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Contribuição para a Audiência Pública CVM n° 07/08:
Disclosure da Remuneração dos Administradores
Luiz Nelson Porto Araujo*
Texto para Discussão
2009-03
Março 2009
* Economista. Sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Ex-professor do Departamento de Planejamento e Análise
Econômica da EAESP-FGV e do Departamento de Economia da FCCA da Universidade Mackenzie. O autor agradece os
comentário e sugestões de Cláudia Regina Belucio Araujo. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do
autor e não refletem, necessariamente, a opinião da Delta Economics & Finance. Nenhuma responsabilidade deve ser
atribuída à Delta. Todos os erros remanescentes são de responsabilidade do autor. Email: lnelson@deltaef.com.
Os Textos para Discussão da Delta são divulgados exclusivamente para fins de discussão e comentários. Eles não foram
revisados, inclusive pela Diretoria da Delta que o faz no caso de publicações oficiais da empresa.
© 2009 de Luiz Nelson Porto Araujo. Todos os direitos reservados. Pequenas citações do texto, não excedendo cinco
parágrafos, podem ser citadas sem permissão explícita do autor, desde que o crédito, inclusive © seja dado à fonte.
Índice
1 Introdução 1
2 Proposta da CVM, Disclosure e Remuneração dos Administradores no Brasil 2
2.1 Proposta da CVM 3
2.2 Disclosure 5
3 Governança e Remuneração dos Administradores: Casos 7
3.1 CODIM 12
3.2 Comissão Europeia 14
3.3 SEC 16
4 Separação da Propriedade e Controle e o Problema de Agência 19
4.1 Natureza da Firma 19
4.2 Propriedade e Controle 19
4.3 Problema de Agência 20
4.4 Remuneração dos Administradores 21
5 Governança Corporativa 21
5.1 Fundamentos 22
5.2 Mecanismos de Controle 24
5.3 Princípios da Boa Governança Corporativa 27
6 Disclosure 28
6.1 Conceitos 28
6.2 Importância do Disclosure 29
6.3 Disclosure e Confiabilidade da Informação 30
6.4 Disclosure e Relação com Investidores 30
7 Remuneração dos Administradores 30
7.1 Incentivos 31
7.2 Implicações da Teoria de Agência e do Modelo de Torneio 31
7.3 Contratos de Remuneração dos Administradores 32
7.4 Efeito Tamanho 33
7.5 Privilégios e Mordomias (Perquisites) 33
8 Conclusões 35
9 Bibliografia 37
Sumário
O objetivo deste artigo é contribuir para a Audiência Pública n° 07/08, da Comissão de Valores Mobi-
liários (CVM), que tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores mobiliários admiti-
dos à negociação em mercados regulamentados." Esta Audiência Pública colocou em discussão uma
"minuta de Instrução que estabelece as regras de registro de emissores de valores mobiliários admitidos
à negociação em mercados regulamentados."
A CVM está especialmente interessada em obter manifestações quanto aos seguintes temas: (i)
âmbito de aplicação da minuta; (ii) categorias de emissores de valores mobiliários; (iii) obrigação de
manter uma página na rede mundial de computadores; (iv) prazos para entrega de obrigações periódicas;
(v) atas do conselho fiscal; (vi) demonstrações financeiras de emissores estrangeiros auditadas; (vii)
conteúdo do Formulário de Referência; (viii) remuneração dos administradores; e (ix) regras de adapta-
ção para emissores estrangeiros. Em resumo, a minuta da CVM sobre o disclosure de informações refe-
rente à política de remuneração dos administradores foi baseada em práticas regulatórias adotadas em
outras jurisdições, que podem contribuir para fortalecer, ainda mais, os mecanismos de controle da go-
vernança vigente no Brasil.
Esta contribuição trata, especificamente, da "remuneração dos administradores". A contribuição
baseia-se em modelos teóricos, na evidência empírica e na experiência internacional sobre o tema para
analisar um conjunto de proposições e concluir sobre a minuta elaborada pela CVM. Neste sentido,
busca escapar de pseudo argumentos sobre o tema discutido, do senso comum que pode induzir a con-
clusões destituídas de fundamentos.
Inicialmente, é importante situar a contribuição no contexto da separação do controle e propriedade,
que gera um problema de agência entre os acionistas (proprietários) e os administradores da firma. Isto,
por sua vez, implica na busca de estruturas de governança corporativas ótimas. A discussão sobre go-
vernança ganhou proeminência na última década e, atualmente, dois temas tem sido objeto de estudos e
discussões mais amplas. O primeiro trata da importância da transparência (disclosure) corporativa, que
é globalmente aceita. O segundo trata da remuneração dos administradores. A evidência empírica cada
mais ampla sobre a "economia da remuneração dos administradores" está baseada, principalmente, no
tema do alinhamento dos interesses destes agentes com os dos acionistas.
As principais conclusões deste artigo são as seguintes: (i) a iniciativa da CVM é positiva e deve ser
apoiada; (ii) o ordenamento jurídico brasileiro sobre a remuneração dos administradores é, surpreenden-
temente, ultrapassado; (iii) a jurisprudência também precisa ser atualizada; (iv) a demanda por disclo-
sure de informações sobre a condução do negócio, e sobre a remuneração dos administradores, não é
recente, apesar de ter-se aprofundado desde a sequência de escândalos corporativos iniciados com a
Enron Corporation e WorldCom; (v) no âmbito da atual crise financeira global diversas iniciativas bus-
cam não apenas fortalecer os mecanismos de governança corporativa, mas, em particular, aumentar o
disclosure de informações sobre a remuneração dos administradores; (vi) considerações sobre a especi-
ficidade da sociedade e economia brasileira são, sem dúvida, importantes; (vii) existe a necessidade e
utilidade da divulgação da remuneração individual dos administradores; (viii) não existem alternativas
tão eficientes quanto a divulgação da remuneração individual; (ix) um regime em que a remuneração
fosse divulgada por órgão, e que somente fosse divulgada a remuneração individual dos três adminis-
tradores mais bem remunerados não é suficiente para identificar distorções; (x) as informações sobre a
remuneração dos administradores contidas no Formulário de Referência são, de fato, úteis para o inves-
tidor e devem ser adotadas; e (xi) as informações referentes aos planos de previdência sugeridas na
minuta da CVM podem ser consideradas adequadas e também devem ser adotadas.
JEL Codes: G30, G34, G38, L25
Keywords: Governança Corporativa, Remuneração dos Administradores, Disclosure, CVM, Incentivos
1
1 Introdução
O objetivo deste artigo é contribuir para a Audiência Pública n° 07/08, da Comissão de Valores Mobi-
liários - CVM, que tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores mobiliários admiti-
dos à negociação em mercados regulamentados." Esta Audiência Pública colocou em discussão uma
"minuta de Instrução que estabelece as regras de registro de emissores de valores mobiliários admitidos
à negociação em mercados regulamentados."
Esta contribuição trata, especificamente, da "remuneração dos administradores". A contribuição
baseia-se em modelos teóricos, na evidência empírica e na experiência internacional sobre o tema para
analisar um conjunto de proposições e concluir sobre a minuta elaborada pela CVM. Neste sentido,
busca escapar de pseudo argumentos sobre o tema discutido, do senso comum que pode induzir a con-
clusões destituídas de fundamentos.
Os modelos utilizados partem do problema de agência (decorrente da separação da propriedade e
controle) e das suas implicações para a estruturação de uma moderna governança corporativa. A discus-
são sobre este tema ganhou proeminência na última década e, atualmente, duas dimensões tem sido
objeto de estudos e discussões mais amplas. A primeira trata da importância da transparência (disclosure)
corporativa. A segunda aborda a remuneração dos administradores. A evidência empírica cada mais,
ampla sobre a "economia da remuneração dos administradores" está baseada, principalmente, no tema
do alinhamento dos interesses destes agentes com os dos acionistas.
Por fim, é importante ressaltar que modelos teóricos e a evidência empírica demonstram que, em
geral, maior disclosure aumenta o valor da firma e a capacidade de os acionistas entenderem e, eventu-
almente, questionarem a condução do negócio pelos administradores.
Uma parte importante da minuta de proposta elaborada pela CVM trata do disclosure da remune-
ração dos administradores. Este disclosure é um dos principais temas em discussão, atualmente, na es-
fera acadêmica, empresarial e regulatória. Outros reguladores, em países desenvolvidos e emergentes,
já procederam a ajustes significativos no ordenamento até então vigente sobre este tema. Estes ajustes,
ainda continuam a ser discutidos, em função de eventos importantes para a avalição das estruturas de
governança corporativa existentes.
No Brasil, o ordenamento jurídico estabelece que informações sobre a remuneração e benefícios
dos administradores deve constar das atas de assembleias de acionistas. Assim, em princípio, estas in-
formações existem e são públicas. O problema é que a norma é ineficiente: na prática, a obtenção desta
informação é difícil, devido à baixa transparência. De fato, pode-se dizer que existe um hiato no disclo-
sure de informações ao mercado em geral, que deve ser eliminado a partir das demandas regulatórias,
do cumprimento do dever de informar pelas firmas e do monitoramento pelos acionistas.
O atual Código de Governança Corporativa elaborado pelo IBGC continua a ser uma referência
importante no mercado brasileiro. No entanto, é omisso em relação as melhores práticas de disclosure
da política de remuneração dos administradores. A proposta em discussão no CODIM é importante ao
abordar o disclosure da política de remuneração dos administradores. No entanto, ela também é limitada
ao considerar que apenas a divulgação da "remuneração atribuída a cada grupo" é suficiente para infor-
mar adequadamente aos acionistas e outras partes interessadas.
A discussão de conceitos e princípios relacionados à separação da propriedade e controle e a carac-
terização do problema de agência decorrente são importantes para situar a discussão sobre o disclosure
da remuneração dos administradores no âmbito da moderna teoria econômica e enfatizar a necessidade
destas informações serem disponibilizadas aos acionistas e aos demais stakeholders. De fato, a principal
conclusão da teoria da agência é que os administradores não irão maximizar o retorno dos acionistas a
menos que uma estrutura de governança apropriada seja implementada, de modo a assegurar os interes-
ses destes agentes, especialmente no caso de grandes firmas.
A governança corporativa é um dos suportes dos mais importantes mercados de capitais do mundo.
Os princípios fundamentais da moderna governança corporativa incluem: (i) disclosure apropriado de
informação ao mercado como um todo; (ii) proteção dos recursos da firma de transações discricionárias
2
com partes relacionadas; (iii) adoção de melhores práticas na constituição de conselhos e no seu moni-
toramento; (iv) remuneração e indenização justas para os administradores; (v) gestão de conflitos de
interesse e (vi) processo decisório sensato e transparente.
A transparência financeira, definida como o disclosure de informações financeiras pela firma, é um
dos princípios fundamentais de qualquer boa prática de governança corporativa. O disclosure não con-
tem apenas a parcela da informação que é regulada pelo ordenamento jurídico vigente, mas também a
veiculação de toda informação que possa ser útil para a tomada de decisões pelo acionista e por outras
partes interessadas. Assim, o disclosure pode ser tanto compulsório como voluntário.
Por fim, em qualquer discussão sobre a remuneração dos administradores é fundamental ressaltar
a importância dos incentivos, dos contratos de remuneração e das explicações a respeito do uso de pri-
vilégios e mordomias nas firmas. Esta discussão também sugere a dificuldade de se analisar a estrutura
de remuneração no Brasil devido à carência de informações que, por sua vez, decorre do baixo disclosure.
Este artigo está organizado em oito seções, além desta introdução, da seguinte forma. A seção 2
resume a minuta da proposta da CVM para a Audiência Pública 07/08, o ordenamento jurídico sobre o
disclosure de informações referente à remuneração dos administradores no Brasil e um estudo recente
que, dentre outros, também aborda este tema. A seção 3 apresenta alguns casos – nacionais e internaci-
onais – sobre governança e remuneração: (i) CVM, (ii) IBGC, (iii) CODIM, (iv) Comissão Europeia,
(v) SEC, (vi) IIF e vii) Austrália. A seção 4 trata da das implicações da separação da propriedade e
controle e apresenta o problema de agência, que expressa o conflito de interesses entre os acionistas e
dos administradores. A seção 5 resume algumas das principais características da governança corporativa.
A seção 6 analisa o disclosure de informações pelas firmas, a necessidade de se fortalecer a demanda
compulsória por informações e o papel da convergência para as normas internacionais de contabilidade
sobre o nível de transparência. A seção 7 trata da remuneração dos administradores e identifica o papel
dos incentivos e as características dos contratos de compensação. Por fim, a seção 8 apresenta as prin-
cipais conclusões.
2 Proposta da CVM, Disclosure e Remuneração dos Administradores no Brasil
O objetivo desta seção é resumir um subconjunto da proposta da CVM, aquele que trata do disclosure
da remuneração dos administradores, e situá-la no atual ordenamento brasileiro. Este disclosure é um
dos principais temas em discussão, atualmente, na esfera acadêmica, empresarial e regulatória.1
É fundamental, para referenciar a análise posterior, ressaltar que a governança corporativa adquiriu
relevância no ambiente empresarial nas duas últimas décadas: de fato, a própria expressão era raramente
utilizada até meados dos anos 80. Com o colapso da Enron Corporation e outras empresas de grande
visibilidade surge uma demanda por mecanismos de governança corporativa mais sofisticados. A polí-
tica de remuneração, como um dos principais temas da governança corporativa, é um dos mais impor-
tantes elementos do sucesso empresarial. Ela não apenas condiciona o comportamento dos principais
executivos, mas também tem efeitos sobre os "tipos" de executivos que ela atrai.
Mais recentemente, esta política tem sido objeto de avaliação em inúmeras jurisdições: iniciativas
públicas e privadas, em economias desenvolvidas e emergentes, buscam avaliar, questionar e propor
alternativas às políticas vigentes. Estas iniciativas, em grande parte, decorrem dos questionamentos re-
lacionados ao desempenho das empresas – particularmente, as grandes – e o valor da remuneração paga
aos administradores. É neste contexto que deve ser entendida esta Audiência Pública e a sua importância.
1. Outros reguladores, em países desenvolvidos e emergentes, já procederam a ajustes significativos no ordenamento até
então vigente sobre este tema. Estes ajustes, ainda continuam a ser discutidos, em função de eventos importantes para a avalição
das estruturas de governança corporativa existentes.
3
2.1 Proposta da CVM
O Edital de Audiência Pública n° 07/08, tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados." O edital está dividido em dez partes:
(i) introdução; (ii) estrutura da minuta; (iii) o modelo; (iv) as categorias de emissores; (v) as obrigações
de informação do emissor; (vi) o formulário de referência; (vii) a qualidade e a apresentação das infor-
mações; (viii) informações estruturadas x texto livre; (ix) emissores em situação especial; (x) emissores
com grande exposição ao mercado; (xi) questões em que a CVM está especialmente interessada e (xii)
encaminhamento de comentários e sugestões.
A Audiência Pública colocou em discussão uma "minuta de Instrução que estabelece as regras de
registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados.2
A
Minuta, quando transformada em norma, substituirá a Instrução CVM n° 202, de 06/12/1993, "bem
como seções e dispositivos de outras normas da CVM que tratam da obtenção de registro de emissores
de valores mobiliários e da prestação de informações periódicas e eventuais, consolidando a matéria,
hoje dispersa em várias Instruções da CVM, numa só Instrução." Segundo a CVM,
"os principais objetivos da Minuta são: i) consolidar as regras que tratam de registro de
emissor de valores mobiliários, de modo que os procedimentos de registro, suspensão e can-
celamento sejam idênticos para todos os emissores; ii) criar 3 categorias de emissores de
valores mobiliários de acordo com (a) os tipos de valores mobiliários admitidos à negociação
e (b) os mercados em que tais valores mobiliários são admitidos à negociação; iii) estabelecer
regimes de prestação de informações adequados a cada uma das categorias criadas; iv) me-
lhorar a qualidade das informações periódicas prestadas por emissores de valores mobiliá-
rios; v) assegurar um padrão uniforme entre as informações regularmente prestadas pelos
emissores de valores mobiliários e aquelas que são, ocasionalmente, divulgadas nos prospec-
tos das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários e vi) tornar possível que deter-
minados emissores, desde que atendam a certos pré-requisitos, tenham seus pedidos de regis-
tro de ofertas de distribuição aprovados com maior celeridade."
A Minuta está organizada em 64 artigos, divididos em nove capítulos,3
da seguinte maneira: (i) catego-
rias de emissor de valores mobiliários; (ii) pedido de registro de emissor de valores mobiliários; (iii)
obrigações do emissor; (iv) regras especiais; (v) deveres dos administradores e controladores; (vi) can-
celamento de registro; (vii) multas cominatórias; (viii) penalidades e (ix) disposições gerais e transitórias.
Além desta Minuta, a CVM pretende colocar em audiência pública uma proposta de alteração da
Instrução CVM n° 400, de 29/12/2003: "A minuta alteradora da Instrução CVM n 400/03, estabelecerá
prazos diferenciados para análise de registro de ofertas de distribuição a depender do status do emissor
e de sua opção por incorporar, por referência ou não, as informações periódicas e eventuais já dispo-
níveis."
A CVM está especialmente interessada em obter manifestações quanto aos seguintes pontos: (i)
âmbito de aplicação da Minuta; (ii) categorias de emissores de valores mobiliários; (iii) obrigação de
manter uma página na rede mundial de computadores; (iv) prazos para entrega de obrigações periódicas;
(v) atas do conselho fiscal; (vi) demonstrações financeiras de emissores estrangeiros auditadas; (vii)
2. Conforme a CVM "as regras contidas na Minuta são aplicáveis a todos os emissores de valores mobiliários admitidos
à negociação em mercados regulamentados no Brasil, inclusive estrangeiros, com exceção apenas dos fundos de investimento,
clubes de investimento e sociedades beneficiárias de recursos oriundos de incentivos fiscais, que permanecem sujeitos a regu-
lamentação específica da CVM."
3. Além dos nove capítulos que compõem o corpo principal da Minuta, há sete anexos, que definem os documentos que
devem instruir o pedido de registro de emissor de valores mobiliários, determinam o conteúdo dos formulários que compõem
as informações periódicas, e contêm regras específicas para determinados emissores.
4
conteúdo do Formulário de Referência; (viii) remuneração dos administradores e (ix) regras de adapta-
ção para emissores estrangeiros.
Remuneração dos Administradores
Com relação à este tema, a principal preocupação da CVM diz respeito ao "nível adequado de transpa-
rência sobre a remuneração dos administradores." Ela "não tem dúvidas de que é necessário um avanço
grande nesta matéria, tendo em vista que atualmente a informação pública é bastante parca." Em par-
ticular, ela está interessada em "saber a opinião do mercado sobre a conveniência e necessidade de se
exigir que a informação sobre remuneração de administradores seja prestada de maneira individual
(por administrador) ao invés de por órgão da administração."
Segundo a CVM "compreender a remuneração dos administradores é importante por, pelo menos,
dois motivos. Primeiro, é necessário identificar com clareza o custo da administração para o emissor.
Em outras palavras, interessa para o emissor e para o investidor saber quanto dinheiro é gasto, abran-
gendo todas suas diversas formas, para que as atividades do emissor sejam geridas."
Com relação à política de remuneração a minuta da CVM apresenta várias proposições, dentre elas:
1) "a estrutura e política de remuneração [...] evidenciam o regime de incentivos a que estão sujeitos
os administradores. É por meio da remuneração que o emissor incentiva os seus administradores a
privilegiarem ações de curto, médio ou longo prazo e a perseguirem metas estabelecidas pela organi-
zação"; 2) "a remuneração também pode ser estruturada de maneira que se equilibrem incentivos de
curto e longo prazo. Portanto, é importante para o investidor saber não somente o montante global da
despesa, mas também entender como ela é dividida e quais as métricas que a influenciam"; 3) "a estru-
tura de remuneração pode variar entre administradores de uma mesma companhia e esta pode ser uma
informação relevante para o investidor" e 4) "as melhores práticas internacionais ditam que se deve
buscar nível elevado de transparência nas informações sobre remuneração e programas de incentivos
dos membros do conselho de administração e dos diretores mais importantes."
A CVM ressalta que diversos países, dentre eles a França e os Estados Unidos, exigem que as
informações sobre remuneração e programas de incentivo sejam prestadas individualmente para os prin-
cipais executivos. Por outro lado, ela entende que, ao menos, três argumentos devem ser levados em
consideração quando se avalia a especificidade do caso brasileiro. Primeiro, "[...] que nós somos cultu-
ralmente diferentes de países que exigem que a remuneração seja aberta em nível individual." Segundo,
"[...] que emissores de valores mobiliários competem com vários outros empregadores por profissionais
qualificados." Por fim, "[...] que, em um país com os índices de violência encontrados no Brasil, é te-
merária a ampla divulgação de informações sobre a remuneração individual de administradores."
