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John Locke e a teoria do
                          estado liberal: algumas reflexões
                            a partir de os “Dois Tratados
                               Sobre o Governo Civil”1

                                                                     Ethiene Cavalléro da Silva*
                                                              Karla Cristina Andrade Ferreira**
                                                              Oliene Isabel Sarmento Corrêa***


Resumo: John Locke definiu bases da democracia liberal e individualista, estudou a
relação entre a propriedade e o direito natural, negando a participação do Estado.
Afirmou o uso do trabalho como um dos pontos determinantes para a sua apropri-
ação, isto o tornou um dos inspiradores para a criação de várias constituições. Ana-
lisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, a partir de
reflexões do Segundo Tratado sobre o Governo Civil, será o objetivo desse trabalho, bus-
cando ao final, levantar qual a contribuição do autor na construção política da soci-
edade moderna.

Palavras-chave: Estado Liberal. Direito Natural. Propriedade.


                                 John Locke and the theory
                             of the liberal state: some thoughts
                                 based on the “Two Treaties
                                   On Civil Government”

Abstract: John Locke laid the foundations of liberal and individualistic democracy,
studied the relationship between property and natural right, denying the involvement


  1
   Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, Mestrado
   Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE.
  *Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Licenciada plena em Educa-
   ção Física/UEPA. Especialista em Educação Física Escolar/UEPA e Especialista em Atividade Física, Qualidade
   de Vida e Envelhecimento/UNOPAR. Professora de educação física do Estado do Amapá. ethca@ig.com.br.
 **Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel e licenciada em
   Ciências Sociais UNIFAP/AP. Professora de sociologia do Estado do Amapá. karlacristina.andrade@bol.com.br.
***Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel em Direito CEAP/
   AP. Policial Militar do Estado do Amapá. E-mail: oliene.sarmento@bol.com.


                                                       63
of the state. He affirmed the use of labor as one of the determinants for its
appropriation. This made him one of the catalysts for the creation of several
constitutions. To analyze how the liberal-individualist thought of Locke developed
based on reflections on the Second Treaty on Civil Government will be the objective of
this work, seeking at the end, to question what the contribution of the author is to
the political construction of modern society.

Key words: Liberal State. Natural Law. Property.


                                                 Introdução
        No século XVII, enquanto o absolutismo triunfa na França, a Inglaterra sofre
revoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos reis.
        Nesse contexto histórico, como defensor do liberalismo e da tolerância religio-
sa, John Locke (1632-1704) destaca-se entre os filósofos da época pela sua contribui-
ção com as obras: Cartas Sobre a Tolerância, Ensaios Sobre o Entendimento Humano e os Dois
Tratados Sobre o Governo Civil, além de ser considerado o fundador do empirismo2.
        Na visão lockiana, os homens possuem a vida, a liberdade e a propriedade
como direitos naturais e, para preservar esses direitos, deixaram o Estado de Natu-
reza, que é a vida mais primitiva da humanidade, e estabeleceram um contrato entre
si, criando o governo e a sociedade civil.
        Bobbio, resumindo os aspectos mais relevantes do pensamento de Locke, afirma:
                                  Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Es-
                                  tado, de um Estado baseado no consenso, de subordinação do
                                  poder executivo ao poder legislativo, de um poder limitado, de
                                  direito de resistência, Locke expôs as diretrizes fundamentais do
                                  Estado Liberal (BOBBIO, 1984, p.41).
       O filósofo negava o direito dos governantes ao autoritarismo e a aplicação do
direito divino, além de outras prerrogativas fundamentadas em preconceitos.
       A sua teoria política, desenvolvida no Segundo Tratado, representa, de acordo
com Norberto Bobbio, a primeira e a mais completa formulação do Estado Liberal,
lançando com isso, a ideia de democracia liberal, o que se tornaria a pedra angular
da civilização ocidental.
       Analisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, a
partir de reflexões do Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, será o objetivo deste
trabalho, buscando, ao final, levantar qual a contribuição do autor na construção
política da sociedade moderna.



