SlideShare a Scribd company logo
1 of 10
Download to read offline
V Bienal da SBM
Sociedade Brasileira de Matem´tica
                             a
UFPB - Universidade Federal da Para´
                                   ıba
18 a 22 de outubro de 2010



                       ´                         ´
                      topicos sobre o “Pi” e os numeros reais
                                                ¨
                        Kelly Roberta Mazzutti Lubeck ∗ &                               ¨
                                                                                Marcos Lubeck           †



    Este trabalho pretende fazer uma singela an´lise acerca da natureza dos n´meros reais, levantando alguns
                                                a                              u
questionamentos sobre no¸˜es que muitas vezes julgamos ser de senso comum. Para tanto, faremos uma abordagem
                          co
hist´rica sintetizada sobre o n´mero Pi, mostrando a sua configura¸˜o ao longo da hist´ria da matem´tica e sua
    o                          u                                   ca                o             a
importˆncia para os delineamentos tomados por esta ciˆncia ao longo dos tempos. Com isso, visamos mostrar uma
       a                                             e
parcela, pequena que seja, para alunos de gradua¸˜o - especialmente de matem´tica - da “evolu¸˜o” das id´ias
                                                  ca                           a                ca        e
matem´ticas acerca da estrutura dos n´meros reais e da dinamicidade destes pensamentos at´ se tornarem, por
       a                               u                                                     e
hora, estanques.


1      Motiva¸˜o
             ca
Num curso de Licenciatura em Matem´tica muitos s˜o os desafios que os acadˆmicos precisam sobrepor para obter
                                         a               a                         e
o grau de licenciados em matem´tica. Durante o per´
                                 a                       ıodo de quatro anos (em geral o tempo m´
                                                                                                ınimo necess´rio para
                                                                                                              a
a integraliza¸˜o do curso) ´ apresentado a estes alunos diferentes teorias matem´ticas e m´todos de ensino variados
             ca               e                                                      a        e
para que eles tenham plenas condi¸˜es de exercer os of´
                                      co                      ıcios de sua profiss˜o de modo eficiente, oferecendo-lhes
                                                                                 a
suporte para as eventuais dificuldades que venham encontrar em seus ambientes de trabalho.
    Por isso, um dos objetivos dos cursos de forma¸˜o de professores de matem´tica ´ mostrar a matem´tica como
                                                       ca                            a    e                 a
uma ciˆncia viva, dinˆmica, pass´
        e                a          ıvel de experimenta¸˜o. O grande desafio ´ desmistificar que a matem´tica ´
                                                           ca                       e                            a      e
uma ciˆncia pronta, est´tica, onde para todo problema ´ poss´ apresentar uma f´rmula ou, o que ´ muito mais
        e                  a                                 e      ıvel                 o              e
preocupante, uma ciˆncia em que se d˜o as f´rmulas para depois se resolver os problemas.
                       e                 a      o
    Refletindo a respeito destas “experimenta¸˜es” nos deparamos com o n´mero Pi (π) e, um questionamento
                                                  co                              u
surgiu: O que ´ o n´mero Pi? Ou melhor: Quem ´ o n´mero Pi? Bom, independentemente de cursarem matem´tica,
                e    u                              e     u                                                        a
acreditamos que muitas pessoas responderiam que ´ o n´mero (constante) dado pela raz˜o do comprimento de uma
                                                       e    u                               a
circunferˆncia pelo seu diˆmetro e muitos ainda acrescentariam que Pi ´ um n´mero irracional.
          e                  a                                              e       u
    De fato, mesmo concordando com eles - at´ porque isto nos ´ ensinado no ensino fundamental - surgiu-nos outra
                                                 e                   e
quest˜o: Ser´, realmente, que a raz˜o do comprimento de qualquer circunferˆncia pelo seu diˆmetro ´ constante,
      a       a                       a                                            e              a       e
e a esta constante chamamos de Pi? Quantos acadˆmicos (e porque n˜o mencionarmos cidad˜os) j´ tiveram a
                                                          e                   a                     a     a
possibilidade e/ou curiosidade de experimentar se a raz˜o mencionada acima ´ constante? De fato, esta raz˜o ´
                                                              a                      e                               a e
constante e isto j´ foi apresentado, inclusive, no Livro XII dos Elementos, de Euclides, onde a proposi¸˜o 2 j´ trazia
                   a                                                                                   ca       a
“Os c´ırculos est˜o entre si como os quadrados sobre os diˆmetros” e a proposi¸˜o 18 dizia que “As esferas est˜o
                  a                                             a                     ca                              a
entre si em uma raz˜o tripla da dos pr´prios diˆmetros.” Para maiores detalhes veja Euclides [4], p´ginas 528 e
                       a                   o         a                                                   a
561, respectivamente.
    Ainda, as seguintes inquieta¸˜es a respeito do n´mero Pi do tipo: Quando o descobriram? Quais foram as
                                  co                      u
melhores aproxima¸˜es que lhe foram atribu´
                     co                         ıdas? Ele ´ ou n˜o um irracional?, motivaram investiga¸˜es n˜o s´ a
                                                            e      a                                    co      a o
seu respeito mas, tamb´m, a respeito da essˆncia dos n´meros reais, procurando esclarecer quais os n´meros que
                           e                    e            u                                            u
compreendem o conjunto dos reais e o que se pode explorar sobre a“reta real”.
    Deste modo, no decorrer deste trabalho, procuramos esclarecer de maneira simples e objetiva a alguns destes
questionamentos.
    ∗ Universidade   Estadual do Oeste do Paran´ , UNIOESTE, PR, Brasil, kellyrobertaml@gmail.com
                                               a
    † Universidade   Estadual do Oeste do Paran´, UNIOESTE, PR, Brasil, marcoslubeck@gmail.com. Doutorando UNESP/Rio Claro,
                                               a
bolsista CNPq.
2      Um n´ mero chamado Pi
           u
Assim como n˜o podemos afirmar com precis˜o qual foi o primeiro povo que “fez” matem´tica, ou equivalentemente,
              a                               a                                            a
quando surgiu a matem´tica, tamb´m n˜o podemos apontar uma unica civiliza¸˜o que descobriu que para qualquer
                          a         e   a                           ´           ca
circunferˆncia a raz˜o de seu comprimento (per´
         e           a                            ımetro) por seu diˆmetro ´ constante. Talvez uns dos primeiros
                                                                      a      e
registros de que se tem conhecimento e que traz uma aproxima¸˜o para o n´mero Pi seja o Papiro de Ahmes (ou
                                                                  ca          u
Papiro de Rhind). Este papiro1 , que data de aproximadamente de 1600 a. C., apresenta “receitas” para alguns
problemas (matem´ticos) do povo eg´
                    a                 ıpcio e o problema 48 sugere que o n´mero Pi seja aproximado por 4(8/9)2 .
                                                                            u
Este valor era obtido comparando-se a ´rea de um c´
                                         a             ırculo de diˆmetro 9 com a ´rea de um quadrado de lado 8.
                                                                   a                a
                                             1
Outro valor que os eg´ ıpcios adotavam era 3 6 (ou aproximadamente 3,16), conforme (CONTADOR, 2006, Vol. I, p.
253). Esta “problem´tica” do n´mero Pi ´ t˜o antiga que at´ mesmo a B´
                      a          u         e a                e           ıblia faz referˆncia ao que hoje chamamos
                                                                                         e
de Pi no livro dos Reis, I, 7:23 e em Crˆnicas, II, 4:2. A seguir descrevemos o trecho do livro dos Reis: “Hiram
                                         o
fez ainda o Mar2 , todo de metal fundido, com cinco metros de diˆmetro. Era redondo, tinha dois metros e meio de
                                                                   a
altura, e sua circunferˆncia tinha quinze metros” (B´
                        e                             IBLIA SAGRADA, 1998, p. 374).
   J´ os babilˆnicos (1800 a 1600 a. C.) aproximavam o valor3 de Pi por 3 1 e existem registros que no vale
    a         o                                                           8
mesopotˆmico o valor de Pi era 3 (Conf. CONTADOR, 2006, Vol. I, p. 253).
       a
    Os chineses aproximavam o n´mero Pi, quando observado no c´lculo da ´rea do c´
                                 u                                  a         a        ırculo, pelo n´mero 3. Por´m,
                                                                                                     u            e
outras estimativas s˜o apresentadas na obra Chui-Chang Suan-Shu (Nove Cap´
                     a                                                             ıtulos sobre a Arte Matem´tica),
                                                                                                              a
composto por volta de 250 a. C. Nela Pi ´ aproximado por “3, 14 usando um pol´
                                             e                                         ıgono regular de 96 lados e a
aproxima¸˜o de 3, 14159 considerando um pol´
          ca                                   ıgono de 3.072 lados” (BOYER, 1996, p. 138). Outra aproxima¸˜o de
                                                                                                               ca
                                                  e 355
Pi (historicamente relevante) dada por chineses ´ 113 , que ´ correta at´ a sexta casa decimal. Segundo Eves (2004,
                                                            e           e
p. 142) este valor foi encontrado pelo chinˆs Tsu Ch’ung-chih.
                                           e
   Quando nos reportamos ` hist´ria do Pi n˜o podemos deixar de mencionar o nome de Arquimedes. Ele ´
                             a     o           a                                                                e
considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos, com grandes contribui¸˜es tanto na matem´tica quanto
                                                                                  co                 a
na f´
    ısica. Em um dos seus trabalhos apresentou um m´todo, o Princ´
                                                       e               ıpio da Alavanca (ou Lei da Alavanca), que
possibilitou avan¸ar significativamente no c´lculo de ´reas e volumes (quadratura da par´bola, volume da esfera).
                 c                         a         a                                   a
Ele tamb´m abordou diversos problemas como por exemplo a trissec¸˜o do ˆngulo, o estudo da esfera e do cilindro,
          e                                                         ca      a
os problemas astronˆmicos e hidrost´ticos e a medida do c´
                     o               a                      ırculo e, conseq¨entemente, uma aproxima¸˜o para o
                                                                             u                         ca
n´mero Pi.
 u
    Para calcular uma aproxima¸˜o para o n´mero Pi ele trabalhou com pol´
                                ca           u                                  ıgonos inscritos em uma circun-
ferˆncia.“Come¸ando com o hex´gono regular inscrito, ele calculou os per´
   e           c              a                                         ımetros dos pol´
                                                                                       ıgonos obtidos dobrando-se
sucessivamente o n´mero de lados at´ chegar a noventa e seis lados.” (BOYER, 1996, p. 86).
                   u               e
    O grande m´rito no trabalho de Arquimedes reside no fato de ele n˜o tentar apresentar o valor exato de Pi, mas
               e                                                     a
simplesmente um limite inferior e um superior para esta constante. Segundo Contador (2006, p. 265) “o m´todo e
de Arquimedes ´ o unico matematicamente correto e foi com certeza a primeira tentativa cient´
                e ´                                                                             ıfica de buscar um
valor para Pi”. Atrav´s de seu m´todo Arquimedes encontrou a aproxima¸˜o 3 10 < π < 3 1 .
                     e          e                                        ca 71            7
   O livro de Contador (2006, p. 256) traz os c´lculos que motivaram as f´rmulas recorrentes abaixo e, segundo o
                                                a                        o
autor, estes c´lculos fazem referˆncia ao m´todo utilizado por Arquimedes.
              a                  e         e
    Identificando ln como o lado do pol´  ıgono regular inscrito num c´ ırculo de raio r, pn o per´
                                                                                                 ımetro do pol´ıgono
inscrito, Ln o lado do pol´
                          ıgono circunscrito no c´
                                                 ırculo de raio r, e Pn o seu per´
                                                                                 ımetro, temos as seguintes rela¸˜es,
                                                                                                                co

