SlideShare a Scribd company logo
1 of 13
Download to read offline
Noções de cidadania no Telecurso 2000:
        Plasticidade social ou construção de identidade?
                               Maria das Graças Pinto Coelho∗
                                           Abril de 2005


Índice                                               público a partir de suas próprias realidades
                                                     paradigmáticas. Os meios adiantam as re-
1   Introdução                                  1    formas do Estado, inclusive no campo da
2   O que é o Telecurso?                        3    educação, e pressionam para que os agen-
3   É comparando que se entende                 4    tes públicos funcionem como se estivessem
4   Motivando a autodeterminação                5    no mercado. O espaço público é modelado
5   A plasticidade flexível                      7    no ethos privado. Estabelece-se um sentido,
6   Contrapontos                               10    que no estudo de caso é revelado através de
7   Referências                                12    um engenhoso projeto de educação à distân-
                                                     cia - o Telecurso 2000 - ressaltado na plasti-
1       Introdução                                   cidade social brasileira. Nesse caso, a edu-
                                                     cação entra em um script paralelo, modelada
O estudo em evidência reflete uma iniciativa          docilmente pela performance midiática, sem
de educação a distância que em sua cons-             a oportunidade de ousar ressignificar-se na
tituição apresenta-se como um projeto de             abrangência do processo comunicacional.
formação social, portanto público, mas que              São experiências que ultrapassam alguns
na concepção é lançado como apêndice de              paradigmas que serviam à organização dos
desenvolvimento das políticas públicas no            protocolos de interação entre a educação e
país, interferindo nos protocolos educacio-          a comunicação - antes cindidas em duas ru-
nais e comunicacionais. Em tal contexto,             bricas com etiquetas específicas e diferencia-
os meios e processos comunicacionais uti-            das. é reconhecido que as duas áreas per-
lizam sofisticadíssimas técnicas de gerencia-         manecem divididas sim, no campo episte-
mento de opinião, promovendo suas natu-              mológico, mas juntas como interesse de su-
rezas performáticas e interferindo no espaço         porte às políticas públicas e privadas. Sofisti-
    ∗
    Professora Adjunta do Departamento de Co-        cadas técnicas são tecidas na direção da ma-
municação Social da Universidade Federal do Rio      nipulação simbólica.
Grande do Norte. Membro do Programa de Pós-             A junção da educação com a mídia serve,
graduação em Educação - PPGE-UFRN. Cordena-          ainda, para formar consumidores ungidos na
dora da Base de Pesquisa Gemini - Grupo de Estudos
de Mídia - UFRN-CNPq - gpcoelho@ufrnet.br            cultura de consumo de massa. As narrati-
2                                                             Maria das Graças Pinto Coelho


vas do “senso comum”, usadas por liberais e      Deve se levar em consideração o fato de que
conservadores, popularizadas nos textos cul-     esse é um projeto de formação social, port-
turais, ajudam a mobilizar o consentimento       anto circunscrito ao espaço público. E é este
às posições políticas hegemônicas, no caso       o movimento a ser considerado na análise
atual, toma corpo a retórica neoliberal con-     de projetos que utilizam os meios na edu-
tida no hipertexto midiático.                    cação, em circuito aberto de televisão, a par-
   De todo modo, a inserção do projeto Te-       tir de uma concepção híbrida da expressão
lecurso 2000 no espaço público brasileiro é      público-privado.
um fato, embora desperte controvérsia sobre         Como as estratégias culturais são orga-
a sua amplitude social. As decisões que in-      nizadas em torno de uma pedagogia pública?
fluenciaram o processo político de sua con-       Esta era a pergunta inicial para chegarmos
cepção nunca foram debatidas junto aos seg-      ao Telecurso. A partir daí o estudo repassou
mentos sociais que estão envolvidos direta       as diversas maneiras como a cultura se rela-
ou indiretamente com a educação de jovens        ciona com o poder e como e onde as funções
e adultos. O projeto queimou algumas etapas      culturais são simbólicas ou institucionais na
comunicacionais requeridas à sua implemen-       educação. Foi levada em consideração a
tação. Não levou em consideração a intera-       prática imediata da política cultural empre-
ção entre a formação da vontade institucio-      gada na estratégia proposta. A análise tam-
nalizada e os espaços públicos culturalmente     bém procurou responder quais as noções de
mobilizados. No que pese a chancela go-          diferença, de responsabilidade civil, comu-
vernamental, através dos Ministérios do Tra-     nitária e de pertencimento, que estão sendo
balho e Educação, o poder de decisão coube       produzidas em um determinado lugar, com
às organizações empresariais. Esta conduta       específicas formações discursivas e práticas,
por si só já representa um claro antagonismo     o que, segundo HALL (1996: p.4), são ele-
entre o seu locus de concepção/produção e o      mentos constitutivos de uma pedagogia púb-
espaço público onde ele é veiculado.A polê-      lica crítica.
mica se acirra quando se resgata a discussão        A política cultural de uma nação, ainda se-
sobre formação fundamental. Sua inserção         gundo HALL (1996), é, em parte, as estraté-
não é aceita por se tratar de um projeto de      gias que cada povo escolhe para regular e
educação à distância, supletiva, que por suas    distribuir o saber. Mas a capacidade de
próprias características não suporta seguir as   pensar politicamente é, também, mediada
trajetórias escolar fundamentais, iniciais, de   pelas formas como cada cultura é governada.
cultura geral e humanística.                     São os projetos culturais, resultantes dos sis-
   Partiu do segmento empresarial a idéia de     temas de cultura nacionais, que modelam as
conceber o Telecurso e, mais ainda, a arre-      práticas humanas, a conduta e a ação social
gimentação dos recursos que o viabilizaram.      do cidadão. Portanto, as formas como as pes-
Também coube ao empresariado nacional a          soas interagem com as instituições e em so-
condução do processo político. No entanto,       ciedade, dependem da maneira como os seus
a ausência de outros segmentos sociais no        sistemas culturais estão conduzindo questões
comando coloca em xeque a iniciativa de-         ligadas à identidade política e seus significa-
vido a sua abrangência político-pedagógica.      dos.

                                                                               www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?                                               3


   Ao mesmo tempo também é através do              que são distribuídos na forma de conheci-
reconhecimento de seus locus de produção,          mento social, sejam eles, culturais, técnicos,
realização e circulação, o campo midiático,        cognitivos, ou sócio-econômicos. Portanto,
que o Telecurso 2000 se credencia como             desde que se entenda o Telecurso 2000 como
um projeto cultural relevante para a tran-         sendo um projeto de formação social, gerado
sição econômica nacional. Através da natu-         em um sistema cultural próprio, seu pro-
reza de seu campo ele se insere no aspecto         duto final, a programação exibida, está sendo
tecnológico que sustenta a expansão das re-        monitorada através de uma agenda cultural
des de informação no processo de globali-          específica, onde se articulam os elementos
zação. Coincidentemente, reside nesse lócus        que compõem a cultura midiática, com as
o mundo em transição onde são negociadas           práticas sociais que estão sendo propostas.
as novas formas simbólicas que marcam os           São perseguidos os sentidos do conceito de
produtos culturais na atualidade. O projeto        cidadania nas três esferas do campo discur-
se apresenta em uma situação ímpar. É ao           sividades, narrativas e técnicas.
mesmo tempo objeto e sujeito da cultura de
informação.
                                                   2   O que é o Telecurso?
   Nesse caso, a cultura fornece inúme-
ras razões constitutivas para reconhecê-           O Telecurso 2000 foi originalmente conce-
lo como um projeto político-pedagógico-            bido para promover a escolaridade de dez
público. Mas para tanto, é necessário que          milhões de trabalhadores que oscilam entre o
se reconheçam suas estratégias de represen-        analfabetismo, a alfabetização instrumental
tação e interrupção da realidade, tal qual são     ou têm menos de oito anos de escolaridade.
apresentadas para o seu público-alvo na pro-       Implantado em 1995, hoje sua expansão não
gramação analisada. São atributos dessa re-        se restringe à educação supletiva do traba-
presentação, por exemplo, a construção da          lhador. Também está sendo usado como al-
identidade nacional veiculada pelo projeto         ternativa à educação formal em alguns esta-
de formação.                                       dos brasileiros. É resultado de uma parceria
   No entanto e, obviamente, a cultura é li-       entre o governo e o empresariado nacional.
vre para flutuar. Perpassa por vários signi-        Tem a chancela e o financiamento de organi-
ficados e é um campo social onde o po-              zações públicas e privadas.
der muda constantemente; onde identida-               Confrontado com os fenômenos observa-
des estão em permanente trânsito e onde a          dos na sociedade de informação, o Telecurso
agenda se situa na última tecnologia, no úl-       detém um discurso midiático natural, produ-
timo conhecimento. O projeto se impõe, so-         zido no lócus de sua própria concepção e vai
bretudo, como prática performativa à moder-        além. O Telecurso também possibilita a ar-
nidade dos meios. Pedagogia pública, ainda         ticulação necessária para a reflexão das três
segundo HALL (1997), envolve, sobrema-             forças que compõem as mudanças atuais. As
neira, práticas morais e políticas, mais do        duas primeiras - revolução tecnológica e a
que um simples procedimento técnico.               reestruturação do capitalismo mundial, re-
   Por outro lado, os sistemas culturais em        volucionam a organização produtiva em es-
suas várias interconexões emitem valores           cala global com implicações para o mundo

www.bocc.ubi.pt
4                                                                 Maria das Graças Pinto Coelho


do trabalho e para as nossas existências ao          atualidade. Por outro lado, reconheceu nos
deslocar para outras dimensões experiências          estudos culturais a possibilidade de matizar
de tempo e espaço. Uma terceira força, esta          o estilo posto na programação
contraditória, impulsiona a busca por identi-
dades. A reconstrução das identidades políti-
                                                     3   É comparando que se entende
cas, culturais, sociais, territoriais, religiosas,
éticas, nacionais, entre outras, está na ordem       A análise da programação observa como são
do dia e, curiosamente, coexiste com a ex-           negociados os significados postos no eixo
pansão do processo de globalização.                  “atitudes de cidadania” -, escolhido na pro-
   A reestruturação do capitalismo mun-              posta técnica-pedagógica do projeto. A ver-
dial impulsiona a reacomodação do Estado-            são considerada se apresenta no Caderno de
nação, bem representada pela mídia para as-          Capacitação 1 - Conhecendo o Telecurso
segurar a hegemonia do projeto político da           2000 -, (1999).
doutrina neoliberal. O fundamentalismo de               O Caderno de Capacitação 1, escolhido
mercado, contido na doutrina, transformou a          para abalizar a lógica de produção do Tele-
maneira como cada povo lida com a identi-            curso 2000 é mais recente e reproduz, em
dade e com a conexão entre resistência co-           parte, o documento técnico-pedagógico que
munitária e os novos movimentos sociais.             serviu de base de no lançamento do projeto
Esta terceira força é aferida na medida em           em circuito nacional em 1996. A mudança
que a categoria cidadania, como construto            fundamental diz respeito ao deslocamento
identitário, está sendo enfocada na análise do       das atitudes de cidadania dos princípios para
Projeto estudado.                                    o eixo temático principal. Nessa nova ver-
   Para tanto, foram extrapoladas as barrei-         são, as práticas cidadãs estão sendo apon-
ras do conceito mais conhecido, as três di-          tadas como um tema transversal a todas as
mensões clássicas de MARSHALL (1967):                disciplinas veiculadas na programação. Exa-
direitos e deveres civis, políticos e sociais,       tamente como acontecia com o tema tra-
onde se agrega uma nova dimensão, a cultu-           balho na versão que regia os fundamentos
ral. A regra foi reconsiderar o cidadão atual        do “Telecurso 2000 -Educação para o Tra-
a partir da expansão das redes de comuni-            balho”, em 1994. Na introdução, o docu-
cação e informação. Registrando sua lícita           mento técnico-pedagógico se apresenta as-
presença na rede imaginária do sistema de            sim: “participar da construção de uma so-
expansão global e observando as novas re-            ciedade mais justa e solidária exige oferecer
dimensões territoriais que o abrigam física, e       meios para que todos exerçam plenamente a
simbolicamente na sociedade atual.                   sua cidadania” (FRM: 1999, p.2).
   A proposta educativa do projeto Telecurso            A construção de noções de cidadania, que
foi revista estabelecendo relações entre po-         surge com todo vigor nos documentos de
der, ideologia e resistência na esfera social e      1999, relaciona-se diretamente com o pro-
em seu lócus de produção imanente. A pes-            jeto normatizador de educação nacional im-
quisa fez a conexão entre os sistemas cul-           plantado pelo Governo federal: os Parâme-
turais e os estudos de mídia e observou a            tros Curriculares Nacionais - PCNs; conce-
relevância que o campo midiático ocupa na            bido para estandardizar o sistema brasileiro