2
    Empirismo: doutrina segundo a qual todo conhecimento deriva da experiência.


                                                       64
1 O Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil
       O ano de 1689 testemunhou a publicação de Dois Tratados Sobre o Governo Civil,
inicialmente escrito em 1681. Uma obra de política liberal, foi escrita por Locke
durante sua permanência forçada na Holanda.
       O primeiro dos Dois Tratados Sobre o Governo Civil refuta a ideia de Robert Filmer,
teórico político de enorme popularidade na época, que defende de forma convicta,
em sua obra “O Patriarca”, o absolutismo, acreditando no direito divino dos reis com
base no princípio da autoridade paterna de Adão, que seria o primeiro pai e primeiro
rei e que deixara esse legado à sua descendência. De acordo com esta doutrina, os
monarcas modernos eram descendentes da linhagem de Adão e herdeiros legítimos
da autoridade paterna dessa personagem bíblica, a quem Deus outorgara o poder real.
Locke, em contrapartida, afirmou a origem popular e consensual dos governos: “Adão
não tinha, seja por direito natural de paternidade ou por doação positiva de Deus,
autoridade de qualquer natureza ou domínio sobre o mundo, [...] se os tivesse, ne-
nhum direitos a eles, contudo, teriam seus herdeiros” (LOCKE, 1978, p.33).
       Assim observou Locke também, criticando a teoria de Filmer:
                          Todas essas premissas tendo sido, ao que me parece, claramente
                          estabelecidas, é impossível que os atuais governantes sobre a Terra
                          obtenham qualquer proveito, ou derivam a menor sombra de
                          autoridade daquilo que é tido como fonte de todo poder, “o
                          domínio privado e a jurisdição paterna de Adão”, de tal modo
                          que aquele que nem se permite imaginar que todo governo no
                          mundo é apenas o produto da força e da violência e que os ho-
                          mens somente vivem juntos pelas mesmas regras dos animais,
                          onde vence o mais forte, e desta forma, lança as bases para a
                          perpétua desordem e discórdia, tumulto, sedição e rebelião, deve
                          necessariamente descobrir outra origem para o governo, outra
                          fonte do poder político e uma outra maneira de escolher e co-
                          nhecer as pessoas que o exercem diferentemente daquela que
                          nos ensinou Sir Robert Filmer (LOCKE, 1996, p. 177).


2 O Segundo Tratado Sobre o Governo Civil
      No Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, Locke busca descobrir as raízes do
governo, expõe a teoria do pacto social e defende o liberalismo, buscando derrubar
de forma definitiva o inatismo absolutista de Filmer. Tanto é verdade que, no pri-
meiro capítulo de seu trabalho, volta a refutar as teses de Filmer, levando Locke a
uma busca reiterada do entendimento e da legitimidade do domínio e do poder de
determinados indivíduos sobre os outros.
      Assim, Locke define um de seus conceitos-chave, que é o de poder político,
que seria o “direito de fazer leis com a pena de morte e, consequentemente, todas as