                                                               2Pn pn
                                                      P2n =           ,                                                 (2.1)
                                                              Pn + pn

    1 Para
         maiores detalhes veja (BOYER, 1996, p. 12).
       Mar de Bronze era um grande reservat´rio de ´gua, necess´ria para as purifica¸˜es rituais e a limpeza do templo” (B´
    2 “O                                     o       a            a                co                                    IBLIA
SAGRADA, 1998, p. 374).
  3 Valor encontrado em problemas registrados em tabelas de argila.
e
                                                   p2n =      pn P2n ,                                            (2.2)

onde (??) representa o per´ ımetro do pol´ıgono circunscrito de 2n lados (P2n ) como uma “m´dia harmˆnica” e (??)
                                                                                           e        o
representa o pol´ıgono inscrito de 2n lados (p2n ) como uma m´dia geom´trica. Al´m disso, da Figura 1 abaixo ´
                                                                  e         e           e                       e
f´cil concluir que ln = 2r sen θ, pn = 2.n.r. sen θ e Ln = 2r tan θ, Pn = 2.n.r. tan θ.
 a




                                    Figura 1: Pol´
                                                 ıgonos inscrito e circunscrito.

    Hoje, com a representa¸˜o num´rica indo-ar´bica, com o desenvolvimento de v´rios algoritmos para c´lculos
                            ca       e            a                                   a                         a
b´sicos (divis˜o, multiplica¸˜o, radicia¸˜o) e, por fim, com o aux´ de uma calculadora, facilmente chegamos aos
 a            a             ca          ca                         ılio
valores estabelecidos por Arquimedes. Tomando um c´   ırculo de raio 1, com pol´
                                                                               ıgonos de seis lados inscrito e circuns-
                               ◦
crito, obtemos n = 6 e θ = 30 . Assim, com as f´rmulas recorrentes dadas acima obtemos:
                                                 o

    • Pol´
         ıgono com 6 lados.
    L6 = 2.1. tan 300 = 1, 1547 e l6 = 2.1.sen 300 = 1.
    P6 = 2.6.1. tan 300 = 6, 9282 e p6 = 2.6.1.sen 300 = 6.

    • Pol´
         ıgono com 12 lados.
                                  √
    P12 = 2.p+P6 = 6, 4307 e p12 = p6 .P12 = 6, 2116
           p6
              6 .P6




    • Pol´
         ıgono com 24 lados.
                                      √
    P24 = 2.p12 .P12 = 6, 3192 e p24 = p12 .P24 = 6, 2651
           p12 +P
                  12




    • Pol´
         ıgono com 48 lados.
                                      √
    P48 = 2.p24 .P24 = 6, 2930 e p48 = p24 .P48 = 6, 2790
           p24 +P
                  24




    • Pol´
         ıgono com 96 lados.
                                      √
    P96 = 2.p48 .P48 = 6, 2859 e p96 = p48 .P96 = 6, 2824.
           p48 +P
                  48




    Dessa forma ´ f´cil concluir que o valor de π est´ entre os valores 3, 1412 e 3, 14295.
                e a                                  a
O livro de Garbi (2007, p. 210) apresenta um m´todo que segundo o autor ´ “de mais f´cil compreens˜o” e
                                                        e                        e           a            a
                                           4
tamb´m estabelece as f´rmulas (??) e (??) .
     e                  o
    Arquimedes tamb´m utilizou, conforme Garbi (2009, p. 81), o m´todo da dupla redu¸˜o ao absurdo para
                      e                                                 e                   ca
calcular a ´rea do c´
           a         ırculo, que provou ser igual a ´rea do triˆngulo retˆngulo tendo como base o comprimento
                                                      a        a         a
                                                   5
da circunferˆncia e como altura o raio do c´
            e                                ırculo . Com isto Arquimedes pode inferir que se “o comprimento da
circunferˆncia ´ 2πr, sua ´rea ´ πr2 ”.
         e     e           a    e




                          ´
                Figura 2: Areas da circunferˆncia e do triˆngulo explorados por Arquimedes.
                                            e             a

    Especula-se, tamb´m, que uma das melhores aproxima¸˜es para o n´mero Pi foi dada por Apolˆnio de Perga
                      e                                     co            u                          o
(± 262 a 190 a. C.) o qual atribuiu 3, 1416 como valor de Pi, mas n˜o existem explica¸˜es de como ele chegou a
                                                                       a                 co
este fato. No Almagesto de Ptolomeu a aproxima¸˜o dita ser de Apolˆnio tamb´m foi utilizada (BOYER, 1996, p.
                                                   ca                  o         e
96).
    Outros povos e outro estudiosos tamb´m possu´
                                           e        ıam suas aproxima¸˜es para o valor de Pi, mas conforme Boyer
                                                                       co
(1996, p. 167) foi o matem´tico ´rabe Al-Kashi (? - 1436) que melhor se aproximou do valor de Pi, estabelecendo
                            a     a
o valor 6, 2831853011795865 para estimar 2π. Esta aproxima¸˜o s´ foi superada ao final do s´culo XVI 6 .
                                                              ca o                            e
    Esta constante, que foi por muitos e diferentes povos investigada, s´ se consagrou com o s´
                                                                        o                     ımbolo da letra grega
π quando Euler (1734 - 1800) a publicou em seus livros. (Ela foi usada pela primeira vez pelo inglˆs William Jones,
                                                                                                  e
conforme Garbi (2009, p. 102)).
    A primeira express˜o anal´
                      a       ıtica envolvendo o n´mero π foi apresentada pelo francˆs Fran¸ois Vi`te (1540 - 1603)
                                                  u                                  e      c      e
e ´ dada por:
  e

                                   2       1      1 1      1       1 1       1 1    1
                                     =       ·     +         ·      +         +       ···                       (2.3)
                                   π       2      2 2      2       2 2       2 2    2
    Mais do que uma forma de representar π esta express˜o refor¸a o surgimento de uma nova t´cnica na matem´tica,
                                                         a        c                             e               a
onde no¸˜es aritm´ticas, alg´bricas e trigonom´tricas se fundem, cada vez mais, em express˜es anal´
         co         e         e                 e                                             o      ıticas. Segundo
(GARBI, 2007, p. 57) “O uso espor´dico de letras para representar n´meros era pr´tica muito antiga, mas at´ o
                                       a                                   u            a                         e
surgimento de Vi`te n˜o se costumava fazer manipula¸˜es alg´bricas de s´
                  e    a                               co       e            ımbolos nem eram empregados coeficientes
literais para representar classes gen´ricas.”
                                     e
    Abaixo apresentamos, baseados na obra de Garbi (2007), o procedimento que Vi`te utilizou para deduzir a
                                                                                           e
f´rmula (??).
 o
    Da cl´ssica f´rmula
          a      o
                                         sen (a + b) = sen a cos b + sen b cos a

´ f´cil deduzir que
e a
                                                                   θ    θ
                                                   sen θ = 2 sen     cos ,
                                                                   2    2
  4O  m´todo referenciado n˜o ´ o apresentado por Arquimedes.
        e                   a e
  5 Os c´lculos encontram-se na bibliografia citada.
        a
  6 Cronologias para o n´ mero Pi s˜o apresentadas nas obras (CONTADOR, 2006, p. 265) e (EVES, 2004, p. 143).
                        u          a
donde
                                                                      θ    θ
                                                sen θ = 2 · 2 sen       cos cos θ.
                                                                      4    4
   Repetindo-se este processo n vezes temos que
                                                 θ     θ      θ       θ           θ   θ
                             sen θ = 2n sen      n
                                                   cos n cos n−1 cos n−2 · · · cos cos .
                                                2     2     2       2             4   2
   Analisando o termo 2n sen 2θ , percebemos que ele pode ser re-escrito como
                              n



                                             θ     θ   θ     θ                        sen 2θ
                                                                                           n
                                     2n ·      sen n = θ sen n = θ                         θ
                                                                                                      .
                                             θ    2    2n
                                                            2                             2n

    Mas, ´ poss´ provarmos que para valores cada vez maiores de n o quociente acima se aproxima de 1, ou seja,
         e      ıvel
                     sen 2θ
                          n
se n → ∞ ent˜oa         θ   → 1.
                       2n
    Assim, Vi`te fez a identifica¸˜o
             e                   ca
                                               θ    θ   θ           θ      θ      θ
                            sen θ = θ cos        cos cos · · · cos n−1 cos n cos n+1 · · ·
                                               2    4   8         2       2     2
   Para θ = π/2 temos sen θ = 1 e, portanto,

                                π     π      π      π            π      π      π
                             1=   cos cos cos         · · · cos n−1 cos n cos n+1 · · ·                        (2.4)
                                2     4      8     16          2       2     2
   Novamente, das cl´ssicas f´rmulas sen 2 θ + cos2 θ = 1 e cos(a + b) = cos a cos b − sen a sen b temos que cos θ =
                    a        o
−1 + 2 cos2 θ , donde cos θ = 1 + 2 cos θ.
            2             2   2
                                  1

   Dessa forma, como cos π/2 = 0 temos que,

                                                     π           1 1   π                  1
                                               cos     =          + cos =                   ,
                                                     4           2 2   2                  2

                                               π         1 1   π                  1 1           1
                                         cos     =        + cos =                  +              ,
                                               8         2 2   4                  2 2           2

                                    π          1 1   π                    1 1         1 1             1
                              cos      =        + cos =                    +           +                , etc.
                                    16         2 2   8                    2 2         2 2             2
   Substituindo na equa¸˜o (??) obtemos
                       ca


                                         π     1     1 1          1   1 1             1 1           1
                                    1=                +                +               +              ···        (2.5)
                                         2     2     2 2          2   2 2             2 2           2

   Que, por fim, ´ equivalente `
                e             a

                                                                      2
                                    π=                                                                           (2.6)
                                               1     1       1   1    1       1   1       1     1
                                               2     2   +   2   2    2   +   2   2   +   2     2   ···

