a taxa normal de crescimento. O que ele quis dizer com a rela¸c˜ao entre essas vari´aveis ´e que, partindo do princ´ıpio que de est´a dentro do um processo recessivo, os empres´arios, assumindo um comportamento de prote¸c˜ao aos seus recursos, tendem a esperar a venda dos itens em excesso nos seus estoques advindo das m´aquinas existentes, cortando in- vestimentos, e somente a partir da normaliza¸c˜ao da sua rentabilidade e no seu n´ıvel de
  • 38. 37 estoques, ´e que esses empres´arios retomam seus investimentos e o processo de recupera¸c˜ao da economia come¸ca a acontecer. Dessa forma, quando temos um processo c´ıclico descen- dente dessa natureza “[...] haver´a pouco incentivo para uma recupera¸c˜ao, enquanto o ciclo n˜ao tiver percorrido uma parte de seu caminho” (KEYNES, 2012: 289). Alguns autores que trabalhavam com a quest˜ao dos ciclos econˆomicos anteriores a Keynes, como visto na abordagem de Cl´ement Juglar, por exemplo, apontavam como solu¸c˜ao para os ciclos econˆomicos a absten¸c˜ao do investimento excessivo, chamado por Keynes de sobreinvestimento, com o argumento de que o controle sobre esse fluxo de capitais evitaria o processo depressivo observado na economia. Na vis˜ao keynesiana, no entanto, esse conceito de sobreinvestimento apresenta duas poss´ıveis defini¸c˜oes: i. Caso a economia estivesse funcionando na sua capacidade m´axima, conforme o ponto R2A2 no gr´afico 2, qualquer incremento no investimento n˜ao iria produzir o retorno esperado, caracterizando um processo de sobreinvestimento; ii. Caso a economia apresentasse o seu oposto, ou seja, o ponto localizado no seu vale, conforme apresentado no ponto R1A1 do gr´afico 1, seria poss´ıvel ter-se a mesma frustra¸c˜ao do ponto de vista do empres´ario j´a que o investimento realizado tamb´em n˜ao traria os retornos esperados. Gr´afico 2: Curva hipot´etica da renda nacional e sua tendˆencia (Cen´ario B) Fonte: Elabora¸c˜ao pr´opria Para Keynes, no entanto, somente no primeiro caso ´e que ocorreria, efetivamente, o conceito de sobreinvestimento, na pr´atica. A cr´ıtica feita por Keynes, na verdade, n˜ao est´a relacionada a qual das duas defini¸c˜oes sobre o conceito de sobreinvestimeto est´a correta ou pode ser verificada no ambiente econˆomico. O que ele est´a tentando argumentar ´e como a vis˜ao cl´assica enxerga esse sobreinvestimento e as poss´ıveis a¸c˜oes defendidas por estes, bem como seu reflexo na taxa de juros. No primeiro caso, por exemplo, n˜ao poderia ser considerado como adequado manter a taxa de juros elevada para tentar frear o movimento excessivo dos investimentos, como advogavam esses economistas. O argumento utilizado por Keynes centra-se na afirma¸c˜ao de que esse mecanismo somente teria alguma for¸ca, caso se estivesse em uma situa¸c˜ao de pleno emprego, fato este nunca observado na pr´atica nas economias desenvolvidas at´e aquele momento - na ´epoca de elabora¸c˜ao da Teoria