                                             65
penalidades menores para regular e preservar a propriedade, e de empregar a força
da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior;
e tudo isso tão só em prol do bem público” (LOCKE, 1978, p.34).
       Para entender o poder político e suas origens liberais, Locke nos diz que deve-
mos saber como conviviam os homens em seu estado de natureza. No estado natu-
ral original, os homens eram felizes e iguais, mas essa liberdade e essa igualdade
eram, sobretudo, no plano teórico. Para que as pessoas pudessem evoluir juntas sem
infringir os direitos recíprocos, tornava-se necessário um elemento de coesão.
       Na visão lockiana, o cidadão tem direitos inerentes à sua existência, tais como:
vida, liberdade e a propriedade, porém seremos incapazes de desfrutar desses direi-
tos naturais sem paixões pessoais. Necessária, portanto, para o uso e o gozo desses
direitos, é a reunião das pessoas em torno de um contrato social que garanta os
direitos naturais mediante um governo que imponha leis capazes de protegê-los.
Cria-se uma estrutura de segurança e, sob essa condição, a liberdade que coexistia,
assim como os outros direitos, apenas no plano teórico pode ser restringida, cres-
cendo por consequência a liberdade real.
                                  O governo civil é o remédio adequado para as inconveniências
                                  do estado de natureza, que certamente serão grandes, onde os
                                  homens possam ser juízes de suas próprias causas, já que com
                                  facilidade se pode imaginar que aquele que tenha sido tão injusto
                                  a ponto de prejudicar seu irmão dificilmente será tão justo a
                                  ponto de se condenar por esse ato.3
       Mas Locke ressalta, nesta obra, que somente o assentimento do povo daria e
seria o único fundamento da autoridade desse governo. E é explícito ao escrever: “A
liberdade do homem, na sociedade, é não se submeter a nenhum outro poder legis-
lativo, senão o estabelecido mediante assentimento no país, nem ao domínio de
qualquer vontade, ou restrição de qualquer lei, senão daquela que o legislativo pro-
mulgar, segundo a confiança nele depositada”. Complementando o entendimento,
explica: “qualquer autoridade que exceda o poder a ela conferido pela lei e faça uso
da força que tem sob o seu comando para atingir a vítima de forma não permitida
por essa lei pode ser combatida como qualquer homem que mediante força viole os
direitos de outro”.
       Caso o governo, ou governante, viole os direitos dos indivíduos, então o povo
tem o direito de se revoltar e de se ver livre desse governante ou desse governo.
“Tomar e destruir a propriedade dos cidadãos ou reduzi-los à escravidão [coloca um
governante] em estado de guerra com o povo, que fica doravante desobrigado de
qualquer obediência ulterior e é abandonado no refúgio comum que Deus propi-
ciou a todos os homens contra a força e a violência”. Em outras palavras, revolução.


3
    Cf. LOCKE, 1978, cap. 2, p. 10-14, também para o que segue.



                                                       66
Locke acreditava que o governo deveria agir exclusivamente em função do
objetivo para o qual foi de início estabelecido – a saber, a proteção à vida, à liberda-
de e à propriedade. “Quando os homens, em qualquer número, concordam em esta-
belecer uma comunidade ou um governo, são por esse ato e nesse momento incor-
porados, constituindo um corpo político dentro do qual a maioria possui o direito
de agir e concluir o restante.”
       Esse pensamento lançou os alicerces sobre os quais a moderna democracia
liberal foi construída. Essas foram as ideias que, um século mais tarde, inspiraram a
Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Esses
sentimentos podem parecer simplesmente na era moderna de democracias tecnoló-
gicas densamente povoadas – mas perduram como crenças e sentimentos dos cida-
dãos que as habitam.

                                     Conclusão
       O fato é que John Locke procurou entender seu tempo e desenvolver teorias
justificadoras para o apogeu da classe emergente do século XVIII, a burguesia, pro-
curando desconstituir a ordem vigente do absolutismo e do poder soberano dos reis
e da igreja (LOCKE, 1998, p. 40).
       Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à proprieda-
de constituem para Locke o cerne do estado civil, e ele é considerado, por isso, pai
do individualismo liberal.
       Funda-se, com seu pensamento liberal, a existência da origem democrática,
parlamentar, do poder político, pois na Idade Média, transmitia-se por herança tan-
to a propriedade como o poder político: o herdeiro do rei, do conde, do marquês,
recebia não só os bens, como também o poder sobre os homens que viviam nas
terras herdadas.
       Locke, com o seu “conceito de propriedade num sentido muito amplo” (ARA-
NHA; Martins, 1986, p. 34), explicado no capítulo 2 do Segundo Tratado Sobre o Gover-
no Civil, diz que propriedade é tudo o que pertence ao indivíduo, sua vida, sua liber-
dade e seus bens, adquiridos ao longo de sua existência ou lhe dado pelo estado de
natureza. Na concepção de Locke, todos são proprietários: mesmo quem não pos-
sui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho. Assim, o poder
político não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bem
como o Estado não deve intervir, mas, sim, garantir e tutelar o livre exercício da
propriedade, da palavra e da iniciativa econômica.
       Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contradições,
pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logicamente um dese-
quilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que Locke dissimula – involun-
tariamente, é verdade – num discurso que se apresenta com um caráter universal.
Quando se refere a todos os cidadãos, considerando-os igualmente proprietários, o