                                                                                  www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?                                               5


de educação. Os PCNs convergem para uma            até sem lhes modificar a natureza, mas tam-
norma instrumental comum, apesar de re-            bém podem convergir.
conhecerem as diferenças regionais - cultu-           Em termos quantitativos, as fitas foram vi-
ral e econômico-social do país. É um projeto       stas na seqüência apresentada pelo projeto.
governamental audacioso porque se situa na         A única exceção desse procedimento refere-
discussão do processo de globalização em al-       se às aulas de matemática porque as fitas in-
guns aspectos - técnicos, econômicos e cul-        iciais apresentaram problemas no ambiente
turais - e tem como objetivo manter as ca-         onde foram requisitadas. Elas foram vistas a
racterísticas nacionais. Desperta a discussão      partir da aula 21 até a 60, de um total de 80
sobre identidades e pertencimento na socie-        aulas. História Geral e do Brasil, foi anali-
dade brasileira.                                   sada através das aulas 1 a 33, de um total de
   Entre os objetivos do Ensino Fundamen-          40 aulas; Ciências de 1 a 40, de um total de
tal, os Parâmetros Curriculares Nacionais          70 aulas; Geografia, de 1 a 37, de um total de
indicam que os alunos sejam capazes de:            50 aulas. A disciplina de Português foi vista
“compreender cidadania como participação           nos programas/aula de 1 a 36 e mais a fita
social e política, assim como exercício de di-     N0 6, que apresenta as aulas de 41 a 47 em
reitos e deveres políticos civis e sociais, ado-   um universo de 90 aulas. O estudo de Língua
tando, no dia-a-dia, atitudes de solidarie-        Estrangeira - Inglês - não foi considerado. A
dade, cooperação e repúdio às injustiças, re-      análise de expressão alcançou mais de 50 por
speitando o outro e exigindo para si o mesmo       cento dos programas apresentados.
respeito...” (MEC/SEF, 1998: p. 7). A pro-
posta dos Parâmetros é bem direta no que se
                                                   4   Motivando a autodeterminação
refere ao direito dos alunos brasileiros sobre
o acesso aos conhecimentos indispensáveis          Em princípio, verificamos a pertinência ou
para a construção de sua cidadania.                não da tese central proposta na normatização
   Cidadania é um fenômeno espacial e              dos PCN, onde se situam os parâmetros ins-
temporal, historicamente definido, mesmo            trumentais de desenvolvimento da cidadania
quando se apresenta enquanto entidade legal        nacional. Foi refletida uma lógica exeqüí-
e territorial, sobre a qual são associados di-     vel e predominante nas instituições nacionais
reitos e deveres. Tanto os Parâmetros Curri-       que permite aceitar a noção de integração ter-
culares Nacionais (PCNs), que normatizam a         ritorial contida na construção de identidades.
educação brasileira , como o Telecurso 2000,       Tal lógica admite que a formação da cidada-
elegeram a construção de noções de cida-           nia passa em primeira mão pelo reconheci-
dania como eixo principal na formação es-          mento das identidades nacionais, representa-
colar. Por essa razão, este trabalho escol-        das pelos grupos sociais nelas contidos.
heu confrontar o sentido de cidadania con-            Para tanto, repassamos a crise do conceito
tido em ambos os projetos. A comparação            de Estado-nação, ressaltada no processo de
é legítima. Os valores que estão sendo atri-       globalização de bens e serviços. A crise
buídos ao conceito de cidadania em ambos           joga contra uma unicidade entre identidades,
os projetos, o de educação nacional, e o Te-       nações e Estados. Por outro lado, o que se
lecurso 2000 podem divergir, algumas vezes         apreende do deslocamento do conceito do

www.bocc.ubi.pt
6                                                             Maria das Graças Pinto Coelho


Estado-nação é que na atualidade o Estado        quê e para quê isso acontece. Sobre o quem
luta incondicionalmente para reconstruir sua     e para quê, ele mesmo dá a pista: estaria con-
legitimação e instrumentalidade, juntando as     tido na resposta o grande conteúdo simbólico
sociedades civis locais para se projetar no      dessa identidade que está sendo construída,
processo de expansão das redes transnacio-       bem como o de seu significado para aqueles
nais.                                            que se identificam ou dela se excluem.
   Essa é uma estratégia articulada por parte       O autor identifica três formas de origens
dos governos mundiais para fazer fase aos        de construção de identidade:
imperativos globais comuns. Para tanto, são
usados os sistemas educacionais no sentido           • “Identidade legitimadora: introdu-
de promover coesão social e transmitir a               zida pelas instituições dominantes
idéia de identidade nacional. No caso do               da sociedade no intuito de expandir
Brasil, o projeto normativo é mais auda-               e racionalizar sua dominação em re-
cioso porque abre espaço para uma coalizão             lação aos atores sociais, tema este
de interesses sociais fundamentados em uma             que está no cerne da teoria de au-
identidade (re)construída.                             toridade e dominação de Sennett,6
   Para se entender o procedimento de recon-           e se aplica a diversas teorias do
strução é interessante se chegar à visão de            nacionalismo7 .
CASTELLS (1999: p. 60) sobre o assunto.              • Identidade de resistência: criada
Ele entende por identidade a fonte de signi-           por atores que se encontram em
ficado e experiência de um povo. Citando                posições/condições desvalorizadas
CALHOUN, CASTELLS (2001) apresenta o                   e/ou estigmatizadas pela lógica
conceito:                                              da dominação, construindo, assim,
                                                       trincheiras de resistência e sobrevi-
    Não temos conhecimento de um povo                  vência com base em princípios di-
    que não tenha nomes, idiomas ou cultu-             ferentes dos que permeiam as in-
    ras em que alguma forma de distinção               stituições da sociedade, ou mesmo
    entre o eu e o outro, nós e eles, não seja         opostos a estes últimos, conforme
    estabelecida... O autoconhecimento - in-           propõe Calhoun ao explicar o sur-
    variavelmente uma construção, não im-              gimento da política de identidade8 .
    porta o quanto possa parecer uma desco-
    berta - nunca está totalmente dissociado         • Identidade de projeto: quando
    da necessidade de ser conhecido, de mo-            os atores sociais, utilizando-se de
    dos específicos, pelos outros” - CAL-               qualquer tipo de material cultural ao
    HOUN apud CASTELLS (2001: p. 22).                  seu alcance, constroem uma nova
                                                       identidade capaz de redefinir sua
   Não é difícil concordar com o fato de que a         posição na sociedade e, ao fazê-
identidade cultural de um povo é construída.           lo, de buscar a transformação de
Ainda segundo CASTELLS (2001: p. 23),                  toda a estrutura social. Esse é o
a principal questão que envolve a discussão,           caso, por exemplo, do feminismo
diz respeito a como, por quem, a partir do             que abandona as trincheiras de re-


                                                                               www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?                                                 7


       sistência da identidade e dos direi-        dores convergem na construção do mito. Um
       tos da mulher para fazer frente ao          mito ungido em suas raízes históricas, em
       patriarcalismo, à família patriarcal        uma combinação forjada entre a população e
       e, assim, a toda a estrutura de pro-        as instituições. SILVA (1996), ressalta a “fle-
       dução, reprodução, sexualidade e            xibilidade” como sendo a identidade nacio-
       personalidade sobre a qual as so-           nal mais significativa. Essa idéia surge a par-
       ciedades historicamente se estabe-          tir de um comentário de FREYRE (1961) so-
       leceram (CASTELLS, 2001, p. 24).            bre a dinâmica que tem constituído o Brasil
                                                   desde 1500:
   Isto posto, resta identificar as razões con-
sideradas na (re)construção do significado           Considerada de modo geral, a formação
de identidade nacional do projeto normativo         brasileira tem sido, na verdade, como já
do Ministério de Educação brasileiro. Sem           salientamos às primeiras páginas deste
dúvidas, os PCN não chegaram a normati-             ensaio, um processo de equilíbrio de ant-
zação proposta do nada. Este foi um pro-            agonismos. Antagonismos de economia
cesso intencional de alteração do indivíduo,        e de cultura. A cultura européia e a in-
visando a implantação de um projeto de for-         dígena. A européia e a africana. A afri-
mação social, audacioso, tendo em vista que         cana e a indígena. A economia agrária e
sua finalidade principal foi a de transformar        a pastoril. A agrária e a mineira. O cató-
a coletividade onde ele atua. Obviamente,           lico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro.
também, que esta é uma estratégia articu-           O bandeirante e o senhor de engenho. O
lada porque negocia novos códigos cultu-            paulista e o emboaba. O pernambucano e
rais a partir da matéria prima fornecida pela       o mascate. O grande proprietário e o pa-
história. Então, historicamente, como o Bra-        ria. O bacharel e o analfabeto. Mas pre-
sil tece seu jogo de identidades refletido em        dominando sobre todos os antagonismos,
seu imaginário social?                              o mais geral e o mais profundo: o senhor
                                                    e o escravo (FREYRE 1961: p. 73).

5   A plasticidade flexível                            Referindo-se a fixação do imaginário do
                                                   ponto de vista institucional, SILVA (1996,
O estilo de vida do brasileiro, que tam-           p.33), evoca FAORO (1975), para lembrar
bém é uma construção histórica, para SILVA         que no processo de construção do mito os
(1996) se caracteriza principalmente pela sua      governantes tinham a preocupação de “er-
plasticidade, que contrasta com os saberes         guer um império com gente vil”. O ant-
divulgados pela escola, igreja, e entidades        agonismo “mais profundo”, observado por
destinadas à regulamentação do social. No          FREYRE (1961), ou seja, a relação do se-
entanto, o processo de formação cultural do        nhor com o escravo, é a mais arraigada das
povo brasileiro é motivo de muita especu-          tradições nacionais. é também a que mais
lação por parte de pensadores como Gilberto        se credencia na reflexão do imaginário social
Freyre - Casa Grande & Senzala (1961) e            brasileiro.
Sérgio Buarque de Holanda - Visão do Pa-              Um país legitima sua identidade nacional
raíso (1959). De modo que ambos os pensa-          quando de alguma forma suas instituições,

www.bocc.ubi.pt
8                                                             Maria das Graças Pinto Coelho