É neste contexto que a "CVM deseja garantir a proporcionalidade das exigências de divulgação
sobre remuneração de administradores entre as diferentes categorias de emissores. Por isso, o Formu-
lário de Referência traz, para a categoria capital/bolsa, informações individualizadas e, para a cate-
goria capital/ balcão, informações consolidadas por órgão." Assim, ela busca contribuições para os
seguintes temas:
"i) sobre a necessidade e utilidade da divulgação da remuneração individual dos administra-
dores, mesmo que apenas para a categoria capital/bolsa? ii) há meios alternativos e tão efi-
cientes quanto a divulgação da remuneração individual para, de um lado, se identificar os
objetivos da estrutura de remuneração da administração e, de outro, fiscalizar a eficácia e
razoabilidade dessa remuneração? e iii) um regime em que a remuneração fosse divulgada
por órgão, e que somente fosse divulgada a remuneração individual dos três administradores
mais bem remunerados seria suficiente para identificar distorções? Se sim, seria necessário
identificar esses indivíduos?"
Para determinar o que seria exigido no Formulário de Referência,
5
"[...] a CVM buscou inspiração em outras jurisdições, notadamente os Estados Unidos, cuja
organização do mercado pode ser diferente da brasileira. Por isso, o Formulário de Referên-
cia pode conter informações que não são relevantes na estrutura de remuneração de admi-
nistradores brasileiros ou, ainda que relevante, pode existir uma maneira de se pedir tal in-
formação de modo que os resultados sejam mais úteis ao investidor."
Um exemplo particular diz respeito aos "planos de previdência privada e outros arranjos contratuais
que beneficiam o administrador quando ele deixa de exercer o seu cargo [...]." Apesar das normas da
SEC serem extremamente minuciosas sobre este tema, a CVM reconhece não ter informação suficiente
sobre a relevância deste tipo de informação no mercado brasileiro. Por essas razões, ela também busca
contribuições para o seguinte:
"i) as informações sobre a remuneração dos administradores contidas no Formulário de Re-
ferência são úteis para o investidor? ii) há outras informações que deveriam ser incluídas no
Formulário de Referência? e iii) há aspectos típicos do mercado brasileiro que poderiam ser
mais bem detalhados no Formulário de Referência? Em especial, a CVM pediu as informa-
ções sobre planos de previdência da maneira mais adequada?"
Em resumo, a minuta da CVM sobre o disclosure de informações referente à política de remuneração
dos administradores foi baseada em práticas regulatórias adotadas em outras jurisdições, que podem
contribuir para fortalecer, ainda mais, os mecanismos de controle da governança vigente no Brasil.
2.2 Disclosure
No ordenamento brasileiro, o dever de informar está disposto no §4° do art. 157 da Lei n° 6.404/1976:
"Art. 157, §4 Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediata-
mente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembleia
geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus
negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de
vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia."
O conjunto de informações que os administradores fornecem aos acionistas e a outras partes interessadas
(os chamados stakeholders), representa os Documentos da Administração, conforme previsto no art. 133
da Lei n° 6.404/1976. Este conjunto é formado pelo Relatório da Administração,4
pelas Demonstrações
Financeiras (Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício, Demonstração das Origens
e Aplicação dos Recursos, Demonstração do Lucro ou Prejuízo Acumulado e Demonstração das Muta-
ções do Patrimônio Líquido) com Notas Explicativas e pelo Parecer dos Auditores Independentes.
A Lei n° 11.638, sancionada em 28/12/2007, com vigência a partir de 01/01/2008, alterou a parte
contábil da Lei n° 6.404/1976 e a Lei n° 6.385, de 07/12/1976 e introduziu significativos avanços à
contabilidade. No que diz respeito ao conjunto de informações a lei passou a exigir, além das demons-
trações financeiras anteriormente previstas (Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exer-
cício e Demonstração do Lucro ou Prejuízo Acumulado), os seguintes demonstrativos: Demonstração
dos Fluxos de Caixa (em substituição à Demonstração das Origens e Aplicação dos Recursos) e De-
monstração do Valor Adicionado (somente para as companhias abertas).
4. O Relatório da Administração não é parte das demonstrações financeiras propriamente ditas, mas a lei exige a apresen-
tação desse relatório, que deve evidenciar, dentre outros, os negócios sociais e principais fatos administrativos ocorridos no
exercício, os investimentos em outras empresas, a política de distribuição de dividendos e de reinvestimento de lucros.
6
Apesar do disposto na Lei e em normativos da CVM, e de outros reguladores setoriais, a qualidade
do disclosure no Brasil ainda é insuficiente quando comparada àquela observada em outras jurisdições.
Esta insuficiência ainda persiste mesmo levando-se em consideração o esforço permanente destes agen-
tes no sentido de assegurar o cumprimento das normas pelas firmas.
Em resumo, existe um hiato no disclosure de informações ao mercado em geral, que deve ser eli-
minado a partir das demandas regulatórias, do cumprimento do dever de informar pelas firmas e do
monitoramento pelos acionistas.
2.3 Remuneração dos Administradores: Ordenamento Jurídico e Evidência
No Brasil, a determinação da remuneração de administradores ou conselheiros fiscais deve seguir o
disposto no art. 152, caput, da Lei n° 6.404/1976:
"Art. 152. A assembleia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos
administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo
em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e repu-
tação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.
§1°. O estatuto da companhia que fixar o dividendo obrigatório em 25% (vinte e cinco por
cento) ou mais do lucro líquido, pode atribuir aos administradores participação no lucro da
companhia, desde que o seu total não ultrapasse a remuneração anual dos administradores
nem 0,1 (um décimo) dos lucros (artigo 190), prevalecendo o limite que for menor.
§2°. Os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em
relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o artigo
202."
Um estudo recente elaborado pela KPMG e o Centro de Estudos em Governança Corporativa - CEG, da
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) intitulado "A Governança
Corporativa e o Mercado de Capitais: Uma Comparação Atual das Corporações Brasileiras na Bo-
vespa e nas Bolsas Norte-Americanas" partiu do pressuposto de que "entender como as empresas bra-
sileiras vêm evoluindo na adesão às chamadas melhores práticas de governança é um item fundamental
para o aprimoramento do mercado de capitais brasileiro."
O estudo consistiu em uma análise das práticas de governança das empresas brasileiras emissoras
de ADRs Níveis 2 e 3, sujeitas às exigências do Lei Sarbanes-Oxley Act (SOX), de 2002, e as regras
das Bolsas norte-americanas, especificamente a Bolsa de Nova Iorque e a NASDAQ, tendo por base as
informações contidas no Relatório Anual 20-F, além de 100 empresas que compunham o Novo Mercado
da Bovespa na data de referência do estudo. Para esta análise foi aplicado um questionário com 43
perguntas relativas aos temas de Conselho de Administração, Comitês do Conselho, Conselho Fiscal,
Código de Ética e Conduta, Auditorias Interna e Independente, Gestão de Riscos, Política de Dividen-
dos, Transações com Partes Relacionadas, Remuneração dos Administradores e Controle Acionário. As
duas principais conclusões do estudo sobre o disclosure da política de remuneração são as seguintes:5
primeiro,
"cerca de metade (45%) das empresas com ADRs possuem comitês de remuneração (ou simi-
lares com o mesmo propósito) do Conselho de Administração. Para as empresas do Novo
Mercado, este percentual se mostrou substancialmente inferior (20%), bem como para o
5. As perguntas feitas sobre este tema foram: 1) a empresa fornece uma estimativa clara da remuneração paga à Diretoria
Executiva, ao menos de forma agregada? 2) a empresa fornece uma estimativa clara da remuneração paga ao Conselho de
Administração, ao menos de forma agregada? e 3) a empresa fornece uma estimativa clara da proporção entre a remuneração
fixa e variável paga aos seus executivos (% de Remuneração Fixa e % de Remuneração Variável)?
7
grupo de empresas sorteadas (11%). A composição dos comitês de remuneração ainda se
mostra distante da recomendação de, ao menos, uma maioria de conselheiros independentes.
Para os três grupos, observou-se uma proporção apenas cerca de 30% de conselheiros inde-
pendentes nesses comitês."
Segundo,
"A transparência sobre o sistema de remuneração dos administradores é outro tema crítico
de governança a ser aprimorado no País. Apenas cerca de 12% das empresas emissoras de
ADRs divulgam separadamente os montantes pagos às suas Diretorias Executivas no período.
A informação da remuneração da equipe de gestão foi ainda menor para o grupo do Novo
Mercado (5%) e para o grupo sorteado (2%). Em relação à remuneração do Conselho de
Administração, menos de 10% das empresas dos três grupos divulgam os montantes pagos
separadamente a todos os conselheiros de forma agregada no período. Por fim, menos de 3%
das empresas dos três grupos divulga de forma clara a proporção paga entre as remunerações
fixa e variável aos seus executivos no período."
Em resumo, o estudo, com base na amostra e no questionário aplicado (bastante limitado no que diz
respeito à política de remuneração), deixa claro a baixa preocupação que as firmas possuem com o
disclosure sobre a política de remuneração dos seus administradores.
3 Governança e Remuneração dos Administradores: Casos
O objetivo desta seção é resumir alguns casos que tratam do disclosure da remuneração dos administra-
dores no âmbito do fortalecimento da governança corporativa da firma. A expectativa é que as informa-
ções sobre estes casos possam contribuir para a decisão da CVM sobre o tema. Os casos estudados são
os seguintes: (i) CVM, (ii) IBGC, (iii) CODIM, (iv) Comissão Europeia, (v) SEC, (vi) IIF e (vii) Aus-
trália.
3.1 CVM
A Lei n° 6.385/1976, quanto ao dever de divulgar e a veiculação de informações relevantes ao mercado,
estabeleceu o seguinte:
"Art. 8 Compete à Comissão de Valores Mobiliários: III - fiscalizar permanentemente as ati-
vidades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o artigo 1, bem como a
veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam, e aos valo-
res nele negociados."
[...]
"Art. 22. [...]
§1°. Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas aplicáveis às Companhias
Abertas sobre: VI - a divulgação de deliberações da assembleia geral e dos órgãos de admi-
nistração da companhia, ou de fatos relevantes ocorridos nos seus negócios, que possam in-
fluir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar
valores mobiliários emitidos pela companhia."
Em diversas oportunidades, desde a sua constituição, a CVM manifestou-se sobre governança corpora-
tiva e a remuneração dos administradores. No entanto, o fez limitada estritamente pelo disposto na lei
8
societária, o que é correto, mas desconsiderou inovações regulatórias em outras jurisdições, o que aca-
bou por atrasar a discussão deste tema no mercado de capitais brasileiro.
Em junho de 2002, a CVM divulgou uma cartilha intitulada "Recomendações da CVM sobre Go-
vernança Corporativa". Esta cartilha apresenta as suas recomendações sobre as boas práticas de gover-
nança corporativa. Segundo ela,
"A adoção de tais práticas comumente significa a utilização de padrões de conduta superiores
aos exigidos pela lei, ou pela regulamentação da própria CVM. Por isto, esta cartilha não
constitui uma norma cujo descumprimento seja passível de punição pela CVM." No entanto,
"sem prejuízo do que acima se afirmou, a CVM exigirá brevemente a inclusão nas informações
anuais das companhias abertas de indicação do nível de adesão às práticas aqui recomenda-
das, na forma "pratique ou explique", isto é, ao não adotar uma recomendação, a companhia
poderá explicar suas razões."
Nesta cartilha, a CVM define como governança corporativa "[...] o conjunto de práticas que tem por
finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais
como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de
governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equi-
dade de tratamento dos acionistas e prestação de contas." Ainda segundo ela, "a adoção de boas prá-
ticas de governança corporativa constitui, também, um conjunto de mecanismos através dos quais in-
vestidores, incluindo controladores, se protegem contra desvios de ativos por indivíduos que têm poder
de influenciar ou tomar decisões em nome da companhia."
A Instrução CVM n° 358, de 03/01/2002,6
dispôs sobre a divulgação e uso de informações sobre
ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de informações na negoci-
ação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta,
estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato
relevante não divulgado ao mercado (revogando as disposições anteriores neste sentido). Mais recente-
mente, a Instrução CVM n° 449, de 15/03/2007, alterou a Instrução CVM n 358/02. As modificações
objetivam aprimorar as regras da instrução anterior quanto a: (i) divulgação de informações relativas à
negociação de valores mobiliários e à aquisição de participação igual ou superior a 5% de ações de
emissão de companhia aberta e (ii) vedações para negociação de ações de companhia aberta na pendên-
cia de fato relevante não divulgado ao mercado.
Na prática, a CVM deparou-se em diversas oportunidades com a necessidade de julgar recursos
administrativos, direta ou indiretamente, relacionados ao disclosure da política de remuneração dos ad-
ministradores. Dois exemplos, recentes, ilustram as incertezas e insuficiências normativas com as quais
a autarquia se deparou.
Primeiro, o Processo CVM RJ 2004/5792 - REG. COL n° 4505/2004, que trata de recurso inter-
posto pelo Sr. Luiz Otávio Nunes West, ex-conselheiro fiscal da Cia. Vale do Rio Doce em face de
decisão proferida pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP), em 27/08/2004, constante
do Ofício/CVM/SEP/GEA-1/n 326/04, atinente ao Processo CVM RJ 2004/2885. Conforme histórico
do diretor-relator,
"em 27/04/04, foi protocolada reclamação pelo então conselheiro fiscal da CVRD, versando
sobre a obstacularização da Companhia em fornecer informações e documentos relativos à
forma e ao montante individual de distribuição da remuneração global dos administradores,
bem como formulando consulta da taxatividade do parâmetro de 10% estabelecido no artigo
162, §3, da Lei n 6404/76, a título de remuneração dos conselheiros fiscais."
6. Com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 369, de 11/06/2002.
9
Em 27/08/2004, foi enviado ao Sr. Luiz Otávio Nunes West o Ofício/CVM/SEP/GEA-2/n° 326/04, "in-
formando-o do entendimento da SEP quanto à taxatividade do parâmetro estabelecido pelo artigo 162,
§3, da Lei n 6404/76, bem como de que, em razão do exercício de sua função fiscalizadora, cumpria
aos membros do Conselho Fiscal a ciência da média da remuneração da Diretoria." Em 17/09/2004, o
Reclamante interpôs recurso contra o entendimento da SEP, o que originou a instauração do presente
processo. Dentre outras solicitações, "[...], aguarda a manifestação da SEP quanto à competência e
legitimidade de membro do Conselho Fiscal para requerer informações detalhadas acerca da remune-
ração individual atribuída a cada membro da administração de determinada companhia." Mediante
Memo/CVM/SEP/GEA-2/n° 138/04, datado de 04/10/2004, a GEA-2 apresentou as seguintes conside-
rações: "[...] o pedido do Recorrente não versa sobre a média da retribuição da diretoria, mas acerca
da remuneração individual de cada membro da administração, extrapolando suas prerrogativas funci-
onais como membro do Conselho Fiscal, e seu direito pessoal, conforme disposto no §3º do artigo 162
da Lei n° 6.404/76." No voto, de 07/12/2004, o diretor-relator entendeu que o Reclamante
"formulou consulta à SEP sobre (i) a legitimidade dos membros do conselho fiscal, à luz do
que determina o art. 163 da Lei n 6404/76, para requerem à companhia informações sobre a
remuneração individual atribuída a cada administrador, detalhada por natureza." [...] "Ade-
mais, requereu fosse solicitada à CVRD informações acerca da forma e os critérios para a
distribuição da remuneração dos administradores da companhia, sobre a remuneração indi-
vidual mensal de cada administrador dessa sociedade (detalhada por natureza e acompa-
nhada de seus registros contábeis), solicitando, ainda, cópia da ata da reunião do conselho
de administração, que cuidou da distribuição da remuneração global e do montante individu-
almente distribuído a cada administrador da companhia em questão."
Inicialmente, o diretor-relator observou que a SEP não deixou
"[...] de se manifestar sobre a questão da legitimidade dos conselheiros fiscais de requererem
informações sobre a remuneração dos administradores. De fato, aquela área técnica posici-
onou-se no sentido de que, no exercício da função fiscalizadora, aos membros do conselho
fiscal cabe, unicamente, a ciência da média da remuneração da Diretoria (por considerar tal
informação suficiente para se determinar a remuneração à que fazem), não concordando com
a ideia de que tais conselheiros podem solicitar informações mais detalhadas sobre a remu-
neração de cada um dos administradores da companhia."
O diretor-relator discordou deste posicionamento pelos motivos resumidos a seguir. Primeiro, a "Lei n
6404/76, ao delimitar, em seu art. 163, a competência do conselho fiscal das companhias, atribui a esse
órgão funções fiscalizadora (incisos I, IV e VI) e opinativa (incisos II, III e VII), bem como obrigações
de convocar assembleias gerais em determinadas hipóteses (inciso V) e de exercer suas atribuições
durante eventual liquidação da companhia." Além disso,
"com o intuito de garantir o efetivo exercício dessas atribuições, a lei societária determinou,
no §1 do art. 163, que os órgãos da administração, no prazo de 10 e 15 dias, respectivamente,
têm de colocar à disposição dos membros em exercício do conselho fiscal cópias das atas de
suas reuniões, além de cópias dos balancetes e demais demonstrações financeiras e, quando
houver, dos relatórios de execução de orçamento."
Assim, observou o diretor-relator que "[...] independentemente de qualquer pleito dos membros do con-
selho fiscal, devem os administradores, obrigatoriamente, disponibilizar a esses conselheiros, no prazo
legal, os documentos acima indicados."
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Segundo, "a Lei das S/A garante a esse órgão o direito de requerer aos órgãos da administração,
a pedido de qualquer de seus membros, esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua
função fiscalizadora, bem como a elaboração de demonstrações financeiras ou contábeis especiais (cf.
art. 163, §2, da Lei n 6404/76)."
Portanto, ponderou o diretor-relator
"no exercício de sua função fiscalizadora, um conselheiro fiscal tem interesse não só de veri-
ficar a adequação do valor por ele percebido ao patamar mínimo da lei, como, eventualmente,
a regularidade, legal e estatutária, da remuneração global e individual de cada um dos ad-
ministradores da companhia." E concluiu afirmando que "[...] para o cumprimento deste mis-
ter, entendo que os membros do conselho fiscal, individualmente, são legitimados a solicitar
informações detalhadas sobre a remuneração atribuída a cada um dos administradores de
uma companhia."
Segundo, o Processo Administrativo n RJ2007/4598 - Reg. Col. N° 5510/2007, que trata do questiona-
mento pelo acionista Yehuda Waisberg da licitude da acumulação, pelos controladores ou por pessoas
a eles relacionadas, de cargos de administração em empresas controladas pelo Banco Mercantil S.A.
Após analisar o assunto, a SEP e a PFE concluíram que: "[...] não houve violação ao art. 274 da
Lei n 6404/76, que trata da remuneração de administradores de sociedades integrantes de grupo de
direito." Inconformado com esse entendimento, o Reclamante apresentou recurso ao colegiado, no qual
alegou que:
"[...] (ii) o art. 152 da Lei nº 6.404/76 estabelece que a remuneração dos administradores
deve levar em conta o tempo dedicado às suas funções, sendo, portanto, absurdo o acúmulo
de salários integrais em diversas diretorias e conselhos de empresas controladas; e (iii) o
Banco Mercantil S.A. mantém contratos de gestão com suas controladas, pelos quais assume
atividades de gestão dessas últimas, o que comprovaria que os administradores da controla-
dora que recebem simultaneamente salários integrais na controladora e em outras empresas
do grupo estariam sendo remunerados duplamente."
Na introdução do seu voto, de 13/05/2008, o relator observou que
"embora o recurso apresentado seja intempestivo, acredito que este caso não deva ser arqui-
vado, pois lida com assuntos cuja apreciação pelo colegiado pode se mostrar bastante útil
para futuras decisões desta autarquia. Além disso, como demonstrarei, parece-me que as in-
vestigações procedidas pela SEP poderiam ter sido mais extensas, e que, se o tivessem sido,
poderiam ter levado a conclusão diversa da que se chegou durante a análise inicial destes
autos."
Apesar de concordar com a SEP e a PFE de que não há nada na legislação societária que vede objetiva-
mente a acumulação de cargos de administração e de remunerações, o relator observou que
"[..] a investigação procedida pela SEP neste caso deveria ter sido mais abrangente e que, se
o tivesse sido, as conclusões decorrentes poderiam ter sido outras." Dentre outras razões, "[...]
porque a matéria não se esgota na análise formal das normas relativas ao preenchimento dos
órgãos administrativos e à remuneração de seus membros. Ela vai mais além, abrangendo
também comandos que impõem obrigações substanciais de conduta aos controladores, nota-
damente o abuso de poder de controle."