    Apesar de toda a sofistica¸˜o que a matem´tica j´ possu´ ainda necessitou-se mais de um s´culo para que um
                             ca                a      a      ıa,                                e
contemporˆneo de Vi`te, o francˆs J. H. Lambert (1728 - 1777) em 1761 provasse que π ´ realmente um n´mero
            a        e           e                                                         e               u
irracional. Lambert se apoiou na teoria das fun¸˜es cont´
                                               co       ınuas para obter a sua demonstra¸˜o. Outras demonstra¸˜es
                                                                                        ca                    co
em linguagem mais “moderna” foram apresentadas e, uma razoavelmente simples (se ´ que estas palavras podem
                                                                                       e
ser utilizadas em matem´tica) pode ser obtida na obra de Figueiredo (2002, p. 9). A prova que ali se encontra, a
                         a
qual discutiremos abaixo, ´ devida a I. Niven e foi publicada no Bulletin of the American Mathematical Society, 53
                           e
(1947), p. 509.
Teorema 2.1. π ´ um n´mero irracional.
               e     u

   Para provarmos que π ´ um n´mero irracional, vamos supor que π 2 seja uma fra¸˜o irredut´ e chegar a algum
                         e      u                                               ca         ıvel
                2
absurdo, logo π s´ pode ser irracional e, consequentemente, π tamb´m o ´. Para tanto, faremos uso das id´ias dos
                  o                                               e    e                                e
lemas descritos abaixo.
                                          n         n
Lema 2.1. Dada a fun¸˜o f (x) = x (1−x) , com n inteiro positivo, ent˜o Dk f (0) ´ um n´mero inteiro para
                              ca              n!                              a        e u
qualquer k = 0, 1, 2, · · · , onde Dk f representa a k−´sima derivada de f e D0 f = f.
                                                       e


Prova: A f´rmula de Leibnitz para as derivadas de um produto de fun¸˜es g e h ´ dada por
          o                                                        co         e

                                                               k
                                                                       k
                                           Dk (gh) =                       Dj g · Dk−j h,
                                                              j=0
                                                                       j

         k         k!
onde         = j!(k−j)! representam os coeficientes do Binˆmio de Newton.
                                                         o
         j
    Aplicando a f´rmula de Leibnitz para a fun¸˜o f obtemos
                 o                            ca

                                                         k
                                                1                  k
                                       Dk f =                          Dj xn · Dk−j (1 − x)n                     (2.7)
                                                n!      j=0
                                                                   j

    Por outro lado, um c´lculo simples mostra que:
                        a
    •   Se j < n ent˜o Dj xn |x=0 = n(n − 1) · · · (n − j)xn−j |x=0 = 0;
                    a
    •   Se j = n ent˜o Dj xn |x=0 = n(n − 1) · · · 3.2.1|x=0 = n!;
                    a
    •   Se j > n ent˜o Dj xn |x=0 = 0|x=0 = 0.
                    a

    Substituindo estes valores na (??) conclu´
                                             ımos que


                                                        Dk f (0) = 0 se k < n                                    (2.8)

e
                                               1         k
                                  Dk f (0) =                       n!Dk−n (1 − x)n |x=0 se k ≥ n                 (2.9)
                                               n!        n

    Sendo os coeficientes binomiais inteiros, temos que a express˜o do lado esquerdo de (??) ´ um inteiro, donde
                                                                a                           e
est´ provado o resultado.
   a

Lema 2.2. Dk f (1) ´ um n´mero inteiro para qualquer k = 0, 1, 2, 3, · · ·
                   e     u


Prova: Basta observar que f (1 − x) = f (x), ou seja, f (1) = f (0), e que pelo lema anterior foi provado que Dk f (0)
sempre ´ um inteiro, logo Dk f (1) ser´ um inteiro.
       e                              a

                                 p
    Assumindo agora que π 2 =    q   fra¸˜o irredut´
                                        ca         ıvel, definimos a seguinte fun¸˜o
                                                                                ca

                            F (x) = q n {π 2n f (x) − π 2n−2 D2 f (x) + · · · + (−1)n D2n f (x)}.

    Dos lemas e com a hip´tese de que π 2 = p/q temos que F (0) e F (1) s˜o n´meros inteiros.
                         o                                               a u
    Considerando que a representa a derivada de uma fun¸˜o, temos as rela¸˜es
                                                       ca                co
{F (x)sen πx − πF (x) cos πx}           =           F (x)sen πx + πF (x) cos πx − πF (x) cos πx + πF (x)sen πx
                                                   =           F (x)sen πx + πF (x)sen πx
                                                   =           (F (x) + π 2 F (x))sen πx
                                                   =           (q n (−1)n D2n+2 f (x) + q n π 2n+2 f (x))sen πx, como D2n+2 f (x) = 0
                                                   =           pn π 2 f (x)sen πx,
                                                   n
observe que q n π 2n+2 = q n π 2n π 2 = q n pn π 2 = pn π 2 .
                                            q
   Do Teorema Fundamental do C´lculo7 aplicado a rela¸˜o acima, segue-se que
                                        a                     ca
                               1
                      pn π 2   0
                                   f (x)sen πx dx = F (x)sen πx − πF (x) cos πx|10
                                                  = (F (1)sen π − πF (1) cos π) − (F (0)sen 0 − πF (0) cos 0)
                                                  = πF (1) + πF (0)

     Com isto chegamos a equa¸˜o
                             ca
                                                                    1
                                                   pn π                 f (x)sen πx dx = F (1) + F (0)                                  (2.10)
                                                                0
que por um lado j´ verificamos que ´ inteiro. J´ o lado esquerdo de (??) ´ um n´mero positivo e menor do que 1,
                  a               e           a                         e     u
                                                1
pois para todo 0 < x < 1 temos que 0 < f (x) < n! . Al´m disso
                                                      e
                                                           1                                   1
                                                                                      pn                           2pn
                                         0 < πpn               f (x)sen πx dx < π                  sen πx dx =                          (2.11)
                                                       0                              n!   0                        n!
                          pn
     Como limn→∞          n!   = 0 temos que existe n ∈ N tal que 2pn /n! < 1, portanto chegamos a um absurdo.

    Provando-se, por fim, a irracionalidade do n´mero π e observando que mesmo nos registros mais antigos, nos
                                                 u
mais diferentes povos, o π j´ era investigado, surge-nos um novo questionamento: Por que a demora em se provar
                            a
                                                                               √
que o n´mero π ´ um n´mero irracional? Ao contr´rio, por exemplo, do n´mero 2, que j´ no tempo de Pit´goras
       u        e      u                           a                     u             a                a
se conhecia a sua incomensurabilidade com uma unidade pr´-fixada. Esta quest˜o est´ intimamente relacionada
                                                             e                  a    a
com a “natureza” dos n´meros reais e ser´ abordada, juntamente com outros t´picos, na pr´xima se¸˜o.
                        u                  a                                 o           o       ca


3          Explorando a reta real
Algumas das primeiras no¸˜es sobre conjuntos num´ricos que nos s˜o apresentadas fazem referˆncia ao conjunto dos
                          co                         e             a                          e
n´meros naturais, inteiros, racionais e irracionais e aprendemos, ainda, que o conjunto dos n´meros reais engloba
 u                                                                                            u
(de forma n˜o disjunta) todos estes conjuntos, ou seja, o conjunto dos reais ´ formado pelos racionais e irracionais.
           a                                                                 e
Podemos observar, tamb´m, que quando solicitado exemplos de n´meros racionais e irracionais provavelmente para
                        e                                         u
100% das solicita¸˜es surgem respostas como
                 co
                                                                    1 −3 5 √ √ √
                                                                     ,  , , 2, 3, 7, π.
                                                                    2 4 7
    ´
    E claro que estes valores surgem, pois eles s˜o muito mais representativos que v´rios outros racionais e irracionais,
                                                 a                                  a
                                                                           1 n
como por exemplo a fra¸˜o 2507 e o n´mero de Euler e = limn→∞ 1 + n .
                          ca 4562      u
    Esta no¸˜o (elementar) que foi apresentada j´ come¸a a estabelecer diferentes “categorias” nos conjuntos
             ca                                       a      c
num´ricos pois o quˆ, al´m da periodicidade, diferencia o conjunto dos racionais dos irracionais?
     e               e e
    Quem contribuiu imensamente para a compreens˜o desta quest˜o foi o matem´tico G. Cantor (1845 - 1918) com
                                                       a             a              a
sua teoria sobre os diferentes tipos de infinito. Cantor provou que apesar de ambos os conjuntos dos naturais e dos
reais serem infinitos, a potˆncia de seus infinitos ´ distinta.
                            e                       e
    7 Se                                                                                           1
           g : [0, 1] → R ´ uma fun¸˜o continuamente diferenci´vel em [0,1], ent˜o
                          e        ca                         a                 a                  0   g (x)dx = g(1) − g(0).
Segundo Vilela (2005), “George Cantor, com sua teoria dos n´meros transfinitos, n˜o apenas mostrou que era
                                                               u                    a
poss´ıvel analisar sem nenhuma contradi¸˜o este conceito, mas ainda provou que existem v´rios tipos de infinito
                                        ca                                              a
diferentes - alguns maiores, outros menores” (p. 75).
    E, tamb´m,
             e