governos, tradições, refletem a história de       que a colocam em um lugar privilegiado no
sua população. E por várias razões históri-      ranking das desigualdades sócio-econômicas
cas, o passado escravocrata nacional não foi     mundiais.
expurgado. Vez ou outra, a cada novo passo          Conseqüentemente, o esforço proposto
rumo à autodeterminação, nossa escravocra-       pelo Estado, através das normas contidas nos
cia sai do armário e assusta a todos se pro-     PCN, deve levar em consideração a matéria
jetando em uma obscura sombra de passado.        prima histórica da construção. Em primeiro
Porque mesmo que a população, governo e          lugar, devido às peculiaridades expostas, a
instituições se unam na simulação de uma         nação, em última análise, não se vê represen-
nova identidade, as camadas mais pobres da       tada na noção de integração. Não existe uma
sociedade tratarão de desarticular o acordo,     identidade nacional que abra espaço para
lembrando a todos sua posição diferenciada.      uma coalizão de interesses sociais funda-
Sem uma redenção de fato, que incorpore          mentados em uma identidade (re)construída.
séculos de discriminação sócio-econômica e       Uma força social/política definida por uma
institucional, esse segmento populacional ja-    determinada identidade (ética, territorial, re-
mais vai se sentir representado nas decisões     ligiosa, tribal ou étnica) que possa ser trans-
que acontecem no centro do poder nacional.       formada nesta noção.
   Para o bem ou para o mal a história brasi-       Voltando para a idéia do construto, CAS-
leira carrega consigo uma imensa carga far-      TELLS (2001), o projeto nacional parece
sesca. Uma dissimulação das relações reais.      estar lidando com as três formas de origem
Algumas vezes, a farsa até se transverte em      propostas, no entanto, a identidade de pro-
um jogo envolvente para regojizo de todas        jeto, que permite a construção do sujeito,
as raças, cores e crenças. As identidades        pode estar sendo favorecida nos Parâme-
nacionais, enfocadas pelos historiadores, fre-   tros Curriculares Nacionais. Citando TOU-
qüentemente transbordam em contradições.         RAINE, CASTELLS (2001), dá uma idéia
HOLANDA (1995) exalta os valores do ho-          do que significa essa produção:
mem cordial, ungido nas relações coloniais,
                                                  Chamo de sujeito o desejo de ser um in-
como sendo o traço definitivo do caráter bra-
                                                  divíduo, de criar uma história pessoal,
sileiro. A polidez - traduzida recentemente
                                                  de atribuir significado a todo o conjunto
como “flexibilidade” - seria um mecanismo
                                                  de experiências da vida individual... A
de defesa ante a sociedade. A lhaneza no
                                                  transformação de indivíduos em sujeitos
trato, a generosidade e a hospitalidade, no
                                                  resulta da combinação necessária de duas
entender de HOLANDA (idem), é o convívio
                                                  afirmações: a dos indivíduos contra as
baseado na ética de fundo emotivo. Na ética
                                                  comunidades, e a dos indivíduos con-
que se confunde com a etiqueta. É a tradução
                                                  tra o mercado (CASTELLS, apud TOU-
do desejo do escravo de estabelecer intimi-
                                                  RAINE 2001, p. 26).
dades com o seu senhor. Seria, portanto,
uma convivência humana dissimulada pelo             Repassando essa seqüência, chega-se a um
sujeito para esconder as diferenças sociais,     resultado evidente: existe uma dinâmica nas
étnicas, ou mesmo econômicas que rondam a        identidades que as conduz a um trânsito per-
sociedade brasileira. As mesmas diferenças       manente. Por outro lado, também se torna

                                                                               www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?                                               9


claro que a constituição do senso de cidada-       de comunicação. Com a sua tradição oral
nia, proposto em ambos os projetos revistos,       inequívoca. O Telecurso 2000 tem um papel
somente acontece quando os alunos são ca-          fundamental na confecção do amálgama que
pazes de pensar os seus papéis enquanto su-        parece ser a representação que a sociedade
jeitos da história.                                faz dela mesma e projeta através dos meios.
   Para garantir o construto identitário do        Tem o mérito de trazer para o campo da edu-
aluno, ou seja, o exercício pleno de suas          cação os códigos culturais que os alunos têm
funções políticas, produtivas e culturais, am-     acesso em seu cotidiano.
bos os projetos precisam estar atentos a toda         Dito de forma simples, o Telecurso repre-
uma complexa compleição que articula a             senta exatamente o produto final de uma so-
noção de cidadania. Seria necessário desco-        ciedade que atravessa aceleradas mudanças
brir um princípio unificador dentro da nação        tecnológicas sobrevivendo aos seus próprios
que seja válido aos interesses e vontades co-      antagonismos. É a cara do Brasil rural, po-
muns. No entanto, a sombra obscura da for-         voado de antenas parabólicas, cuja popula-
mação cultural brasileira persiste e é preciso     ção permanece sentada em uma praça qual-
aprender a lidar com ela.                          quer, sem escolas, assistindo a última tele-
   Pensando na convivência pacífica se chega        novela. Melodramas reais, cujos enredos en-
à intersecção dos dois projetos que mais am-       fatizam as nossas contradições econômico-
bicionam a formação social brasileira. A co-       sociais, as passividades do presente, a guerra
mum união em torno de um mesmo ponto.              permanente e sem solução entre as elites e o
A aceitação de que a sociedade atual se-           povo.
ria o palco inequívoco de uma sociedade               É também no Telecurso que a sociedade
civil mediada pelo consumo e pela infor-           brasileira descobre que nenhum programa de
mação. Dessa forma, a flexibilidade plá-            televisão é poderoso o suficiente para en-
stica da formação brasileira, defendida por        terrar a realidade desigual que a sustenta.
SILVA (1996), estaria sendo reconhecida e          A televisão serve, no caso, para lembrar ao
exaltada. Nem a escola, nem as instituições,       telespectador que existe uma sociedade de
podem prescindir de incorporar ao processo         consumo de massas, estratificada, onde dois
de formação cultural do povo brasileiro, o         mundos convivem e se alternam contradito-
seu imaginário. O projeto normatizador ne-         riamente: o pensado e o vivido. Já a nor-
cessita integrar os fios que tecem a ficção e        matização dos PCN existem, e é bom que
a realidade, de maneira cuidadosa, para con-       existam, para lembrar a todos que é possí-
seguir articular uma amálgama definitiva li-        vel à construção de um mundo mais igual.
gando educação e imaginário. Descartando,          Um mundo povoado de sujeitos sociais, con-
portanto, a preocupação de formar apenas e         victos de seu papel na construção de um
através da racionalidade sábia, a serviço da       Estado de direito democrático. Cumprem a
humanização da vida.                               sua função de tentar harmonizar, de maneira
   Mas qual imaginário é esse que parece           simples, as dimensões simbólicas da socie-
estar em permanente conflito? Talvez seja o         dade, com seus processos produtivos e ope-
imaginário que surge na relação direta que o       racionais. Nesse caso, ele existe para nor-
país mantém com a televisão, com os meios

www.bocc.ubi.pt
10                                                            Maria das Graças Pinto Coelho


matizar um projeto nacional e abrangente de      das as diversidades culturais apontadas, tam-
formação educacional.                            bém lhe diz respeito no processo educacional
   No entanto, pode se afirmar que a adoção       brasileiro. Resta saber como ele se enquadra
dos Parâmetros segue na contramão do mer-        nessa missão.
cado. “O pensamento elitista da identi-
dade nacional começa, assim, a afastar-se
                                                 6   Contrapontos
do território - que inclui povo e natureza -,
voltando-se para valores transnacionais, ad-     Este trabalho teve a preocupação de atribuir
vindos do “Outro”, definido como centrali-        sentidos aos vídeos de modo que eles fos-
dade hegemônica do capital” SODRÉ (2000,         sem apreendidos como qualquer outro mate-
p.130). Ainda segundo SODRÉ (op. Ci-             rial educacional. O que significa dizer que
tada), a virada do milênio revive o século de-   eles são matizados pelos valores, convicções
zenove, quando as elites nacionais selavam       e interesses daqueles que os desenvolvem.
seu pacto perpetuo e faziam um grande es-        Não podem, portanto, ser encarados como
forço de europeização a título de resgate de     produtos neutros. Eles se apropriem tanto
sua identidade pessoal e coletiva, fora das      dos valores presentes no campo midiático,
bases da política comunitária tradicional.       como dos valores educacionais. A linha de
   A parte mais relevante dos PCN é a            argumentação sobre a natureza do material
sua originalidade. No sentido da gênese.         apresentado nesse estudo atravessou valores
Eles articulam um novo compromisso com           econômicos, históricos, estéticos, técnicos,
a história da formação social do povo bra-       organizacionais, culturais, de produção ori-
sileiro. Seu arrojo reside na proposta que       entada, e ideológicos. Enquanto todos os
resgata o construto de cidadania, a partir da    critérios citados foram claramente importan-
re-construção de uma noção de identidade         tes para a sua concepção, o caráter ideoló-
nacional. Rompe com a inércia da escola que      gico da programação analisada sustentou a
esteve por muito tempo paralisada diante da      tensão analítica..
abrangência e sofisticação dos meios de in-          O locus midiático, as Organizações
formação e comunicação. Redime o sistema         Globo, recoloca os conceitos de ideologia
nacional de educação de haver passado ao         e hegemonia no foco central da análise.
largo, por várias décadas, da discussão que      Mesmo porque, como foi dito anteriormente,
envolve cultura de consumo de massas.            eles tipificam o papel dos meios de comu-
   Os PCN trabalham no sentido de encon-         nicação na sociedade atual. É exatamente
trar um equilíbrio entre formação e cultura      nesse campo onde se situa a mistificação das
de massas. Pensam a expansão dos meios de        relações de poder nas sociedades. A hege-
comunicação e informação como fato social,       monia se define pelo modo como as clas-
código e instituição. Por outro lado, o pro-     ses dominantes mantêm suas posições atra-
jeto que se utiliza dos meios de comunicação     vés do consentimento popular, moldado na
para aumentar a escolaridade dos trabalha-       representação que os meios fazem das clas-
dores brasileiros, o Telecurso 2000, também      ses não hegemônicas. Dessa forma, o campo
teve que se enquadrar nas normas para pros-      midiático produz associações simbólicas e
seguir ocupando um espaço que, reconheci-

                                                                              www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?                                               11


retóricas onde as ideologias se manifestam         apresentam uma mesma estrutura narrativa e
de forma definida e concreta.                       discursiva que se perfila em um alto valor
   As ideologias, como já foi sugerido, são        estético sem maiores compromissos com o
reproduzidas sistematicamente através das          processo histórico do qual eles fazem parte.
estruturas midiáticas. Os meios são persis-           No entanto, a contenção e a invisibili-
tentes modelos de cognição, interpretação,         dade dadas às diversidades brasileiras na
representação, de seleção, ênfase e exclusão,      programação analisada, em contrapartida a
em cuja simbologia se organizam rotineira-         ampla cobertura que é dada à plasticidade so-
mente discursos verbais e/ou visuais, com-         cial, é proporcional e sintomática da grande
prometidos com a manutenção do status so-          invisibilidade, a falta de transparência, que
cial dominante.                                    persiste na estrutura social do Brasil. Do
   Significativamente, e independente das in-       ponto de vista histórico, vale lembrar que a
tenções manifestas nos documentos oficiais          única real tentativa de refletir nossas diversi-
do Telecurso 2000, a programação analisada         dades na educação, do ponto de vista institu-
não foge à regra no que diz respeito a repro-      cional, foi feita agora, pós PCNs.
dução ideológica em discussão. O discurso é           Por outro lado, quando o Telecurso 2000
construído a partir da visão do produtor. Re-      é pensado através do seu caráter formativo,
vendo as lições de História - 1 a 8 - que se       é preciso acrescentar, em primeira mão, que
organizam em torno de um discurso politica-        as formas de vida social interpostas na pro-
mente correto por não imprimir preconceitos        gramação não se sobrepõem, não podem ser
em relação às etnias e culturas, sutilmente, a     interpretadas como um princípio superior ao
supremacia ideológica se confirma. A narra-         estágio de desenvolvimento econômico que
tiva que reconstitui a história pessoal de cada    mapeia a sociedade brasileira. O Telecurso é
um dos brasileiros esconde a diversidade cul-      apenas um programa supletivo de educação
tural e sócio-econômica de sua formação. O         à distância produzido para aumentar a esco-
brasileiro que sai do Rio de Janeiro para o in-    laridade do trabalhador que não teve acesso
terior da Bahia para resgatar sua história não     à escola ou a freqüentou menos do que o tér-
tem sotaque nordestino, desconhece as diver-       mino do primeiro ciclo fundamental.
sidades regionais e se perde como persona-            No entanto, devido as suas engrenagens de
gem amorfo de um mesmo padrão de quali-            elaboração, produção e circulação, já citadas
dade “global”.                                     em situações anteriores, ele se expande en-
   Na história que conta o passado escravo-        quanto mito. Há algumas correntes que de-
crata brasileiro não se ressaltam as iniqüi-       fendem a educação à distância por ela ser
dades sofridas pelo negro, como tampouco           mais barata e fácil de se multiplicar. Essa
se compara o passado com o presente. Não           premissa pode ser verdadeira desde que o
existe uma identidade negra a ser ressaltada       modelo invista em material pedagógico de
e as diversas etnias brasileiras são retratadas    qualidade e em um professor disponível para
como sendo únicas, ou melhor, integradas.          trabalhar junto com o aluno esse material em
E assim se desenrolam os programas recor-          tempo integral. Então, nessa perspectiva, o
tados para a análise. São produtos cindidos        mito do projeto econômico se esvai. Um
entre a estética e a formação social. Todos

