SlideShare a Scribd company logo
1 of 15
 
Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que, os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.  Explico-me. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente.  Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria, capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice”? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.  RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme “O Império dos Sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música.  A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.  Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ”Eu te amo...”  RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, “eu te amo” não quer dizer mais nada. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética”. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua “cortada”, palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o  jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.  Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui, ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada.  Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão...  O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.  O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
RUBEM ALVES é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.  Música: GRUPO SECRET GARDEN RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
 

More Related Content

What's hot

O problema da justificação do estado
O problema da justificação do estadoO problema da justificação do estado
O problema da justificação do estadoHelenaBray
 
Appunti di Storia contemporanea - 3 media
Appunti di Storia contemporanea - 3 mediaAppunti di Storia contemporanea - 3 media
Appunti di Storia contemporanea - 3 mediafms
 
Florbela Espanca
Florbela Espanca Florbela Espanca
Florbela Espanca Davi Lima
 
O auto da barca do inferno de Gil Vicente
O auto da barca do inferno de Gil VicenteO auto da barca do inferno de Gil Vicente
O auto da barca do inferno de Gil VicenteOtivo Junior
 
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbarici
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbariciIl crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbarici
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbariciMara Beber
 
Ficha de apoio_ queda_anjo
Ficha de apoio_ queda_anjoFicha de apoio_ queda_anjo
Ficha de apoio_ queda_anjoJoão Teixeira
 
Comunicaz. telef. 2
Comunicaz. telef. 2Comunicaz. telef. 2
Comunicaz. telef. 2mimmopnl
 
5.º império
5.º império5.º império
5.º impérioaefcr
 
Tiberio presentazionestoria
Tiberio presentazionestoriaTiberio presentazionestoria
Tiberio presentazionestoriaGemmaCarducci
 
O Romantismo no Brasil II
O Romantismo no Brasil IIO Romantismo no Brasil II
O Romantismo no Brasil IICicero Luciano
 
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: Trovadorismo
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: TrovadorismoAs origens da literatura portuguesa - Parte 1: Trovadorismo
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: TrovadorismoKaren Olivan
 

What's hot (20)

Primo BasíLio
Primo   BasíLioPrimo   BasíLio
Primo BasíLio
 
Illuminismo (filosofia)
Illuminismo (filosofia)Illuminismo (filosofia)
Illuminismo (filosofia)
 
O problema da justificação do estado
O problema da justificação do estadoO problema da justificação do estado
O problema da justificação do estado
 
Literatura portuguesa barroco
Literatura portuguesa barrocoLiteratura portuguesa barroco
Literatura portuguesa barroco
 
Appunti di Storia contemporanea - 3 media
Appunti di Storia contemporanea - 3 mediaAppunti di Storia contemporanea - 3 media
Appunti di Storia contemporanea - 3 media
 
Grande Guerra
Grande GuerraGrande Guerra
Grande Guerra
 
O humanismo em portugal
O humanismo em portugalO humanismo em portugal
O humanismo em portugal
 
Florbela Espanca
Florbela Espanca Florbela Espanca
Florbela Espanca
 
Andreia
AndreiaAndreia
Andreia
 
O auto da barca do inferno de Gil Vicente
O auto da barca do inferno de Gil VicenteO auto da barca do inferno de Gil Vicente
O auto da barca do inferno de Gil Vicente
 
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbarici
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbariciIl crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbarici
Il crollo dell’impero romano d’occidente e i regni romano-barbarici
 
Ficha de apoio_ queda_anjo
Ficha de apoio_ queda_anjoFicha de apoio_ queda_anjo
Ficha de apoio_ queda_anjo
 
Ugo foscolo
Ugo foscoloUgo foscolo
Ugo foscolo
 
Comunicaz. telef. 2
Comunicaz. telef. 2Comunicaz. telef. 2
Comunicaz. telef. 2
 
5.º império
5.º império5.º império
5.º império
 
Il '700, gli esordi del secolo dei lumi
Il '700, gli esordi del secolo dei lumiIl '700, gli esordi del secolo dei lumi
Il '700, gli esordi del secolo dei lumi
 