                                 Cantor estendeu aos conjuntos infinitos a id´ia de que eles s˜o numericamente iguais se for
                                                                            e                a
                                 poss´
                                     ıvel estabelecer uma rela¸ao biun´
                                                              c˜      ıvoca entre os seus elementos. Se isso for imposs´
                                                                                                                       ıvel,
                                 ent˜o um deles ´ maior do que o outro. Ele conseguiu provar que ´ poss´
                                    a           e                                                e     ıvel associar cada
                                 n´mero racional a um n´mero natural e que, portanto, os dois conjuntos s˜o numericamente
                                  u                    u                                                 a
                                 iguais. (p. 77).
    Dizemos, de fato, que um conjunto ´ enumer´vel se possui uma correspondˆncia biun´
                                         e        a                             e          ıvoca com o conjunto dos
naturais ou for finito. Caso contr´rio, ele ´ dito n˜o enumer´vel.
                                    a       e       a        a
    Como os naturais s˜o enumer´veis e os reais s˜o n˜o enumer´veis 8 temos, consequentemente, que a n˜o enu-
                        a           a               a a            a                                          a
merabilidade ´ uma caracter´
              e               ıstica/propriedade dos n´meros irracionais. Portanto, sob a reta real existem significa-
                                                        u
tivamente mais n´meros irracionais que racionais. Grosseiramente falando, quem d´ o “preenchimento”, o “peso”,
                  u                                                                   a
da reta real s˜o os irracionais.
              a
    Estas observa¸˜es nos auxiliam a compreender os reais, mas n˜o nos ajudam a responder a quest˜o anteriormente
                  co                                             a                                  a
formulada: Por que a demora em se provar que Pi ´ um n´mero irracional?
                                                      e    u
    A resposta mais ´bvia ´ porque necessitou-se de mais ferramentas matem´ticas para realizar tal feito e, tamb´m,
                     o     e                                                  a                                   e
necessitou-se conhecer melhor o conjunto dos reais.
    Colocamos isto porque apesar de “conhecermos” os n´meros reais, concordarmos que os irracionais s˜o n˜o
                                                           u                                                  a a
enumer´veis e, portanto, representam a grande maioria dos reais, ainda ´ poss´ mostrar que todos os n´meros
        a                                                                  e     ıvel                         u
                                  √
irracionais da forma p = ±a ± b, a, b ∈ N, e similares9 formam um conjunto enumer´vel. Assim, quase todos os
                                                                                        a
n´meros irracionais que conhecemos (lembramos) representam a ´
  u                                                                ınfima parte dos reais, uma vez que tamb´m s˜o
                                                                                                              e     a
enumer´veis.
        a
    Bom! Neste caso quem s˜o os irracionais que “sobraram” para compor o conjunto dos reais e que representam
                              a
(em potˆncia de infinito) uma quantidade significativamente superior? Os n´meros π e e fazem parte deste conjunto?
        e                                                                   u
    Euler j´ havia demonstrado que e e e2 s˜o irracionais e, segundo Garbi (2007) ele percebeu um fato curioso.
           a                                  a
                                               √
                                 Enquanto a        2 elevada a qualquer expoente par torna-se um n´mero racional, as potˆncias
                                                                                                  u                     e
                                 racionais de e continuam a ser irracionais. Parecia que a irracionalidade de e era mais
                                                        √
                                 “profunda” do que a de 2. [...] Estes ind´
                                                                          ıcios sugeriam, portanto, que os n´meros chamados
                                                                                                            u
                                 reais poderiam estar divididos em duas categorias: os que s˜o e os que n˜o s˜o ra´
                                                                                            a            a a      ızes de
                                 equa¸oes polinomiais de coeficientes inteiros. ( p. 193).
                                     c˜
   Para responder a pergunta acima e, consequentemente, conhecer melhor a natureza dos reais necessitamos de
mais um conceito matem´tico, o dos n´meros alg´bricos e transcendentes.
                       a            u         e
   Qualquer solu¸˜o de uma equa¸˜o polinomial da forma
                ca              ca

                                           an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 = 0

onde os coeficientes ai s s˜o inteiros, ´ chamado de um n´mero alg´brico. Assim, um n´mero α ´ alg´brico se existe
                          a            e                u         e                  u       e    e
uma equa¸˜o polinomial com coeficientes inteiros da qual α seja raiz. (Da defini¸˜o observamos que todo n´mero
           ca                                                                   ca                        u
         p
racional q ´ alg´brico, j´ que ´ raiz da equa¸˜o qx − p = 0). E, um n´mero ´ dito transcendente quando ele n˜o ´
            e   e        a     e              ca                      u     e                               a e
alg´brico.
   e
    Vamos mostrar, abaixo, que o conjunto dos n´meros alg´bricos ´ enumer´vel10 e, consequentemente, al´m dos
                                                  u          e      e       a                            e
  8 Para maiores detalhes veja a bibliografia (LIMA, 2000).
  9 Entendemos                                                         √
                 por similares o conjunto dos n´ meros da forma q = a + p, com p descrito anteriormente.
                                               u
 10 Veja Figueiredo (2002, p. 16). A demonstra¸˜o apresentada ali, a qual servir´ de base para nossos c´lculos, ´ devida a Cantor.
                                                ca                              a                      a        e
√ √ 7        √
racionais, todos os irracionais da forma 2, 3 7, 1 + 2, etc. tamb´m s˜o enumer´veis, j´ que s˜o alg´bricos.
                                                                     e   a         a  a      a     e
                                                                                  11
Segue disto que o conjunto dos n´meros transcendentes ´ n˜o vazio e n˜o enumer´vel .
                                  u                   e a             a       a

Teorema 3.1. O conjunto dos n´meros alg´bricos ´ enumer´vel.
                             u         e       e       a


Prova: Considere o polinˆmio com coeficientes inteiros
                        o

                                                  p(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 .                                             (3.12)

Definimos a altura do polinˆmio p, e denotamos por |p|, ao n´mero natural
                          o                                u

                                                |p| = |an | + · · · + |a1 | + |a0 | + n.                                         (3.13)

    Os n´meros alg´bricos s˜o ra´
         u        e        a    ızes de polinˆmios, com coeficientes inteiros, logo p(x) = 0. Mas, o teorema
                                             o
fundamental da ´lgebra garante que p(x) = 0 tem exatamente n ra´
               a                                               ızes complexas (e, portanto, n˜o mais do que n
                                                                                             a
ra´
  ızes reais).
    O n´mero de polinˆmios do tipo (??) com uma altura determinada ´ um n´mero finito. Logo, o conjunto de
       u              o                                                 e       u
todas as ra´
           ızes dos polinˆmios de uma determinada altura ´ finito. Como uni˜o enumer´vel de conjuntos finitos
                         o                                  e                  a         a
´ enumer´vel segue-se que todas as ra´
e        a                           ızes (conjuntos finitos) de todos os polinˆmios de todas as alturas (conjunto
                                                                              o
enumer´vel) formam um conjunto enumer´vel.
       a                                  a

   A natureza distinta do n´mero π e do n´mero e nos indica que eles s˜o n´meros transcendentes, mas somente
                           u              u                           a u
em 1873 o matem´tico francˆs C. Hermite (1822 - 1901) demonstrou que e ´ transcendente. “Mais ainda, provou
                 a          e                                            e
que e elevado a qualquer n´mero alg´brico continua a ser transcendente” (GARBI, 2007, p. 194). Em 1882, F.
                          u        e
Lindemann (1852 - 1939) provou que π tamb´m ´ um n´mero transcendente. Lindemann, em seu trabalho, estendeu
                                          e e      u
o m´todo usado por Hermite.
   e
    Considerando-se que o produto de n´meros alg´bricos ´ alg´brico e o produto de um n´mero alg´brico por
                                      u           e     e    e                         u        e
                                                                        iπ
um transcendente ´ transcendente e, com o aux´ da f´rmula de Euler (e = −1), Lindemann usou o seguinte
                  e                          ılio    o
racioc´
      ınio,

                                   eiπ ´ alg´brico, pois -1, obviamente, o ´. Portanto πi ´ transcendente pois e elevado a um
                                       e    e                              e              e
                                   n´mero alg´brico continuaria a ser transcendente. Se πi ´ transcendente, sendo i alg´brico
                                    u        e                                             e                           e
                                   (´ solu¸ao da equa¸ao x2 + 1 = 0), ent˜o π s´ pode ser transcendente (GARBI, 2007, p.
                                    e     c˜         c˜                  a     o
                                   194).

   Com esta certeza, fica tamb´m provado que o cl´ssico problema da quadratura do c´
                                   e                a                                   ırculo n˜o tem resposta
                                                                                                a
                                             √
positiva12 , pois se fosse poss´ ter´
                               ıvel ıamos que π ´ um n´mero alg´brico e, consequentemente, π tamb´m ´ alg´brico,
                                                e     u        e                                  e e    e
o que ´ uma contradi¸˜o.
       e                 ca
   Por fim, nos resta aceitar que o conjunto de “peso” da reta real ´ formado pelo conjunto dos n´meros transcen-
                                √     √
                                                                    e                           u
dentes, n´meros da forma π, e, 2 2 , e 2 , eπ , π e , π π , · · · .
         u
    A importˆncia de se conhecer mais exemplos de n´meros transcendentes (al´m de e e de π) foi tal, que D.
             a                                       u                         e
Hilbert (1862 - 1943) na sua famosa lista dos vinte e trˆs problemas apresentada no 2◦ √
                                         13
                                                        e                              Congresso Internacional
de Matem´tica em Paris, no ano de 1900, colocou como o 7◦ problema determinar se 2 2 era transcendente ou
           a
alg´brico.
   e
  11 O conjunto dos reais ´ n˜o enumer´vel e, ´ composto pelos n´ meros alg´bricos e transcendentes. Como os alg´bricos s˜o enumer´veis,
                          e a          a      e                 u          e                                    e        a        a
temos que o conjunto dos transcendentes ´ n˜o vazio e n˜o enumer´vel.
                                           e a            a         a
  12 Assumimos, para tanto, que todo n´ mero construt´
                                         u              ıvel ´ alg´brico. Maiores detalhes consulte o livro de L. H. Jacy Monteiro, “A
                                                             e    e
Teoria de Galois”, conforme a referˆncia (FIGUEIREDO, 2002, p. 33).
                                     e
  13 Esta lista ajudou a delinear o rumo para as novas pesquisas em matem´tica.
                                                                             a
√
   Em 1929, Siegel provou que 2 2 ´ trascendente, mas foi Gelfond (1934) e Schneider (1935), independentemente,
                                   e
que generalizaram a quest˜o, ou seja, provaram que: “Sejam α e β n´meros alg´bricos (reais ou complexos). Se
                          a                                          u          e
α = 0 e α = 1 e β n˜o for um n´mero racional (real), ent˜o αβ ´ transcendente.”
                   a          u                         a     e
   Com isso, podemos dizer que a natureza dos reais foi vastamente apresentada.