                                           67
discurso contém uma ambiguidade que não se resolve, pois ora identifica a proprie-
dade com a vida, a liberdade e as posses, ora com bens e fortuna especificamente. E
o que se conclui é que, se todos, tendo bens ou não, são considerados membros da
sociedade civil, apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, por duas
razões: apenas esses (os de fortuna) têm pleno interesse na preservação da proprie-
dade, e apenas os que são integralmente capazes de vida racional – aquele compro-
misso voluntário para com a lei da razão – que é a base necessária para a plena
participação na sociedade civil. A classe operária não tendo fortuna está submetida
à sociedade civil, mas dela não faz parte.
                        [...] A ambiguidade com relação a quem é membro da sociedade
                        civil em virtude do suposto contrato original permite que Locke
                        considere todos os homens como sendo membros, com a finali-
                        dade de serem governados, e apenas os homens de fortuna para
                        a finalidade de governar (MACPHERSON, p. 260).
     Ressalta-se aí o elitismo presente na raiz do liberalismo, já que a igualdade
defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há igualdade real,
uma vez que só os proprietários têm plena cidadania.


                                   Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando –
Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Kant. São Paulo: UNS, 1984.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Al-
medina, 2005.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo:
Saraiva, 1999.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002.
ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1988.
EVANGELISTA, Vitor. História das Constituições Políticas Internacionais. Lisboa: Edi-
ções IL, 1978.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1997.
______. Direito, Conceito e Normas Jurídicas. São Paulo: RT, 1988.
LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Nova Cultural, 1978.
(Coleção Pensadores)
______. Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


                                        68
______. Two treatsises of civil government. London: Everyman’s Library, 1996.
MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes a Locke.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MAGEE, Bryan. História da Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001.
PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? São Paulo: Martins Fontes, 1988.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Ma-
lheiros Editores, 2006.