Carlo V
Carlo VCarlo V
Carlo V
 
Tiberio presentazionestoria
Tiberio presentazionestoriaTiberio presentazionestoria
Tiberio presentazionestoria
 
O Romantismo no Brasil II
O Romantismo no Brasil IIO Romantismo no Brasil II
O Romantismo no Brasil II
 
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: Trovadorismo
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: TrovadorismoAs origens da literatura portuguesa - Parte 1: Trovadorismo
As origens da literatura portuguesa - Parte 1: Trovadorismo
 

Similar to Os dois tipos de relacionamentos: tênis x frescobol

Casamento,rubem alves
Casamento,rubem alvesCasamento,rubem alves
Casamento,rubem alvesEgidioCampos
 
Reflexão sobre relacionamentos
Reflexão sobre relacionamentosReflexão sobre relacionamentos
Reflexão sobre relacionamentosSônia Siqueira
 
14 falar e ouvir - estudo 1
14   falar e ouvir - estudo 114   falar e ouvir - estudo 1
14 falar e ouvir - estudo 1PIB Penha
 
Apaixonado
ApaixonadoApaixonado
ApaixonadoArnaldo
 
Portfolio Português 2010.2011
Portfolio Português 2010.2011Portfolio Português 2010.2011
Portfolio Português 2010.2011Clara Santos
 
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de Andrade
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de AndradePara viver um grande amor - Carlos Drummond de Andrade
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de AndradeMima Badan
 
30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor SlideHugo Pereira
 
Seria Tao Diferente
Seria Tao  DiferenteSeria Tao  Diferente
Seria Tao Diferentevaldiroliv
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontrammariaodila
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontrammariaodila
 
Para Viver Um Grande Amor
Para Viver Um Grande AmorPara Viver Um Grande Amor
Para Viver Um Grande AmorCesar Andrade
 
Amor 1194428311575668 4
Amor 1194428311575668 4Amor 1194428311575668 4
Amor 1194428311575668 4EMiko
 
Almas Que Se Encontram Atua Lr
Almas Que Se Encontram Atua LrAlmas Que Se Encontram Atua Lr
Almas Que Se Encontram Atua LrCARLOS CAVALLINI
 

Similar to Os dois tipos de relacionamentos: tênis x frescobol (20)

Casamento,rubem alves
Casamento,rubem alvesCasamento,rubem alves
Casamento,rubem alves
 
Reflexão sobre relacionamentos
Reflexão sobre relacionamentosReflexão sobre relacionamentos
Reflexão sobre relacionamentos
 
14 falar e ouvir - estudo 1
14   falar e ouvir - estudo 114   falar e ouvir - estudo 1
14 falar e ouvir - estudo 1
 
Cerimônia
CerimôniaCerimônia
Cerimônia
 
Apaixonado
ApaixonadoApaixonado
Apaixonado
 
Seria tao diferente
Seria tao diferenteSeria tao diferente
Seria tao diferente
 
Portfolio Português 2010.2011
Portfolio Português 2010.2011Portfolio Português 2010.2011
Portfolio Português 2010.2011
 
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de Andrade
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de AndradePara viver um grande amor - Carlos Drummond de Andrade
Para viver um grande amor - Carlos Drummond de Andrade
 
30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide30 Poemas De Amor Slide
30 Poemas De Amor Slide
 
Antologia poética
Antologia poéticaAntologia poética
Antologia poética
 
Seria Tao Diferente
Seria Tao  DiferenteSeria Tao  Diferente
Seria Tao Diferente
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontram
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontram
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontram
 
Para Viver Um Grande Amor
Para Viver Um Grande AmorPara Viver Um Grande Amor
Para Viver Um Grande Amor
 
Amor 1194428311575668 4
Amor 1194428311575668 4Amor 1194428311575668 4
Amor 1194428311575668 4
 