4    Conclus˜o
            a
O trabalho aqui exposto teve a inten¸˜o de instigar a curiosidade sobre quest˜es matem´ticas que aparentemente
                                      ca                                        o           a
nos s˜o banais e mostrar que para fazer ciˆncia, a investiga¸˜o, a quebra de tabus, s˜o fundamentais, principalmente
     a                                    e                 ca                       a
quando associadas a pr´-concep¸˜es sobre a facilidade ou dificuldade de se compreender determinados conceitos.
                       e        co
    Assim, desejamos que a matem´tica seja apresentada como uma ciˆncia em constru¸˜o, onde para cada des-
                                    a                                     e                 ca
coberta, cada n´mero real, cada f´rmula, necessitou-se de tempo para amadurecer estas id´ias.
                u                 o                                                           e
    Queremos, por fim, mostrar que mesmos conceitos aparentemente simples podem conter uma implicˆncia de     a
significados complexos e que a beleza da matem´tica est´ na curiosidade de buscar mais esclarecimentos, mais
                                                    a        a
compreens˜o. Este tamb´m ´ um dos pap´is desta ciˆncia: o de agu¸ar os sentidos, fazer querer saber mais, olhar
           a             e e                e          e               c
al´m.
  e


Referˆncias
     e
[1] B´ ıblia Sagrada, Paulus, S˜o Paulo, 26a edi¸˜o, 1998.
                                 a                ca
[2] boyer, c.b. - Hist´ria da Matem´tica, Editora Edgard Bl¨cher Ltda, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o, 2006.
                            o             a                    u           a                 ca
[3] contador, p. r. - Matem´tica, uma breve hist´ria, vol. 1, Editora Livraria da F´
                                    a                  o                                ısica, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o,
                                                                                                a               ca
2006.
[4] euclides - Os Elementos / Euclides, Editora Unesp, S˜o Paulo, 2009.
                                                           a
[5] eves, h. - Introdu¸ao ` Hist´ria da Matem´tica, Editora Unicamp, Campinas, 2004.
                           c˜ a      o            a
[6] figueiredo, d. g. - N´meros Irracionais e Transcendentes, SBM, Rio de Janeiro, 2002.
                               u
[7] garbi, g. g. - A Rainha das Ciˆncias: um passeio hist´rico pelo maravilhoso mundo da matem´tica, Editora
                                         e                   o                                        a
                                     a
Livraria da F´  ısica, S˜o Paulo, 3 edi¸˜o, 2009.
                         a               ca
[8] garbi, g. g. - O Romance das Equa¸˜es Alg´bricas, Editora Livraria da F´
                                            co       e                        ısica, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o, 2007.
                                                                                      a                 ca
[9] lima, e. l. - Curso de An´lise, vol. I, Rio de Janeiro, Instituto de Matem´tica Pura e Aplicada (IMPA), 10a
                                   a                                          a
edi¸˜o, 2000.
    ca
[10] vilela, d. s. - Dos Gregos ` Modernidade, o Medo do Infinito, in SCIAM, Espcial Hist´ria - Os Grandes
                                       a                                                          o
                        o
Erros da Ciˆncia, n 6, 2005, p. 74-79.
              e

More Related Content

Similar to Sobreonumeropi

Probabilidade por geometria
Probabilidade por geometriaProbabilidade por geometria
Probabilidade por geometria
ProfLuizAmaro
 
Probabilidade por geometria
Probabilidade por geometriaProbabilidade por geometria
Probabilidade por geometria
ProfLuizAmaro
 
Plano de aula postado
Plano de aula   postadoPlano de aula   postado
Plano de aula postado
ka32190999
 
Texto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao FuncoesTexto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao Funcoes
btizatto1
 
Texto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao FuncoesTexto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao Funcoes
btizatto1
 

Similar to Sobreonumeropi (20)

Tiras
 Tiras Tiras
Tiras
 
Dia nacional da matemática 2014 sugestões para 2014
Dia nacional da matemática 2014   sugestões para 2014Dia nacional da matemática 2014   sugestões para 2014
Dia nacional da matemática 2014 sugestões para 2014
 
A viabilidade da construção do conhecimento
A viabilidade da construção do conhecimentoA viabilidade da construção do conhecimento
A viabilidade da construção do conhecimento
 
A viabilidade da construção do conhecimento de números
A viabilidade da construção do conhecimento de númerosA viabilidade da construção do conhecimento de números
A viabilidade da construção do conhecimento de números
 
A viabilidade da construção do conhecimento
A viabilidade da construção do conhecimentoA viabilidade da construção do conhecimento
A viabilidade da construção do conhecimento
 
Equações Diferenciais Ordinárias na Aplicação de Circuitos Elétricos
Equações Diferenciais Ordinárias na Aplicação de Circuitos ElétricosEquações Diferenciais Ordinárias na Aplicação de Circuitos Elétricos
Equações Diferenciais Ordinárias na Aplicação de Circuitos Elétricos
 
A casa sonolenta
A casa sonolentaA casa sonolenta
A casa sonolenta
 
2008p2
2008p22008p2
2008p2
 
2008p2
2008p22008p2
2008p2
 
MATEMATICA
MATEMATICAMATEMATICA
MATEMATICA
 
Probabilidade por geometria
Probabilidade por geometriaProbabilidade por geometria
Probabilidade por geometria
 
Probabilidade por geometria
Probabilidade por geometriaProbabilidade por geometria
Probabilidade por geometria
 
Plano de aula postado
Plano de aula   postadoPlano de aula   postado
Plano de aula postado
 
Desenvolvimento do pensamento algebrico
Desenvolvimento do pensamento algebricoDesenvolvimento do pensamento algebrico
Desenvolvimento do pensamento algebrico
 
Matemática Discreta
Matemática DiscretaMatemática Discreta
Matemática Discreta
 
1 caderno do aluno 2014_2017_vol1_baixa_mat_matematica_em_1s
1 caderno do aluno 2014_2017_vol1_baixa_mat_matematica_em_1s1 caderno do aluno 2014_2017_vol1_baixa_mat_matematica_em_1s
1 caderno do aluno 2014_2017_vol1_baixa_mat_matematica_em_1s
 
Construção de aula prã tica de noções de geometria
Construção de aula prã tica de noções de geometriaConstrução de aula prã tica de noções de geometria
Construção de aula prã tica de noções de geometria
 
Texto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao FuncoesTexto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao Funcoes
 
Monografia Maria da Conceição Matemática 2006
Monografia Maria da Conceição Matemática 2006Monografia Maria da Conceição Matemática 2006
Monografia Maria da Conceição Matemática 2006
 
Texto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao FuncoesTexto Fundamentacao Funcoes
Texto Fundamentacao Funcoes
 