11
Após inúmeras considerações o relator concluiu que, de fato, segundo sua averiguação dos autos "[...] a
SEP não investigou se a remuneração dos administradores do Grupo Mercantil foi fixada "tendo em
conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profis-
sional e o valor dos seus serviços no mercado". Restringiu-se à análise do cumprimento das regras
formais."
Em resumo, apesar de todas as inovações introduzidas desde a adoção da Lei n° 6404/1976, e da
jurisprudência correlata, no tocante à normatização do disclosure de informações sobre a política de
remuneração dos administradores, a limitação imposta pelo ordenamento jurídico vigente no Brasil –
uma economia globalizada, onde a competição por mercados e recursos escassos é cada vez mais intensa
–, acabou por inserir uma verdadeira "lacuna de desempenho" na eficiência da norma escrita e no julga-
mento de questionamentos sobre este tema.
Na minuta para a Audiência Pública a própria CVM reconhece que "a remuneração dos adminis-
tradores é matéria sobre a qual [...] tem pouca experiência prática. Isto porque, tudo que se divulga
atualmente é a remuneração global, sem qualquer segregação, assim não há como contar com a expe-
riência do órgão para determinar quais os meios mais adequados de pedir informações para que os
resultados sejam os mais úteis possíveis para o investidor." No entanto, ela acredita que "sob o ponto
de vista quantitativo, as normas contábeis internacionais têm avançado bastante nesse campo e as re-
gras brasileiras refletirão tal avanço."
3.2 IBGC
O Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), fundado em 27/11/1995, tinha o obje-
tivo de fortalecer a atuação desse órgão de supervisão e controle nas empresas. Posteriormente, as pre-
ocupações se ampliaram para questões de propriedade, diretoria, conselho fiscal e auditoria indepen-
dente. Assim, em 1999 foi criado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, com o ob-
jetivo de promover a governança corporativa no Brasil, sendo o principal fomentador das práticas e
discussões sobre o tema no país.
Em maio de 1999 o IBGC publicou o primeiro código sobre governança corporativa no Brasil. Este
código segue a tendência global de se estruturarem referências de melhores práticas para as firmas.
Atualmente, o código do IBGC está em sua terceira versão. A primeira, de maio de 1999, concentrou-
se principalmente no Conselho de Administração, em seu funcionamento, composição e atribuições. A
segunda versão, de abril de 2001, consolidou os argumentos técnicos ao princípio da equidade entre os
diferentes acionistas. Ele também passou a abordar todos os agentes da governança corporativa: Conse-
lho de Administração, Conselho Fiscal, administradores, auditoria independente. Por fim, tratou do prin-
cípio da prestação de contas (accountability) e discutiu conflitos de interesse e ética. A terceira versão,
de março de 2004, destacou o princípio de responsabilidade corporativa. Conforme esta versão, "o ob-
jetivo central deste Código é indicar caminhos para todos os tipos de sociedades – por ações de capital
aberto ou fechado, limitadas ou civis – visando a: aumentar o valor da sociedade, melhorar seu desem-
penho, facilitar seu acesso ao capital a custos mais baixos e contribuir para sua perenidade."
Para o IBGC os princípios básicos que inspiram este Código são: transparência, equidade, prestação
de contas (accountability) e responsabilidade corporativa. Com relação à transparência, "a comunicação
não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar também os demais
fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e que conduzem à criação de valor." A
equidade "caracteriza-se pelo tratamento justo e igualitário de todos os grupos minoritários, sejam do
capital ou das demais "partes interessadas" (stakeholders), como colaboradores, clientes, fornecedores
ou credores. Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis."
A accountability expressa que "os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua
atuação a quem os elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem no exercício de
seus mandatos." Por fim, com relação à responsabilidade corporativa os "conselheiros e executivos de-
vem zelar pela perenidade das organizações (visão de longo prazo, sustentabilidade) e, portanto, devem
12
incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. Respon-
sabilidade Corporativa é uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando todos os re-
lacionamentos com a comunidade em que a sociedade atua."
Com relação à transparência (disclosure) a terceira versão do Código sugere que "o executivo prin-
cipal (CEO) deve prestar todas as informações que sejam pertinentes, além das que são obrigatórias
por lei ou regulamento, tão logo estejam disponíveis, e a todos os interessados, prevalecendo a subs-
tância sobre a forma." Além disso, "a Diretoria deve buscar a clareza e objetividade das informações,
por meio de linguagem acessível ao público-alvo." Por último,
"as informações devem ser equilibradas e de qualidade, abordando tanto os aspectos positi-
vos quanto os negativos, para facilitar ao leitor a correta compreensão e avaliação da socie-
dade. Toda informação que possa influenciar decisões de investimento deve ser divulgada
imediata e simultaneamente a todos os interessados. Internet e outras tecnologias devem ser
exploradas para buscar a rapidez e larga difusão de tais informações."
Com relação à remuneração dos administradores o Código entende que
"A remuneração da Diretoria deve estar estruturada de forma a vincular-se a resultados, por
meio de incentivos inteligentes e coerentes, para que seu desempenho coincida com o que seja
melhor para a sociedade e para os sócios. A remuneração deve ser estabelecida de forma a
criar os incentivos apropriados para a geração de valor a longo prazo, e isso se aplica não
só à Diretoria, mas aos funcionários em todos os níveis da Sociedade. As organizações devem
ter um procedimento formal e transparente para desenvolver sua política de remuneração e
estabelecer o pacote de salários de seus executivos. Nenhum diretor deve estar envolvido em
qualquer decisão que abranja sua própria remuneração. Opções de compra de ações da com-
panhia a preços descontados devem ser evitadas. Os sistemas de avaliação e remuneração
devem ter um caráter de longo prazo, além de uma simetria de riscos que não permita atitudes
que beneficiem a Diretoria em detrimento dos acionistas. O sistema de remuneração, por
exemplo, deve ser suficientemente atrativo, sem excessos, sempre considerando o potencial
de geração de valor ao acionista. A estrutura de incentivos deve incluir um sistema de freios
e contrapesos que indique os limites de atuação de cada agente, evitando que uma mesma
pessoa controle o processo decisório e a sua respectiva fiscalização."
Atualmente, o conteúdo do Código está sendo revisto por um comitê composto por associados do IBGC
e será submetido à audiência pública antes de sua publicação. A expectativa é que ele contemple inova-
ções introduzidas no período recente em outras jurisdições, além de desenvolvimentos teóricos e o re-
sultado da evidência empírica sobre temas da governança corporativa.
Em resumo, o atual Código de Governança Corporativa elaborado pelo IBGC continua a ser uma
referência importante no mercado brasileiro. No entanto, é omisso em relação as melhores práticas de
disclosure da política de remuneração dos administradores.
3.1 CODIM
O Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (CODIM)
"é uma iniciativa conjunta de entidades representativas do mercado de capitais, e tem por
função discutir e sugerir a utilização das melhores formas de divulgação de informações das
companhias abertas para os seus mais diferentes usuários, através de pronunciamentos de
orientação a serem produzidos e disseminados no mercado por todas as entidades participan-
tes direta ou indiretamente deste comitê e de apoios a outros documentos e/ou iniciativas que
13
sirvam também para atingir os seus objetivos. Esta iniciativa objetiva a padronização das
melhores práticas de divulgação e, portanto, se propõe a ajudar no desenvolvimento do mer-
cado de capitais do país."
A missão do CODIM inclui "a elaboração de pareceres de orientação que devem alinhar as Melhores
Práticas de Divulgação, estabelecendo princípios básicos e a utilização de recursos tecnológicos com-
patíveis com as necessidades dos agentes do mercado de capitais." Conforme definido no seu Regula-
mento Interno, cada tema é discutido e aprovado pelos membros do Comitê,7
que são responsáveis pela
elaboração de minuta para uma audiência, inicialmente restrita junto às instituições membros e, em se-
guida, pública.
Atualmente, uma minuta de Pronunciamento de Orientação, trata da "política de divulgação da
remuneração dos administradores, necessidade de padronização de procedimentos para sua elabora-
ção, como forma de contribuir para a adoção de boas práticas de governança corporativa que fortale-
çam critérios de confiança e o desenvolvimento do mercado." Esta política se aplica a todos os admi-
nistradores, sejam eles conselheiros de administração ou diretores. Também se aplica a eventuais remu-
nerações e incentivos concedidos aos administradores, através de empresas coligadas ou controladas, no
Brasil ou no exterior. Conforme a minuta,
"os públicos estratégicos da companhia têm o direito de saber o valor da remuneração per-
cebida pelos administradores das companhias investidas, bem como de que forma está sendo
conduzida a política de remuneração, pois estas informações são fundamentais na avaliação
da gestão, e como consequência na precificação destas companhias. Por esta razão as infor-
mações sobre a remuneração dos administradores, sejam elas fixas ou variáveis, bem como
sobre a política de bônus, devem ser apresentadas de forma adequada para a análise dos
investidores. O desafio consiste em se conseguir informar de forma completa e de fácil acesso
ao investidor."
A proposta do CODIM tem um duplo objetivo. Primeiro, "elaborar um modelo de divulgação que seja
salutar para o desenvolvimento do mercado de capitais, levando em consideração que a transparência
sobre os incentivos e horizonte visados pelos administradores nas decisões tomadas, e sobre o poder
de retenção e atração de talentos, constitui ponto fundamental na decisão dos investidores em aportar
recursos e distinguir entre as companhias." Segundo, "considerar a sensibilidade do risco sofrido pelo
administrador ao divulgar sua remuneração."
Segundo o CODIM a boa governança compreende: (i) transparência, (ii) divulgação do maior nú-
mero de informações, (iii) divulgação de todo o tipo de remuneração e não apenas, conforme a Lei, o
seu montante global aprovado e (iv) a implementação de um Comitê de Remuneração. Com relação às
formas de remuneração a minuta propõe
"uma completa descrição dos pacotes de remuneração dos conselheiros de administração e
dos diretores da companhia [que] pode ser feita em dois grupos, conselheiros e diretores, ou
se a companhia achar adequado, individualmente, e ainda separando os membros indicados
pelo grupo controlador dos outros, sempre separando a parte fixa da parte variável, devendo
7. O Comitê é formado pela: Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA); Associação de Investidores no
Mercado de Capitais (AMEC); Associação Brasileira dos Bancos de Investimento (ANBID); Associação Nacional das Corre-
toras de Valores, Câmbio e Mercadorias (ANCOR); Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de
Capitais (APIMEC); BM&F Bovespa - Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros; Conselho Federal de Contabilidade (CFC);
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON) e Insti-
tuto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI). Participa ainda do Comitê, na qualidade de membro observador, a Co-
missão de Valores Mobiliários (CVM).
14
discriminar entre outros, os valores pagos a título de: a) salários; b) bônus; c) todos os be-
nefícios baseados em valores mobiliários, em especial os baseados em ações; d) gratificações
de incentivo; e) pagamentos projetados em programas de aposentadoria e afastamento; f)
contratos de consultoria entre a companhia, sociedade controlada ou coligada, e sociedade
controlada por administradores e g) outros benefícios diretos e indiretos, de curto, médio e
longo prazos."
A minuta também considera fundamental a explicitação, clara, dos critérios utilizados para definir e para
efetivamente remunerar os administradores da firma. Por fim, considera que "as informações sobre os
valores pagos devem ser divulgadas na forma de tabela contendo os últimos anos, [...] totalizando a
remuneração atribuída a cada grupo, para possibilitar um comparativo adequado entre a evolução da
remuneração dos administradores e das atividades da companhia."
Em resumo, a proposta do CODIM é importante ao abordar o disclosure da política de remuneração
dos administradores. No entanto, ela é limitada ao considerar que apenas a divulgação da "remuneração
atribuída a cada grupo" é suficiente para informar adequadamente aos acionistas e outras partes interes-
sadas.
3.2 Comissão Europeia
Em maio de 2003, a Comissão Europeia adotou uma comunicação intitulada "Modernising Company
Law and enhancing Corporate Governance in the European Union – A Plan to Move Forward". Dentre
as várias propostas para fortalecer os direitos dos acionistas e modernizar o Conselho de Administração,
esta comunicação propôs uma iniciativa para encorajar a adoção de um regime regulatório apropriado
para a remuneração dos administradores das firmas dos Países Membros.
Em sequência, a Comissão divulgou a Recommendation 2004/913/EC, de 14/12/04, "Fostering an
Appropriate Regime for the Remuneration of Directors of Listed Companies", que está organizada da
seguinte forma. A seção I trata do escopo e definições da Recomendação. A seção II trata da política de
remuneração (remuneration policy) e discute (i) disclosure da política de remuneração dos administra-
dores (disclosure of the policy on directors' remuneration) e (ii) voto dos acionistas (shareholders' vote).
A seção III trata da remuneração individual (remuneration of individual firectors) e discute, essencial-
mente, o disclosure da remuneração individual dos administradores (disclosure of the remuneration of
individual directors). A seção IV trata da remuneração baseada em ações (share-base remuneration) e
discute, essencialmente, a aprovação pelos acionistas (shareholders' approval). Por fim, a seção V trata
da divulgação de informações (information) e disposições finais (final provisions).
Segundo o entendimento da Comissão, a forma, a estrutura e o nível da remuneração dos adminis-
tradores é da competência das firmas e dos seus acionistas. Assim, facilita-se o recrutamento e a retenção
de administradores talentosos para gerir a firma. No entanto, ela entende que "remuneration is one of
the key areas where executive directors may have a conflict of interest and where due account should
be taken of the interests of shareholders. Remuneration systems should therefore be subjected to appro-
priate governance controls, based on adequate information rights."
A Recomendação também observa que o
"disclosure of accurate and timely information by the issuers of securities builds sustained
investor confidence and constitutes an important tool for promoting sound corporate govern-
ance throughout the Community. To that end, it is important that listed companies display
appropriate transparency in dealings with investors, so as to enable them to express their
views."
Assim, a proposta da Comissão Européia é que os
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"shareholders should be provided with a clear and comprehensive overview of the company's
remuneration policy. Such disclosure would enable shareholders to assess a company's ap-
proach to remuneration and strengthen a company's accountability to shareholders. It should
include elements related to compensation. This should not, however, oblige the company to
disclose any information of a commercially sensitive nature which could be detrimental to the
company's strategic position."
A Comissão entende que a transparência adequada dos contratos referentes à política de remuneração
dos administradores deve ser assegurada a todas as partes interessadas. Isto inclui, inclusive, o disclosure
de informação sobre aviso prévio, indenizações e outros temas diretamente relacionados à remuneração
destes agentes. Para que os acionistas possam tem a oportunidade de expressar seus pontos de vista e
debaterem a política de remuneração com base em uma ampla política de disclosure, a Recomendação
sugere que esta política seja um item específico da agenda da assembleia geral anual da firma. E, de
modo a aumentar a accountability, esta política deveria ser submetida à votação nesta mesma assem-
bleia.
Mais ainda, com relação à extensão das informações, a Comissão recomenda que os
"shareholders should also be provided with the information on the basis of which they can
hold individual directors accountable for the remuneration they earn or have earned. Disclo-
sure of the remuneration of individual directors of the company, executive and non-executive
or supervisory directors, in the preceding financial year is therefore important to help them
appreciate the remuneration in the light of the overall performance of the company."
Por fim, adotando uma proposta também observada em outras jurisdições a Comissão sugere que
"variable remuneration schemes under which directors are remunerated in shares, share op-
tions or any other right to acquire shares or to be remunerated on the basis of share price
movements, and any substantial change in such schemes, should be subject to the prior ap-
proval of the annual general meeting. The approval should relate to the scheme of remunera-
tion and the rules applied to establish the individual remuneration under the scheme but not
to the individual remuneration of directors under the scheme."
Mais recentemente, em outubro de 2008, o Presidente da European Commission, José Manuel Barroso,
encarregou Jacques de Larosière de liderar um grupo de trabalho sobre o futuro da regulação e supervi-
são financeira na Europa. O relatório final (Larosière (2009)), dentre outros temas, identificou as se-
guintes causas da atual crise financeira: (i) temas macroeconômicos, (ii) gestão de risco, (iii) papel das
agências de rating, (iv) "falências" da governança corporativa e (v) "falências" na regulação, supervisão
e gestão da crise. Segundo o relatório as "falências" da governança corporativa são "[…] one of the most
important failures of the present crisis." Na avaliação do grupo de trabalho,
"remuneration and incentive schemes within financial institutions contributed to excessive
risk-taking by rewarding short-term expansion of the volume of (risky) trades rather than the
long-term profitability of investments. Furthermore, shareholders' pressure on management
to deliver higher share prices and dividends for investors meant that exceeding expected quar-
terly earnings became the benchmark for many companies' performance."
Para o grupo de trabalho,
"the crisis has launched a debate on remuneration in the financial services industry. There
are two dimensions to this problem: one is the often excessive level of remuneration in the
16
financial sector; the other one is the structure of this remuneration, notably the fact that they
induce too high risk-taking and encourage short-termism to the detriment of long-term per-
formance. Social-political dissatisfaction has tended recently to focus, for understandable
reasons, on the former. However, it is primarily the latter issue which has had an adverse
impact on risk management and has thereby contributed to the crisis. It is therefore on the
structure of remuneration that policy-makers should concentrate reforms going forward.
E, conclui, que "it is extremely important to re-align compensation incentives with shareholder interests
and long-term, firm-wide profitability. Compensation schemes must become fully transparent. Industry
has already come up with various sets of useful principles to try and achieve this. The principles agreed
in 2008 by the Institute of International Finance, for example, are a first step."
Em resumo, a Comissão Europeia, desde o início da década, manifestou o seu entendimento de que
é fundamental a adoção de um regime regulatório apropriado para a remuneração dos administradores,
enfatizando o disclosure individual das informações relevantes, de modo a facilitar a avalição pelos
acionistas da correlação entre o desempenho da firma e a remuneração paga aos seus gestores.
3.3 SEC
O disclosure compulsório da remuneração dos executivos remonta ao Securities Act de 1933 e ao Secu-
rities Exchange Act de 1934.8
Ambos estes Acts detalharam os requisitos de disclosure, nas declarações
elaboradas pela firma, para as remunerações pagas aos seus administradores. Após a aprovação destes
Acts, a mudança seguinte nos requisitos de disclosure deu-se em 1938, quando passou a ser obrigatório
nos proxy statements.9
Com a nova regulação, as firmas poderiam escolher entre um formato "tabular"
ou "narrativo", ou uma combinação de ambos.
O disclosure da remuneração continuou a evoluir com o formato tabular sendo exigido a partir de
1978 para todos os componentes da remuneração.10
McGahran (1988) relata que as regras de disclosure
de 1978 combinadas com o monitoramento crescente do Internal Revenue Service sobre os privilégios
e mordomias (perquisites) levou à substituição destes por salários e bônus. Então, em 1983, a Securities
and Exchange Commission - SEC reverteu o requisito e limitou o disclosure tabular e fortaleceu aquela
em forma narrativa.11
Em 1992, a SEC novamente reverteu a norma e retornou ao formato quase estri-
tamente tabular, com limites ao disclosure narrativo.12
A opacidade dos disclosures foi um tema imensamente debatido na imprensa e pelos acionistas até
2004, quando a SEC iniciou uma discussão formal sobre a necessidade de se alterar o disclosure da
remuneração dos executivos.13
Para tratar o disclosure limitado dos privilégios e mordomias a SEC pro-
pôs, em 27/01/2006, o Executive Compensation and Related Party Disclosure. Em resumo, as modifi-
cações propostas em 2006 derivaram do escrutínio crescente pela imprensa e pelos acionistas dos bene-
fícios concedidos aos executivos e objetivaram aumentar a transparência sobre a remuneração, especi-
almente aquela "disfarçada" sob a forma de perquisites, planos e pensão e benefícios pós-aposentado-
ria.14
8. Item 14 do Schedule A do Securities Act of 1933 e Section 12(b) do Securities Exchange Act of 1934.
9. Release n 34-1823, de 11/08/1938.
10. Uniform and Integrated Reporting Requirements: Management Remuneration, Release n° 33-6003, de 04/12/1978.
11. Disclosure of Executive Compensation, Release n° 33-6486, de 23/09/1983.
12. Executive Compensation Disclosure, Release n° 33-6962, de 16/10/1992.
13. Neste ano, Allen Beller, diretor da Division of Corporation Finance of the Security and Exchange Commission, fez um
discurso onde referenciou diversas vezes o disclosure of perquisites. Em particular, o discurso mencionou a caracterização
adequada de despesas referentes ao negócio da firma (business expenses); também mencionou a necessidade de se divulgar o
uso de aviões e automóveis para fins pessoais. O tema geral do discurso foi que diversas firmas adotam disclosures que não
fornecem informações adequadas aos acionistas.