www.bocc.ubi.pt
12                                                            Maria das Graças Pinto Coelho


professor bem formado, em tempo integral,        7   Referências
custa caro.
                                                 CASTELLS, Manoel. Critical Education in
   Um projeto de formação social que deseje
                                                    the New Age. Laham Md: Rowman &
alcançar objetivos compatíveis com a escola
                                                    Litlefield, 1999.
de formação integral precisa separar o mito
da realidade. O real na intenção de se fazer     CASTELLS, Manoel. O poder da identi-
educação de massas de qualidade não dis-            dade. Tradução Klauss Brandini Ger-
pensa a relação professor/aluno. Por outro          hardt. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
lado, o mito da técnica também se espalha
como um totem, recrutado para se expan-          BRASIL, Ministério da Educação e do Des-
dir em todos os significados construídos. O          porto. Secretaria de Educação Funda-
caráter performático dos meios é usado de           mental. Parâmetros curriculares nacio-
forma exaustiva. Essa substituição, ou des-         nais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
locamento da intenção educativa em favor
da performance midiática, é mais observada       FAORO, Raymundo. Os donos do poder:
quando se juntam os dois projetos: o de for-        formação do patronato político brasi-
mação - o Telecurso 2000 - e o culturalista         leiro. Porto Alegre: Globo, 1976.
das Organizações Globo, descrito várias ve-      FIESP/SESI. Telecurso 2000: ensino suple-
zes pela empresa, e comentado por inúme-             tivo/treinamento. São Paulo, 1996.
ros cientistas sociais, cuja marca é o “padrão
Globo de qualidade”.                             FIESP/SESI. Fundamentos e diretrizes do
   Porque daí surge um produto híbrido               Telecurso 2000. São Paulo, 1994.
muito bem ressaltando em suas nuances
ideológicas. Que em nenhuma hipótese pode        FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala.
ser culpado por reproduzir um mesmo im-             Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
passe social vigente. Uma marca consta-          FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO / FE-
tada em todos os programas analisados é a           DERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO
da assunção técnica da programação. De              ESTADO DE SãO PAULO - Telecurso
todo modo, “o padrão Globo de qualidade”            2000. São Paulo: 1993 (datilografado).
sabe exatamente o que a audiência quer. Os
símbolos culturais arregimentados na pro-        FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO / FE-
gramação do Telecurso fazem sentido do              DERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO
ponto de vista do telespectador. Preenchem          ESTADO DE SãO PAULO - Caderno
o imaginário nacional diariamente e conse-          de capacitacao I: Conhecendo o Tele-
guem monopolizar a audiência. Resta ende-           curso 2000. Rio de Janeiro: Fundação
reçar, no entanto, a expectativa do público         Roberto Marinho, 1999.
para um projeto de formação social, suple-
tivo, ou não. Nessa perspectiva, poderia se      HALL, Stuart. Questions of cultural identity.
ver credenciado o processo de construção de         Thousand Oaks. Sage, 1996.
cidadania nacional, proposto pelos Parâme-
tros Curriculares Nacionais.

                                                                              www.bocc.ubi.pt
Plasticidade social ou construção de identidade?   13


HALL, Stuart. The emergence of cultural
   studies and the crises of the humanities.
   London: Cultural Studies, 1997.

HOLANDA, Sérgio. Visão do paraíso. Rio
   de Janeiro: José Olímpio, 1959.

MARSHALL, T.H. Citizenship and Social
   Class, London: Pluto Press, 1967.

SILVA, Juremir Machado. Os anjos da per-
    dição: futuro e presente na cultura bra-
    sileira. Porto Alegre: Sulina, 1996.

SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identi-
   dade, povo e mídia no Brasil. Petrópo-
   lis, RJ: Vozes, 1999.




www.bocc.ubi.pt

More Related Content

What's hot

Artigo projeto AlemRede
Artigo projeto AlemRedeArtigo projeto AlemRede
Artigo projeto AlemRede
AlemRede
 
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEBA CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
Silvani Silva
 
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
Marconildo Viegas
 
Sociedade midiatizada
Sociedade midiatizada Sociedade midiatizada
Sociedade midiatizada
TamelaG
 
Ppt por elisangela costa tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
Ppt por elisangela costa   tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4Ppt por elisangela costa   tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
Ppt por elisangela costa tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
videoparatodos
 

What's hot (20)

Proposta Curricular de SC Educação e Tecnologia
Proposta Curricular  de SC Educação e TecnologiaProposta Curricular  de SC Educação e Tecnologia
Proposta Curricular de SC Educação e Tecnologia
 
Midiatização, prática social – prática de sentido de Antônio Fausto Neto
Midiatização, prática social – prática de sentido de Antônio Fausto Neto Midiatização, prática social – prática de sentido de Antônio Fausto Neto
Midiatização, prática social – prática de sentido de Antônio Fausto Neto
 
Groppo e fernandes pro jovem
Groppo e fernandes pro jovemGroppo e fernandes pro jovem
Groppo e fernandes pro jovem
 
42 185-1-pb
42 185-1-pb42 185-1-pb
42 185-1-pb
 
Artigo projeto AlemRede
Artigo projeto AlemRedeArtigo projeto AlemRede
Artigo projeto AlemRede
 
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEBA CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
A CONTRIBUIÇÃO EDUCACIONAL DO MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE- MEB
 
Artigo belloni 2002 - ensaio sobre a educação a distância no brasil
Artigo   belloni 2002 - ensaio sobre a educação a distância no brasilArtigo   belloni 2002 - ensaio sobre a educação a distância no brasil
Artigo belloni 2002 - ensaio sobre a educação a distância no brasil
 
Educomunicação - conceitos fundamentais
Educomunicação - conceitos fundamentaisEducomunicação - conceitos fundamentais
Educomunicação - conceitos fundamentais
 
Gestão da comunicação - Catis
Gestão da comunicação - CatisGestão da comunicação - Catis
Gestão da comunicação - Catis
 
A contribuição das ciências sociais para uma leitura crítica da mídia
A contribuição das ciências sociais para uma leitura crítica da mídiaA contribuição das ciências sociais para uma leitura crítica da mídia
A contribuição das ciências sociais para uma leitura crítica da mídia
 
A Comunicação Organizacional, as redes sociais: afetos, emoções e memória na ...
A Comunicação Organizacional, as redes sociais: afetos, emoções e memória na ...A Comunicação Organizacional, as redes sociais: afetos, emoções e memória na ...
A Comunicação Organizacional, as redes sociais: afetos, emoções e memória na ...
 
A comunicação organizacional as redes sociais afetos emoções e memória
A comunicação organizacional as redes sociais   afetos emoções e memóriaA comunicação organizacional as redes sociais   afetos emoções e memória
A comunicação organizacional as redes sociais afetos emoções e memória
 
Comunicação pública.zezé
Comunicação pública.zezéComunicação pública.zezé
Comunicação pública.zezé
 
Tr06 g05 josiane
Tr06 g05 josianeTr06 g05 josiane
Tr06 g05 josiane
 
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
Seminário UEPB Mídia, Cultura e Imaginário Urbano.
 
Sociedade midiatizada
Sociedade midiatizada Sociedade midiatizada
Sociedade midiatizada
 
Estado e educação_popular_-_gadotti
Estado e educação_popular_-_gadottiEstado e educação_popular_-_gadotti
Estado e educação_popular_-_gadotti
 
Educação Online e Formação Contínua em Medicina
Educação Online e Formação Contínua em MedicinaEducação Online e Formação Contínua em Medicina
Educação Online e Formação Contínua em Medicina
 
Comunicação pública - teorias
Comunicação pública - teoriasComunicação pública - teorias
Comunicação pública - teorias
 
Ppt por elisangela costa tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
Ppt por elisangela costa   tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4Ppt por elisangela costa   tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
Ppt por elisangela costa tr 44 - meios de comunicação e educação - grupo 4
 

Viewers also liked

Wpieranie przedsiebiorczosci kobiet
Wpieranie przedsiebiorczosci kobietWpieranie przedsiebiorczosci kobiet
Wpieranie przedsiebiorczosci kobiet
cleo1201
 
第三週 危險情人
第三週 危險情人第三週 危險情人
第三週 危險情人
輝 哲
 
食尚玩家No.38 天下父母心3p
食尚玩家No.38 天下父母心3p食尚玩家No.38 天下父母心3p
食尚玩家No.38 天下父母心3p
cathie_lin
 
Decentralisatie AWBZ
Decentralisatie AWBZDecentralisatie AWBZ
Decentralisatie AWBZ
svwo/Arcon
 
Paro academico en la universidad de antioquia
Paro academico en la universidad de antioquiaParo academico en la universidad de antioquia
Paro academico en la universidad de antioquia
cesarmarinve15
 
Apresentação3
Apresentação3Apresentação3
Apresentação3
MariaCLS
 
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้างการสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
pynk Prae
 
Producto 6 memoria justificativa 22 08-2009-1
Producto 6  memoria justificativa 22 08-2009-1Producto 6  memoria justificativa 22 08-2009-1
Producto 6 memoria justificativa 22 08-2009-1
RECLAMEGUAJIRA
 
Blogueros y marcas, el valor de la opinión
Blogueros y marcas, el valor de la opiniónBlogueros y marcas, el valor de la opinión
Blogueros y marcas, el valor de la opinión
Carlos Terrones Lizana
 

Viewers also liked (20)

Abi inform
Abi informAbi inform
Abi inform
 
Restorani
RestoraniRestorani
Restorani
 
Wpieranie przedsiebiorczosci kobiet
Wpieranie przedsiebiorczosci kobietWpieranie przedsiebiorczosci kobiet
Wpieranie przedsiebiorczosci kobiet
 
Laporan 2 poa
Laporan 2 poaLaporan 2 poa
Laporan 2 poa
 
第三週 危險情人
第三週 危險情人第三週 危險情人
第三週 危險情人
 
Tdam 031011w
Tdam 031011wTdam 031011w
Tdam 031011w
 
Clostridium perfringens Vero Leon
Clostridium perfringens Vero LeonClostridium perfringens Vero Leon
Clostridium perfringens Vero Leon
 
食尚玩家No.38 天下父母心3p
食尚玩家No.38 天下父母心3p食尚玩家No.38 天下父母心3p
食尚玩家No.38 天下父母心3p
 
Decentralisatie AWBZ
Decentralisatie AWBZDecentralisatie AWBZ
Decentralisatie AWBZ
 
ньюансы разработки видео для мобильных устройств
ньюансы разработки видео для мобильных устройствньюансы разработки видео для мобильных устройств
ньюансы разработки видео для мобильных устройств
 
Buletin jumat al furqon tahun 06 volume 02 nomor 01 fiqih olahraga
Buletin jumat al furqon tahun 06 volume 02 nomor 01 fiqih olahragaBuletin jumat al furqon tahun 06 volume 02 nomor 01 fiqih olahraga
Buletin jumat al furqon tahun 06 volume 02 nomor 01 fiqih olahraga
 
Tarea octavo
Tarea octavoTarea octavo
Tarea octavo
 
Paro academico en la universidad de antioquia
Paro academico en la universidad de antioquiaParo academico en la universidad de antioquia
Paro academico en la universidad de antioquia
 
Apresentação3
Apresentação3Apresentação3
Apresentação3
 
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้างการสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
การสอนโดยใช้สื่อการสอนสร้าง
 
Daniel jung
Daniel jungDaniel jung
Daniel jung
 
Producto 6 memoria justificativa 22 08-2009-1
Producto 6  memoria justificativa 22 08-2009-1Producto 6  memoria justificativa 22 08-2009-1
Producto 6 memoria justificativa 22 08-2009-1
 