                                          69

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John locke

  • 1. John Locke e a teoria do estado liberal: algumas reflexões a partir de os “Dois Tratados Sobre o Governo Civil”1 Ethiene Cavalléro da Silva* Karla Cristina Andrade Ferreira** Oliene Isabel Sarmento Corrêa*** Resumo: John Locke definiu bases da democracia liberal e individualista, estudou a relação entre a propriedade e o direito natural, negando a participação do Estado. Afirmou o uso do trabalho como um dos pontos determinantes para a sua apropri- ação, isto o tornou um dos inspiradores para a criação de várias constituições. Ana- lisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, a partir de reflexões do Segundo Tratado sobre o Governo Civil, será o objetivo desse trabalho, bus- cando ao final, levantar qual a contribuição do autor na construção política da soci- edade moderna. Palavras-chave: Estado Liberal. Direito Natural. Propriedade. John Locke and the theory of the liberal state: some thoughts based on the “Two Treaties On Civil Government” Abstract: John Locke laid the foundations of liberal and individualistic democracy, studied the relationship between property and natural right, denying the involvement 1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE. *Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Licenciada plena em Educa- ção Física/UEPA. Especialista em Educação Física Escolar/UEPA e Especialista em Atividade Física, Qualidade de Vida e Envelhecimento/UNOPAR. Professora de educação física do Estado do Amapá. ethca@ig.com.br. **Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel e licenciada em Ciências Sociais UNIFAP/AP. Professora de sociologia do Estado do Amapá. karlacristina.andrade@bol.com.br. ***Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel em Direito CEAP/ AP. Policial Militar do Estado do Amapá. E-mail: oliene.sarmento@bol.com. 63
  • 2. of the state. He affirmed the use of labor as one of the determinants for its appropriation. This made him one of the catalysts for the creation of several constitutions. To analyze how the liberal-individualist thought of Locke developed based on reflections on the Second Treaty on Civil Government will be the objective of this work, seeking at the end, to question what the contribution of the author is to the political construction of modern society. Key words: Liberal State. Natural Law. Property. Introdução No século XVII, enquanto o absolutismo triunfa na França, a Inglaterra sofre revoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos reis. Nesse contexto histórico, como defensor do liberalismo e da tolerância religio- sa, John Locke (1632-1704) destaca-se entre os filósofos da época pela sua contribui- ção com as obras: Cartas Sobre a Tolerância, Ensaios Sobre o Entendimento Humano e os Dois Tratados Sobre o Governo Civil, além de ser considerado o fundador do empirismo2. Na visão lockiana, os homens possuem a vida, a liberdade e a propriedade como direitos naturais e, para preservar esses direitos, deixaram o Estado de Natu- reza, que é a vida mais primitiva da humanidade, e estabeleceram um contrato entre si, criando o governo e a sociedade civil. Bobbio, resumindo os aspectos mais relevantes do pensamento de Locke, afirma: Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Es- tado, de um Estado baseado no consenso, de subordinação do poder executivo ao poder legislativo, de um poder limitado, de direito de resistência, Locke expôs as diretrizes fundamentais do Estado Liberal (BOBBIO, 1984, p.41). O filósofo negava o direito dos governantes ao autoritarismo e a aplicação do direito divino, além de outras prerrogativas fundamentadas em preconceitos. A sua teoria política, desenvolvida no Segundo Tratado, representa, de acordo com Norberto Bobbio, a primeira e a mais completa formulação do Estado Liberal, lançando com isso, a ideia de democracia liberal, o que se tornaria a pedra angular da civilização ocidental. Analisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, a partir de reflexões do Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, será o objetivo deste trabalho, buscando, ao final, levantar qual a contribuição do autor na construção política da sociedade moderna. 2 Empirismo: doutrina segundo a qual todo conhecimento deriva da experiência. 64