14. A SEC dá os seguintes exemplos de perquisites: "club memberships not used exclusively for business entertainment
17
Em 11/08/2006, a SEC finalmente emendou os requisitos de disclosure existentes para a remune-
ração dos administradores. As regras finais (Rules) estão dispostas na SEC Releases 33-8732 e 34-
54302. Os requisitos refentes à divulgação de opções de ações foram revisados na SEC Releases 33-
8765 e 34-55009, ambas de 22/12/2006. As regras foram exigidas a partir de 15/12/2006.
As novas Rules exigem um disclosure da política de remuneração significativamente diferente da-
quele até então adotado pelas firmas e revisam, de forma completa, o conteúdo disponibilizado ao regu-
lador e ao mercado. Outras modificações importantes sobre o disclosure dizem respeito à transações
com partes relacionadas, independência dos membros do Conselho de Administração, outros temas de
governança corporativa e detenção de participações acionárias pelos administradores. As Rules se apli-
cam ao disclosure em proxy statements, registration statements e outras submissões junto à SEC (como,
por exemplo, Form 8-K).
O propósito das Rules é permitir um disclosure detalhado e completo da remuneração paga aos
administradores. Sob as Rules, o disclosure da remuneração no Item 402 da Regulation S-K é estruturado
em quatro segmentos: (i) uma Compensation Discussion and Analysis apresenta, em forma de narrativa,
a política de remuneração e as decisões tomadas sob estas políticas; (ii) uma Summary Compensation
Table e uma tabela suplementar para prêmios permitem uma visão da remuneração total paga, incluindo
o valor de qualquer benefício sob a forma de ações concedidas/exercidas no futuro; (iii) duas novas
tabelas fornecem mais informação sobre os benefícios concedidos sob a forma de ações e sobre valores
realizados em decorrência do exercício de ações no ano e (iv) novas tabelas tratam de benefícios de
aposentadoria e outras compensações diferidas, por administrador, e exigem estimativas para o evento
de rescisão contratual ou mudança de controle da firma.
Em resumo, as novas Rules exigem o seguinte: 1) "companies are required to present a new man-
agement Compensation Discussion and Analysis, in addition to a revamped compensation committee
report"; 2) a "Summary Compensation Table is expanded to include a total compensation column and
a column showing the increase in value of pension plan benefits and above-market earnings on non-
qualified defined-contribution and other deferred compensation plan benefits"; 3) a "Summary Com-
pensation Table is supplemented by a new table requiring disclosure for all plan-based awards"; 4)
"new disclosures are added about the value of equity grants when made and when exercised"; 5) o
"disclosure of perks is expanded and made more detailed"; 6) o "disclosure of post-employment com-
pensation is expanded, including two new retirement/deferred compensation tables providing more de-
tailed information and new narrative disclosure of severance and change in control benefits"; 7) o
"principal financial officer is included as a named executive officer, even if not in the top five officers
by compensation"; 8) "director compensation is disclosed on a summary compensation table with foot-
notes"; 9) "all disclosures are in plain English"; 10) "disclosure about compensation committee govern-
ance and operations is expanded" e 11) "disclosure of transactions with related persons is expanded,
although the threshold for disclosure is raised from $60,000 to $120,000."
Na avalição de Andrews et al. (2009) "these results suggest that the SEC’s expanded disclosure
requirements are informative and useful to capital market investors in their attempts to detect the mis-
appropriation of firm resources by weakly governed firms."
Em resumo, apesar da tradição norte-americana desde o século passado privilegiar o disclosure da
política de remuneração dos administradores, foi apenas a partir de meados desta década que os requi-
sitos de disclosure foram aprofundados e detalhados. Atualmente, o arcabouço regulatório daquele mer-
cado, sobre este tema, pode ser considerado um dos mais completos do mundo.
purposes, personal financial or tax advice, personal travel using vehicles owned or leased by the company, personal travel
otherwise financed by the company, personal use of other property owned or leased by the company, housing and other living
expenses (including but not limited to relocation assistance and payments for the executive or director to stay at his or her
personal residence), security provided at a personal residence or during personal travel, commuting expenses (whether or not
for the company’s convenience or benefit), and discounts on the company’s products or services not generally available to
employees on a non-discriminatory basis."
18
3.6 IIF
No âmbito da atual crise financeira global uma outra iniciativa particularmente relevante para a discus-
são do tema objeto desta Audiência Pública e, em particular, sobre a remuneração dos administradores,
foi feita pelo Institute for International Finance (IIF). Em julho de 2008 este Instituto divulgou um
relatório sobre "melhores práticas" de governança corporativa. O objetivo do relatório foi analisar a
contribuição da governança para a surgimento da crise.
Dentre outras, foi objeto de avaliação as políticas de remuneração dos administradores.15
Segundo
o relatório, "market evolution related to the originate-to-distribute model and the growth of structured
products led some firms to apply compensation incentives that exacerbated the weaknesses that contrib-
uted to the market turmoil." Uma seção do documento apresenta sugestões para o realinhamento dos
incentivos concedidos aos executivos. Especificamente, as firmas devem:
"1) base compensation on risk-adjusted performance, and align incentives with shareholder
interests and long-term, firm-wide profitability; 2) ensure that compensation incentives do not
induce risk-taking in excess of the firm’s risk appetite; 3) align payout with the timing of re-
lated risk adjusted profit; 4) take into account realized performance for shareholders over
time in determining severance pay and 5) make the approach, principles, and objectives of
each firm’s compensation policies transparent to stakeholders."
Em particular, com relação ao disclosure o relatório do IIF observa que
"keeping the purposes of disclosure in focus will help contain the serious problem of infor-
mation overload. Too much information can be, and has been, as much a source of opacity as
too little. Thus, all disclosure Recommendations should be understood as subject to the qual-
ification that disclosures should be kept "relevant and useful" for their intended purposes and
users. The Committee has considered specific concerns about the transparency of structured
products and of the firms’ positions and risk management practices and accordingly has de-
veloped Principles of Conduct and Best Practice Recommendations on a broad range of is-
sues."
Em resumo, também o IIF entende que toda informação sobre a política de remuneração é fundamental
para os acionistas. No entanto, deixa claro a necessidade de se evitar erros por "excesso" ou por "falta"
de informações.
3.7 Austrália
A Austrália, seguindo os desenvolvimentos em outras jurisdições, incluindo o Sarbanes-Oxley Act, e
considerando as recomendações da HIH Royal Commission and the Ramsay Report on the Independence
of Australian Company Auditors (Department of Treasury (2002), (2004)) adotou novos requisitos que
se tornaram lei com o Corporate Law Economic Reform Program (Audit Reform and Corporate Dis-
closure) Act 2004 (também conhecido como CLERP 9), com vigência a partir de 01/07/2004. A nova
legislação introduziu demandas adicionais ao reconhecimento e disclosure de informações sobre a re-
muneração dos administradores, e aos mecanismos de governança associados. Em particular, a CLERP
9 exige: (i) a adoção pelas firmas das normas de contabilidade emitidas pelo International Accounting
15. The Principles of Conduct, Best Practice Recommendations, and Considerations for the Official Sector são apresentados
em diversas seções, conforme a organização dos grupos de trabalho envolvidos no projeto: 1) Risk Management; 2) Compen-
sation Policies; 3) Liquidity Risk, Conduit, and Securitization Issues; 4) Valuation Issues; 5) Credit Underwriting, Ratings,
and Investor Due Diligence in Securitization Markets e 6) Transparency and Disclosure Issues.
19
Standards Board - IASB, a partir de 01/01/2005; (ii) maior disclosure da remuneração dos administra-
dores, incluindo metas de desempenho (performance targets) e a proporção da remuneração que de-
pende destas metas; (iii) a apresentação de um Remuneration Report como parte integrante do Relatório
Anual da Administração e 4) o requisito "to hold a non-binding shareholder vote to adopt the remune-
ration disclosures within the Remuneration Report."
4 Separação da Propriedade e Controle e o Problema de Agência
O objetivo desta seção é resumir alguns conceitos e princípios relacionados à separação da propriedade
e controle e caracterizar o problema de agência decorrente. Isto é importante para situar a discussão
sobre o disclosure da remuneração dos administradores no âmbito da moderna teoria econômica e enfa-
tizar a necessidade destas informações serem disponibilizadas aos acionistas e aos demais stakeholders.
4.1 Natureza da Firma
O problema da natureza da firma foi tratado por Adam Smith em An Inquiry into the Nature and Causes
of the Wealth of Nations, de 1776, escrito no momento da Revolução Industrial. O modelo inicial de
análise, posteriormente denominado de modelo neoclássico, supunha um mercado de concorrência per-
feita, sem custos de transação e com perfeita mobilidade de insumos e fatores de produção. Este modelo
atingiu o seu ápice com Alfred Marshall, no início deste século, e foi apresentado em seus Principles of
Economics.16
No entanto, apesar da sua utilidade no entendimento do funcionamento da firma, o modelo neo-
clássico apresentava sérias deficiências. Primeiro, desconsiderava completamente o papel dos incentivos
dentro da firma. Segundo, desenvolvia muito pouco a organização interna da firma (estrutura hierárquica,
delegação de decisões e alocação de autoridade). Terceiro, não delimitava satisfatoriamente as fronteiras
da firma.
Mais recentemente, Grossam e Hart (1986) discutem a natureza da firma, buscando os determinan-
tes de uma teoria de integração vertical e lateral, na tradição de Coase, Klein, Crawford, Alchian e
Williamson, que enfatiza os benefícios do controle em situações onde é difícil definir ou assegurar o
cumprimento de contratos perfeitos (complet contracts).
4.2 Propriedade e Controle
A discussão sobre a separação do controle e propriedade remonta a Adam Smith. No início dos anos 30
foi formulado por Berle e Means, em The Modern Corporation and Private Property. Adam Smith, no
volume 2 da sua obra capital sobre a riqueza das nações, observa que "[…] the directors of such 'joint-
stock' companies, however, being the managers rather of other people's money than their own, it cannot
be expected that they should watch over it with the same anxious vigilance with which the partners in a
private partnership frequently watch over their own." E ainda, "what are the common wages of labour,
depends everywhere upon the contract usually made between those two parties, whose interests are not
the same. The workmen desire to get as much, the masters to give as little as possible."
Um século e meio após a formulação de Adam Smith, Berle e Means, retornaram ao tema da dis-
persão do controle acionário. Eles argumentaram que, desde o surgimento do capitalismo, a maior parte
da produção acontecia em organizações relativamente pequenas onde os proprietários eram também os
administradores. A partir do século XIX, com a Revolução Industrial, a inovação tecnológica induziu
ao aumento do tamanho ótimo de muitas firmas, ao ponto onde nenhum indíviduo, família ou grupo de
16. O que não significa que sofisticações matemáticas posteriores não continuaram a contribuir para o seu entendimento.
Apenas que os retornos marginais, após Marshall, passaram a ser decrescentes.
20
gestores teria recursos suficientes para controlá-la. Como resultado, as firmas se depararam com "the
dissolution of the old atom of ownership into its component parts, control and beneficial ownership"
(Berle e Means (1932: 8)). Ainda segundo eles, esta separação da propriedade e controle, em última
instância, ameaça "the very foundation on which the economic order of the past three centuries has
rested."
Os argumentos de Berle e Means sobre os perigos da dispersão acionária, escritos no auge da
Grande Depressão dos anos 30, tiveram um impacto profundo e imediato. Em particular, eles contribu-
íram para a modelagem da legislação federal norte-americana para o mercado de capitais escrita naquela
década. Esta legislação foi elaborada de modo a proteger o interesse difuso dos acionistas daquele dos
administradores profissionais e, ainda hoje, é a principal referência naquela economia.
A noção de dispersão da propriedade também teve uma influência significativa sobre a agenda dos
economistas a partir da década de 70. Vários estudos foram realizados com base no questionamento de
Berle e Means, objetivando aprofundar o conhecimento sobre a estrutura de propriedade das empresas,
os impactos da mudança dessa estrutura e as respectivas relações entre acionistas e administradores.
Um dos artigos seminais do pós-guerra foi escrito por Jensen e Meckling (1976). O foco principal
do artigo é exatamente o conflito entre o interesse difuso dos acionistas e aquele dos executivos – que
ficou conhecido na literatura como problema de agência:
"since the relationship between the stockholders and manager of a corporation fit the defini-
tion of a pure agency relationship, it should be no surprise to discover that the issues associ-
ated with the separation of ownership and control in the modern diffuse ownership corpora-
tion are intimately associated with the general problem of agency. We show […] that an ex-
planation of why and how the agency costs generated by the corporate form are born leads to
a theory of the ownership (or capital) structure of the firm."
4.3 Problema de Agência
Uma relação de agência é um contrato onde uma ou mais pessoas (o(s) principal(is)) engajam uma outra
pessoa (o agente) para realizar determinadas ações em nome do(s) principal(is), o que envolve a dele-
gação de autoridade sobre o processo decisório para o agente. Spence e Zeckhauser (1971) e Ross (1973)
formalizam a análise inicial do problema associado à estruturação da remuneração do agente de maneira
a alinhar os seus incentivos com o interesse do principal. Jensen e Meckling (1976) argumentam que os
problemas de agência derivados de conflitos de interesse são generalizados para virtualmente todas as
atividades cooperativas entre indivíduos, estejam ou não em uma estrutura hierárquica como aquela
preconizada pela analogia do principal-agent.
Desde que Jensen e Meckling (1976) propuseram uma teoria da firma (agency theory) baseada no
conflito de interesse entre as diversas partes contratantes – acionistas, administradores, credores – uma
extensa literatura econômica (seguida por estudos empíricos que buscam evidenciar estes conflitos) foi
construída para explicar os diferentes aspectos deste conflito. Jensen e Meckling (1976) ainda sugeriram
a existência de custos de agência associados aos conflitos entre os administradores e os acionistas
(agency costs of equity) ou entre os acionistas e os credores (agency costs of debt). O mercado de
capitais captura estes custos de agência como uma perda para os acionistas.
O problema do principal-agente pode ser resumido da seguinte maneira.17
Existe um principal e um
agente – o proprietário e o administrador de uma firma, por exemplo, ou o patrão e o funcionário – que
não possuem os mesmos objetivos. O principal deseja induzir o agente a agir com base no seu interesse
(do principal), mas não possui informação completa sobre os diversos estados e o comportamento do
agente e, portanto, se defronta com um problema de monitoramento. Este problema impede o principal
17. A literatura sobre este problema é bastante extensa. Para detalhes ver, por exemplo, Rees (1985) e Vickers e Yarrow
(1989).
21
de, com sucesso, informar ao agente o que fazer, já que ele não consegue observar completamente o que
está acontecendo. Assim, tem-se um problema de informação e de incentivo. A indagação fundamental
é, então: qual é a estrutura ótima do esquema de incentivo que o principal deve propor ao agente? A
solução deste problema envolve duas restrições: primeiro, dado o esquema de incentivo, o agente irá se
comportar pensando no seu próprio interesse; segundo, o esquema de incentivo deve ser atrativo o sufi-
ciente para induzir o agente a subordinar-se ao principal.
O problema do principal-agente envolvendo o proprietário e o administrador pode ser colocado da
seguinte forma. As decisões são tomadas, em geral, por executivos profissionais cuja remuneração não
depende exclusivamente do nível dos lucros.18
A firma possui uma base acionária bastante grande, sendo
que cada acionista é detentor de uma porcentagem relativamente pequena do total do capital.19
O pro-
blema de agência surge na medida em que os administradores não buscam, necessária ou exclusivamente,
a maximização do valor para os acionistas: eles também podem estar interessados na proteção dos seus
próprios interesses e, por exemplo, buscar a maximização do crescimento da firma ao invés do retorno
dos acionistas. Nestas circunstâncias, a tentativa dos executivos de maximizar a sua própria função ob-
jetivo pode ser restringida por três grupos de agentes do mercado de capitais: a) os acionistas, que tam-
bém objetivam arranjos contratuais com os executivos, para maximizarem o seus próprios retornos; b)
outros investidores ou seus agentes, que podem estar adquirindo participação acionária com o intuito de
alterar os arranjos contratuais existentes e c) os credores da firma, que podem buscar novos executivos
caso exista a possibilidade de default (Vickers e Yarrow (1989: 11)).
4.4 Remuneração dos Administradores
O problema de incentivo relacionado à remuneração dos administradores é uma aplicação clássica do
modelo do principal-agente (Jensen e Murphy (1990)). O problema de agência deriva de um conflito de
intesse intrínseco associado à separação da propriedade (dos acionistas) do controle (dos executivos) em
uma firma. A função objetivo do acionista é a maximização da sua renda/riqueza derivada do investi-
mento na firma. A função objetivo dos administradores envolve a maximização da sua utilidade, como
classicamente suposto na teoria econômica neoclássica, dado um certo grau de preferência pelo risco. É
claro que os objetivos do acionista e dos executivos não estão perfeitamente alinhados nesta relação de
agência e este é o fundamento do problema do principal-agente.
A implementação de um contrato de remuneração entre a firma e os seus administradores busca
alinhar o interesse destes com aquele dos acionistas. Especificamente, um contrato desta natureza deve
prover incentivos suficientes para o executivo se esforçar na busca da maximização do retorno da firma
e, portanto, na maximização do retorno dos acionistas (Ehrenberg e Smith (2000)). Um mecanismo
comumente utilizado para definir um alinhamento de interesse é condicionar a remuneração ao desem-
penho da ação da firma no mercado de capitais. No entanto, ao longo da última década, o uso deste
mecanismo aumentou a ponto de chamar a atenção dos reguladores, dos acionistas e de outras partes
interessadas para o entendimento e acompanhamento mais detalhado destes contratos.
5 Governança Corporativa
O objetivo desta seção é resumir as principais dimensões da moderna governança corporativa, tema que
deriva, diretamente, da discussão sobre a separação do controle e propriedade e o surgimento do pro-
18. Pode-se supor, por exemplo, que a função utilidades dos executivos dependa da sua renda e do seu nível de dedicação;
ou ainda da receita líquida, da sua taxa de crescimento e do nível dos fringe-benefits.
19. As ações representativas do capital social podem ser comercializadas em mercados secundários.
22
blema de agência. A principal conclusão da teoria da agência é que os administradores não irão maxi-
mizar o retorno dos acionistas a menos que uma estrutura de governança apropriada seja implementada,
de modo a assegurar os interesses destes agentes, especialmente no caso de grandes firmas.
5.1 Fundamentos
A governança corporativa pode ser definida de várias maneiras, sendo uma delas os modos do processo
decisório e da alocação de poder entre os acionistas, os membros do conselho de administração e os
diretores da firma. Um objetivo central de qualquer estrutura de governança deveria ser permitir que a
firma operasse da "melhor forma possível". Não obstante a relevância do tema, é curioso o fato de que
a expressão governança corporativa não existia a mais do que 20 anos atrás, apesar de muitas das ques-
tões fundamentais tratadas por ela terem surgido com o estudo clássico de Berle e Means "The Modern
Corporation and Private Property", publicado em 1932. A relevância da governança corporativa de-
corre diretamente (John e Senbet (1998)): (i) do questionamento levantado sobre a eficiência dos meca-
nismos de governança atualmente utilizados nas economias desenvolvidas;20
(ii) do debate referente à
eficácia dos sistemas de governança corporativa adotados nos Estados Unidos e na Inglaterra (tipificado
pela dispersão da base acionária e pelo papel relevante de mercados secundários para a troca de ações)
e no Japão e na Alemanha (tipificado por uma maior concentração acionária e pelo papel fundamental
das instituições financeiras) e (iii) da aparente renúncia dos mecanismos correntes de governança à nor-
mas jurídicas que estabelecem o controle do conselho sobre a diretoria (management).21
Para a OECD (Principles 2004, Preamble),
"corporate governance is one key element in improving economic efficiency and growth as
well as enhancing investor confidence. Corporate governance involves a set of relationships
between a company’s management, its board, its shareholders and other stakeholders. Cor-
porate governance also provides the structure through which the objectives of the company
are set, and the means of attaining those objectives and monitoring performance are deter-
mined. Good corporate governance should provide proper incentives for the board and man-
agement to pursue objectives that are in the interests of the company and its shareholders and
should facilitate effective monitoring."
Os fundamentos da governança corporativa podem parecer complicados, mas não os são de fato. Eles
compreendem um conjunto de controles básicos através dos quais as firmas são governadas. Em geral,
esses controles dispõem que:22
(i) os acionistas elegem os membros do conselho de administração para
representá-los; (ii) os membros do conselho escolhem a diretoria; (iii) as decisões são tomadas de forma
transparente, de tal forma que os acionistas podem cobrar as responsabilidades dos conselheiros e dos
diretores; (iv) a firma adota princípios contábeis geralmente aceitos, o que permite a tomada de decisões
pelos diretores, conselheiros, acionistas e investidores e (v) as políticas e práticas da firma estão de
acordo com as leis federal e local.