成功智囊讲坛系列之三:分享的力量
成功智囊讲坛系列之三:分享的力量成功智囊讲坛系列之三:分享的力量
成功智囊讲坛系列之三:分享的力量
 
Blogueros y marcas, el valor de la opinión
Blogueros y marcas, el valor de la opiniónBlogueros y marcas, el valor de la opinión
Blogueros y marcas, el valor de la opinión
 
Fotos mim
Fotos mimFotos mim
Fotos mim
 

Similar to Nocoes de cidadania

Educomunicação é tudo de bom!
Educomunicação é tudo de bom!Educomunicação é tudo de bom!
Educomunicação é tudo de bom!
videoparatodos
 
Isabel p.santos grupo 05 - epistemologia - tr13
Isabel p.santos   grupo 05 - epistemologia - tr13Isabel p.santos   grupo 05 - epistemologia - tr13
Isabel p.santos grupo 05 - epistemologia - tr13
Isabel Santos
 
Ppt por isabel p. santos tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
Ppt por isabel p. santos   tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...Ppt por isabel p. santos   tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
Ppt por isabel p. santos tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
Isabel Santos
 
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdfComunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
Semônica Silva
 
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
Happy family
 
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãOSíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
Nas Ondas do Rádio
 
Etapa2 1 situando_uso_midias_beth
Etapa2 1 situando_uso_midias_bethEtapa2 1 situando_uso_midias_beth
Etapa2 1 situando_uso_midias_beth
Alda Guedes
 

Similar to Nocoes de cidadania (20)

Comunicação e uso de midias
Comunicação e uso de midiasComunicação e uso de midias
Comunicação e uso de midias
 
LIVRO
LIVROLIVRO
LIVRO
 
Educomunicar rede cep
Educomunicar rede cepEducomunicar rede cep
Educomunicar rede cep
 
Video Para Todos Aula 1
Video Para Todos Aula 1Video Para Todos Aula 1
Video Para Todos Aula 1
 
DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA: UMA NOVA DIDÁTICA PARA ESPAÇOS NÃO FOR...
DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA: UMA NOVA DIDÁTICA PARA ESPAÇOS NÃO FOR...DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA: UMA NOVA DIDÁTICA PARA ESPAÇOS NÃO FOR...
DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA: UMA NOVA DIDÁTICA PARA ESPAÇOS NÃO FOR...
 
Educomunicação é tudo de bom!
Educomunicação é tudo de bom!Educomunicação é tudo de bom!
Educomunicação é tudo de bom!
 
Tecnologías digitales y retos para una práctica pedagógica educomunicativa
Tecnologías digitales y retos para una práctica pedagógica educomunicativaTecnologías digitales y retos para una práctica pedagógica educomunicativa
Tecnologías digitales y retos para una práctica pedagógica educomunicativa
 
Isabel p.santos grupo 05 - epistemologia - tr13
Isabel p.santos   grupo 05 - epistemologia - tr13Isabel p.santos   grupo 05 - epistemologia - tr13
Isabel p.santos grupo 05 - epistemologia - tr13
 
Teoria pedagógicas conteporâneas
Teoria pedagógicas conteporâneasTeoria pedagógicas conteporâneas
Teoria pedagógicas conteporâneas
 
Ppt por isabel p. santos tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
Ppt por isabel p. santos   tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...Ppt por isabel p. santos   tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
Ppt por isabel p. santos tr42 - o processo de socialização contemporâneo im...
 
Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere
Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insereRelação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere
Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere
 
Mário%20 kaplún[1]
Mário%20 kaplún[1]Mário%20 kaplún[1]
Mário%20 kaplún[1]
 
25mais1.pdf
25mais1.pdf25mais1.pdf
25mais1.pdf
 
O PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE CULTURAL NA CRIAÇÃO DE PERSONAGENS ANIMADOS PARA A...
O PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE CULTURAL NA CRIAÇÃO DE PERSONAGENS ANIMADOS PARA A...O PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE CULTURAL NA CRIAÇÃO DE PERSONAGENS ANIMADOS PARA A...
O PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE CULTURAL NA CRIAÇÃO DE PERSONAGENS ANIMADOS PARA A...
 
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdfComunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
Comunicação e educação os movimentos do pêndulo.pdf
 
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
A sociedade da informação e o novo paradigma de construção de aprendizagens s...
 
A Telenovela Discutida na escola, na perspectiva da educomunicação
A Telenovela Discutida na escola, na perspectiva da educomunicaçãoA Telenovela Discutida na escola, na perspectiva da educomunicação
A Telenovela Discutida na escola, na perspectiva da educomunicação
 
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãOSíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
SíNtese Referencial Da EducomunicaçãO
 
Etapa2 1 situando_uso_midias_beth
Etapa2 1 situando_uso_midias_bethEtapa2 1 situando_uso_midias_beth
Etapa2 1 situando_uso_midias_beth
 
Síntese referencial educomunic modific a paula
Síntese referencial educomunic   modific a paulaSíntese referencial educomunic   modific a paula
Síntese referencial educomunic modific a paula
 

More from Francilis Enes

O rei artur e os cavaleiros da távola redonda
O rei artur e os cavaleiros da távola redondaO rei artur e os cavaleiros da távola redonda
O rei artur e os cavaleiros da távola redonda
Francilis Enes
 
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticiasAldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
Francilis Enes
 
Por que os jornalistas morrem
Por que os jornalistas morremPor que os jornalistas morrem
Por que os jornalistas morrem
Francilis Enes
 
Aula expositiva de j. pol+¡tico
Aula expositiva de j. pol+¡ticoAula expositiva de j. pol+¡tico
Aula expositiva de j. pol+¡tico
Francilis Enes
 
Cosnciencia global meio ambiente
Cosnciencia global meio ambienteCosnciencia global meio ambiente
Cosnciencia global meio ambiente
Francilis Enes
 
Texto sobre escola de frankfurt
Texto sobre escola de frankfurtTexto sobre escola de frankfurt
Texto sobre escola de frankfurt
Francilis Enes
 
Kant o iluminismo_1784
Kant o iluminismo_1784Kant o iluminismo_1784
Kant o iluminismo_1784
Francilis Enes
 
Caminhos convergentes 03_jose_mauricio
Caminhos convergentes 03_jose_mauricioCaminhos convergentes 03_jose_mauricio
Caminhos convergentes 03_jose_mauricio
Francilis Enes
 
Memória e identidade social michael pollak
Memória e identidade social   michael pollakMemória e identidade social   michael pollak
Memória e identidade social michael pollak
Francilis Enes
 
Negritude sem etnicidade artigo
Negritude sem etnicidade artigoNegritude sem etnicidade artigo
Negritude sem etnicidade artigo
Francilis Enes
 
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperarJornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
Francilis Enes
 
Resenha sobre o livro ás Margens do Rio Sena
Resenha sobre o  livro ás Margens do Rio SenaResenha sobre o  livro ás Margens do Rio Sena
Resenha sobre o livro ás Margens do Rio Sena
Francilis Enes
 
resumo sobre globalização
resumo sobre  globalizaçãoresumo sobre  globalização
resumo sobre globalização
Francilis Enes
 

More from Francilis Enes (18)

Culturas e artes do pós-humano; Da cultura das mídias à cibercultura. (LUCIA...
 Culturas e artes do pós-humano; Da cultura das mídias à cibercultura. (LUCIA... Culturas e artes do pós-humano; Da cultura das mídias à cibercultura. (LUCIA...
Culturas e artes do pós-humano; Da cultura das mídias à cibercultura. (LUCIA...
 
O rei artur e os cavaleiros da távola redonda
O rei artur e os cavaleiros da távola redondaO rei artur e os cavaleiros da távola redonda
O rei artur e os cavaleiros da távola redonda
 
Lawrence lessig-cultura-livre
Lawrence lessig-cultura-livreLawrence lessig-cultura-livre
Lawrence lessig-cultura-livre
 
Joao carlos-correia-comunicacao-e-politica
Joao carlos-correia-comunicacao-e-politicaJoao carlos-correia-comunicacao-e-politica
Joao carlos-correia-comunicacao-e-politica
 
Joao carlos-correia-comunicacao-e-poder
Joao carlos-correia-comunicacao-e-poderJoao carlos-correia-comunicacao-e-poder
Joao carlos-correia-comunicacao-e-poder
 
Eduardo camilo-ensaios-de-comunicacao-estrategica
Eduardo camilo-ensaios-de-comunicacao-estrategicaEduardo camilo-ensaios-de-comunicacao-estrategica
Eduardo camilo-ensaios-de-comunicacao-estrategica
 
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticiasAldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
Aldo antonio schmitz-fontes_de_noticias
 
Por que os jornalistas morrem
Por que os jornalistas morremPor que os jornalistas morrem
Por que os jornalistas morrem
 
Aula expositiva de j. pol+¡tico
Aula expositiva de j. pol+¡ticoAula expositiva de j. pol+¡tico
Aula expositiva de j. pol+¡tico
 
Cosnciencia global meio ambiente
Cosnciencia global meio ambienteCosnciencia global meio ambiente
Cosnciencia global meio ambiente
 
Texto sobre escola de frankfurt
Texto sobre escola de frankfurtTexto sobre escola de frankfurt
Texto sobre escola de frankfurt
 
Kant o iluminismo_1784
Kant o iluminismo_1784Kant o iluminismo_1784
Kant o iluminismo_1784
 
Caminhos convergentes 03_jose_mauricio
Caminhos convergentes 03_jose_mauricioCaminhos convergentes 03_jose_mauricio
Caminhos convergentes 03_jose_mauricio
 
Memória e identidade social michael pollak
Memória e identidade social   michael pollakMemória e identidade social   michael pollak
Memória e identidade social michael pollak
 
Negritude sem etnicidade artigo
Negritude sem etnicidade artigoNegritude sem etnicidade artigo
Negritude sem etnicidade artigo
 
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperarJornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
Jornalismo 20-como-sobreviver-e-prosperar
 
Resenha sobre o livro ás Margens do Rio Sena
Resenha sobre o  livro ás Margens do Rio SenaResenha sobre o  livro ás Margens do Rio Sena
Resenha sobre o livro ás Margens do Rio Sena
 
resumo sobre globalização
resumo sobre  globalizaçãoresumo sobre  globalização
resumo sobre globalização
 