Amor
AmorAmor
Amor
 
Amor
AmorAmor
Amor
 
Amor
AmorAmor
Amor
 
Almas Que Se Encontram Atua Lr
Almas Que Se Encontram Atua LrAlmas Que Se Encontram Atua Lr
Almas Que Se Encontram Atua Lr
 

Recently uploaded

MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAMATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAInsituto Propósitos de Ensino
 
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptx
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptxDIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptx
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptxRoseLucia2
 
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .natzarimdonorte
 
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE de efeitos intelectuais
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE  de efeitos intelectuaisG6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE  de efeitos intelectuais
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE de efeitos intelectuaisFilipeDuartedeBem
 
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra Espirita
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra EspiritaHa muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra Espirita
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra EspiritaSessuana Polanski
 
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptx
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptxFormação de Formadores III - Documentos Concílio.pptx
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptxVivianeGomes635254
 
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos vinicius
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos viniciusTaoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos vinicius
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos viniciusVini Master
 
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).natzarimdonorte
 
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 199ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19PIB Penha
 
TEMPERAMENTOS.pdf.......................
TEMPERAMENTOS.pdf.......................TEMPERAMENTOS.pdf.......................
TEMPERAMENTOS.pdf.......................CarlosJnior997101
 
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo DiaSérie: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo DiaDenisRocha28
 
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdf
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdfAS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdf
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdfnatzarimdonorte
 
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfBaralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfJacquelineGomes57
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a Crença
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a CrençaSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a Crença
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a CrençaRicardo Azevedo
 
Oração Pelos Cristãos Refugiados
Oração Pelos Cristãos RefugiadosOração Pelos Cristãos Refugiados
Oração Pelos Cristãos RefugiadosNilson Almeida
 

Recently uploaded (17)

MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAMATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
 
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptx
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptxDIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptx
DIP Domingo da Igreja Perseguida 2024.pptx
 
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .
O SELO DO ALTÍSSIMO E A MARCA DA BESTA .
 
Mediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
Mediunidade e Obsessão - Doutrina EspíritaMediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
Mediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
 
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE de efeitos intelectuais
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE  de efeitos intelectuaisG6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE  de efeitos intelectuais
G6 - AULA 7.pdf ESDE G6 - MEDIUNIDADE de efeitos intelectuais
 
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra Espirita
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra EspiritaHa muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra Espirita
Ha muitas moradas na Casa de meu Pai - Palestra Espirita
 
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptx
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptxFormação de Formadores III - Documentos Concílio.pptx
Formação de Formadores III - Documentos Concílio.pptx
 
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos vinicius
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos viniciusTaoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos vinicius
Taoismo (Origem e Taoismo no Brasil) - Carlos vinicius
 
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).
A Besta que emergiu do Abismo (O OITAVO REI).
 
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 199ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
 
TEMPERAMENTOS.pdf.......................
TEMPERAMENTOS.pdf.......................TEMPERAMENTOS.pdf.......................
TEMPERAMENTOS.pdf.......................
 
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo DiaSérie: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
 
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdf
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdfAS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdf
AS FESTAS DO CRIADOR FORAM ABOLIDAS NA CRUZ?.pdf
 
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfBaralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a Crença
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a CrençaSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a Crença
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 131 - O Mundo e a Crença
 
Oração Pelos Cristãos Refugiados
Oração Pelos Cristãos RefugiadosOração Pelos Cristãos Refugiados
Oração Pelos Cristãos Refugiados
 
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmoAprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
 

Os dois tipos de relacionamentos: tênis x frescobol

  • 1.  
  • 2. Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que, os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 3. Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria, capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice”? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 4. Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme “O Império dos Sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 5. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ”Eu te amo...” RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 6. Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, “eu te amo” não quer dizer mais nada. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética”. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 7. O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua “cortada”, palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 8. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o  jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 9. O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 10. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui, ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 11. A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 12. Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 13. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim... RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 14. RUBEM ALVES é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp. Música: GRUPO SECRET GARDEN RELACIONAMENTOS RUBEM ALVES
  • 15.