É entendimento corrente que boas práticas de governança corporativa devem proporcionar um re-
ferencial importante para respostas rápidas do Conselho de Administração e da diretoria a situações que
podem impactar diretamente o investimento dos acionistas. Na verdade, pode-se mesmo afirmar que a
20. Jensen (1989, 1993), por exemplo, argumenta que os mecanismos internos de governança corporativa das companhias
americanas não podem ser considerados de sucesso. Por outro lado, juristas como Easterbrook e Fischel (1991) e Romano
(1993) avaliam esses mecanismos e o sistema jurídico de maneira positiva.
21. Um princípio fundamental da governança corporativa estabelece que os acionistas elegem o conselho de administração
que, por sua vez, seleciona a cúpula administrativa da companhia. No entanto, a prática comum é que o conselho seja eleito
pelos acionistas a partir da lista de candidatos aprovada pelos administradores (John e Senbet (1998)).
22. Estes controles referem-se a um caso geral. As especificidades são, sem dúvidas, fundamentais para a definição da estru-
tura de controle e devem ser consideradas na análise de casos particulares.
TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores
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TD - 2009 - Disclosure da Remuneração dos Administradores

  • 1. Contribuição para a Audiência Pública CVM n° 07/08: Disclosure da Remuneração dos Administradores Luiz Nelson Porto Araujo* Texto para Discussão 2009-03 Março 2009 * Economista. Sócio-diretor da Delta Economics & Finance. Ex-professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da EAESP-FGV e do Departamento de Economia da FCCA da Universidade Mackenzie. O autor agradece os comentário e sugestões de Cláudia Regina Belucio Araujo. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do autor e não refletem, necessariamente, a opinião da Delta Economics & Finance. Nenhuma responsabilidade deve ser atribuída à Delta. Todos os erros remanescentes são de responsabilidade do autor. Email: lnelson@deltaef.com. Os Textos para Discussão da Delta são divulgados exclusivamente para fins de discussão e comentários. Eles não foram revisados, inclusive pela Diretoria da Delta que o faz no caso de publicações oficiais da empresa. © 2009 de Luiz Nelson Porto Araujo. Todos os direitos reservados. Pequenas citações do texto, não excedendo cinco parágrafos, podem ser citadas sem permissão explícita do autor, desde que o crédito, inclusive © seja dado à fonte.
  • 2. Índice 1 Introdução 1 2 Proposta da CVM, Disclosure e Remuneração dos Administradores no Brasil 2 2.1 Proposta da CVM 3 2.2 Disclosure 5 3 Governança e Remuneração dos Administradores: Casos 7 3.1 CODIM 12 3.2 Comissão Europeia 14 3.3 SEC 16 4 Separação da Propriedade e Controle e o Problema de Agência 19 4.1 Natureza da Firma 19 4.2 Propriedade e Controle 19 4.3 Problema de Agência 20 4.4 Remuneração dos Administradores 21 5 Governança Corporativa 21 5.1 Fundamentos 22 5.2 Mecanismos de Controle 24 5.3 Princípios da Boa Governança Corporativa 27 6 Disclosure 28 6.1 Conceitos 28 6.2 Importância do Disclosure 29 6.3 Disclosure e Confiabilidade da Informação 30 6.4 Disclosure e Relação com Investidores 30 7 Remuneração dos Administradores 30 7.1 Incentivos 31 7.2 Implicações da Teoria de Agência e do Modelo de Torneio 31 7.3 Contratos de Remuneração dos Administradores 32 7.4 Efeito Tamanho 33 7.5 Privilégios e Mordomias (Perquisites) 33 8 Conclusões 35 9 Bibliografia 37
  • 3. Sumário O objetivo deste artigo é contribuir para a Audiência Pública n° 07/08, da Comissão de Valores Mobi- liários (CVM), que tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores mobiliários admiti- dos à negociação em mercados regulamentados." Esta Audiência Pública colocou em discussão uma "minuta de Instrução que estabelece as regras de registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados." A CVM está especialmente interessada em obter manifestações quanto aos seguintes temas: (i) âmbito de aplicação da minuta; (ii) categorias de emissores de valores mobiliários; (iii) obrigação de manter uma página na rede mundial de computadores; (iv) prazos para entrega de obrigações periódicas; (v) atas do conselho fiscal; (vi) demonstrações financeiras de emissores estrangeiros auditadas; (vii) conteúdo do Formulário de Referência; (viii) remuneração dos administradores; e (ix) regras de adapta- ção para emissores estrangeiros. Em resumo, a minuta da CVM sobre o disclosure de informações refe- rente à política de remuneração dos administradores foi baseada em práticas regulatórias adotadas em outras jurisdições, que podem contribuir para fortalecer, ainda mais, os mecanismos de controle da go- vernança vigente no Brasil. Esta contribuição trata, especificamente, da "remuneração dos administradores". A contribuição baseia-se em modelos teóricos, na evidência empírica e na experiência internacional sobre o tema para analisar um conjunto de proposições e concluir sobre a minuta elaborada pela CVM. Neste sentido, busca escapar de pseudo argumentos sobre o tema discutido, do senso comum que pode induzir a con- clusões destituídas de fundamentos. Inicialmente, é importante situar a contribuição no contexto da separação do controle e propriedade, que gera um problema de agência entre os acionistas (proprietários) e os administradores da firma. Isto, por sua vez, implica na busca de estruturas de governança corporativas ótimas. A discussão sobre go- vernança ganhou proeminência na última década e, atualmente, dois temas tem sido objeto de estudos e discussões mais amplas. O primeiro trata da importância da transparência (disclosure) corporativa, que é globalmente aceita. O segundo trata da remuneração dos administradores. A evidência empírica cada mais ampla sobre a "economia da remuneração dos administradores" está baseada, principalmente, no tema do alinhamento dos interesses destes agentes com os dos acionistas. As principais conclusões deste artigo são as seguintes: (i) a iniciativa da CVM é positiva e deve ser apoiada; (ii) o ordenamento jurídico brasileiro sobre a remuneração dos administradores é, surpreenden- temente, ultrapassado; (iii) a jurisprudência também precisa ser atualizada; (iv) a demanda por disclo- sure de informações sobre a condução do negócio, e sobre a remuneração dos administradores, não é recente, apesar de ter-se aprofundado desde a sequência de escândalos corporativos iniciados com a Enron Corporation e WorldCom; (v) no âmbito da atual crise financeira global diversas iniciativas bus- cam não apenas fortalecer os mecanismos de governança corporativa, mas, em particular, aumentar o disclosure de informações sobre a remuneração dos administradores; (vi) considerações sobre a especi- ficidade da sociedade e economia brasileira são, sem dúvida, importantes; (vii) existe a necessidade e utilidade da divulgação da remuneração individual dos administradores; (viii) não existem alternativas tão eficientes quanto a divulgação da remuneração individual; (ix) um regime em que a remuneração fosse divulgada por órgão, e que somente fosse divulgada a remuneração individual dos três adminis- tradores mais bem remunerados não é suficiente para identificar distorções; (x) as informações sobre a remuneração dos administradores contidas no Formulário de Referência são, de fato, úteis para o inves- tidor e devem ser adotadas; e (xi) as informações referentes aos planos de previdência sugeridas na minuta da CVM podem ser consideradas adequadas e também devem ser adotadas. JEL Codes: G30, G34, G38, L25 Keywords: Governança Corporativa, Remuneração dos Administradores, Disclosure, CVM, Incentivos
  • 4. 1 1 Introdução O objetivo deste artigo é contribuir para a Audiência Pública n° 07/08, da Comissão de Valores Mobi- liários - CVM, que tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores mobiliários admiti- dos à negociação em mercados regulamentados." Esta Audiência Pública colocou em discussão uma "minuta de Instrução que estabelece as regras de registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados." Esta contribuição trata, especificamente, da "remuneração dos administradores". A contribuição baseia-se em modelos teóricos, na evidência empírica e na experiência internacional sobre o tema para analisar um conjunto de proposições e concluir sobre a minuta elaborada pela CVM. Neste sentido, busca escapar de pseudo argumentos sobre o tema discutido, do senso comum que pode induzir a con- clusões destituídas de fundamentos. Os modelos utilizados partem do problema de agência (decorrente da separação da propriedade e controle) e das suas implicações para a estruturação de uma moderna governança corporativa. A discus- são sobre este tema ganhou proeminência na última década e, atualmente, duas dimensões tem sido objeto de estudos e discussões mais amplas. A primeira trata da importância da transparência (disclosure) corporativa. A segunda aborda a remuneração dos administradores. A evidência empírica cada mais, ampla sobre a "economia da remuneração dos administradores" está baseada, principalmente, no tema do alinhamento dos interesses destes agentes com os dos acionistas. Por fim, é importante ressaltar que modelos teóricos e a evidência empírica demonstram que, em geral, maior disclosure aumenta o valor da firma e a capacidade de os acionistas entenderem e, eventu- almente, questionarem a condução do negócio pelos administradores. Uma parte importante da minuta de proposta elaborada pela CVM trata do disclosure da remune- ração dos administradores. Este disclosure é um dos principais temas em discussão, atualmente, na es- fera acadêmica, empresarial e regulatória. Outros reguladores, em países desenvolvidos e emergentes, já procederam a ajustes significativos no ordenamento até então vigente sobre este tema. Estes ajustes, ainda continuam a ser discutidos, em função de eventos importantes para a avalição das estruturas de governança corporativa existentes. No Brasil, o ordenamento jurídico estabelece que informações sobre a remuneração e benefícios dos administradores deve constar das atas de assembleias de acionistas. Assim, em princípio, estas in- formações existem e são públicas. O problema é que a norma é ineficiente: na prática, a obtenção desta informação é difícil, devido à baixa transparência. De fato, pode-se dizer que existe um hiato no disclo- sure de informações ao mercado em geral, que deve ser eliminado a partir das demandas regulatórias, do cumprimento do dever de informar pelas firmas e do monitoramento pelos acionistas. O atual Código de Governança Corporativa elaborado pelo IBGC continua a ser uma referência importante no mercado brasileiro. No entanto, é omisso em relação as melhores práticas de disclosure da política de remuneração dos administradores. A proposta em discussão no CODIM é importante ao abordar o disclosure da política de remuneração dos administradores. No entanto, ela também é limitada ao considerar que apenas a divulgação da "remuneração atribuída a cada grupo" é suficiente para infor- mar adequadamente aos acionistas e outras partes interessadas. A discussão de conceitos e princípios relacionados à separação da propriedade e controle e a carac- terização do problema de agência decorrente são importantes para situar a discussão sobre o disclosure da remuneração dos administradores no âmbito da moderna teoria econômica e enfatizar a necessidade destas informações serem disponibilizadas aos acionistas e aos demais stakeholders. De fato, a principal conclusão da teoria da agência é que os administradores não irão maximizar o retorno dos acionistas a menos que uma estrutura de governança apropriada seja implementada, de modo a assegurar os interes- ses destes agentes, especialmente no caso de grandes firmas. A governança corporativa é um dos suportes dos mais importantes mercados de capitais do mundo. Os princípios fundamentais da moderna governança corporativa incluem: (i) disclosure apropriado de informação ao mercado como um todo; (ii) proteção dos recursos da firma de transações discricionárias
  • 5. 2 com partes relacionadas; (iii) adoção de melhores práticas na constituição de conselhos e no seu moni- toramento; (iv) remuneração e indenização justas para os administradores; (v) gestão de conflitos de interesse e (vi) processo decisório sensato e transparente. A transparência financeira, definida como o disclosure de informações financeiras pela firma, é um dos princípios fundamentais de qualquer boa prática de governança corporativa. O disclosure não con- tem apenas a parcela da informação que é regulada pelo ordenamento jurídico vigente, mas também a veiculação de toda informação que possa ser útil para a tomada de decisões pelo acionista e por outras partes interessadas. Assim, o disclosure pode ser tanto compulsório como voluntário. Por fim, em qualquer discussão sobre a remuneração dos administradores é fundamental ressaltar a importância dos incentivos, dos contratos de remuneração e das explicações a respeito do uso de pri- vilégios e mordomias nas firmas. Esta discussão também sugere a dificuldade de se analisar a estrutura de remuneração no Brasil devido à carência de informações que, por sua vez, decorre do baixo disclosure. Este artigo está organizado em oito seções, além desta introdução, da seguinte forma. A seção 2 resume a minuta da proposta da CVM para a Audiência Pública 07/08, o ordenamento jurídico sobre o disclosure de informações referente à remuneração dos administradores no Brasil e um estudo recente que, dentre outros, também aborda este tema. A seção 3 apresenta alguns casos – nacionais e internaci- onais – sobre governança e remuneração: (i) CVM, (ii) IBGC, (iii) CODIM, (iv) Comissão Europeia, (v) SEC, (vi) IIF e vii) Austrália. A seção 4 trata da das implicações da separação da propriedade e controle e apresenta o problema de agência, que expressa o conflito de interesses entre os acionistas e dos administradores. A seção 5 resume algumas das principais características da governança corporativa. A seção 6 analisa o disclosure de informações pelas firmas, a necessidade de se fortalecer a demanda compulsória por informações e o papel da convergência para as normas internacionais de contabilidade sobre o nível de transparência. A seção 7 trata da remuneração dos administradores e identifica o papel dos incentivos e as características dos contratos de compensação. Por fim, a seção 8 apresenta as prin- cipais conclusões. 2 Proposta da CVM, Disclosure e Remuneração dos Administradores no Brasil O objetivo desta seção é resumir um subconjunto da proposta da CVM, aquele que trata do disclosure da remuneração dos administradores, e situá-la no atual ordenamento brasileiro. Este disclosure é um dos principais temas em discussão, atualmente, na esfera acadêmica, empresarial e regulatória.1 É fundamental, para referenciar a análise posterior, ressaltar que a governança corporativa adquiriu relevância no ambiente empresarial nas duas últimas décadas: de fato, a própria expressão era raramente utilizada até meados dos anos 80. Com o colapso da Enron Corporation e outras empresas de grande visibilidade surge uma demanda por mecanismos de governança corporativa mais sofisticados. A polí- tica de remuneração, como um dos principais temas da governança corporativa, é um dos mais impor- tantes elementos do sucesso empresarial. Ela não apenas condiciona o comportamento dos principais executivos, mas também tem efeitos sobre os "tipos" de executivos que ela atrai. Mais recentemente, esta política tem sido objeto de avaliação em inúmeras jurisdições: iniciativas públicas e privadas, em economias desenvolvidas e emergentes, buscam avaliar, questionar e propor alternativas às políticas vigentes. Estas iniciativas, em grande parte, decorrem dos questionamentos re- lacionados ao desempenho das empresas – particularmente, as grandes – e o valor da remuneração paga aos administradores. É neste contexto que deve ser entendida esta Audiência Pública e a sua importância. 1. Outros reguladores, em países desenvolvidos e emergentes, já procederam a ajustes significativos no ordenamento até então vigente sobre este tema. Estes ajustes, ainda continuam a ser discutidos, em função de eventos importantes para a avalição das estruturas de governança corporativa existentes.
  • 6. 3 2.1 Proposta da CVM O Edital de Audiência Pública n° 07/08, tem por objeto "regras sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados." O edital está dividido em dez partes: (i) introdução; (ii) estrutura da minuta; (iii) o modelo; (iv) as categorias de emissores; (v) as obrigações de informação do emissor; (vi) o formulário de referência; (vii) a qualidade e a apresentação das infor- mações; (viii) informações estruturadas x texto livre; (ix) emissores em situação especial; (x) emissores com grande exposição ao mercado; (xi) questões em que a CVM está especialmente interessada e (xii) encaminhamento de comentários e sugestões. A Audiência Pública colocou em discussão uma "minuta de Instrução que estabelece as regras de registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados.2 A Minuta, quando transformada em norma, substituirá a Instrução CVM n° 202, de 06/12/1993, "bem como seções e dispositivos de outras normas da CVM que tratam da obtenção de registro de emissores de valores mobiliários e da prestação de informações periódicas e eventuais, consolidando a matéria, hoje dispersa em várias Instruções da CVM, numa só Instrução." Segundo a CVM, "os principais objetivos da Minuta são: i) consolidar as regras que tratam de registro de emissor de valores mobiliários, de modo que os procedimentos de registro, suspensão e can- celamento sejam idênticos para todos os emissores; ii) criar 3 categorias de emissores de valores mobiliários de acordo com (a) os tipos de valores mobiliários admitidos à negociação e (b) os mercados em que tais valores mobiliários são admitidos à negociação; iii) estabelecer regimes de prestação de informações adequados a cada uma das categorias criadas; iv) me- lhorar a qualidade das informações periódicas prestadas por emissores de valores mobiliá- rios; v) assegurar um padrão uniforme entre as informações regularmente prestadas pelos emissores de valores mobiliários e aquelas que são, ocasionalmente, divulgadas nos prospec- tos das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários e vi) tornar possível que deter- minados emissores, desde que atendam a certos pré-requisitos, tenham seus pedidos de regis- tro de ofertas de distribuição aprovados com maior celeridade." A Minuta está organizada em 64 artigos, divididos em nove capítulos,3 da seguinte maneira: (i) catego- rias de emissor de valores mobiliários; (ii) pedido de registro de emissor de valores mobiliários; (iii) obrigações do emissor; (iv) regras especiais; (v) deveres dos administradores e controladores; (vi) can- celamento de registro; (vii) multas cominatórias; (viii) penalidades e (ix) disposições gerais e transitórias. Além desta Minuta, a CVM pretende colocar em audiência pública uma proposta de alteração da Instrução CVM n° 400, de 29/12/2003: "A minuta alteradora da Instrução CVM n 400/03, estabelecerá prazos diferenciados para análise de registro de ofertas de distribuição a depender do status do emissor e de sua opção por incorporar, por referência ou não, as informações periódicas e eventuais já dispo- níveis." A CVM está especialmente interessada em obter manifestações quanto aos seguintes pontos: (i) âmbito de aplicação da Minuta; (ii) categorias de emissores de valores mobiliários; (iii) obrigação de manter uma página na rede mundial de computadores; (iv) prazos para entrega de obrigações periódicas; (v) atas do conselho fiscal; (vi) demonstrações financeiras de emissores estrangeiros auditadas; (vii) 2. Conforme a CVM "as regras contidas na Minuta são aplicáveis a todos os emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados no Brasil, inclusive estrangeiros, com exceção apenas dos fundos de investimento, clubes de investimento e sociedades beneficiárias de recursos oriundos de incentivos fiscais, que permanecem sujeitos a regu- lamentação específica da CVM." 3. Além dos nove capítulos que compõem o corpo principal da Minuta, há sete anexos, que definem os documentos que devem instruir o pedido de registro de emissor de valores mobiliários, determinam o conteúdo dos formulários que compõem as informações periódicas, e contêm regras específicas para determinados emissores.