Nocoes de cidadania

  • 1. Noções de cidadania no Telecurso 2000: Plasticidade social ou construção de identidade? Maria das Graças Pinto Coelho∗ Abril de 2005 Índice público a partir de suas próprias realidades paradigmáticas. Os meios adiantam as re- 1 Introdução 1 formas do Estado, inclusive no campo da 2 O que é o Telecurso? 3 educação, e pressionam para que os agen- 3 É comparando que se entende 4 tes públicos funcionem como se estivessem 4 Motivando a autodeterminação 5 no mercado. O espaço público é modelado 5 A plasticidade flexível 7 no ethos privado. Estabelece-se um sentido, 6 Contrapontos 10 que no estudo de caso é revelado através de 7 Referências 12 um engenhoso projeto de educação à distân- cia - o Telecurso 2000 - ressaltado na plasti- 1 Introdução cidade social brasileira. Nesse caso, a edu- cação entra em um script paralelo, modelada O estudo em evidência reflete uma iniciativa docilmente pela performance midiática, sem de educação a distância que em sua cons- a oportunidade de ousar ressignificar-se na tituição apresenta-se como um projeto de abrangência do processo comunicacional. formação social, portanto público, mas que São experiências que ultrapassam alguns na concepção é lançado como apêndice de paradigmas que serviam à organização dos desenvolvimento das políticas públicas no protocolos de interação entre a educação e país, interferindo nos protocolos educacio- a comunicação - antes cindidas em duas ru- nais e comunicacionais. Em tal contexto, bricas com etiquetas específicas e diferencia- os meios e processos comunicacionais uti- das. é reconhecido que as duas áreas per- lizam sofisticadíssimas técnicas de gerencia- manecem divididas sim, no campo episte- mento de opinião, promovendo suas natu- mológico, mas juntas como interesse de su- rezas performáticas e interferindo no espaço porte às políticas públicas e privadas. Sofisti- ∗ Professora Adjunta do Departamento de Co- cadas técnicas são tecidas na direção da ma- municação Social da Universidade Federal do Rio nipulação simbólica. Grande do Norte. Membro do Programa de Pós- A junção da educação com a mídia serve, graduação em Educação - PPGE-UFRN. Cordena- ainda, para formar consumidores ungidos na dora da Base de Pesquisa Gemini - Grupo de Estudos de Mídia - UFRN-CNPq - gpcoelho@ufrnet.br cultura de consumo de massa. As narrati-
  • 2. 2 Maria das Graças Pinto Coelho vas do “senso comum”, usadas por liberais e Deve se levar em consideração o fato de que conservadores, popularizadas nos textos cul- esse é um projeto de formação social, port- turais, ajudam a mobilizar o consentimento anto circunscrito ao espaço público. E é este às posições políticas hegemônicas, no caso o movimento a ser considerado na análise atual, toma corpo a retórica neoliberal con- de projetos que utilizam os meios na edu- tida no hipertexto midiático. cação, em circuito aberto de televisão, a par- De todo modo, a inserção do projeto Te- tir de uma concepção híbrida da expressão lecurso 2000 no espaço público brasileiro é público-privado. um fato, embora desperte controvérsia sobre Como as estratégias culturais são orga- a sua amplitude social. As decisões que in- nizadas em torno de uma pedagogia pública? fluenciaram o processo político de sua con- Esta era a pergunta inicial para chegarmos cepção nunca foram debatidas junto aos seg- ao Telecurso. A partir daí o estudo repassou mentos sociais que estão envolvidos direta as diversas maneiras como a cultura se rela- ou indiretamente com a educação de jovens ciona com o poder e como e onde as funções e adultos. O projeto queimou algumas etapas culturais são simbólicas ou institucionais na comunicacionais requeridas à sua implemen- educação. Foi levada em consideração a tação. Não levou em consideração a intera- prática imediata da política cultural empre- ção entre a formação da vontade institucio- gada na estratégia proposta. A análise tam- nalizada e os espaços públicos culturalmente bém procurou responder quais as noções de mobilizados. No que pese a chancela go- diferença, de responsabilidade civil, comu- vernamental, através dos Ministérios do Tra- nitária e de pertencimento, que estão sendo balho e Educação, o poder de decisão coube produzidas em um determinado lugar, com às organizações empresariais. Esta conduta específicas formações discursivas e práticas, por si só já representa um claro antagonismo o que, segundo HALL (1996: p.4), são ele- entre o seu locus de concepção/produção e o mentos constitutivos de uma pedagogia púb- espaço público onde ele é veiculado.A polê- lica crítica. mica se acirra quando se resgata a discussão A política cultural de uma nação, ainda se- sobre formação fundamental. Sua inserção gundo HALL (1996), é, em parte, as estraté- não é aceita por se tratar de um projeto de gias que cada povo escolhe para regular e educação à distância, supletiva, que por suas distribuir o saber. Mas a capacidade de próprias características não suporta seguir as pensar politicamente é, também, mediada trajetórias escolar fundamentais, iniciais, de pelas formas como cada cultura é governada. cultura geral e humanística. São os projetos culturais, resultantes dos sis- Partiu do segmento empresarial a idéia de temas de cultura nacionais, que modelam as conceber o Telecurso e, mais ainda, a arre- práticas humanas, a conduta e a ação social gimentação dos recursos que o viabilizaram. do cidadão. Portanto, as formas como as pes- Também coube ao empresariado nacional a soas interagem com as instituições e em so- condução do processo político. No entanto, ciedade, dependem da maneira como os seus a ausência de outros segmentos sociais no sistemas culturais estão conduzindo questões comando coloca em xeque a iniciativa de- ligadas à identidade política e seus significa- vido a sua abrangência político-pedagógica. dos. www.bocc.ubi.pt
  • 3. Plasticidade social ou construção de identidade? 3 Ao mesmo tempo também é através do que são distribuídos na forma de conheci- reconhecimento de seus locus de produção, mento social, sejam eles, culturais, técnicos, realização e circulação, o campo midiático, cognitivos, ou sócio-econômicos. Portanto, que o Telecurso 2000 se credencia como desde que se entenda o Telecurso 2000 como um projeto cultural relevante para a tran- sendo um projeto de formação social, gerado sição econômica nacional. Através da natu- em um sistema cultural próprio, seu pro- reza de seu campo ele se insere no aspecto duto final, a programação exibida, está sendo tecnológico que sustenta a expansão das re- monitorada através de uma agenda cultural des de informação no processo de globali- específica, onde se articulam os elementos zação. Coincidentemente, reside nesse lócus que compõem a cultura midiática, com as o mundo em transição onde são negociadas práticas sociais que estão sendo propostas. as novas formas simbólicas que marcam os São perseguidos os sentidos do conceito de produtos culturais na atualidade. O projeto cidadania nas três esferas do campo discur- se apresenta em uma situação ímpar. É ao sividades, narrativas e técnicas. mesmo tempo objeto e sujeito da cultura de informação. 2 O que é o Telecurso? Nesse caso, a cultura fornece inúme- ras razões constitutivas para reconhecê- O Telecurso 2000 foi originalmente conce- lo como um projeto político-pedagógico- bido para promover a escolaridade de dez público. Mas para tanto, é necessário que milhões de trabalhadores que oscilam entre o se reconheçam suas estratégias de represen- analfabetismo, a alfabetização instrumental tação e interrupção da realidade, tal qual são ou têm menos de oito anos de escolaridade. apresentadas para o seu público-alvo na pro- Implantado em 1995, hoje sua expansão não gramação analisada. São atributos dessa re- se restringe à educação supletiva do traba- presentação, por exemplo, a construção da lhador. Também está sendo usado como al- identidade nacional veiculada pelo projeto ternativa à educação formal em alguns esta- de formação. dos brasileiros. É resultado de uma parceria No entanto e, obviamente, a cultura é li- entre o governo e o empresariado nacional. vre para flutuar. Perpassa por vários signi- Tem a chancela e o financiamento de organi- ficados e é um campo social onde o po- zações públicas e privadas. der muda constantemente; onde identida- Confrontado com os fenômenos observa- des estão em permanente trânsito e onde a dos na sociedade de informação, o Telecurso agenda se situa na última tecnologia, no úl- detém um discurso midiático natural, produ- timo conhecimento. O projeto se impõe, so- zido no lócus de sua própria concepção e vai bretudo, como prática performativa à moder- além. O Telecurso também possibilita a ar- nidade dos meios. Pedagogia pública, ainda ticulação necessária para a reflexão das três segundo HALL (1997), envolve, sobrema- forças que compõem as mudanças atuais. As neira, práticas morais e políticas, mais do duas primeiras - revolução tecnológica e a que um simples procedimento técnico. reestruturação do capitalismo mundial, re- Por outro lado, os sistemas culturais em volucionam a organização produtiva em es- suas várias interconexões emitem valores cala global com implicações para o mundo www.bocc.ubi.pt
  • 4. 4 Maria das Graças Pinto Coelho do trabalho e para as nossas existências ao atualidade. Por outro lado, reconheceu nos deslocar para outras dimensões experiências estudos culturais a possibilidade de matizar de tempo e espaço. Uma terceira força, esta o estilo posto na programação contraditória, impulsiona a busca por identi- dades. A reconstrução das identidades políti- 3 É comparando que se entende cas, culturais, sociais, territoriais, religiosas, éticas, nacionais, entre outras, está na ordem A análise da programação observa como são do dia e, curiosamente, coexiste com a ex- negociados os significados postos no eixo pansão do processo de globalização. “atitudes de cidadania” -, escolhido na pro- A reestruturação do capitalismo mun- posta técnica-pedagógica do projeto. A ver- dial impulsiona a reacomodação do Estado- são considerada se apresenta no Caderno de nação, bem representada pela mídia para as- Capacitação 1 - Conhecendo o Telecurso segurar a hegemonia do projeto político da 2000 -, (1999). doutrina neoliberal. O fundamentalismo de O Caderno de Capacitação 1, escolhido mercado, contido na doutrina, transformou a para abalizar a lógica de produção do Tele- maneira como cada povo lida com a identi- curso 2000 é mais recente e reproduz, em dade e com a conexão entre resistência co- parte, o documento técnico-pedagógico que munitária e os novos movimentos sociais. serviu de base de no lançamento do projeto Esta terceira força é aferida na medida em em circuito nacional em 1996. A mudança que a categoria cidadania, como construto fundamental diz respeito ao deslocamento identitário, está sendo enfocada na análise do das atitudes de cidadania dos princípios para Projeto estudado. o eixo temático principal. Nessa nova ver- Para tanto, foram extrapoladas as barrei- são, as práticas cidadãs estão sendo apon- ras do conceito mais conhecido, as três di- tadas como um tema transversal a todas as mensões clássicas de MARSHALL (1967): disciplinas veiculadas na programação. Exa- direitos e deveres civis, políticos e sociais, tamente como acontecia com o tema tra- onde se agrega uma nova dimensão, a cultu- balho na versão que regia os fundamentos ral. A regra foi reconsiderar o cidadão atual do “Telecurso 2000 -Educação para o Tra- a partir da expansão das redes de comuni- balho”, em 1994. Na introdução, o docu- cação e informação. Registrando sua lícita mento técnico-pedagógico se apresenta as- presença na rede imaginária do sistema de sim: “participar da construção de uma so- expansão global e observando as novas re- ciedade mais justa e solidária exige oferecer dimensões territoriais que o abrigam física, e meios para que todos exerçam plenamente a simbolicamente na sociedade atual. sua cidadania” (FRM: 1999, p.2). A proposta educativa do projeto Telecurso A construção de noções de cidadania, que foi revista estabelecendo relações entre po- surge com todo vigor nos documentos de der, ideologia e resistência na esfera social e 1999, relaciona-se diretamente com o pro- em seu lócus de produção imanente. A pes- jeto normatizador de educação nacional im- quisa fez a conexão entre os sistemas cul- plantado pelo Governo federal: os Parâme- turais e os estudos de mídia e observou a tros Curriculares Nacionais - PCNs; conce- relevância que o campo midiático ocupa na bido para estandardizar o sistema brasileiro www.bocc.ubi.pt
