Este conto descreve o desenvolvimento de um romance entre dois vizinhos que se conhecem apenas de vista. Eles observam as rotinas um do outro e sentem atração, mas hesitam em se aproximar. Após vários encontros casuais, eles finalmente se apresentam no parque e começam a conversar de forma natural, como se se conhecessem a muito tempo.
1. Conhecidos de Vista
Conhecidos de Vista Conhecem-se há meses
de vista, do bairro onde vivem, de se verem
na rua, no supermercado, no café, de
passearem os cães no jardim. Ela mora dois
prédios ao lado do dele, não sabe o seu
nome, nem o que faz, mas conhece-lhe
algumas rotinas, já ouviu a sua voz, aprecia a
forma de ele se vestir. Acha-o atraente e fica
atenta quando o vê.
Ele gosta de levar um livro consigo quando
vai com o cão ao jardim. Senta-se num banco
a ler, mas, se ela chega, não consegue
concentrar-se. Finge que lê, espreita-a por
cima do livro, maravilhado com o seu jeito
distraído de caminhar num vaivém constante
enquanto fala ao telemóvel, rodando o vestido
numa volta graciosa ao fim de alguns passos
casuais. Adora o seu sorriso encantador, o
modo como inclina a cabeça para trás e lança
um risinho espontâneo para o ar a meio da
conversa.
É sábado, estão sentados numa esplanada do
jardim, ambos sozinhos, em mesas próximas,
frente a frente. Ela pede um café, deita o
açúcar, mexe-o demoradamente com a colher,
distraída a observá-lo a ler o jornal. Fantasia
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2. Conhecidos de Vista
que ele vai erguer os olhos a qualquer
instante e surpreendê-la a olhar, que lhe sorri
e se levanta para ir à sua mesa apresentar-se.
Sorri com a ideia no momento em que ele
levanta os olhos do jornal, mas apressa-se a
desviar os seus, a virar a cara, com vontade
de rir.
Ele repara que ela desvia o olhar, volta a
página do jornal, baixa os olhos por um
segundo e torna a olhar. Ela não se atreve a
fitá-lo, concentra-se na chávena de café à sua
frente. Ele imagina-se a ir ter com ela para
meter conversa. Por um instante, sente-se
tentado, pergunta-se se teria coragem.
Porque não?, pensa. Mas então ela chama o
empregado para lhe pedir a conta e o
momento passa. Ele deixa-se estar sentado e
ela vai-se embora.
No domingo cruzam-se no átrio de um
cinema. Estão ambos acompanhados, vão a
salas diferentes. Sustêm a respiração a
escassos metros um do outro, os seus olhos
fixam-se num espanto recíproco, num
relâmpago eterno, e, pela primeira vez,
assumem um reconhecimento mútuo, pois ele
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3. Conhecidos de Vista
sorri-lhe e ela faz-lhe uma vénia ligeira com a
cabeça, de um modo divertido.
A meio da semana ele vai almoçar com um
cliente importante a um restaurante
requintado da moda e lá está ela para o
receber, sorridente, desinibida, dona de um
caderno onde escreve à mão e opõe vistos
nos nomes das pessoas que chegam com
mesa marcada. É relações públicas e veste-se
de forma discretamente elegante, uma camisa
preta, uma saia arroxeada de seda. Parece
que nos encontramos em todo o lado,
comenta ele, encantado por a ver. Ela ri-se, é
o destino, graceja.
Dois dias mais tarde, ele chega ao jardim,
solta a trela do cão e este corre para junto do
dela. Ele aproxima-se dela, sentada num
banco, aponta para o lugar ao seu lado, ela
faz-lhe sinal com a mão para que se sente.
Agora que já sabe o meu nome, diz ele,
gostava de saber o seu. Ela ri-se, diz como se
chama e depois começam a falar com
naturalidade, como se se conhecessem desde
sempre.
Tiago Rebelo, in " Breve História de Amor"
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