  • 7. 4 conteúdo do Formulário de Referência; (viii) remuneração dos administradores e (ix) regras de adapta- ção para emissores estrangeiros. Remuneração dos Administradores Com relação à este tema, a principal preocupação da CVM diz respeito ao "nível adequado de transpa- rência sobre a remuneração dos administradores." Ela "não tem dúvidas de que é necessário um avanço grande nesta matéria, tendo em vista que atualmente a informação pública é bastante parca." Em par- ticular, ela está interessada em "saber a opinião do mercado sobre a conveniência e necessidade de se exigir que a informação sobre remuneração de administradores seja prestada de maneira individual (por administrador) ao invés de por órgão da administração." Segundo a CVM "compreender a remuneração dos administradores é importante por, pelo menos, dois motivos. Primeiro, é necessário identificar com clareza o custo da administração para o emissor. Em outras palavras, interessa para o emissor e para o investidor saber quanto dinheiro é gasto, abran- gendo todas suas diversas formas, para que as atividades do emissor sejam geridas." Com relação à política de remuneração a minuta da CVM apresenta várias proposições, dentre elas: 1) "a estrutura e política de remuneração [...] evidenciam o regime de incentivos a que estão sujeitos os administradores. É por meio da remuneração que o emissor incentiva os seus administradores a privilegiarem ações de curto, médio ou longo prazo e a perseguirem metas estabelecidas pela organi- zação"; 2) "a remuneração também pode ser estruturada de maneira que se equilibrem incentivos de curto e longo prazo. Portanto, é importante para o investidor saber não somente o montante global da despesa, mas também entender como ela é dividida e quais as métricas que a influenciam"; 3) "a estru- tura de remuneração pode variar entre administradores de uma mesma companhia e esta pode ser uma informação relevante para o investidor" e 4) "as melhores práticas internacionais ditam que se deve buscar nível elevado de transparência nas informações sobre remuneração e programas de incentivos dos membros do conselho de administração e dos diretores mais importantes." A CVM ressalta que diversos países, dentre eles a França e os Estados Unidos, exigem que as informações sobre remuneração e programas de incentivo sejam prestadas individualmente para os prin- cipais executivos. Por outro lado, ela entende que, ao menos, três argumentos devem ser levados em consideração quando se avalia a especificidade do caso brasileiro. Primeiro, "[...] que nós somos cultu- ralmente diferentes de países que exigem que a remuneração seja aberta em nível individual." Segundo, "[...] que emissores de valores mobiliários competem com vários outros empregadores por profissionais qualificados." Por fim, "[...] que, em um país com os índices de violência encontrados no Brasil, é te- merária a ampla divulgação de informações sobre a remuneração individual de administradores." É neste contexto que a "CVM deseja garantir a proporcionalidade das exigências de divulgação sobre remuneração de administradores entre as diferentes categorias de emissores. Por isso, o Formu- lário de Referência traz, para a categoria capital/bolsa, informações individualizadas e, para a cate- goria capital/ balcão, informações consolidadas por órgão." Assim, ela busca contribuições para os seguintes temas: "i) sobre a necessidade e utilidade da divulgação da remuneração individual dos administra- dores, mesmo que apenas para a categoria capital/bolsa? ii) há meios alternativos e tão efi- cientes quanto a divulgação da remuneração individual para, de um lado, se identificar os objetivos da estrutura de remuneração da administração e, de outro, fiscalizar a eficácia e razoabilidade dessa remuneração? e iii) um regime em que a remuneração fosse divulgada por órgão, e que somente fosse divulgada a remuneração individual dos três administradores mais bem remunerados seria suficiente para identificar distorções? Se sim, seria necessário identificar esses indivíduos?" Para determinar o que seria exigido no Formulário de Referência,
  • 8. 5 "[...] a CVM buscou inspiração em outras jurisdições, notadamente os Estados Unidos, cuja organização do mercado pode ser diferente da brasileira. Por isso, o Formulário de Referên- cia pode conter informações que não são relevantes na estrutura de remuneração de admi- nistradores brasileiros ou, ainda que relevante, pode existir uma maneira de se pedir tal in- formação de modo que os resultados sejam mais úteis ao investidor." Um exemplo particular diz respeito aos "planos de previdência privada e outros arranjos contratuais que beneficiam o administrador quando ele deixa de exercer o seu cargo [...]." Apesar das normas da SEC serem extremamente minuciosas sobre este tema, a CVM reconhece não ter informação suficiente sobre a relevância deste tipo de informação no mercado brasileiro. Por essas razões, ela também busca contribuições para o seguinte: "i) as informações sobre a remuneração dos administradores contidas no Formulário de Re- ferência são úteis para o investidor? ii) há outras informações que deveriam ser incluídas no Formulário de Referência? e iii) há aspectos típicos do mercado brasileiro que poderiam ser mais bem detalhados no Formulário de Referência? Em especial, a CVM pediu as informa- ções sobre planos de previdência da maneira mais adequada?" Em resumo, a minuta da CVM sobre o disclosure de informações referente à política de remuneração dos administradores foi baseada em práticas regulatórias adotadas em outras jurisdições, que podem contribuir para fortalecer, ainda mais, os mecanismos de controle da governança vigente no Brasil. 2.2 Disclosure No ordenamento brasileiro, o dever de informar está disposto no §4° do art. 157 da Lei n° 6.404/1976: "Art. 157, §4 Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediata- mente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia." O conjunto de informações que os administradores fornecem aos acionistas e a outras partes interessadas (os chamados stakeholders), representa os Documentos da Administração, conforme previsto no art. 133 da Lei n° 6.404/1976. Este conjunto é formado pelo Relatório da Administração,4 pelas Demonstrações Financeiras (Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício, Demonstração das Origens e Aplicação dos Recursos, Demonstração do Lucro ou Prejuízo Acumulado e Demonstração das Muta- ções do Patrimônio Líquido) com Notas Explicativas e pelo Parecer dos Auditores Independentes. A Lei n° 11.638, sancionada em 28/12/2007, com vigência a partir de 01/01/2008, alterou a parte contábil da Lei n° 6.404/1976 e a Lei n° 6.385, de 07/12/1976 e introduziu significativos avanços à contabilidade. No que diz respeito ao conjunto de informações a lei passou a exigir, além das demons- trações financeiras anteriormente previstas (Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exer- cício e Demonstração do Lucro ou Prejuízo Acumulado), os seguintes demonstrativos: Demonstração dos Fluxos de Caixa (em substituição à Demonstração das Origens e Aplicação dos Recursos) e De- monstração do Valor Adicionado (somente para as companhias abertas). 4. O Relatório da Administração não é parte das demonstrações financeiras propriamente ditas, mas a lei exige a apresen- tação desse relatório, que deve evidenciar, dentre outros, os negócios sociais e principais fatos administrativos ocorridos no exercício, os investimentos em outras empresas, a política de distribuição de dividendos e de reinvestimento de lucros.
  • 9. 6 Apesar do disposto na Lei e em normativos da CVM, e de outros reguladores setoriais, a qualidade do disclosure no Brasil ainda é insuficiente quando comparada àquela observada em outras jurisdições. Esta insuficiência ainda persiste mesmo levando-se em consideração o esforço permanente destes agen- tes no sentido de assegurar o cumprimento das normas pelas firmas. Em resumo, existe um hiato no disclosure de informações ao mercado em geral, que deve ser eli- minado a partir das demandas regulatórias, do cumprimento do dever de informar pelas firmas e do monitoramento pelos acionistas. 2.3 Remuneração dos Administradores: Ordenamento Jurídico e Evidência No Brasil, a determinação da remuneração de administradores ou conselheiros fiscais deve seguir o disposto no art. 152, caput, da Lei n° 6.404/1976: "Art. 152. A assembleia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e repu- tação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. §1°. O estatuto da companhia que fixar o dividendo obrigatório em 25% (vinte e cinco por cento) ou mais do lucro líquido, pode atribuir aos administradores participação no lucro da companhia, desde que o seu total não ultrapasse a remuneração anual dos administradores nem 0,1 (um décimo) dos lucros (artigo 190), prevalecendo o limite que for menor. §2°. Os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o artigo 202." Um estudo recente elaborado pela KPMG e o Centro de Estudos em Governança Corporativa - CEG, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) intitulado "A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais: Uma Comparação Atual das Corporações Brasileiras na Bo- vespa e nas Bolsas Norte-Americanas" partiu do pressuposto de que "entender como as empresas bra- sileiras vêm evoluindo na adesão às chamadas melhores práticas de governança é um item fundamental para o aprimoramento do mercado de capitais brasileiro." O estudo consistiu em uma análise das práticas de governança das empresas brasileiras emissoras de ADRs Níveis 2 e 3, sujeitas às exigências do Lei Sarbanes-Oxley Act (SOX), de 2002, e as regras das Bolsas norte-americanas, especificamente a Bolsa de Nova Iorque e a NASDAQ, tendo por base as informações contidas no Relatório Anual 20-F, além de 100 empresas que compunham o Novo Mercado da Bovespa na data de referência do estudo. Para esta análise foi aplicado um questionário com 43 perguntas relativas aos temas de Conselho de Administração, Comitês do Conselho, Conselho Fiscal, Código de Ética e Conduta, Auditorias Interna e Independente, Gestão de Riscos, Política de Dividen- dos, Transações com Partes Relacionadas, Remuneração dos Administradores e Controle Acionário. As duas principais conclusões do estudo sobre o disclosure da política de remuneração são as seguintes:5 primeiro, "cerca de metade (45%) das empresas com ADRs possuem comitês de remuneração (ou simi- lares com o mesmo propósito) do Conselho de Administração. Para as empresas do Novo Mercado, este percentual se mostrou substancialmente inferior (20%), bem como para o 5. As perguntas feitas sobre este tema foram: 1) a empresa fornece uma estimativa clara da remuneração paga à Diretoria Executiva, ao menos de forma agregada? 2) a empresa fornece uma estimativa clara da remuneração paga ao Conselho de Administração, ao menos de forma agregada? e 3) a empresa fornece uma estimativa clara da proporção entre a remuneração fixa e variável paga aos seus executivos (% de Remuneração Fixa e % de Remuneração Variável)?
  • 10. 7 grupo de empresas sorteadas (11%). A composição dos comitês de remuneração ainda se mostra distante da recomendação de, ao menos, uma maioria de conselheiros independentes. Para os três grupos, observou-se uma proporção apenas cerca de 30% de conselheiros inde- pendentes nesses comitês." Segundo, "A transparência sobre o sistema de remuneração dos administradores é outro tema crítico de governança a ser aprimorado no País. Apenas cerca de 12% das empresas emissoras de ADRs divulgam separadamente os montantes pagos às suas Diretorias Executivas no período. A informação da remuneração da equipe de gestão foi ainda menor para o grupo do Novo Mercado (5%) e para o grupo sorteado (2%). Em relação à remuneração do Conselho de Administração, menos de 10% das empresas dos três grupos divulgam os montantes pagos separadamente a todos os conselheiros de forma agregada no período. Por fim, menos de 3% das empresas dos três grupos divulga de forma clara a proporção paga entre as remunerações fixa e variável aos seus executivos no período." Em resumo, o estudo, com base na amostra e no questionário aplicado (bastante limitado no que diz respeito à política de remuneração), deixa claro a baixa preocupação que as firmas possuem com o disclosure sobre a política de remuneração dos seus administradores. 3 Governança e Remuneração dos Administradores: Casos O objetivo desta seção é resumir alguns casos que tratam do disclosure da remuneração dos administra- dores no âmbito do fortalecimento da governança corporativa da firma. A expectativa é que as informa- ções sobre estes casos possam contribuir para a decisão da CVM sobre o tema. Os casos estudados são os seguintes: (i) CVM, (ii) IBGC, (iii) CODIM, (iv) Comissão Europeia, (v) SEC, (vi) IIF e (vii) Aus- trália. 3.1 CVM A Lei n° 6.385/1976, quanto ao dever de divulgar e a veiculação de informações relevantes ao mercado, estabeleceu o seguinte: "Art. 8 Compete à Comissão de Valores Mobiliários: III - fiscalizar permanentemente as ati- vidades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o artigo 1, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam, e aos valo- res nele negociados." [...] "Art. 22. [...] §1°. Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas aplicáveis às Companhias Abertas sobre: VI - a divulgação de deliberações da assembleia geral e dos órgãos de admi- nistração da companhia, ou de fatos relevantes ocorridos nos seus negócios, que possam in- fluir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia." Em diversas oportunidades, desde a sua constituição, a CVM manifestou-se sobre governança corpora- tiva e a remuneração dos administradores. No entanto, o fez limitada estritamente pelo disposto na lei
  • 11. 8 societária, o que é correto, mas desconsiderou inovações regulatórias em outras jurisdições, o que aca- bou por atrasar a discussão deste tema no mercado de capitais brasileiro. Em junho de 2002, a CVM divulgou uma cartilha intitulada "Recomendações da CVM sobre Go- vernança Corporativa". Esta cartilha apresenta as suas recomendações sobre as boas práticas de gover- nança corporativa. Segundo ela, "A adoção de tais práticas comumente significa a utilização de padrões de conduta superiores aos exigidos pela lei, ou pela regulamentação da própria CVM. Por isto, esta cartilha não constitui uma norma cujo descumprimento seja passível de punição pela CVM." No entanto, "sem prejuízo do que acima se afirmou, a CVM exigirá brevemente a inclusão nas informações anuais das companhias abertas de indicação do nível de adesão às práticas aqui recomenda- das, na forma "pratique ou explique", isto é, ao não adotar uma recomendação, a companhia poderá explicar suas razões." Nesta cartilha, a CVM define como governança corporativa "[...] o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equi- dade de tratamento dos acionistas e prestação de contas." Ainda segundo ela, "a adoção de boas prá- ticas de governança corporativa constitui, também, um conjunto de mecanismos através dos quais in- vestidores, incluindo controladores, se protegem contra desvios de ativos por indivíduos que têm poder de influenciar ou tomar decisões em nome da companhia." A Instrução CVM n° 358, de 03/01/2002,6 dispôs sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de informações na negoci- ação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado (revogando as disposições anteriores neste sentido). Mais recente- mente, a Instrução CVM n° 449, de 15/03/2007, alterou a Instrução CVM n 358/02. As modificações objetivam aprimorar as regras da instrução anterior quanto a: (i) divulgação de informações relativas à negociação de valores mobiliários e à aquisição de participação igual ou superior a 5% de ações de emissão de companhia aberta e (ii) vedações para negociação de ações de companhia aberta na pendên- cia de fato relevante não divulgado ao mercado. Na prática, a CVM deparou-se em diversas oportunidades com a necessidade de julgar recursos administrativos, direta ou indiretamente, relacionados ao disclosure da política de remuneração dos ad- ministradores. Dois exemplos, recentes, ilustram as incertezas e insuficiências normativas com as quais a autarquia se deparou. Primeiro, o Processo CVM RJ 2004/5792 - REG. COL n° 4505/2004, que trata de recurso inter- posto pelo Sr. Luiz Otávio Nunes West, ex-conselheiro fiscal da Cia. Vale do Rio Doce em face de decisão proferida pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP), em 27/08/2004, constante do Ofício/CVM/SEP/GEA-1/n 326/04, atinente ao Processo CVM RJ 2004/2885. Conforme histórico do diretor-relator, "em 27/04/04, foi protocolada reclamação pelo então conselheiro fiscal da CVRD, versando sobre a obstacularização da Companhia em fornecer informações e documentos relativos à forma e ao montante individual de distribuição da remuneração global dos administradores, bem como formulando consulta da taxatividade do parâmetro de 10% estabelecido no artigo 162, §3, da Lei n 6404/76, a título de remuneração dos conselheiros fiscais." 6. Com as alterações introduzidas pela Instrução CVM n° 369, de 11/06/2002.
  • 12. 9 Em 27/08/2004, foi enviado ao Sr. Luiz Otávio Nunes West o Ofício/CVM/SEP/GEA-2/n° 326/04, "in- formando-o do entendimento da SEP quanto à taxatividade do parâmetro estabelecido pelo artigo 162, §3, da Lei n 6404/76, bem como de que, em razão do exercício de sua função fiscalizadora, cumpria aos membros do Conselho Fiscal a ciência da média da remuneração da Diretoria." Em 17/09/2004, o Reclamante interpôs recurso contra o entendimento da SEP, o que originou a instauração do presente processo. Dentre outras solicitações, "[...], aguarda a manifestação da SEP quanto à competência e legitimidade de membro do Conselho Fiscal para requerer informações detalhadas acerca da remune- ração individual atribuída a cada membro da administração de determinada companhia." Mediante Memo/CVM/SEP/GEA-2/n° 138/04, datado de 04/10/2004, a GEA-2 apresentou as seguintes conside- rações: "[...] o pedido do Recorrente não versa sobre a média da retribuição da diretoria, mas acerca da remuneração individual de cada membro da administração, extrapolando suas prerrogativas funci- onais como membro do Conselho Fiscal, e seu direito pessoal, conforme disposto no §3º do artigo 162 da Lei n° 6.404/76." No voto, de 07/12/2004, o diretor-relator entendeu que o Reclamante "formulou consulta à SEP sobre (i) a legitimidade dos membros do conselho fiscal, à luz do que determina o art. 163 da Lei n 6404/76, para requerem à companhia informações sobre a remuneração individual atribuída a cada administrador, detalhada por natureza." [...] "Ade- mais, requereu fosse solicitada à CVRD informações acerca da forma e os critérios para a distribuição da remuneração dos administradores da companhia, sobre a remuneração indi- vidual mensal de cada administrador dessa sociedade (detalhada por natureza e acompa- nhada de seus registros contábeis), solicitando, ainda, cópia da ata da reunião do conselho de administração, que cuidou da distribuição da remuneração global e do montante individu- almente distribuído a cada administrador da companhia em questão." Inicialmente, o diretor-relator observou que a SEP não deixou "[...] de se manifestar sobre a questão da legitimidade dos conselheiros fiscais de requererem informações sobre a remuneração dos administradores. De fato, aquela área técnica posici- onou-se no sentido de que, no exercício da função fiscalizadora, aos membros do conselho fiscal cabe, unicamente, a ciência da média da remuneração da Diretoria (por considerar tal informação suficiente para se determinar a remuneração à que fazem), não concordando com a ideia de que tais conselheiros podem solicitar informações mais detalhadas sobre a remu- neração de cada um dos administradores da companhia." O diretor-relator discordou deste posicionamento pelos motivos resumidos a seguir. Primeiro, a "Lei n 6404/76, ao delimitar, em seu art. 163, a competência do conselho fiscal das companhias, atribui a esse órgão funções fiscalizadora (incisos I, IV e VI) e opinativa (incisos II, III e VII), bem como obrigações de convocar assembleias gerais em determinadas hipóteses (inciso V) e de exercer suas atribuições durante eventual liquidação da companhia." Além disso, "com o intuito de garantir o efetivo exercício dessas atribuições, a lei societária determinou, no §1 do art. 163, que os órgãos da administração, no prazo de 10 e 15 dias, respectivamente, têm de colocar à disposição dos membros em exercício do conselho fiscal cópias das atas de suas reuniões, além de cópias dos balancetes e demais demonstrações financeiras e, quando houver, dos relatórios de execução de orçamento." Assim, observou o diretor-relator que "[...] independentemente de qualquer pleito dos membros do con- selho fiscal, devem os administradores, obrigatoriamente, disponibilizar a esses conselheiros, no prazo legal, os documentos acima indicados."
  • 13. 10 Segundo, "a Lei das S/A garante a esse órgão o direito de requerer aos órgãos da administração, a pedido de qualquer de seus membros, esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua função fiscalizadora, bem como a elaboração de demonstrações financeiras ou contábeis especiais (cf. art. 163, §2, da Lei n 6404/76)." Portanto, ponderou o diretor-relator "no exercício de sua função fiscalizadora, um conselheiro fiscal tem interesse não só de veri- ficar a adequação do valor por ele percebido ao patamar mínimo da lei, como, eventualmente, a regularidade, legal e estatutária, da remuneração global e individual de cada um dos ad- ministradores da companhia." E concluiu afirmando que "[...] para o cumprimento deste mis- ter, entendo que os membros do conselho fiscal, individualmente, são legitimados a solicitar informações detalhadas sobre a remuneração atribuída a cada um dos administradores de uma companhia." Segundo, o Processo Administrativo n RJ2007/4598 - Reg. Col. N° 5510/2007, que trata do questiona- mento pelo acionista Yehuda Waisberg da licitude da acumulação, pelos controladores ou por pessoas a eles relacionadas, de cargos de administração em empresas controladas pelo Banco Mercantil S.A. Após analisar o assunto, a SEP e a PFE concluíram que: "[...] não houve violação ao art. 274 da Lei n 6404/76, que trata da remuneração de administradores de sociedades integrantes de grupo de direito." Inconformado com esse entendimento, o Reclamante apresentou recurso ao colegiado, no qual alegou que: "[...] (ii) o art. 152 da Lei nº 6.404/76 estabelece que a remuneração dos administradores deve levar em conta o tempo dedicado às suas funções, sendo, portanto, absurdo o acúmulo de salários integrais em diversas diretorias e conselhos de empresas controladas; e (iii) o Banco Mercantil S.A. mantém contratos de gestão com suas controladas, pelos quais assume atividades de gestão dessas últimas, o que comprovaria que os administradores da controla- dora que recebem simultaneamente salários integrais na controladora e em outras empresas do grupo estariam sendo remunerados duplamente." Na introdução do seu voto, de 13/05/2008, o relator observou que "embora o recurso apresentado seja intempestivo, acredito que este caso não deva ser arqui- vado, pois lida com assuntos cuja apreciação pelo colegiado pode se mostrar bastante útil para futuras decisões desta autarquia. Além disso, como demonstrarei, parece-me que as in- vestigações procedidas pela SEP poderiam ter sido mais extensas, e que, se o tivessem sido, poderiam ter levado a conclusão diversa da que se chegou durante a análise inicial destes autos." Apesar de concordar com a SEP e a PFE de que não há nada na legislação societária que vede objetiva- mente a acumulação de cargos de administração e de remunerações, o relator observou que "[..] a investigação procedida pela SEP neste caso deveria ter sido mais abrangente e que, se o tivesse sido, as conclusões decorrentes poderiam ter sido outras." Dentre outras razões, "[...] porque a matéria não se esgota na análise formal das normas relativas ao preenchimento dos órgãos administrativos e à remuneração de seus membros. Ela vai mais além, abrangendo também comandos que impõem obrigações substanciais de conduta aos controladores, nota- damente o abuso de poder de controle."