  • 5. Plasticidade social ou construção de identidade? 5 de educação. Os PCNs convergem para uma até sem lhes modificar a natureza, mas tam- norma instrumental comum, apesar de re- bém podem convergir. conhecerem as diferenças regionais - cultu- Em termos quantitativos, as fitas foram vi- ral e econômico-social do país. É um projeto stas na seqüência apresentada pelo projeto. governamental audacioso porque se situa na A única exceção desse procedimento refere- discussão do processo de globalização em al- se às aulas de matemática porque as fitas in- guns aspectos - técnicos, econômicos e cul- iciais apresentaram problemas no ambiente turais - e tem como objetivo manter as ca- onde foram requisitadas. Elas foram vistas a racterísticas nacionais. Desperta a discussão partir da aula 21 até a 60, de um total de 80 sobre identidades e pertencimento na socie- aulas. História Geral e do Brasil, foi anali- dade brasileira. sada através das aulas 1 a 33, de um total de Entre os objetivos do Ensino Fundamen- 40 aulas; Ciências de 1 a 40, de um total de tal, os Parâmetros Curriculares Nacionais 70 aulas; Geografia, de 1 a 37, de um total de indicam que os alunos sejam capazes de: 50 aulas. A disciplina de Português foi vista “compreender cidadania como participação nos programas/aula de 1 a 36 e mais a fita social e política, assim como exercício de di- N0 6, que apresenta as aulas de 41 a 47 em reitos e deveres políticos civis e sociais, ado- um universo de 90 aulas. O estudo de Língua tando, no dia-a-dia, atitudes de solidarie- Estrangeira - Inglês - não foi considerado. A dade, cooperação e repúdio às injustiças, re- análise de expressão alcançou mais de 50 por speitando o outro e exigindo para si o mesmo cento dos programas apresentados. respeito...” (MEC/SEF, 1998: p. 7). A pro- posta dos Parâmetros é bem direta no que se 4 Motivando a autodeterminação refere ao direito dos alunos brasileiros sobre o acesso aos conhecimentos indispensáveis Em princípio, verificamos a pertinência ou para a construção de sua cidadania. não da tese central proposta na normatização Cidadania é um fenômeno espacial e dos PCN, onde se situam os parâmetros ins- temporal, historicamente definido, mesmo trumentais de desenvolvimento da cidadania quando se apresenta enquanto entidade legal nacional. Foi refletida uma lógica exeqüí- e territorial, sobre a qual são associados di- vel e predominante nas instituições nacionais reitos e deveres. Tanto os Parâmetros Curri- que permite aceitar a noção de integração ter- culares Nacionais (PCNs), que normatizam a ritorial contida na construção de identidades. educação brasileira , como o Telecurso 2000, Tal lógica admite que a formação da cidada- elegeram a construção de noções de cida- nia passa em primeira mão pelo reconheci- dania como eixo principal na formação es- mento das identidades nacionais, representa- colar. Por essa razão, este trabalho escol- das pelos grupos sociais nelas contidos. heu confrontar o sentido de cidadania con- Para tanto, repassamos a crise do conceito tido em ambos os projetos. A comparação de Estado-nação, ressaltada no processo de é legítima. Os valores que estão sendo atri- globalização de bens e serviços. A crise buídos ao conceito de cidadania em ambos joga contra uma unicidade entre identidades, os projetos, o de educação nacional, e o Te- nações e Estados. Por outro lado, o que se lecurso 2000 podem divergir, algumas vezes apreende do deslocamento do conceito do www.bocc.ubi.pt
  • 6. 6 Maria das Graças Pinto Coelho Estado-nação é que na atualidade o Estado quê e para quê isso acontece. Sobre o quem luta incondicionalmente para reconstruir sua e para quê, ele mesmo dá a pista: estaria con- legitimação e instrumentalidade, juntando as tido na resposta o grande conteúdo simbólico sociedades civis locais para se projetar no dessa identidade que está sendo construída, processo de expansão das redes transnacio- bem como o de seu significado para aqueles nais. que se identificam ou dela se excluem. Essa é uma estratégia articulada por parte O autor identifica três formas de origens dos governos mundiais para fazer fase aos de construção de identidade: imperativos globais comuns. Para tanto, são usados os sistemas educacionais no sentido • “Identidade legitimadora: introdu- de promover coesão social e transmitir a zida pelas instituições dominantes idéia de identidade nacional. No caso do da sociedade no intuito de expandir Brasil, o projeto normativo é mais auda- e racionalizar sua dominação em re- cioso porque abre espaço para uma coalizão lação aos atores sociais, tema este de interesses sociais fundamentados em uma que está no cerne da teoria de au- identidade (re)construída. toridade e dominação de Sennett,6 Para se entender o procedimento de recon- e se aplica a diversas teorias do strução é interessante se chegar à visão de nacionalismo7 . CASTELLS (1999: p. 60) sobre o assunto. • Identidade de resistência: criada Ele entende por identidade a fonte de signi- por atores que se encontram em ficado e experiência de um povo. Citando posições/condições desvalorizadas CALHOUN, CASTELLS (2001) apresenta o e/ou estigmatizadas pela lógica conceito: da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevi- Não temos conhecimento de um povo vência com base em princípios di- que não tenha nomes, idiomas ou cultu- ferentes dos que permeiam as in- ras em que alguma forma de distinção stituições da sociedade, ou mesmo entre o eu e o outro, nós e eles, não seja opostos a estes últimos, conforme estabelecida... O autoconhecimento - in- propõe Calhoun ao explicar o sur- variavelmente uma construção, não im- gimento da política de identidade8 . porta o quanto possa parecer uma desco- berta - nunca está totalmente dissociado • Identidade de projeto: quando da necessidade de ser conhecido, de mo- os atores sociais, utilizando-se de dos específicos, pelos outros” - CAL- qualquer tipo de material cultural ao HOUN apud CASTELLS (2001: p. 22). seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua Não é difícil concordar com o fato de que a posição na sociedade e, ao fazê- identidade cultural de um povo é construída. lo, de buscar a transformação de Ainda segundo CASTELLS (2001: p. 23), toda a estrutura social. Esse é o a principal questão que envolve a discussão, caso, por exemplo, do feminismo diz respeito a como, por quem, a partir do que abandona as trincheiras de re- www.bocc.ubi.pt
  • 7. Plasticidade social ou construção de identidade? 7 sistência da identidade e dos direi- dores convergem na construção do mito. Um tos da mulher para fazer frente ao mito ungido em suas raízes históricas, em patriarcalismo, à família patriarcal uma combinação forjada entre a população e e, assim, a toda a estrutura de pro- as instituições. SILVA (1996), ressalta a “fle- dução, reprodução, sexualidade e xibilidade” como sendo a identidade nacio- personalidade sobre a qual as so- nal mais significativa. Essa idéia surge a par- ciedades historicamente se estabe- tir de um comentário de FREYRE (1961) so- leceram (CASTELLS, 2001, p. 24). bre a dinâmica que tem constituído o Brasil desde 1500: Isto posto, resta identificar as razões con- sideradas na (re)construção do significado Considerada de modo geral, a formação de identidade nacional do projeto normativo brasileira tem sido, na verdade, como já do Ministério de Educação brasileiro. Sem salientamos às primeiras páginas deste dúvidas, os PCN não chegaram a normati- ensaio, um processo de equilíbrio de ant- zação proposta do nada. Este foi um pro- agonismos. Antagonismos de economia cesso intencional de alteração do indivíduo, e de cultura. A cultura européia e a in- visando a implantação de um projeto de for- dígena. A européia e a africana. A afri- mação social, audacioso, tendo em vista que cana e a indígena. A economia agrária e sua finalidade principal foi a de transformar a pastoril. A agrária e a mineira. O cató- a coletividade onde ele atua. Obviamente, lico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. também, que esta é uma estratégia articu- O bandeirante e o senhor de engenho. O lada porque negocia novos códigos cultu- paulista e o emboaba. O pernambucano e rais a partir da matéria prima fornecida pela o mascate. O grande proprietário e o pa- história. Então, historicamente, como o Bra- ria. O bacharel e o analfabeto. Mas pre- sil tece seu jogo de identidades refletido em dominando sobre todos os antagonismos, seu imaginário social? o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo (FREYRE 1961: p. 73). 5 A plasticidade flexível Referindo-se a fixação do imaginário do ponto de vista institucional, SILVA (1996, O estilo de vida do brasileiro, que tam- p.33), evoca FAORO (1975), para lembrar bém é uma construção histórica, para SILVA que no processo de construção do mito os (1996) se caracteriza principalmente pela sua governantes tinham a preocupação de “er- plasticidade, que contrasta com os saberes guer um império com gente vil”. O ant- divulgados pela escola, igreja, e entidades agonismo “mais profundo”, observado por destinadas à regulamentação do social. No FREYRE (1961), ou seja, a relação do se- entanto, o processo de formação cultural do nhor com o escravo, é a mais arraigada das povo brasileiro é motivo de muita especu- tradições nacionais. é também a que mais lação por parte de pensadores como Gilberto se credencia na reflexão do imaginário social Freyre - Casa Grande & Senzala (1961) e brasileiro. Sérgio Buarque de Holanda - Visão do Pa- Um país legitima sua identidade nacional raíso (1959). De modo que ambos os pensa- quando de alguma forma suas instituições, www.bocc.ubi.pt
  • 8. 8 Maria das Graças Pinto Coelho governos, tradições, refletem a história de que a colocam em um lugar privilegiado no sua população. E por várias razões históri- ranking das desigualdades sócio-econômicas cas, o passado escravocrata nacional não foi mundiais. expurgado. Vez ou outra, a cada novo passo Conseqüentemente, o esforço proposto rumo à autodeterminação, nossa escravocra- pelo Estado, através das normas contidas nos cia sai do armário e assusta a todos se pro- PCN, deve levar em consideração a matéria jetando em uma obscura sombra de passado. prima histórica da construção. Em primeiro Porque mesmo que a população, governo e lugar, devido às peculiaridades expostas, a instituições se unam na simulação de uma nação, em última análise, não se vê represen- nova identidade, as camadas mais pobres da tada na noção de integração. Não existe uma sociedade tratarão de desarticular o acordo, identidade nacional que abra espaço para lembrando a todos sua posição diferenciada. uma coalizão de interesses sociais funda- Sem uma redenção de fato, que incorpore mentados em uma identidade (re)construída. séculos de discriminação sócio-econômica e Uma força social/política definida por uma institucional, esse segmento populacional ja- determinada identidade (ética, territorial, re- mais vai se sentir representado nas decisões ligiosa, tribal ou étnica) que possa ser trans- que acontecem no centro do poder nacional. formada nesta noção. Para o bem ou para o mal a história brasi- Voltando para a idéia do construto, CAS- leira carrega consigo uma imensa carga far- TELLS (2001), o projeto nacional parece sesca. Uma dissimulação das relações reais. estar lidando com as três formas de origem Algumas vezes, a farsa até se transverte em propostas, no entanto, a identidade de pro- um jogo envolvente para regojizo de todas jeto, que permite a construção do sujeito, as raças, cores e crenças. As identidades pode estar sendo favorecida nos Parâme- nacionais, enfocadas pelos historiadores, fre- tros Curriculares Nacionais. Citando TOU- qüentemente transbordam em contradições. RAINE, CASTELLS (2001), dá uma idéia HOLANDA (1995) exalta os valores do ho- do que significa essa produção: mem cordial, ungido nas relações coloniais, Chamo de sujeito o desejo de ser um in- como sendo o traço definitivo do caráter bra- divíduo, de criar uma história pessoal, sileiro. A polidez - traduzida recentemente de atribuir significado a todo o conjunto como “flexibilidade” - seria um mecanismo de experiências da vida individual... A de defesa ante a sociedade. A lhaneza no transformação de indivíduos em sujeitos trato, a generosidade e a hospitalidade, no resulta da combinação necessária de duas entender de HOLANDA (idem), é o convívio afirmações: a dos indivíduos contra as baseado na ética de fundo emotivo. Na ética comunidades, e a dos indivíduos con- que se confunde com a etiqueta. É a tradução tra o mercado (CASTELLS, apud TOU- do desejo do escravo de estabelecer intimi- RAINE 2001, p. 26). dades com o seu senhor. Seria, portanto, uma convivência humana dissimulada pelo Repassando essa seqüência, chega-se a um sujeito para esconder as diferenças sociais, resultado evidente: existe uma dinâmica nas étnicas, ou mesmo econômicas que rondam a identidades que as conduz a um trânsito per- sociedade brasileira. As mesmas diferenças manente. Por outro lado, também se torna www.bocc.ubi.pt