  • 3. 1 O Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil O ano de 1689 testemunhou a publicação de Dois Tratados Sobre o Governo Civil, inicialmente escrito em 1681. Uma obra de política liberal, foi escrita por Locke durante sua permanência forçada na Holanda. O primeiro dos Dois Tratados Sobre o Governo Civil refuta a ideia de Robert Filmer, teórico político de enorme popularidade na época, que defende de forma convicta, em sua obra “O Patriarca”, o absolutismo, acreditando no direito divino dos reis com base no princípio da autoridade paterna de Adão, que seria o primeiro pai e primeiro rei e que deixara esse legado à sua descendência. De acordo com esta doutrina, os monarcas modernos eram descendentes da linhagem de Adão e herdeiros legítimos da autoridade paterna dessa personagem bíblica, a quem Deus outorgara o poder real. Locke, em contrapartida, afirmou a origem popular e consensual dos governos: “Adão não tinha, seja por direito natural de paternidade ou por doação positiva de Deus, autoridade de qualquer natureza ou domínio sobre o mundo, [...] se os tivesse, ne- nhum direitos a eles, contudo, teriam seus herdeiros” (LOCKE, 1978, p.33). Assim observou Locke também, criticando a teoria de Filmer: Todas essas premissas tendo sido, ao que me parece, claramente estabelecidas, é impossível que os atuais governantes sobre a Terra obtenham qualquer proveito, ou derivam a menor sombra de autoridade daquilo que é tido como fonte de todo poder, “o domínio privado e a jurisdição paterna de Adão”, de tal modo que aquele que nem se permite imaginar que todo governo no mundo é apenas o produto da força e da violência e que os ho- mens somente vivem juntos pelas mesmas regras dos animais, onde vence o mais forte, e desta forma, lança as bases para a perpétua desordem e discórdia, tumulto, sedição e rebelião, deve necessariamente descobrir outra origem para o governo, outra fonte do poder político e uma outra maneira de escolher e co- nhecer as pessoas que o exercem diferentemente daquela que nos ensinou Sir Robert Filmer (LOCKE, 1996, p. 177). 2 O Segundo Tratado Sobre o Governo Civil No Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, Locke busca descobrir as raízes do governo, expõe a teoria do pacto social e defende o liberalismo, buscando derrubar de forma definitiva o inatismo absolutista de Filmer. Tanto é verdade que, no pri- meiro capítulo de seu trabalho, volta a refutar as teses de Filmer, levando Locke a uma busca reiterada do entendimento e da legitimidade do domínio e do poder de determinados indivíduos sobre os outros. Assim, Locke define um de seus conceitos-chave, que é o de poder político, que seria o “direito de fazer leis com a pena de morte e, consequentemente, todas as 65
  • 4. penalidades menores para regular e preservar a propriedade, e de empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior; e tudo isso tão só em prol do bem público” (LOCKE, 1978, p.34). Para entender o poder político e suas origens liberais, Locke nos diz que deve- mos saber como conviviam os homens em seu estado de natureza. No estado natu- ral original, os homens eram felizes e iguais, mas essa liberdade e essa igualdade eram, sobretudo, no plano teórico. Para que as pessoas pudessem evoluir juntas sem infringir os direitos recíprocos, tornava-se necessário um elemento de coesão. Na visão lockiana, o cidadão tem direitos inerentes à sua existência, tais como: vida, liberdade e a propriedade, porém seremos incapazes de desfrutar desses direi- tos naturais sem paixões pessoais. Necessária, portanto, para o uso e o gozo desses direitos, é a reunião das pessoas em torno de um contrato social que garanta os direitos naturais mediante um governo que imponha leis capazes de protegê-los. Cria-se uma estrutura de segurança e, sob essa condição, a liberdade que coexistia, assim como os outros direitos, apenas no plano teórico pode ser restringida, cres- cendo por consequência a liberdade real. O governo civil é o remédio adequado para as inconveniências do estado de natureza, que certamente serão grandes, onde os homens possam ser juízes de suas próprias causas, já que com facilidade se pode imaginar que aquele que tenha sido tão injusto a ponto de prejudicar seu irmão dificilmente será tão justo a ponto de se condenar por esse ato.3 Mas Locke ressalta, nesta obra, que somente o assentimento do povo daria e seria o único fundamento da autoridade desse governo. E é explícito ao escrever: “A liberdade do homem, na sociedade, é não se submeter a nenhum outro poder legis- lativo, senão o estabelecido mediante assentimento no país, nem ao domínio de qualquer vontade, ou restrição de qualquer lei, senão daquela que o legislativo pro- mulgar, segundo a confiança nele depositada”. Complementando o entendimento, explica: “qualquer autoridade que exceda o poder a ela conferido pela lei e faça uso da força que tem sob o seu comando para atingir a vítima de forma não permitida por essa lei pode ser combatida como qualquer homem que mediante força viole os direitos de outro”. Caso o governo, ou governante, viole os direitos dos indivíduos, então o povo tem o direito de se revoltar e de se ver livre desse governante ou desse governo. “Tomar e destruir a propriedade dos cidadãos ou reduzi-los à escravidão [coloca um governante] em estado de guerra com o povo, que fica doravante desobrigado de qualquer obediência ulterior e é abandonado no refúgio comum que Deus propi- ciou a todos os homens contra a força e a violência”. Em outras palavras, revolução. 3 Cf. LOCKE, 1978, cap. 2, p. 10-14, também para o que segue. 66