Sobreonumeropi

  • 1. V Bienal da SBM Sociedade Brasileira de Matem´tica a UFPB - Universidade Federal da Para´ ıba 18 a 22 de outubro de 2010 ´ ´ topicos sobre o “Pi” e os numeros reais ¨ Kelly Roberta Mazzutti Lubeck ∗ & ¨ Marcos Lubeck † Este trabalho pretende fazer uma singela an´lise acerca da natureza dos n´meros reais, levantando alguns a u questionamentos sobre no¸˜es que muitas vezes julgamos ser de senso comum. Para tanto, faremos uma abordagem co hist´rica sintetizada sobre o n´mero Pi, mostrando a sua configura¸˜o ao longo da hist´ria da matem´tica e sua o u ca o a importˆncia para os delineamentos tomados por esta ciˆncia ao longo dos tempos. Com isso, visamos mostrar uma a e parcela, pequena que seja, para alunos de gradua¸˜o - especialmente de matem´tica - da “evolu¸˜o” das id´ias ca a ca e matem´ticas acerca da estrutura dos n´meros reais e da dinamicidade destes pensamentos at´ se tornarem, por a u e hora, estanques. 1 Motiva¸˜o ca Num curso de Licenciatura em Matem´tica muitos s˜o os desafios que os acadˆmicos precisam sobrepor para obter a a e o grau de licenciados em matem´tica. Durante o per´ a ıodo de quatro anos (em geral o tempo m´ ınimo necess´rio para a a integraliza¸˜o do curso) ´ apresentado a estes alunos diferentes teorias matem´ticas e m´todos de ensino variados ca e a e para que eles tenham plenas condi¸˜es de exercer os of´ co ıcios de sua profiss˜o de modo eficiente, oferecendo-lhes a suporte para as eventuais dificuldades que venham encontrar em seus ambientes de trabalho. Por isso, um dos objetivos dos cursos de forma¸˜o de professores de matem´tica ´ mostrar a matem´tica como ca a e a uma ciˆncia viva, dinˆmica, pass´ e a ıvel de experimenta¸˜o. O grande desafio ´ desmistificar que a matem´tica ´ ca e a e uma ciˆncia pronta, est´tica, onde para todo problema ´ poss´ apresentar uma f´rmula ou, o que ´ muito mais e a e ıvel o e preocupante, uma ciˆncia em que se d˜o as f´rmulas para depois se resolver os problemas. e a o Refletindo a respeito destas “experimenta¸˜es” nos deparamos com o n´mero Pi (π) e, um questionamento co u surgiu: O que ´ o n´mero Pi? Ou melhor: Quem ´ o n´mero Pi? Bom, independentemente de cursarem matem´tica, e u e u a acreditamos que muitas pessoas responderiam que ´ o n´mero (constante) dado pela raz˜o do comprimento de uma e u a circunferˆncia pelo seu diˆmetro e muitos ainda acrescentariam que Pi ´ um n´mero irracional. e a e u De fato, mesmo concordando com eles - at´ porque isto nos ´ ensinado no ensino fundamental - surgiu-nos outra e e quest˜o: Ser´, realmente, que a raz˜o do comprimento de qualquer circunferˆncia pelo seu diˆmetro ´ constante, a a a e a e e a esta constante chamamos de Pi? Quantos acadˆmicos (e porque n˜o mencionarmos cidad˜os) j´ tiveram a e a a a possibilidade e/ou curiosidade de experimentar se a raz˜o mencionada acima ´ constante? De fato, esta raz˜o ´ a e a e constante e isto j´ foi apresentado, inclusive, no Livro XII dos Elementos, de Euclides, onde a proposi¸˜o 2 j´ trazia a ca a “Os c´ırculos est˜o entre si como os quadrados sobre os diˆmetros” e a proposi¸˜o 18 dizia que “As esferas est˜o a a ca a entre si em uma raz˜o tripla da dos pr´prios diˆmetros.” Para maiores detalhes veja Euclides [4], p´ginas 528 e a o a a 561, respectivamente. Ainda, as seguintes inquieta¸˜es a respeito do n´mero Pi do tipo: Quando o descobriram? Quais foram as co u melhores aproxima¸˜es que lhe foram atribu´ co ıdas? Ele ´ ou n˜o um irracional?, motivaram investiga¸˜es n˜o s´ a e a co a o seu respeito mas, tamb´m, a respeito da essˆncia dos n´meros reais, procurando esclarecer quais os n´meros que e e u u compreendem o conjunto dos reais e o que se pode explorar sobre a“reta real”. Deste modo, no decorrer deste trabalho, procuramos esclarecer de maneira simples e objetiva a alguns destes questionamentos. ∗ Universidade Estadual do Oeste do Paran´ , UNIOESTE, PR, Brasil, kellyrobertaml@gmail.com a † Universidade Estadual do Oeste do Paran´, UNIOESTE, PR, Brasil, marcoslubeck@gmail.com. Doutorando UNESP/Rio Claro, a bolsista CNPq.
  • 2. 2 Um n´ mero chamado Pi u Assim como n˜o podemos afirmar com precis˜o qual foi o primeiro povo que “fez” matem´tica, ou equivalentemente, a a a quando surgiu a matem´tica, tamb´m n˜o podemos apontar uma unica civiliza¸˜o que descobriu que para qualquer a e a ´ ca circunferˆncia a raz˜o de seu comprimento (per´ e a ımetro) por seu diˆmetro ´ constante. Talvez uns dos primeiros a e registros de que se tem conhecimento e que traz uma aproxima¸˜o para o n´mero Pi seja o Papiro de Ahmes (ou ca u Papiro de Rhind). Este papiro1 , que data de aproximadamente de 1600 a. C., apresenta “receitas” para alguns problemas (matem´ticos) do povo eg´ a ıpcio e o problema 48 sugere que o n´mero Pi seja aproximado por 4(8/9)2 . u Este valor era obtido comparando-se a ´rea de um c´ a ırculo de diˆmetro 9 com a ´rea de um quadrado de lado 8. a a 1 Outro valor que os eg´ ıpcios adotavam era 3 6 (ou aproximadamente 3,16), conforme (CONTADOR, 2006, Vol. I, p. 253). Esta “problem´tica” do n´mero Pi ´ t˜o antiga que at´ mesmo a B´ a u e a e ıblia faz referˆncia ao que hoje chamamos e de Pi no livro dos Reis, I, 7:23 e em Crˆnicas, II, 4:2. A seguir descrevemos o trecho do livro dos Reis: “Hiram o fez ainda o Mar2 , todo de metal fundido, com cinco metros de diˆmetro. Era redondo, tinha dois metros e meio de a altura, e sua circunferˆncia tinha quinze metros” (B´ e IBLIA SAGRADA, 1998, p. 374). J´ os babilˆnicos (1800 a 1600 a. C.) aproximavam o valor3 de Pi por 3 1 e existem registros que no vale a o 8 mesopotˆmico o valor de Pi era 3 (Conf. CONTADOR, 2006, Vol. I, p. 253). a Os chineses aproximavam o n´mero Pi, quando observado no c´lculo da ´rea do c´ u a a ırculo, pelo n´mero 3. Por´m, u e outras estimativas s˜o apresentadas na obra Chui-Chang Suan-Shu (Nove Cap´ a ıtulos sobre a Arte Matem´tica), a composto por volta de 250 a. C. Nela Pi ´ aproximado por “3, 14 usando um pol´ e ıgono regular de 96 lados e a aproxima¸˜o de 3, 14159 considerando um pol´ ca ıgono de 3.072 lados” (BOYER, 1996, p. 138). Outra aproxima¸˜o de ca e 355 Pi (historicamente relevante) dada por chineses ´ 113 , que ´ correta at´ a sexta casa decimal. Segundo Eves (2004, e e p. 142) este valor foi encontrado pelo chinˆs Tsu Ch’ung-chih. e Quando nos reportamos ` hist´ria do Pi n˜o podemos deixar de mencionar o nome de Arquimedes. Ele ´ a o a e considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos, com grandes contribui¸˜es tanto na matem´tica quanto co a na f´ ısica. Em um dos seus trabalhos apresentou um m´todo, o Princ´ e ıpio da Alavanca (ou Lei da Alavanca), que possibilitou avan¸ar significativamente no c´lculo de ´reas e volumes (quadratura da par´bola, volume da esfera). c a a a Ele tamb´m abordou diversos problemas como por exemplo a trissec¸˜o do ˆngulo, o estudo da esfera e do cilindro, e ca a os problemas astronˆmicos e hidrost´ticos e a medida do c´ o a ırculo e, conseq¨entemente, uma aproxima¸˜o para o u ca n´mero Pi. u Para calcular uma aproxima¸˜o para o n´mero Pi ele trabalhou com pol´ ca u ıgonos inscritos em uma circun- ferˆncia.“Come¸ando com o hex´gono regular inscrito, ele calculou os per´ e c a ımetros dos pol´ ıgonos obtidos dobrando-se sucessivamente o n´mero de lados at´ chegar a noventa e seis lados.” (BOYER, 1996, p. 86). u e O grande m´rito no trabalho de Arquimedes reside no fato de ele n˜o tentar apresentar o valor exato de Pi, mas e a simplesmente um limite inferior e um superior para esta constante. Segundo Contador (2006, p. 265) “o m´todo e de Arquimedes ´ o unico matematicamente correto e foi com certeza a primeira tentativa cient´ e ´ ıfica de buscar um valor para Pi”. Atrav´s de seu m´todo Arquimedes encontrou a aproxima¸˜o 3 10 < π < 3 1 . e e ca 71 7 O livro de Contador (2006, p. 256) traz os c´lculos que motivaram as f´rmulas recorrentes abaixo e, segundo o a o autor, estes c´lculos fazem referˆncia ao m´todo utilizado por Arquimedes. a e e Identificando ln como o lado do pol´ ıgono regular inscrito num c´ ırculo de raio r, pn o per´ ımetro do pol´ıgono inscrito, Ln o lado do pol´ ıgono circunscrito no c´ ırculo de raio r, e Pn o seu per´ ımetro, temos as seguintes rela¸˜es, co 2Pn pn P2n = , (2.1) Pn + pn 1 Para maiores detalhes veja (BOYER, 1996, p. 12). Mar de Bronze era um grande reservat´rio de ´gua, necess´ria para as purifica¸˜es rituais e a limpeza do templo” (B´ 2 “O o a a co IBLIA SAGRADA, 1998, p. 374). 3 Valor encontrado em problemas registrados em tabelas de argila.
  • 3. e p2n = pn P2n , (2.2) onde (??) representa o per´ ımetro do pol´ıgono circunscrito de 2n lados (P2n ) como uma “m´dia harmˆnica” e (??) e o representa o pol´ıgono inscrito de 2n lados (p2n ) como uma m´dia geom´trica. Al´m disso, da Figura 1 abaixo ´ e e e e f´cil concluir que ln = 2r sen θ, pn = 2.n.r. sen θ e Ln = 2r tan θ, Pn = 2.n.r. tan θ. a Figura 1: Pol´ ıgonos inscrito e circunscrito. Hoje, com a representa¸˜o num´rica indo-ar´bica, com o desenvolvimento de v´rios algoritmos para c´lculos ca e a a a b´sicos (divis˜o, multiplica¸˜o, radicia¸˜o) e, por fim, com o aux´ de uma calculadora, facilmente chegamos aos a a ca ca ılio valores estabelecidos por Arquimedes. Tomando um c´ ırculo de raio 1, com pol´ ıgonos de seis lados inscrito e circuns- ◦ crito, obtemos n = 6 e θ = 30 . Assim, com as f´rmulas recorrentes dadas acima obtemos: o • Pol´ ıgono com 6 lados. L6 = 2.1. tan 300 = 1, 1547 e l6 = 2.1.sen 300 = 1. P6 = 2.6.1. tan 300 = 6, 9282 e p6 = 2.6.1.sen 300 = 6. • Pol´ ıgono com 12 lados. √ P12 = 2.p+P6 = 6, 4307 e p12 = p6 .P12 = 6, 2116 p6 6 .P6 • Pol´ ıgono com 24 lados. √ P24 = 2.p12 .P12 = 6, 3192 e p24 = p12 .P24 = 6, 2651 p12 +P 12 • Pol´ ıgono com 48 lados. √ P48 = 2.p24 .P24 = 6, 2930 e p48 = p24 .P48 = 6, 2790 p24 +P 24 • Pol´ ıgono com 96 lados. √ P96 = 2.p48 .P48 = 6, 2859 e p96 = p48 .P96 = 6, 2824. p48 +P 48 Dessa forma ´ f´cil concluir que o valor de π est´ entre os valores 3, 1412 e 3, 14295. e a a