  • 9. Plasticidade social ou construção de identidade? 9 claro que a constituição do senso de cidada- de comunicação. Com a sua tradição oral nia, proposto em ambos os projetos revistos, inequívoca. O Telecurso 2000 tem um papel somente acontece quando os alunos são ca- fundamental na confecção do amálgama que pazes de pensar os seus papéis enquanto su- parece ser a representação que a sociedade jeitos da história. faz dela mesma e projeta através dos meios. Para garantir o construto identitário do Tem o mérito de trazer para o campo da edu- aluno, ou seja, o exercício pleno de suas cação os códigos culturais que os alunos têm funções políticas, produtivas e culturais, am- acesso em seu cotidiano. bos os projetos precisam estar atentos a toda Dito de forma simples, o Telecurso repre- uma complexa compleição que articula a senta exatamente o produto final de uma so- noção de cidadania. Seria necessário desco- ciedade que atravessa aceleradas mudanças brir um princípio unificador dentro da nação tecnológicas sobrevivendo aos seus próprios que seja válido aos interesses e vontades co- antagonismos. É a cara do Brasil rural, po- muns. No entanto, a sombra obscura da for- voado de antenas parabólicas, cuja popula- mação cultural brasileira persiste e é preciso ção permanece sentada em uma praça qual- aprender a lidar com ela. quer, sem escolas, assistindo a última tele- Pensando na convivência pacífica se chega novela. Melodramas reais, cujos enredos en- à intersecção dos dois projetos que mais am- fatizam as nossas contradições econômico- bicionam a formação social brasileira. A co- sociais, as passividades do presente, a guerra mum união em torno de um mesmo ponto. permanente e sem solução entre as elites e o A aceitação de que a sociedade atual se- povo. ria o palco inequívoco de uma sociedade É também no Telecurso que a sociedade civil mediada pelo consumo e pela infor- brasileira descobre que nenhum programa de mação. Dessa forma, a flexibilidade plá- televisão é poderoso o suficiente para en- stica da formação brasileira, defendida por terrar a realidade desigual que a sustenta. SILVA (1996), estaria sendo reconhecida e A televisão serve, no caso, para lembrar ao exaltada. Nem a escola, nem as instituições, telespectador que existe uma sociedade de podem prescindir de incorporar ao processo consumo de massas, estratificada, onde dois de formação cultural do povo brasileiro, o mundos convivem e se alternam contradito- seu imaginário. O projeto normatizador ne- riamente: o pensado e o vivido. Já a nor- cessita integrar os fios que tecem a ficção e matização dos PCN existem, e é bom que a realidade, de maneira cuidadosa, para con- existam, para lembrar a todos que é possí- seguir articular uma amálgama definitiva li- vel à construção de um mundo mais igual. gando educação e imaginário. Descartando, Um mundo povoado de sujeitos sociais, con- portanto, a preocupação de formar apenas e victos de seu papel na construção de um através da racionalidade sábia, a serviço da Estado de direito democrático. Cumprem a humanização da vida. sua função de tentar harmonizar, de maneira Mas qual imaginário é esse que parece simples, as dimensões simbólicas da socie- estar em permanente conflito? Talvez seja o dade, com seus processos produtivos e ope- imaginário que surge na relação direta que o racionais. Nesse caso, ele existe para nor- país mantém com a televisão, com os meios www.bocc.ubi.pt
  • 10. 10 Maria das Graças Pinto Coelho matizar um projeto nacional e abrangente de das as diversidades culturais apontadas, tam- formação educacional. bém lhe diz respeito no processo educacional No entanto, pode se afirmar que a adoção brasileiro. Resta saber como ele se enquadra dos Parâmetros segue na contramão do mer- nessa missão. cado. “O pensamento elitista da identi- dade nacional começa, assim, a afastar-se 6 Contrapontos do território - que inclui povo e natureza -, voltando-se para valores transnacionais, ad- Este trabalho teve a preocupação de atribuir vindos do “Outro”, definido como centrali- sentidos aos vídeos de modo que eles fos- dade hegemônica do capital” SODRÉ (2000, sem apreendidos como qualquer outro mate- p.130). Ainda segundo SODRÉ (op. Ci- rial educacional. O que significa dizer que tada), a virada do milênio revive o século de- eles são matizados pelos valores, convicções zenove, quando as elites nacionais selavam e interesses daqueles que os desenvolvem. seu pacto perpetuo e faziam um grande es- Não podem, portanto, ser encarados como forço de europeização a título de resgate de produtos neutros. Eles se apropriem tanto sua identidade pessoal e coletiva, fora das dos valores presentes no campo midiático, bases da política comunitária tradicional. como dos valores educacionais. A linha de A parte mais relevante dos PCN é a argumentação sobre a natureza do material sua originalidade. No sentido da gênese. apresentado nesse estudo atravessou valores Eles articulam um novo compromisso com econômicos, históricos, estéticos, técnicos, a história da formação social do povo bra- organizacionais, culturais, de produção ori- sileiro. Seu arrojo reside na proposta que entada, e ideológicos. Enquanto todos os resgata o construto de cidadania, a partir da critérios citados foram claramente importan- re-construção de uma noção de identidade tes para a sua concepção, o caráter ideoló- nacional. Rompe com a inércia da escola que gico da programação analisada sustentou a esteve por muito tempo paralisada diante da tensão analítica.. abrangência e sofisticação dos meios de in- O locus midiático, as Organizações formação e comunicação. Redime o sistema Globo, recoloca os conceitos de ideologia nacional de educação de haver passado ao e hegemonia no foco central da análise. largo, por várias décadas, da discussão que Mesmo porque, como foi dito anteriormente, envolve cultura de consumo de massas. eles tipificam o papel dos meios de comu- Os PCN trabalham no sentido de encon- nicação na sociedade atual. É exatamente trar um equilíbrio entre formação e cultura nesse campo onde se situa a mistificação das de massas. Pensam a expansão dos meios de relações de poder nas sociedades. A hege- comunicação e informação como fato social, monia se define pelo modo como as clas- código e instituição. Por outro lado, o pro- ses dominantes mantêm suas posições atra- jeto que se utiliza dos meios de comunicação vés do consentimento popular, moldado na para aumentar a escolaridade dos trabalha- representação que os meios fazem das clas- dores brasileiros, o Telecurso 2000, também ses não hegemônicas. Dessa forma, o campo teve que se enquadrar nas normas para pros- midiático produz associações simbólicas e seguir ocupando um espaço que, reconheci- www.bocc.ubi.pt
  • 11. Plasticidade social ou construção de identidade? 11 retóricas onde as ideologias se manifestam apresentam uma mesma estrutura narrativa e de forma definida e concreta. discursiva que se perfila em um alto valor As ideologias, como já foi sugerido, são estético sem maiores compromissos com o reproduzidas sistematicamente através das processo histórico do qual eles fazem parte. estruturas midiáticas. Os meios são persis- No entanto, a contenção e a invisibili- tentes modelos de cognição, interpretação, dade dadas às diversidades brasileiras na representação, de seleção, ênfase e exclusão, programação analisada, em contrapartida a em cuja simbologia se organizam rotineira- ampla cobertura que é dada à plasticidade so- mente discursos verbais e/ou visuais, com- cial, é proporcional e sintomática da grande prometidos com a manutenção do status so- invisibilidade, a falta de transparência, que cial dominante. persiste na estrutura social do Brasil. Do Significativamente, e independente das in- ponto de vista histórico, vale lembrar que a tenções manifestas nos documentos oficiais única real tentativa de refletir nossas diversi- do Telecurso 2000, a programação analisada dades na educação, do ponto de vista institu- não foge à regra no que diz respeito a repro- cional, foi feita agora, pós PCNs. dução ideológica em discussão. O discurso é Por outro lado, quando o Telecurso 2000 construído a partir da visão do produtor. Re- é pensado através do seu caráter formativo, vendo as lições de História - 1 a 8 - que se é preciso acrescentar, em primeira mão, que organizam em torno de um discurso politica- as formas de vida social interpostas na pro- mente correto por não imprimir preconceitos gramação não se sobrepõem, não podem ser em relação às etnias e culturas, sutilmente, a interpretadas como um princípio superior ao supremacia ideológica se confirma. A narra- estágio de desenvolvimento econômico que tiva que reconstitui a história pessoal de cada mapeia a sociedade brasileira. O Telecurso é um dos brasileiros esconde a diversidade cul- apenas um programa supletivo de educação tural e sócio-econômica de sua formação. O à distância produzido para aumentar a esco- brasileiro que sai do Rio de Janeiro para o in- laridade do trabalhador que não teve acesso terior da Bahia para resgatar sua história não à escola ou a freqüentou menos do que o tér- tem sotaque nordestino, desconhece as diver- mino do primeiro ciclo fundamental. sidades regionais e se perde como persona- No entanto, devido as suas engrenagens de gem amorfo de um mesmo padrão de quali- elaboração, produção e circulação, já citadas dade “global”. em situações anteriores, ele se expande en- Na história que conta o passado escravo- quanto mito. Há algumas correntes que de- crata brasileiro não se ressaltam as iniqüi- fendem a educação à distância por ela ser dades sofridas pelo negro, como tampouco mais barata e fácil de se multiplicar. Essa se compara o passado com o presente. Não premissa pode ser verdadeira desde que o existe uma identidade negra a ser ressaltada modelo invista em material pedagógico de e as diversas etnias brasileiras são retratadas qualidade e em um professor disponível para como sendo únicas, ou melhor, integradas. trabalhar junto com o aluno esse material em E assim se desenrolam os programas recor- tempo integral. Então, nessa perspectiva, o tados para a análise. São produtos cindidos mito do projeto econômico se esvai. Um entre a estética e a formação social. Todos www.bocc.ubi.pt
  • 12. 12 Maria das Graças Pinto Coelho professor bem formado, em tempo integral, 7 Referências custa caro. CASTELLS, Manoel. Critical Education in Um projeto de formação social que deseje the New Age. Laham Md: Rowman & alcançar objetivos compatíveis com a escola Litlefield, 1999. de formação integral precisa separar o mito da realidade. O real na intenção de se fazer CASTELLS, Manoel. O poder da identi- educação de massas de qualidade não dis- dade. Tradução Klauss Brandini Ger- pensa a relação professor/aluno. Por outro hardt. São Paulo: Paz e Terra, 2001. lado, o mito da técnica também se espalha como um totem, recrutado para se expan- BRASIL, Ministério da Educação e do Des- dir em todos os significados construídos. O porto. Secretaria de Educação Funda- caráter performático dos meios é usado de mental. Parâmetros curriculares nacio- forma exaustiva. Essa substituição, ou des- nais. Brasília: MEC/SEF, 1997. locamento da intenção educativa em favor da performance midiática, é mais observada FAORO, Raymundo. Os donos do poder: quando se juntam os dois projetos: o de for- formação do patronato político brasi- mação - o Telecurso 2000 - e o culturalista leiro. Porto Alegre: Globo, 1976. das Organizações Globo, descrito várias ve- FIESP/SESI. Telecurso 2000: ensino suple- zes pela empresa, e comentado por inúme- tivo/treinamento. São Paulo, 1996. ros cientistas sociais, cuja marca é o “padrão Globo de qualidade”. FIESP/SESI. Fundamentos e diretrizes do Porque daí surge um produto híbrido Telecurso 2000. São Paulo, 1994. muito bem ressaltando em suas nuances ideológicas. Que em nenhuma hipótese pode FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. ser culpado por reproduzir um mesmo im- Rio de Janeiro: José Olympio, 1961. passe social vigente. Uma marca consta- FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO / FE- tada em todos os programas analisados é a DERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO da assunção técnica da programação. De ESTADO DE SãO PAULO - Telecurso todo modo, “o padrão Globo de qualidade” 2000. São Paulo: 1993 (datilografado). sabe exatamente o que a audiência quer. Os símbolos culturais arregimentados na pro- FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO / FE- gramação do Telecurso fazem sentido do DERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ponto de vista do telespectador. Preenchem ESTADO DE SãO PAULO - Caderno o imaginário nacional diariamente e conse- de capacitacao I: Conhecendo o Tele- guem monopolizar a audiência. Resta ende- curso 2000. Rio de Janeiro: Fundação reçar, no entanto, a expectativa do público Roberto Marinho, 1999. para um projeto de formação social, suple- tivo, ou não. Nessa perspectiva, poderia se HALL, Stuart. Questions of cultural identity. ver credenciado o processo de construção de Thousand Oaks. Sage, 1996. cidadania nacional, proposto pelos Parâme- tros Curriculares Nacionais. www.bocc.ubi.pt
  • 13. Plasticidade social ou construção de identidade? 13 HALL, Stuart. The emergence of cultural studies and the crises of the humanities. London: Cultural Studies, 1997. HOLANDA, Sérgio. Visão do paraíso. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1959. MARSHALL, T.H. Citizenship and Social Class, London: Pluto Press, 1967. SILVA, Juremir Machado. Os anjos da per- dição: futuro e presente na cultura bra- sileira. Porto Alegre: Sulina, 1996. SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identi- dade, povo e mídia no Brasil. Petrópo- lis, RJ: Vozes, 1999. www.bocc.ubi.pt