  • 14. 11 Após inúmeras considerações o relator concluiu que, de fato, segundo sua averiguação dos autos "[...] a SEP não investigou se a remuneração dos administradores do Grupo Mercantil foi fixada "tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profis- sional e o valor dos seus serviços no mercado". Restringiu-se à análise do cumprimento das regras formais." Em resumo, apesar de todas as inovações introduzidas desde a adoção da Lei n° 6404/1976, e da jurisprudência correlata, no tocante à normatização do disclosure de informações sobre a política de remuneração dos administradores, a limitação imposta pelo ordenamento jurídico vigente no Brasil – uma economia globalizada, onde a competição por mercados e recursos escassos é cada vez mais intensa –, acabou por inserir uma verdadeira "lacuna de desempenho" na eficiência da norma escrita e no julga- mento de questionamentos sobre este tema. Na minuta para a Audiência Pública a própria CVM reconhece que "a remuneração dos adminis- tradores é matéria sobre a qual [...] tem pouca experiência prática. Isto porque, tudo que se divulga atualmente é a remuneração global, sem qualquer segregação, assim não há como contar com a expe- riência do órgão para determinar quais os meios mais adequados de pedir informações para que os resultados sejam os mais úteis possíveis para o investidor." No entanto, ela acredita que "sob o ponto de vista quantitativo, as normas contábeis internacionais têm avançado bastante nesse campo e as re- gras brasileiras refletirão tal avanço." 3.2 IBGC O Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), fundado em 27/11/1995, tinha o obje- tivo de fortalecer a atuação desse órgão de supervisão e controle nas empresas. Posteriormente, as pre- ocupações se ampliaram para questões de propriedade, diretoria, conselho fiscal e auditoria indepen- dente. Assim, em 1999 foi criado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC, com o ob- jetivo de promover a governança corporativa no Brasil, sendo o principal fomentador das práticas e discussões sobre o tema no país. Em maio de 1999 o IBGC publicou o primeiro código sobre governança corporativa no Brasil. Este código segue a tendência global de se estruturarem referências de melhores práticas para as firmas. Atualmente, o código do IBGC está em sua terceira versão. A primeira, de maio de 1999, concentrou- se principalmente no Conselho de Administração, em seu funcionamento, composição e atribuições. A segunda versão, de abril de 2001, consolidou os argumentos técnicos ao princípio da equidade entre os diferentes acionistas. Ele também passou a abordar todos os agentes da governança corporativa: Conse- lho de Administração, Conselho Fiscal, administradores, auditoria independente. Por fim, tratou do prin- cípio da prestação de contas (accountability) e discutiu conflitos de interesse e ética. A terceira versão, de março de 2004, destacou o princípio de responsabilidade corporativa. Conforme esta versão, "o ob- jetivo central deste Código é indicar caminhos para todos os tipos de sociedades – por ações de capital aberto ou fechado, limitadas ou civis – visando a: aumentar o valor da sociedade, melhorar seu desem- penho, facilitar seu acesso ao capital a custos mais baixos e contribuir para sua perenidade." Para o IBGC os princípios básicos que inspiram este Código são: transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa. Com relação à transparência, "a comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e que conduzem à criação de valor." A equidade "caracteriza-se pelo tratamento justo e igualitário de todos os grupos minoritários, sejam do capital ou das demais "partes interessadas" (stakeholders), como colaboradores, clientes, fornecedores ou credores. Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis." A accountability expressa que "os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação a quem os elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem no exercício de seus mandatos." Por fim, com relação à responsabilidade corporativa os "conselheiros e executivos de- vem zelar pela perenidade das organizações (visão de longo prazo, sustentabilidade) e, portanto, devem
  • 15. 12 incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. Respon- sabilidade Corporativa é uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando todos os re- lacionamentos com a comunidade em que a sociedade atua." Com relação à transparência (disclosure) a terceira versão do Código sugere que "o executivo prin- cipal (CEO) deve prestar todas as informações que sejam pertinentes, além das que são obrigatórias por lei ou regulamento, tão logo estejam disponíveis, e a todos os interessados, prevalecendo a subs- tância sobre a forma." Além disso, "a Diretoria deve buscar a clareza e objetividade das informações, por meio de linguagem acessível ao público-alvo." Por último, "as informações devem ser equilibradas e de qualidade, abordando tanto os aspectos positi- vos quanto os negativos, para facilitar ao leitor a correta compreensão e avaliação da socie- dade. Toda informação que possa influenciar decisões de investimento deve ser divulgada imediata e simultaneamente a todos os interessados. Internet e outras tecnologias devem ser exploradas para buscar a rapidez e larga difusão de tais informações." Com relação à remuneração dos administradores o Código entende que "A remuneração da Diretoria deve estar estruturada de forma a vincular-se a resultados, por meio de incentivos inteligentes e coerentes, para que seu desempenho coincida com o que seja melhor para a sociedade e para os sócios. A remuneração deve ser estabelecida de forma a criar os incentivos apropriados para a geração de valor a longo prazo, e isso se aplica não só à Diretoria, mas aos funcionários em todos os níveis da Sociedade. As organizações devem ter um procedimento formal e transparente para desenvolver sua política de remuneração e estabelecer o pacote de salários de seus executivos. Nenhum diretor deve estar envolvido em qualquer decisão que abranja sua própria remuneração. Opções de compra de ações da com- panhia a preços descontados devem ser evitadas. Os sistemas de avaliação e remuneração devem ter um caráter de longo prazo, além de uma simetria de riscos que não permita atitudes que beneficiem a Diretoria em detrimento dos acionistas. O sistema de remuneração, por exemplo, deve ser suficientemente atrativo, sem excessos, sempre considerando o potencial de geração de valor ao acionista. A estrutura de incentivos deve incluir um sistema de freios e contrapesos que indique os limites de atuação de cada agente, evitando que uma mesma pessoa controle o processo decisório e a sua respectiva fiscalização." Atualmente, o conteúdo do Código está sendo revisto por um comitê composto por associados do IBGC e será submetido à audiência pública antes de sua publicação. A expectativa é que ele contemple inova- ções introduzidas no período recente em outras jurisdições, além de desenvolvimentos teóricos e o re- sultado da evidência empírica sobre temas da governança corporativa. Em resumo, o atual Código de Governança Corporativa elaborado pelo IBGC continua a ser uma referência importante no mercado brasileiro. No entanto, é omisso em relação as melhores práticas de disclosure da política de remuneração dos administradores. 3.1 CODIM O Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (CODIM) "é uma iniciativa conjunta de entidades representativas do mercado de capitais, e tem por função discutir e sugerir a utilização das melhores formas de divulgação de informações das companhias abertas para os seus mais diferentes usuários, através de pronunciamentos de orientação a serem produzidos e disseminados no mercado por todas as entidades participan- tes direta ou indiretamente deste comitê e de apoios a outros documentos e/ou iniciativas que
  • 16. 13 sirvam também para atingir os seus objetivos. Esta iniciativa objetiva a padronização das melhores práticas de divulgação e, portanto, se propõe a ajudar no desenvolvimento do mer- cado de capitais do país." A missão do CODIM inclui "a elaboração de pareceres de orientação que devem alinhar as Melhores Práticas de Divulgação, estabelecendo princípios básicos e a utilização de recursos tecnológicos com- patíveis com as necessidades dos agentes do mercado de capitais." Conforme definido no seu Regula- mento Interno, cada tema é discutido e aprovado pelos membros do Comitê,7 que são responsáveis pela elaboração de minuta para uma audiência, inicialmente restrita junto às instituições membros e, em se- guida, pública. Atualmente, uma minuta de Pronunciamento de Orientação, trata da "política de divulgação da remuneração dos administradores, necessidade de padronização de procedimentos para sua elabora- ção, como forma de contribuir para a adoção de boas práticas de governança corporativa que fortale- çam critérios de confiança e o desenvolvimento do mercado." Esta política se aplica a todos os admi- nistradores, sejam eles conselheiros de administração ou diretores. Também se aplica a eventuais remu- nerações e incentivos concedidos aos administradores, através de empresas coligadas ou controladas, no Brasil ou no exterior. Conforme a minuta, "os públicos estratégicos da companhia têm o direito de saber o valor da remuneração per- cebida pelos administradores das companhias investidas, bem como de que forma está sendo conduzida a política de remuneração, pois estas informações são fundamentais na avaliação da gestão, e como consequência na precificação destas companhias. Por esta razão as infor- mações sobre a remuneração dos administradores, sejam elas fixas ou variáveis, bem como sobre a política de bônus, devem ser apresentadas de forma adequada para a análise dos investidores. O desafio consiste em se conseguir informar de forma completa e de fácil acesso ao investidor." A proposta do CODIM tem um duplo objetivo. Primeiro, "elaborar um modelo de divulgação que seja salutar para o desenvolvimento do mercado de capitais, levando em consideração que a transparência sobre os incentivos e horizonte visados pelos administradores nas decisões tomadas, e sobre o poder de retenção e atração de talentos, constitui ponto fundamental na decisão dos investidores em aportar recursos e distinguir entre as companhias." Segundo, "considerar a sensibilidade do risco sofrido pelo administrador ao divulgar sua remuneração." Segundo o CODIM a boa governança compreende: (i) transparência, (ii) divulgação do maior nú- mero de informações, (iii) divulgação de todo o tipo de remuneração e não apenas, conforme a Lei, o seu montante global aprovado e (iv) a implementação de um Comitê de Remuneração. Com relação às formas de remuneração a minuta propõe "uma completa descrição dos pacotes de remuneração dos conselheiros de administração e dos diretores da companhia [que] pode ser feita em dois grupos, conselheiros e diretores, ou se a companhia achar adequado, individualmente, e ainda separando os membros indicados pelo grupo controlador dos outros, sempre separando a parte fixa da parte variável, devendo 7. O Comitê é formado pela: Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA); Associação de Investidores no Mercado de Capitais (AMEC); Associação Brasileira dos Bancos de Investimento (ANBID); Associação Nacional das Corre- toras de Valores, Câmbio e Mercadorias (ANCOR); Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC); BM&F Bovespa - Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros; Conselho Federal de Contabilidade (CFC); Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON) e Insti- tuto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI). Participa ainda do Comitê, na qualidade de membro observador, a Co- missão de Valores Mobiliários (CVM).
  • 17. 14 discriminar entre outros, os valores pagos a título de: a) salários; b) bônus; c) todos os be- nefícios baseados em valores mobiliários, em especial os baseados em ações; d) gratificações de incentivo; e) pagamentos projetados em programas de aposentadoria e afastamento; f) contratos de consultoria entre a companhia, sociedade controlada ou coligada, e sociedade controlada por administradores e g) outros benefícios diretos e indiretos, de curto, médio e longo prazos." A minuta também considera fundamental a explicitação, clara, dos critérios utilizados para definir e para efetivamente remunerar os administradores da firma. Por fim, considera que "as informações sobre os valores pagos devem ser divulgadas na forma de tabela contendo os últimos anos, [...] totalizando a remuneração atribuída a cada grupo, para possibilitar um comparativo adequado entre a evolução da remuneração dos administradores e das atividades da companhia." Em resumo, a proposta do CODIM é importante ao abordar o disclosure da política de remuneração dos administradores. No entanto, ela é limitada ao considerar que apenas a divulgação da "remuneração atribuída a cada grupo" é suficiente para informar adequadamente aos acionistas e outras partes interes- sadas. 3.2 Comissão Europeia Em maio de 2003, a Comissão Europeia adotou uma comunicação intitulada "Modernising Company Law and enhancing Corporate Governance in the European Union – A Plan to Move Forward". Dentre as várias propostas para fortalecer os direitos dos acionistas e modernizar o Conselho de Administração, esta comunicação propôs uma iniciativa para encorajar a adoção de um regime regulatório apropriado para a remuneração dos administradores das firmas dos Países Membros. Em sequência, a Comissão divulgou a Recommendation 2004/913/EC, de 14/12/04, "Fostering an Appropriate Regime for the Remuneration of Directors of Listed Companies", que está organizada da seguinte forma. A seção I trata do escopo e definições da Recomendação. A seção II trata da política de remuneração (remuneration policy) e discute (i) disclosure da política de remuneração dos administra- dores (disclosure of the policy on directors' remuneration) e (ii) voto dos acionistas (shareholders' vote). A seção III trata da remuneração individual (remuneration of individual firectors) e discute, essencial- mente, o disclosure da remuneração individual dos administradores (disclosure of the remuneration of individual directors). A seção IV trata da remuneração baseada em ações (share-base remuneration) e discute, essencialmente, a aprovação pelos acionistas (shareholders' approval). Por fim, a seção V trata da divulgação de informações (information) e disposições finais (final provisions). Segundo o entendimento da Comissão, a forma, a estrutura e o nível da remuneração dos adminis- tradores é da competência das firmas e dos seus acionistas. Assim, facilita-se o recrutamento e a retenção de administradores talentosos para gerir a firma. No entanto, ela entende que "remuneration is one of the key areas where executive directors may have a conflict of interest and where due account should be taken of the interests of shareholders. Remuneration systems should therefore be subjected to appro- priate governance controls, based on adequate information rights." A Recomendação também observa que o "disclosure of accurate and timely information by the issuers of securities builds sustained investor confidence and constitutes an important tool for promoting sound corporate govern- ance throughout the Community. To that end, it is important that listed companies display appropriate transparency in dealings with investors, so as to enable them to express their views." Assim, a proposta da Comissão Européia é que os
  • 18. 15 "shareholders should be provided with a clear and comprehensive overview of the company's remuneration policy. Such disclosure would enable shareholders to assess a company's ap- proach to remuneration and strengthen a company's accountability to shareholders. It should include elements related to compensation. This should not, however, oblige the company to disclose any information of a commercially sensitive nature which could be detrimental to the company's strategic position." A Comissão entende que a transparência adequada dos contratos referentes à política de remuneração dos administradores deve ser assegurada a todas as partes interessadas. Isto inclui, inclusive, o disclosure de informação sobre aviso prévio, indenizações e outros temas diretamente relacionados à remuneração destes agentes. Para que os acionistas possam tem a oportunidade de expressar seus pontos de vista e debaterem a política de remuneração com base em uma ampla política de disclosure, a Recomendação sugere que esta política seja um item específico da agenda da assembleia geral anual da firma. E, de modo a aumentar a accountability, esta política deveria ser submetida à votação nesta mesma assem- bleia. Mais ainda, com relação à extensão das informações, a Comissão recomenda que os "shareholders should also be provided with the information on the basis of which they can hold individual directors accountable for the remuneration they earn or have earned. Disclo- sure of the remuneration of individual directors of the company, executive and non-executive or supervisory directors, in the preceding financial year is therefore important to help them appreciate the remuneration in the light of the overall performance of the company." Por fim, adotando uma proposta também observada em outras jurisdições a Comissão sugere que "variable remuneration schemes under which directors are remunerated in shares, share op- tions or any other right to acquire shares or to be remunerated on the basis of share price movements, and any substantial change in such schemes, should be subject to the prior ap- proval of the annual general meeting. The approval should relate to the scheme of remunera- tion and the rules applied to establish the individual remuneration under the scheme but not to the individual remuneration of directors under the scheme." Mais recentemente, em outubro de 2008, o Presidente da European Commission, José Manuel Barroso, encarregou Jacques de Larosière de liderar um grupo de trabalho sobre o futuro da regulação e supervi- são financeira na Europa. O relatório final (Larosière (2009)), dentre outros temas, identificou as se- guintes causas da atual crise financeira: (i) temas macroeconômicos, (ii) gestão de risco, (iii) papel das agências de rating, (iv) "falências" da governança corporativa e (v) "falências" na regulação, supervisão e gestão da crise. Segundo o relatório as "falências" da governança corporativa são "[…] one of the most important failures of the present crisis." Na avaliação do grupo de trabalho, "remuneration and incentive schemes within financial institutions contributed to excessive risk-taking by rewarding short-term expansion of the volume of (risky) trades rather than the long-term profitability of investments. Furthermore, shareholders' pressure on management to deliver higher share prices and dividends for investors meant that exceeding expected quar- terly earnings became the benchmark for many companies' performance." Para o grupo de trabalho, "the crisis has launched a debate on remuneration in the financial services industry. There are two dimensions to this problem: one is the often excessive level of remuneration in the
  • 19. 16 financial sector; the other one is the structure of this remuneration, notably the fact that they induce too high risk-taking and encourage short-termism to the detriment of long-term per- formance. Social-political dissatisfaction has tended recently to focus, for understandable reasons, on the former. However, it is primarily the latter issue which has had an adverse impact on risk management and has thereby contributed to the crisis. It is therefore on the structure of remuneration that policy-makers should concentrate reforms going forward. E, conclui, que "it is extremely important to re-align compensation incentives with shareholder interests and long-term, firm-wide profitability. Compensation schemes must become fully transparent. Industry has already come up with various sets of useful principles to try and achieve this. The principles agreed in 2008 by the Institute of International Finance, for example, are a first step." Em resumo, a Comissão Europeia, desde o início da década, manifestou o seu entendimento de que é fundamental a adoção de um regime regulatório apropriado para a remuneração dos administradores, enfatizando o disclosure individual das informações relevantes, de modo a facilitar a avalição pelos acionistas da correlação entre o desempenho da firma e a remuneração paga aos seus gestores. 3.3 SEC O disclosure compulsório da remuneração dos executivos remonta ao Securities Act de 1933 e ao Secu- rities Exchange Act de 1934.8 Ambos estes Acts detalharam os requisitos de disclosure, nas declarações elaboradas pela firma, para as remunerações pagas aos seus administradores. Após a aprovação destes Acts, a mudança seguinte nos requisitos de disclosure deu-se em 1938, quando passou a ser obrigatório nos proxy statements.9 Com a nova regulação, as firmas poderiam escolher entre um formato "tabular" ou "narrativo", ou uma combinação de ambos. O disclosure da remuneração continuou a evoluir com o formato tabular sendo exigido a partir de 1978 para todos os componentes da remuneração.10 McGahran (1988) relata que as regras de disclosure de 1978 combinadas com o monitoramento crescente do Internal Revenue Service sobre os privilégios e mordomias (perquisites) levou à substituição destes por salários e bônus. Então, em 1983, a Securities and Exchange Commission - SEC reverteu o requisito e limitou o disclosure tabular e fortaleceu aquela em forma narrativa.11 Em 1992, a SEC novamente reverteu a norma e retornou ao formato quase estri- tamente tabular, com limites ao disclosure narrativo.12 A opacidade dos disclosures foi um tema imensamente debatido na imprensa e pelos acionistas até 2004, quando a SEC iniciou uma discussão formal sobre a necessidade de se alterar o disclosure da remuneração dos executivos.13 Para tratar o disclosure limitado dos privilégios e mordomias a SEC pro- pôs, em 27/01/2006, o Executive Compensation and Related Party Disclosure. Em resumo, as modifi- cações propostas em 2006 derivaram do escrutínio crescente pela imprensa e pelos acionistas dos bene- fícios concedidos aos executivos e objetivaram aumentar a transparência sobre a remuneração, especi- almente aquela "disfarçada" sob a forma de perquisites, planos e pensão e benefícios pós-aposentado- ria.14 8. Item 14 do Schedule A do Securities Act of 1933 e Section 12(b) do Securities Exchange Act of 1934. 9. Release n 34-1823, de 11/08/1938. 10. Uniform and Integrated Reporting Requirements: Management Remuneration, Release n° 33-6003, de 04/12/1978. 11. Disclosure of Executive Compensation, Release n° 33-6486, de 23/09/1983. 12. Executive Compensation Disclosure, Release n° 33-6962, de 16/10/1992. 13. Neste ano, Allen Beller, diretor da Division of Corporation Finance of the Security and Exchange Commission, fez um discurso onde referenciou diversas vezes o disclosure of perquisites. Em particular, o discurso mencionou a caracterização adequada de despesas referentes ao negócio da firma (business expenses); também mencionou a necessidade de se divulgar o uso de aviões e automóveis para fins pessoais. O tema geral do discurso foi que diversas firmas adotam disclosures que não fornecem informações adequadas aos acionistas. 14. A SEC dá os seguintes exemplos de perquisites: "club memberships not used exclusively for business entertainment
  • 20. 17 Em 11/08/2006, a SEC finalmente emendou os requisitos de disclosure existentes para a remune- ração dos administradores. As regras finais (Rules) estão dispostas na SEC Releases 33-8732 e 34- 54302. Os requisitos refentes à divulgação de opções de ações foram revisados na SEC Releases 33- 8765 e 34-55009, ambas de 22/12/2006. As regras foram exigidas a partir de 15/12/2006. As novas Rules exigem um disclosure da política de remuneração significativamente diferente da- quele até então adotado pelas firmas e revisam, de forma completa, o conteúdo disponibilizado ao regu- lador e ao mercado. Outras modificações importantes sobre o disclosure dizem respeito à transações com partes relacionadas, independência dos membros do Conselho de Administração, outros temas de governança corporativa e detenção de participações acionárias pelos administradores. As Rules se apli- cam ao disclosure em proxy statements, registration statements e outras submissões junto à SEC (como, por exemplo, Form 8-K). O propósito das Rules é permitir um disclosure detalhado e completo da remuneração paga aos administradores. Sob as Rules, o disclosure da remuneração no Item 402 da Regulation S-K é estruturado em quatro segmentos: (i) uma Compensation Discussion and Analysis apresenta, em forma de narrativa, a política de remuneração e as decisões tomadas sob estas políticas; (ii) uma Summary Compensation Table e uma tabela suplementar para prêmios permitem uma visão da remuneração total paga, incluindo o valor de qualquer benefício sob a forma de ações concedidas/exercidas no futuro; (iii) duas novas tabelas fornecem mais informação sobre os benefícios concedidos sob a forma de ações e sobre valores realizados em decorrência do exercício de ações no ano e (iv) novas tabelas tratam de benefícios de aposentadoria e outras compensações diferidas, por administrador, e exigem estimativas para o evento de rescisão contratual ou mudança de controle da firma. Em resumo, as novas Rules exigem o seguinte: 1) "companies are required to present a new man- agement Compensation Discussion and Analysis, in addition to a revamped compensation committee report"; 2) a "Summary Compensation Table is expanded to include a total compensation column and a column showing the increase in value of pension plan benefits and above-market earnings on non- qualified defined-contribution and other deferred compensation plan benefits"; 3) a "Summary Com- pensation Table is supplemented by a new table requiring disclosure for all plan-based awards"; 4) "new disclosures are added about the value of equity grants when made and when exercised"; 5) o "disclosure of perks is expanded and made more detailed"; 6) o "disclosure of post-employment com- pensation is expanded, including two new retirement/deferred compensation tables providing more de- tailed information and new narrative disclosure of severance and change in control benefits"; 7) o "principal financial officer is included as a named executive officer, even if not in the top five officers by compensation"; 8) "director compensation is disclosed on a summary compensation table with foot- notes"; 9) "all disclosures are in plain English"; 10) "disclosure about compensation committee govern- ance and operations is expanded" e 11) "disclosure of transactions with related persons is expanded, although the threshold for disclosure is raised from $60,000 to $120,000." Na avalição de Andrews et al. (2009) "these results suggest that the SEC’s expanded disclosure requirements are informative and useful to capital market investors in their attempts to detect the mis- appropriation of firm resources by weakly governed firms." Em resumo, apesar da tradição norte-americana desde o século passado privilegiar o disclosure da política de remuneração dos administradores, foi apenas a partir de meados desta década que os requi- sitos de disclosure foram aprofundados e detalhados. Atualmente, o arcabouço regulatório daquele mer- cado, sobre este tema, pode ser considerado um dos mais completos do mundo. purposes, personal financial or tax advice, personal travel using vehicles owned or leased by the company, personal travel otherwise financed by the company, personal use of other property owned or leased by the company, housing and other living expenses (including but not limited to relocation assistance and payments for the executive or director to stay at his or her personal residence), security provided at a personal residence or during personal travel, commuting expenses (whether or not for the company’s convenience or benefit), and discounts on the company’s products or services not generally available to employees on a non-discriminatory basis."