  • 4. O livro de Garbi (2007, p. 210) apresenta um m´todo que segundo o autor ´ “de mais f´cil compreens˜o” e e e a a 4 tamb´m estabelece as f´rmulas (??) e (??) . e o Arquimedes tamb´m utilizou, conforme Garbi (2009, p. 81), o m´todo da dupla redu¸˜o ao absurdo para e e ca calcular a ´rea do c´ a ırculo, que provou ser igual a ´rea do triˆngulo retˆngulo tendo como base o comprimento a a a 5 da circunferˆncia e como altura o raio do c´ e ırculo . Com isto Arquimedes pode inferir que se “o comprimento da circunferˆncia ´ 2πr, sua ´rea ´ πr2 ”. e e a e ´ Figura 2: Areas da circunferˆncia e do triˆngulo explorados por Arquimedes. e a Especula-se, tamb´m, que uma das melhores aproxima¸˜es para o n´mero Pi foi dada por Apolˆnio de Perga e co u o (± 262 a 190 a. C.) o qual atribuiu 3, 1416 como valor de Pi, mas n˜o existem explica¸˜es de como ele chegou a a co este fato. No Almagesto de Ptolomeu a aproxima¸˜o dita ser de Apolˆnio tamb´m foi utilizada (BOYER, 1996, p. ca o e 96). Outros povos e outro estudiosos tamb´m possu´ e ıam suas aproxima¸˜es para o valor de Pi, mas conforme Boyer co (1996, p. 167) foi o matem´tico ´rabe Al-Kashi (? - 1436) que melhor se aproximou do valor de Pi, estabelecendo a a o valor 6, 2831853011795865 para estimar 2π. Esta aproxima¸˜o s´ foi superada ao final do s´culo XVI 6 . ca o e Esta constante, que foi por muitos e diferentes povos investigada, s´ se consagrou com o s´ o ımbolo da letra grega π quando Euler (1734 - 1800) a publicou em seus livros. (Ela foi usada pela primeira vez pelo inglˆs William Jones, e conforme Garbi (2009, p. 102)). A primeira express˜o anal´ a ıtica envolvendo o n´mero π foi apresentada pelo francˆs Fran¸ois Vi`te (1540 - 1603) u e c e e ´ dada por: e 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 = · + · + + ··· (2.3) π 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Mais do que uma forma de representar π esta express˜o refor¸a o surgimento de uma nova t´cnica na matem´tica, a c e a onde no¸˜es aritm´ticas, alg´bricas e trigonom´tricas se fundem, cada vez mais, em express˜es anal´ co e e e o ıticas. Segundo (GARBI, 2007, p. 57) “O uso espor´dico de letras para representar n´meros era pr´tica muito antiga, mas at´ o a u a e surgimento de Vi`te n˜o se costumava fazer manipula¸˜es alg´bricas de s´ e a co e ımbolos nem eram empregados coeficientes literais para representar classes gen´ricas.” e Abaixo apresentamos, baseados na obra de Garbi (2007), o procedimento que Vi`te utilizou para deduzir a e f´rmula (??). o Da cl´ssica f´rmula a o sen (a + b) = sen a cos b + sen b cos a ´ f´cil deduzir que e a θ θ sen θ = 2 sen cos , 2 2 4O m´todo referenciado n˜o ´ o apresentado por Arquimedes. e a e 5 Os c´lculos encontram-se na bibliografia citada. a 6 Cronologias para o n´ mero Pi s˜o apresentadas nas obras (CONTADOR, 2006, p. 265) e (EVES, 2004, p. 143). u a
  • 5. donde θ θ sen θ = 2 · 2 sen cos cos θ. 4 4 Repetindo-se este processo n vezes temos que θ θ θ θ θ θ sen θ = 2n sen n cos n cos n−1 cos n−2 · · · cos cos . 2 2 2 2 4 2 Analisando o termo 2n sen 2θ , percebemos que ele pode ser re-escrito como n θ θ θ θ sen 2θ n 2n · sen n = θ sen n = θ θ . θ 2 2n 2 2n Mas, ´ poss´ provarmos que para valores cada vez maiores de n o quociente acima se aproxima de 1, ou seja, e ıvel sen 2θ n se n → ∞ ent˜oa θ → 1. 2n Assim, Vi`te fez a identifica¸˜o e ca θ θ θ θ θ θ sen θ = θ cos cos cos · · · cos n−1 cos n cos n+1 · · · 2 4 8 2 2 2 Para θ = π/2 temos sen θ = 1 e, portanto, π π π π π π π 1= cos cos cos · · · cos n−1 cos n cos n+1 · · · (2.4) 2 4 8 16 2 2 2 Novamente, das cl´ssicas f´rmulas sen 2 θ + cos2 θ = 1 e cos(a + b) = cos a cos b − sen a sen b temos que cos θ = a o −1 + 2 cos2 θ , donde cos θ = 1 + 2 cos θ. 2 2 2 1 Dessa forma, como cos π/2 = 0 temos que, π 1 1 π 1 cos = + cos = , 4 2 2 2 2 π 1 1 π 1 1 1 cos = + cos = + , 8 2 2 4 2 2 2 π 1 1 π 1 1 1 1 1 cos = + cos = + + , etc. 16 2 2 8 2 2 2 2 2 Substituindo na equa¸˜o (??) obtemos ca π 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1= + + + ··· (2.5) 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Que, por fim, ´ equivalente ` e a 2 π= (2.6) 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 + 2 2 2 + 2 2 + 2 2 ··· Apesar de toda a sofistica¸˜o que a matem´tica j´ possu´ ainda necessitou-se mais de um s´culo para que um ca a a ıa, e contemporˆneo de Vi`te, o francˆs J. H. Lambert (1728 - 1777) em 1761 provasse que π ´ realmente um n´mero a e e e u irracional. Lambert se apoiou na teoria das fun¸˜es cont´ co ınuas para obter a sua demonstra¸˜o. Outras demonstra¸˜es ca co em linguagem mais “moderna” foram apresentadas e, uma razoavelmente simples (se ´ que estas palavras podem e ser utilizadas em matem´tica) pode ser obtida na obra de Figueiredo (2002, p. 9). A prova que ali se encontra, a a qual discutiremos abaixo, ´ devida a I. Niven e foi publicada no Bulletin of the American Mathematical Society, 53 e (1947), p. 509.
  • 6. Teorema 2.1. π ´ um n´mero irracional. e u Para provarmos que π ´ um n´mero irracional, vamos supor que π 2 seja uma fra¸˜o irredut´ e chegar a algum e u ca ıvel 2 absurdo, logo π s´ pode ser irracional e, consequentemente, π tamb´m o ´. Para tanto, faremos uso das id´ias dos o e e e lemas descritos abaixo. n n Lema 2.1. Dada a fun¸˜o f (x) = x (1−x) , com n inteiro positivo, ent˜o Dk f (0) ´ um n´mero inteiro para ca n! a e u qualquer k = 0, 1, 2, · · · , onde Dk f representa a k−´sima derivada de f e D0 f = f. e Prova: A f´rmula de Leibnitz para as derivadas de um produto de fun¸˜es g e h ´ dada por o co e k k Dk (gh) = Dj g · Dk−j h, j=0 j k k! onde = j!(k−j)! representam os coeficientes do Binˆmio de Newton. o j Aplicando a f´rmula de Leibnitz para a fun¸˜o f obtemos o ca k 1 k Dk f = Dj xn · Dk−j (1 − x)n (2.7) n! j=0 j Por outro lado, um c´lculo simples mostra que: a • Se j < n ent˜o Dj xn |x=0 = n(n − 1) · · · (n − j)xn−j |x=0 = 0; a • Se j = n ent˜o Dj xn |x=0 = n(n − 1) · · · 3.2.1|x=0 = n!; a • Se j > n ent˜o Dj xn |x=0 = 0|x=0 = 0. a Substituindo estes valores na (??) conclu´ ımos que Dk f (0) = 0 se k < n (2.8) e 1 k Dk f (0) = n!Dk−n (1 − x)n |x=0 se k ≥ n (2.9) n! n Sendo os coeficientes binomiais inteiros, temos que a express˜o do lado esquerdo de (??) ´ um inteiro, donde a e est´ provado o resultado. a Lema 2.2. Dk f (1) ´ um n´mero inteiro para qualquer k = 0, 1, 2, 3, · · · e u Prova: Basta observar que f (1 − x) = f (x), ou seja, f (1) = f (0), e que pelo lema anterior foi provado que Dk f (0) sempre ´ um inteiro, logo Dk f (1) ser´ um inteiro. e a p Assumindo agora que π 2 = q fra¸˜o irredut´ ca ıvel, definimos a seguinte fun¸˜o ca F (x) = q n {π 2n f (x) − π 2n−2 D2 f (x) + · · · + (−1)n D2n f (x)}. Dos lemas e com a hip´tese de que π 2 = p/q temos que F (0) e F (1) s˜o n´meros inteiros. o a u Considerando que a representa a derivada de uma fun¸˜o, temos as rela¸˜es ca co
  • 7. {F (x)sen πx − πF (x) cos πx} = F (x)sen πx + πF (x) cos πx − πF (x) cos πx + πF (x)sen πx = F (x)sen πx + πF (x)sen πx = (F (x) + π 2 F (x))sen πx = (q n (−1)n D2n+2 f (x) + q n π 2n+2 f (x))sen πx, como D2n+2 f (x) = 0 = pn π 2 f (x)sen πx, n observe que q n π 2n+2 = q n π 2n π 2 = q n pn π 2 = pn π 2 . q Do Teorema Fundamental do C´lculo7 aplicado a rela¸˜o acima, segue-se que a ca 1 pn π 2 0 f (x)sen πx dx = F (x)sen πx − πF (x) cos πx|10 = (F (1)sen π − πF (1) cos π) − (F (0)sen 0 − πF (0) cos 0) = πF (1) + πF (0) Com isto chegamos a equa¸˜o ca 1 pn π f (x)sen πx dx = F (1) + F (0) (2.10) 0 que por um lado j´ verificamos que ´ inteiro. J´ o lado esquerdo de (??) ´ um n´mero positivo e menor do que 1, a e a e u 1 pois para todo 0 < x < 1 temos que 0 < f (x) < n! . Al´m disso e 1 1 pn 2pn 0 < πpn f (x)sen πx dx < π sen πx dx = (2.11) 0 n! 0 n! pn Como limn→∞ n! = 0 temos que existe n ∈ N tal que 2pn /n! < 1, portanto chegamos a um absurdo. Provando-se, por fim, a irracionalidade do n´mero π e observando que mesmo nos registros mais antigos, nos u mais diferentes povos, o π j´ era investigado, surge-nos um novo questionamento: Por que a demora em se provar a √ que o n´mero π ´ um n´mero irracional? Ao contr´rio, por exemplo, do n´mero 2, que j´ no tempo de Pit´goras u e u a u a a se conhecia a sua incomensurabilidade com uma unidade pr´-fixada. Esta quest˜o est´ intimamente relacionada e a a com a “natureza” dos n´meros reais e ser´ abordada, juntamente com outros t´picos, na pr´xima se¸˜o. u a o o ca 3 Explorando a reta real Algumas das primeiras no¸˜es sobre conjuntos num´ricos que nos s˜o apresentadas fazem referˆncia ao conjunto dos co e a e n´meros naturais, inteiros, racionais e irracionais e aprendemos, ainda, que o conjunto dos n´meros reais engloba u u (de forma n˜o disjunta) todos estes conjuntos, ou seja, o conjunto dos reais ´ formado pelos racionais e irracionais. a e Podemos observar, tamb´m, que quando solicitado exemplos de n´meros racionais e irracionais provavelmente para e u 100% das solicita¸˜es surgem respostas como co 1 −3 5 √ √ √ , , , 2, 3, 7, π. 2 4 7 ´ E claro que estes valores surgem, pois eles s˜o muito mais representativos que v´rios outros racionais e irracionais, a a 1 n como por exemplo a fra¸˜o 2507 e o n´mero de Euler e = limn→∞ 1 + n . ca 4562 u Esta no¸˜o (elementar) que foi apresentada j´ come¸a a estabelecer diferentes “categorias” nos conjuntos ca a c num´ricos pois o quˆ, al´m da periodicidade, diferencia o conjunto dos racionais dos irracionais? e e e Quem contribuiu imensamente para a compreens˜o desta quest˜o foi o matem´tico G. Cantor (1845 - 1918) com a a a sua teoria sobre os diferentes tipos de infinito. Cantor provou que apesar de ambos os conjuntos dos naturais e dos reais serem infinitos, a potˆncia de seus infinitos ´ distinta. e e 7 Se 1 g : [0, 1] → R ´ uma fun¸˜o continuamente diferenci´vel em [0,1], ent˜o e ca a a 0 g (x)dx = g(1) − g(0).