  • 5. Locke acreditava que o governo deveria agir exclusivamente em função do objetivo para o qual foi de início estabelecido – a saber, a proteção à vida, à liberda- de e à propriedade. “Quando os homens, em qualquer número, concordam em esta- belecer uma comunidade ou um governo, são por esse ato e nesse momento incor- porados, constituindo um corpo político dentro do qual a maioria possui o direito de agir e concluir o restante.” Esse pensamento lançou os alicerces sobre os quais a moderna democracia liberal foi construída. Essas foram as ideias que, um século mais tarde, inspiraram a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Esses sentimentos podem parecer simplesmente na era moderna de democracias tecnoló- gicas densamente povoadas – mas perduram como crenças e sentimentos dos cida- dãos que as habitam. Conclusão O fato é que John Locke procurou entender seu tempo e desenvolver teorias justificadoras para o apogeu da classe emergente do século XVIII, a burguesia, pro- curando desconstituir a ordem vigente do absolutismo e do poder soberano dos reis e da igreja (LOCKE, 1998, p. 40). Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à proprieda- de constituem para Locke o cerne do estado civil, e ele é considerado, por isso, pai do individualismo liberal. Funda-se, com seu pensamento liberal, a existência da origem democrática, parlamentar, do poder político, pois na Idade Média, transmitia-se por herança tan- to a propriedade como o poder político: o herdeiro do rei, do conde, do marquês, recebia não só os bens, como também o poder sobre os homens que viviam nas terras herdadas. Locke, com o seu “conceito de propriedade num sentido muito amplo” (ARA- NHA; Martins, 1986, p. 34), explicado no capítulo 2 do Segundo Tratado Sobre o Gover- no Civil, diz que propriedade é tudo o que pertence ao indivíduo, sua vida, sua liber- dade e seus bens, adquiridos ao longo de sua existência ou lhe dado pelo estado de natureza. Na concepção de Locke, todos são proprietários: mesmo quem não pos- sui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho. Assim, o poder político não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bem como o Estado não deve intervir, mas, sim, garantir e tutelar o livre exercício da propriedade, da palavra e da iniciativa econômica. Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contradições, pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logicamente um dese- quilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que Locke dissimula – involun- tariamente, é verdade – num discurso que se apresenta com um caráter universal. Quando se refere a todos os cidadãos, considerando-os igualmente proprietários, o 67
  • 6. discurso contém uma ambiguidade que não se resolve, pois ora identifica a proprie- dade com a vida, a liberdade e as posses, ora com bens e fortuna especificamente. E o que se conclui é que, se todos, tendo bens ou não, são considerados membros da sociedade civil, apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, por duas razões: apenas esses (os de fortuna) têm pleno interesse na preservação da proprie- dade, e apenas os que são integralmente capazes de vida racional – aquele compro- misso voluntário para com a lei da razão – que é a base necessária para a plena participação na sociedade civil. A classe operária não tendo fortuna está submetida à sociedade civil, mas dela não faz parte. [...] A ambiguidade com relação a quem é membro da sociedade civil em virtude do suposto contrato original permite que Locke considere todos os homens como sendo membros, com a finali- dade de serem governados, e apenas os homens de fortuna para a finalidade de governar (MACPHERSON, p. 260). Ressalta-se aí o elitismo presente na raiz do liberalismo, já que a igualdade defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há igualdade real, uma vez que só os proprietários têm plena cidadania. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Kant. São Paulo: UNS, 1984. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Al- medina, 2005. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002. ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988. EVANGELISTA, Vitor. História das Constituições Políticas Internacionais. Lisboa: Edi- ções IL, 1978. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. ______. Direito, Conceito e Normas Jurídicas. São Paulo: RT, 1988. LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Nova Cultural, 1978. (Coleção Pensadores) ______. Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 68
  • 7. ______. Two treatsises of civil government. London: Everyman’s Library, 1996. MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes a Locke. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MAGEE, Bryan. História da Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? São Paulo: Martins Fontes, 1988. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Ma- lheiros Editores, 2006. 69