  • 21. 18 3.6 IIF No âmbito da atual crise financeira global uma outra iniciativa particularmente relevante para a discus- são do tema objeto desta Audiência Pública e, em particular, sobre a remuneração dos administradores, foi feita pelo Institute for International Finance (IIF). Em julho de 2008 este Instituto divulgou um relatório sobre "melhores práticas" de governança corporativa. O objetivo do relatório foi analisar a contribuição da governança para a surgimento da crise. Dentre outras, foi objeto de avaliação as políticas de remuneração dos administradores.15 Segundo o relatório, "market evolution related to the originate-to-distribute model and the growth of structured products led some firms to apply compensation incentives that exacerbated the weaknesses that contrib- uted to the market turmoil." Uma seção do documento apresenta sugestões para o realinhamento dos incentivos concedidos aos executivos. Especificamente, as firmas devem: "1) base compensation on risk-adjusted performance, and align incentives with shareholder interests and long-term, firm-wide profitability; 2) ensure that compensation incentives do not induce risk-taking in excess of the firm’s risk appetite; 3) align payout with the timing of re- lated risk adjusted profit; 4) take into account realized performance for shareholders over time in determining severance pay and 5) make the approach, principles, and objectives of each firm’s compensation policies transparent to stakeholders." Em particular, com relação ao disclosure o relatório do IIF observa que "keeping the purposes of disclosure in focus will help contain the serious problem of infor- mation overload. Too much information can be, and has been, as much a source of opacity as too little. Thus, all disclosure Recommendations should be understood as subject to the qual- ification that disclosures should be kept "relevant and useful" for their intended purposes and users. The Committee has considered specific concerns about the transparency of structured products and of the firms’ positions and risk management practices and accordingly has de- veloped Principles of Conduct and Best Practice Recommendations on a broad range of is- sues." Em resumo, também o IIF entende que toda informação sobre a política de remuneração é fundamental para os acionistas. No entanto, deixa claro a necessidade de se evitar erros por "excesso" ou por "falta" de informações. 3.7 Austrália A Austrália, seguindo os desenvolvimentos em outras jurisdições, incluindo o Sarbanes-Oxley Act, e considerando as recomendações da HIH Royal Commission and the Ramsay Report on the Independence of Australian Company Auditors (Department of Treasury (2002), (2004)) adotou novos requisitos que se tornaram lei com o Corporate Law Economic Reform Program (Audit Reform and Corporate Dis- closure) Act 2004 (também conhecido como CLERP 9), com vigência a partir de 01/07/2004. A nova legislação introduziu demandas adicionais ao reconhecimento e disclosure de informações sobre a re- muneração dos administradores, e aos mecanismos de governança associados. Em particular, a CLERP 9 exige: (i) a adoção pelas firmas das normas de contabilidade emitidas pelo International Accounting 15. The Principles of Conduct, Best Practice Recommendations, and Considerations for the Official Sector são apresentados em diversas seções, conforme a organização dos grupos de trabalho envolvidos no projeto: 1) Risk Management; 2) Compen- sation Policies; 3) Liquidity Risk, Conduit, and Securitization Issues; 4) Valuation Issues; 5) Credit Underwriting, Ratings, and Investor Due Diligence in Securitization Markets e 6) Transparency and Disclosure Issues.
  • 22. 19 Standards Board - IASB, a partir de 01/01/2005; (ii) maior disclosure da remuneração dos administra- dores, incluindo metas de desempenho (performance targets) e a proporção da remuneração que de- pende destas metas; (iii) a apresentação de um Remuneration Report como parte integrante do Relatório Anual da Administração e 4) o requisito "to hold a non-binding shareholder vote to adopt the remune- ration disclosures within the Remuneration Report." 4 Separação da Propriedade e Controle e o Problema de Agência O objetivo desta seção é resumir alguns conceitos e princípios relacionados à separação da propriedade e controle e caracterizar o problema de agência decorrente. Isto é importante para situar a discussão sobre o disclosure da remuneração dos administradores no âmbito da moderna teoria econômica e enfa- tizar a necessidade destas informações serem disponibilizadas aos acionistas e aos demais stakeholders. 4.1 Natureza da Firma O problema da natureza da firma foi tratado por Adam Smith em An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, de 1776, escrito no momento da Revolução Industrial. O modelo inicial de análise, posteriormente denominado de modelo neoclássico, supunha um mercado de concorrência per- feita, sem custos de transação e com perfeita mobilidade de insumos e fatores de produção. Este modelo atingiu o seu ápice com Alfred Marshall, no início deste século, e foi apresentado em seus Principles of Economics.16 No entanto, apesar da sua utilidade no entendimento do funcionamento da firma, o modelo neo- clássico apresentava sérias deficiências. Primeiro, desconsiderava completamente o papel dos incentivos dentro da firma. Segundo, desenvolvia muito pouco a organização interna da firma (estrutura hierárquica, delegação de decisões e alocação de autoridade). Terceiro, não delimitava satisfatoriamente as fronteiras da firma. Mais recentemente, Grossam e Hart (1986) discutem a natureza da firma, buscando os determinan- tes de uma teoria de integração vertical e lateral, na tradição de Coase, Klein, Crawford, Alchian e Williamson, que enfatiza os benefícios do controle em situações onde é difícil definir ou assegurar o cumprimento de contratos perfeitos (complet contracts). 4.2 Propriedade e Controle A discussão sobre a separação do controle e propriedade remonta a Adam Smith. No início dos anos 30 foi formulado por Berle e Means, em The Modern Corporation and Private Property. Adam Smith, no volume 2 da sua obra capital sobre a riqueza das nações, observa que "[…] the directors of such 'joint- stock' companies, however, being the managers rather of other people's money than their own, it cannot be expected that they should watch over it with the same anxious vigilance with which the partners in a private partnership frequently watch over their own." E ainda, "what are the common wages of labour, depends everywhere upon the contract usually made between those two parties, whose interests are not the same. The workmen desire to get as much, the masters to give as little as possible." Um século e meio após a formulação de Adam Smith, Berle e Means, retornaram ao tema da dis- persão do controle acionário. Eles argumentaram que, desde o surgimento do capitalismo, a maior parte da produção acontecia em organizações relativamente pequenas onde os proprietários eram também os administradores. A partir do século XIX, com a Revolução Industrial, a inovação tecnológica induziu ao aumento do tamanho ótimo de muitas firmas, ao ponto onde nenhum indíviduo, família ou grupo de 16. O que não significa que sofisticações matemáticas posteriores não continuaram a contribuir para o seu entendimento. Apenas que os retornos marginais, após Marshall, passaram a ser decrescentes.
  • 23. 20 gestores teria recursos suficientes para controlá-la. Como resultado, as firmas se depararam com "the dissolution of the old atom of ownership into its component parts, control and beneficial ownership" (Berle e Means (1932: 8)). Ainda segundo eles, esta separação da propriedade e controle, em última instância, ameaça "the very foundation on which the economic order of the past three centuries has rested." Os argumentos de Berle e Means sobre os perigos da dispersão acionária, escritos no auge da Grande Depressão dos anos 30, tiveram um impacto profundo e imediato. Em particular, eles contribu- íram para a modelagem da legislação federal norte-americana para o mercado de capitais escrita naquela década. Esta legislação foi elaborada de modo a proteger o interesse difuso dos acionistas daquele dos administradores profissionais e, ainda hoje, é a principal referência naquela economia. A noção de dispersão da propriedade também teve uma influência significativa sobre a agenda dos economistas a partir da década de 70. Vários estudos foram realizados com base no questionamento de Berle e Means, objetivando aprofundar o conhecimento sobre a estrutura de propriedade das empresas, os impactos da mudança dessa estrutura e as respectivas relações entre acionistas e administradores. Um dos artigos seminais do pós-guerra foi escrito por Jensen e Meckling (1976). O foco principal do artigo é exatamente o conflito entre o interesse difuso dos acionistas e aquele dos executivos – que ficou conhecido na literatura como problema de agência: "since the relationship between the stockholders and manager of a corporation fit the defini- tion of a pure agency relationship, it should be no surprise to discover that the issues associ- ated with the separation of ownership and control in the modern diffuse ownership corpora- tion are intimately associated with the general problem of agency. We show […] that an ex- planation of why and how the agency costs generated by the corporate form are born leads to a theory of the ownership (or capital) structure of the firm." 4.3 Problema de Agência Uma relação de agência é um contrato onde uma ou mais pessoas (o(s) principal(is)) engajam uma outra pessoa (o agente) para realizar determinadas ações em nome do(s) principal(is), o que envolve a dele- gação de autoridade sobre o processo decisório para o agente. Spence e Zeckhauser (1971) e Ross (1973) formalizam a análise inicial do problema associado à estruturação da remuneração do agente de maneira a alinhar os seus incentivos com o interesse do principal. Jensen e Meckling (1976) argumentam que os problemas de agência derivados de conflitos de interesse são generalizados para virtualmente todas as atividades cooperativas entre indivíduos, estejam ou não em uma estrutura hierárquica como aquela preconizada pela analogia do principal-agent. Desde que Jensen e Meckling (1976) propuseram uma teoria da firma (agency theory) baseada no conflito de interesse entre as diversas partes contratantes – acionistas, administradores, credores – uma extensa literatura econômica (seguida por estudos empíricos que buscam evidenciar estes conflitos) foi construída para explicar os diferentes aspectos deste conflito. Jensen e Meckling (1976) ainda sugeriram a existência de custos de agência associados aos conflitos entre os administradores e os acionistas (agency costs of equity) ou entre os acionistas e os credores (agency costs of debt). O mercado de capitais captura estes custos de agência como uma perda para os acionistas. O problema do principal-agente pode ser resumido da seguinte maneira.17 Existe um principal e um agente – o proprietário e o administrador de uma firma, por exemplo, ou o patrão e o funcionário – que não possuem os mesmos objetivos. O principal deseja induzir o agente a agir com base no seu interesse (do principal), mas não possui informação completa sobre os diversos estados e o comportamento do agente e, portanto, se defronta com um problema de monitoramento. Este problema impede o principal 17. A literatura sobre este problema é bastante extensa. Para detalhes ver, por exemplo, Rees (1985) e Vickers e Yarrow (1989).
  • 24. 21 de, com sucesso, informar ao agente o que fazer, já que ele não consegue observar completamente o que está acontecendo. Assim, tem-se um problema de informação e de incentivo. A indagação fundamental é, então: qual é a estrutura ótima do esquema de incentivo que o principal deve propor ao agente? A solução deste problema envolve duas restrições: primeiro, dado o esquema de incentivo, o agente irá se comportar pensando no seu próprio interesse; segundo, o esquema de incentivo deve ser atrativo o sufi- ciente para induzir o agente a subordinar-se ao principal. O problema do principal-agente envolvendo o proprietário e o administrador pode ser colocado da seguinte forma. As decisões são tomadas, em geral, por executivos profissionais cuja remuneração não depende exclusivamente do nível dos lucros.18 A firma possui uma base acionária bastante grande, sendo que cada acionista é detentor de uma porcentagem relativamente pequena do total do capital.19 O pro- blema de agência surge na medida em que os administradores não buscam, necessária ou exclusivamente, a maximização do valor para os acionistas: eles também podem estar interessados na proteção dos seus próprios interesses e, por exemplo, buscar a maximização do crescimento da firma ao invés do retorno dos acionistas. Nestas circunstâncias, a tentativa dos executivos de maximizar a sua própria função ob- jetivo pode ser restringida por três grupos de agentes do mercado de capitais: a) os acionistas, que tam- bém objetivam arranjos contratuais com os executivos, para maximizarem o seus próprios retornos; b) outros investidores ou seus agentes, que podem estar adquirindo participação acionária com o intuito de alterar os arranjos contratuais existentes e c) os credores da firma, que podem buscar novos executivos caso exista a possibilidade de default (Vickers e Yarrow (1989: 11)). 4.4 Remuneração dos Administradores O problema de incentivo relacionado à remuneração dos administradores é uma aplicação clássica do modelo do principal-agente (Jensen e Murphy (1990)). O problema de agência deriva de um conflito de intesse intrínseco associado à separação da propriedade (dos acionistas) do controle (dos executivos) em uma firma. A função objetivo do acionista é a maximização da sua renda/riqueza derivada do investi- mento na firma. A função objetivo dos administradores envolve a maximização da sua utilidade, como classicamente suposto na teoria econômica neoclássica, dado um certo grau de preferência pelo risco. É claro que os objetivos do acionista e dos executivos não estão perfeitamente alinhados nesta relação de agência e este é o fundamento do problema do principal-agente. A implementação de um contrato de remuneração entre a firma e os seus administradores busca alinhar o interesse destes com aquele dos acionistas. Especificamente, um contrato desta natureza deve prover incentivos suficientes para o executivo se esforçar na busca da maximização do retorno da firma e, portanto, na maximização do retorno dos acionistas (Ehrenberg e Smith (2000)). Um mecanismo comumente utilizado para definir um alinhamento de interesse é condicionar a remuneração ao desem- penho da ação da firma no mercado de capitais. No entanto, ao longo da última década, o uso deste mecanismo aumentou a ponto de chamar a atenção dos reguladores, dos acionistas e de outras partes interessadas para o entendimento e acompanhamento mais detalhado destes contratos. 5 Governança Corporativa O objetivo desta seção é resumir as principais dimensões da moderna governança corporativa, tema que deriva, diretamente, da discussão sobre a separação do controle e propriedade e o surgimento do pro- 18. Pode-se supor, por exemplo, que a função utilidades dos executivos dependa da sua renda e do seu nível de dedicação; ou ainda da receita líquida, da sua taxa de crescimento e do nível dos fringe-benefits. 19. As ações representativas do capital social podem ser comercializadas em mercados secundários.
  • 25. 22 blema de agência. A principal conclusão da teoria da agência é que os administradores não irão maxi- mizar o retorno dos acionistas a menos que uma estrutura de governança apropriada seja implementada, de modo a assegurar os interesses destes agentes, especialmente no caso de grandes firmas. 5.1 Fundamentos A governança corporativa pode ser definida de várias maneiras, sendo uma delas os modos do processo decisório e da alocação de poder entre os acionistas, os membros do conselho de administração e os diretores da firma. Um objetivo central de qualquer estrutura de governança deveria ser permitir que a firma operasse da "melhor forma possível". Não obstante a relevância do tema, é curioso o fato de que a expressão governança corporativa não existia a mais do que 20 anos atrás, apesar de muitas das ques- tões fundamentais tratadas por ela terem surgido com o estudo clássico de Berle e Means "The Modern Corporation and Private Property", publicado em 1932. A relevância da governança corporativa de- corre diretamente (John e Senbet (1998)): (i) do questionamento levantado sobre a eficiência dos meca- nismos de governança atualmente utilizados nas economias desenvolvidas;20 (ii) do debate referente à eficácia dos sistemas de governança corporativa adotados nos Estados Unidos e na Inglaterra (tipificado pela dispersão da base acionária e pelo papel relevante de mercados secundários para a troca de ações) e no Japão e na Alemanha (tipificado por uma maior concentração acionária e pelo papel fundamental das instituições financeiras) e (iii) da aparente renúncia dos mecanismos correntes de governança à nor- mas jurídicas que estabelecem o controle do conselho sobre a diretoria (management).21 Para a OECD (Principles 2004, Preamble), "corporate governance is one key element in improving economic efficiency and growth as well as enhancing investor confidence. Corporate governance involves a set of relationships between a company’s management, its board, its shareholders and other stakeholders. Cor- porate governance also provides the structure through which the objectives of the company are set, and the means of attaining those objectives and monitoring performance are deter- mined. Good corporate governance should provide proper incentives for the board and man- agement to pursue objectives that are in the interests of the company and its shareholders and should facilitate effective monitoring." Os fundamentos da governança corporativa podem parecer complicados, mas não os são de fato. Eles compreendem um conjunto de controles básicos através dos quais as firmas são governadas. Em geral, esses controles dispõem que:22 (i) os acionistas elegem os membros do conselho de administração para representá-los; (ii) os membros do conselho escolhem a diretoria; (iii) as decisões são tomadas de forma transparente, de tal forma que os acionistas podem cobrar as responsabilidades dos conselheiros e dos diretores; (iv) a firma adota princípios contábeis geralmente aceitos, o que permite a tomada de decisões pelos diretores, conselheiros, acionistas e investidores e (v) as políticas e práticas da firma estão de acordo com as leis federal e local. É entendimento corrente que boas práticas de governança corporativa devem proporcionar um re- ferencial importante para respostas rápidas do Conselho de Administração e da diretoria a situações que podem impactar diretamente o investimento dos acionistas. Na verdade, pode-se mesmo afirmar que a 20. Jensen (1989, 1993), por exemplo, argumenta que os mecanismos internos de governança corporativa das companhias americanas não podem ser considerados de sucesso. Por outro lado, juristas como Easterbrook e Fischel (1991) e Romano (1993) avaliam esses mecanismos e o sistema jurídico de maneira positiva. 21. Um princípio fundamental da governança corporativa estabelece que os acionistas elegem o conselho de administração que, por sua vez, seleciona a cúpula administrativa da companhia. No entanto, a prática comum é que o conselho seja eleito pelos acionistas a partir da lista de candidatos aprovada pelos administradores (John e Senbet (1998)). 22. Estes controles referem-se a um caso geral. As especificidades são, sem dúvidas, fundamentais para a definição da estru- tura de controle e devem ser consideradas na análise de casos particulares.