  • 8. Segundo Vilela (2005), “George Cantor, com sua teoria dos n´meros transfinitos, n˜o apenas mostrou que era u a poss´ıvel analisar sem nenhuma contradi¸˜o este conceito, mas ainda provou que existem v´rios tipos de infinito ca a diferentes - alguns maiores, outros menores” (p. 75). E, tamb´m, e Cantor estendeu aos conjuntos infinitos a id´ia de que eles s˜o numericamente iguais se for e a poss´ ıvel estabelecer uma rela¸ao biun´ c˜ ıvoca entre os seus elementos. Se isso for imposs´ ıvel, ent˜o um deles ´ maior do que o outro. Ele conseguiu provar que ´ poss´ a e e ıvel associar cada n´mero racional a um n´mero natural e que, portanto, os dois conjuntos s˜o numericamente u u a iguais. (p. 77). Dizemos, de fato, que um conjunto ´ enumer´vel se possui uma correspondˆncia biun´ e a e ıvoca com o conjunto dos naturais ou for finito. Caso contr´rio, ele ´ dito n˜o enumer´vel. a e a a Como os naturais s˜o enumer´veis e os reais s˜o n˜o enumer´veis 8 temos, consequentemente, que a n˜o enu- a a a a a a merabilidade ´ uma caracter´ e ıstica/propriedade dos n´meros irracionais. Portanto, sob a reta real existem significa- u tivamente mais n´meros irracionais que racionais. Grosseiramente falando, quem d´ o “preenchimento”, o “peso”, u a da reta real s˜o os irracionais. a Estas observa¸˜es nos auxiliam a compreender os reais, mas n˜o nos ajudam a responder a quest˜o anteriormente co a a formulada: Por que a demora em se provar que Pi ´ um n´mero irracional? e u A resposta mais ´bvia ´ porque necessitou-se de mais ferramentas matem´ticas para realizar tal feito e, tamb´m, o e a e necessitou-se conhecer melhor o conjunto dos reais. Colocamos isto porque apesar de “conhecermos” os n´meros reais, concordarmos que os irracionais s˜o n˜o u a a enumer´veis e, portanto, representam a grande maioria dos reais, ainda ´ poss´ mostrar que todos os n´meros a e ıvel u √ irracionais da forma p = ±a ± b, a, b ∈ N, e similares9 formam um conjunto enumer´vel. Assim, quase todos os a n´meros irracionais que conhecemos (lembramos) representam a ´ u ınfima parte dos reais, uma vez que tamb´m s˜o e a enumer´veis. a Bom! Neste caso quem s˜o os irracionais que “sobraram” para compor o conjunto dos reais e que representam a (em potˆncia de infinito) uma quantidade significativamente superior? Os n´meros π e e fazem parte deste conjunto? e u Euler j´ havia demonstrado que e e e2 s˜o irracionais e, segundo Garbi (2007) ele percebeu um fato curioso. a a √ Enquanto a 2 elevada a qualquer expoente par torna-se um n´mero racional, as potˆncias u e racionais de e continuam a ser irracionais. Parecia que a irracionalidade de e era mais √ “profunda” do que a de 2. [...] Estes ind´ ıcios sugeriam, portanto, que os n´meros chamados u reais poderiam estar divididos em duas categorias: os que s˜o e os que n˜o s˜o ra´ a a a ızes de equa¸oes polinomiais de coeficientes inteiros. ( p. 193). c˜ Para responder a pergunta acima e, consequentemente, conhecer melhor a natureza dos reais necessitamos de mais um conceito matem´tico, o dos n´meros alg´bricos e transcendentes. a u e Qualquer solu¸˜o de uma equa¸˜o polinomial da forma ca ca an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 = 0 onde os coeficientes ai s s˜o inteiros, ´ chamado de um n´mero alg´brico. Assim, um n´mero α ´ alg´brico se existe a e u e u e e uma equa¸˜o polinomial com coeficientes inteiros da qual α seja raiz. (Da defini¸˜o observamos que todo n´mero ca ca u p racional q ´ alg´brico, j´ que ´ raiz da equa¸˜o qx − p = 0). E, um n´mero ´ dito transcendente quando ele n˜o ´ e e a e ca u e a e alg´brico. e Vamos mostrar, abaixo, que o conjunto dos n´meros alg´bricos ´ enumer´vel10 e, consequentemente, al´m dos u e e a e 8 Para maiores detalhes veja a bibliografia (LIMA, 2000). 9 Entendemos √ por similares o conjunto dos n´ meros da forma q = a + p, com p descrito anteriormente. u 10 Veja Figueiredo (2002, p. 16). A demonstra¸˜o apresentada ali, a qual servir´ de base para nossos c´lculos, ´ devida a Cantor. ca a a e
  • 9. √ √ 7 √ racionais, todos os irracionais da forma 2, 3 7, 1 + 2, etc. tamb´m s˜o enumer´veis, j´ que s˜o alg´bricos. e a a a a e 11 Segue disto que o conjunto dos n´meros transcendentes ´ n˜o vazio e n˜o enumer´vel . u e a a a Teorema 3.1. O conjunto dos n´meros alg´bricos ´ enumer´vel. u e e a Prova: Considere o polinˆmio com coeficientes inteiros o p(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 . (3.12) Definimos a altura do polinˆmio p, e denotamos por |p|, ao n´mero natural o u |p| = |an | + · · · + |a1 | + |a0 | + n. (3.13) Os n´meros alg´bricos s˜o ra´ u e a ızes de polinˆmios, com coeficientes inteiros, logo p(x) = 0. Mas, o teorema o fundamental da ´lgebra garante que p(x) = 0 tem exatamente n ra´ a ızes complexas (e, portanto, n˜o mais do que n a ra´ ızes reais). O n´mero de polinˆmios do tipo (??) com uma altura determinada ´ um n´mero finito. Logo, o conjunto de u o e u todas as ra´ ızes dos polinˆmios de uma determinada altura ´ finito. Como uni˜o enumer´vel de conjuntos finitos o e a a ´ enumer´vel segue-se que todas as ra´ e a ızes (conjuntos finitos) de todos os polinˆmios de todas as alturas (conjunto o enumer´vel) formam um conjunto enumer´vel. a a A natureza distinta do n´mero π e do n´mero e nos indica que eles s˜o n´meros transcendentes, mas somente u u a u em 1873 o matem´tico francˆs C. Hermite (1822 - 1901) demonstrou que e ´ transcendente. “Mais ainda, provou a e e que e elevado a qualquer n´mero alg´brico continua a ser transcendente” (GARBI, 2007, p. 194). Em 1882, F. u e Lindemann (1852 - 1939) provou que π tamb´m ´ um n´mero transcendente. Lindemann, em seu trabalho, estendeu e e u o m´todo usado por Hermite. e Considerando-se que o produto de n´meros alg´bricos ´ alg´brico e o produto de um n´mero alg´brico por u e e e u e iπ um transcendente ´ transcendente e, com o aux´ da f´rmula de Euler (e = −1), Lindemann usou o seguinte e ılio o racioc´ ınio, eiπ ´ alg´brico, pois -1, obviamente, o ´. Portanto πi ´ transcendente pois e elevado a um e e e e n´mero alg´brico continuaria a ser transcendente. Se πi ´ transcendente, sendo i alg´brico u e e e (´ solu¸ao da equa¸ao x2 + 1 = 0), ent˜o π s´ pode ser transcendente (GARBI, 2007, p. e c˜ c˜ a o 194). Com esta certeza, fica tamb´m provado que o cl´ssico problema da quadratura do c´ e a ırculo n˜o tem resposta a √ positiva12 , pois se fosse poss´ ter´ ıvel ıamos que π ´ um n´mero alg´brico e, consequentemente, π tamb´m ´ alg´brico, e u e e e e o que ´ uma contradi¸˜o. e ca Por fim, nos resta aceitar que o conjunto de “peso” da reta real ´ formado pelo conjunto dos n´meros transcen- √ √ e u dentes, n´meros da forma π, e, 2 2 , e 2 , eπ , π e , π π , · · · . u A importˆncia de se conhecer mais exemplos de n´meros transcendentes (al´m de e e de π) foi tal, que D. a u e Hilbert (1862 - 1943) na sua famosa lista dos vinte e trˆs problemas apresentada no 2◦ √ 13 e Congresso Internacional de Matem´tica em Paris, no ano de 1900, colocou como o 7◦ problema determinar se 2 2 era transcendente ou a alg´brico. e 11 O conjunto dos reais ´ n˜o enumer´vel e, ´ composto pelos n´ meros alg´bricos e transcendentes. Como os alg´bricos s˜o enumer´veis, e a a e u e e a a temos que o conjunto dos transcendentes ´ n˜o vazio e n˜o enumer´vel. e a a a 12 Assumimos, para tanto, que todo n´ mero construt´ u ıvel ´ alg´brico. Maiores detalhes consulte o livro de L. H. Jacy Monteiro, “A e e Teoria de Galois”, conforme a referˆncia (FIGUEIREDO, 2002, p. 33). e 13 Esta lista ajudou a delinear o rumo para as novas pesquisas em matem´tica. a
  • 10. Em 1929, Siegel provou que 2 2 ´ trascendente, mas foi Gelfond (1934) e Schneider (1935), independentemente, e que generalizaram a quest˜o, ou seja, provaram que: “Sejam α e β n´meros alg´bricos (reais ou complexos). Se a u e α = 0 e α = 1 e β n˜o for um n´mero racional (real), ent˜o αβ ´ transcendente.” a u a e Com isso, podemos dizer que a natureza dos reais foi vastamente apresentada. 4 Conclus˜o a O trabalho aqui exposto teve a inten¸˜o de instigar a curiosidade sobre quest˜es matem´ticas que aparentemente ca o a nos s˜o banais e mostrar que para fazer ciˆncia, a investiga¸˜o, a quebra de tabus, s˜o fundamentais, principalmente a e ca a quando associadas a pr´-concep¸˜es sobre a facilidade ou dificuldade de se compreender determinados conceitos. e co Assim, desejamos que a matem´tica seja apresentada como uma ciˆncia em constru¸˜o, onde para cada des- a e ca coberta, cada n´mero real, cada f´rmula, necessitou-se de tempo para amadurecer estas id´ias. u o e Queremos, por fim, mostrar que mesmos conceitos aparentemente simples podem conter uma implicˆncia de a significados complexos e que a beleza da matem´tica est´ na curiosidade de buscar mais esclarecimentos, mais a a compreens˜o. Este tamb´m ´ um dos pap´is desta ciˆncia: o de agu¸ar os sentidos, fazer querer saber mais, olhar a e e e e c al´m. e Referˆncias e [1] B´ ıblia Sagrada, Paulus, S˜o Paulo, 26a edi¸˜o, 1998. a ca [2] boyer, c.b. - Hist´ria da Matem´tica, Editora Edgard Bl¨cher Ltda, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o, 2006. o a u a ca [3] contador, p. r. - Matem´tica, uma breve hist´ria, vol. 1, Editora Livraria da F´ a o ısica, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o, a ca 2006. [4] euclides - Os Elementos / Euclides, Editora Unesp, S˜o Paulo, 2009. a [5] eves, h. - Introdu¸ao ` Hist´ria da Matem´tica, Editora Unicamp, Campinas, 2004. c˜ a o a [6] figueiredo, d. g. - N´meros Irracionais e Transcendentes, SBM, Rio de Janeiro, 2002. u [7] garbi, g. g. - A Rainha das Ciˆncias: um passeio hist´rico pelo maravilhoso mundo da matem´tica, Editora e o a a Livraria da F´ ısica, S˜o Paulo, 3 edi¸˜o, 2009. a ca [8] garbi, g. g. - O Romance das Equa¸˜es Alg´bricas, Editora Livraria da F´ co e ısica, S˜o Paulo, 2a edi¸˜o, 2007. a ca [9] lima, e. l. - Curso de An´lise, vol. I, Rio de Janeiro, Instituto de Matem´tica Pura e Aplicada (IMPA), 10a a a edi¸˜o, 2000. ca [10] vilela, d. s. - Dos Gregos ` Modernidade, o Medo do Infinito, in SCIAM, Espcial Hist´ria - Os Grandes a o o Erros da Ciˆncia, n 6, 2005, p. 74-79. e