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National Institute on Deafness and Other Communication Disorders
National Institutes of Health

www.nidcd.nih.gov

Março de 2010

A Longa Estrada da Descoberta
Primeiros genes relacionados à gagueira foram encontrados
nos lugares mais improváveis do genoma humano
Por Robin Latham

Meu professor
dizia que os genes
não tinham nada
a ver com a fala.
Mas hoje se sabe
que eles têm, e eu
fui o responsável
pela descoberta
de um deles. É
uma coisa
incrível.”
– Changsoo Kang, Ph.D

A história desta
descoberta só se
tornou possível
graças à habilidade dos pesquisadores de enxergar nos lugares
mais inesperados
aquilo que procuravam.”

gagueira.org.br

C

hangsoo Kang, Ph.D., pesquisador visitante
do Laboratório de Genética Molecular do
NIDCD, lembra-se vividamente daquele dia.
Assistindo a uma aula de introdução à ciência biomédica em seu curso de graduação, na Coreia do
Sul, perguntaram a ele que funções os genes desempenham nos seres humanos. "Eu disse que os
genes também estavam envolvidos em funções
relacionadas ao pensamento e à fala, e disseram
que eu estava errado."
Dezessete anos mais tarde, Dr. Kang e um grupo
internacional de pesquisadores liderados por
Dennis Drayna, Ph.D., provaram que os genes de
fato desempenham um papel importante na fala
com a descoberta dos primeiros genes associados
à gagueira. A gagueira é uma desordem da comunicação que afeta mais de 3 milhões de pessoas
nos EUA e cerca de 60 milhões de pessoas em
todo o mundo. Esta descoberta representa o primeiro passo na remoção da espessa nuvem de
mistério que encobria a gagueira e abre novos
horizontes para seu tratamento.
A forma como esta descoberta foi feita nos revela
uma história construída com muita engenhosidade e perseverança, e que só se tornou possível
graças à habilidade dos pesquisadores de enxergar nos lugares mais inesperados aquilo que procuravam.
A história começa no Paquistão, com um grupo de
famílias com alta incidência de gagueira. Os cientistas sempre suspeitaram que havia um componente genético na gagueira, porque ela tende a
ocorrer em famílias. Porém, encontrar as famílias
certas para estudar, e um número suficiente delas,
era um grande desafio.
O Paquistão tem sido considerado um dos lugares mais propícios para o estudo de doenças genéticas. “Há uma elevada taxa de casamentos dentro da mesma família. É frequente que primos se
casem com primas, e tem sido assim por muitos
séculos”, diz Dr. Drayna, chefe da Divisão de Desordens da Comunicação do Laboratório de Genética Molecular do NIDCD. Consequentemente, isso
estreita o conjunto de genes a ser investigado e
torna as mutações mais fáceis de ser encontradas

Changsoo Kang (esquerda), Ph.D., ao lado de Dennis Drayna, Ph.D.: mais
de uma década de pesquisa para remover a espessa nuvem de mistério
que encobria a gagueira.

por meio de estudos de linkage genético, que
são as principais ferramentas utilizadas pelos cientistas para rastrear a localização de genes.
Dr. Drayna já tinha feito estudos de linkage em
famílias do Paquistão e descoberto uma promissora região no cromossomo 12 que provavelmente
abrigava um gene mutante, mas o progresso da
pesquisa provou ser difícil.
Há uma razão para essa dificuldade, diz Dr. Kang,
que herdou os estudos de linkage quando veio
para o NIDCD trabalhar no laboratório do Dr.
Drayna. “Algumas pessoas tendem a se recuperar
naturalmente da gagueira com o passar do tempo, então é difícil definir quem é afetado e quem
não é afetado pela mutação. Encontrar um gene
para a gagueira é uma tarefa complicada, porque
não existe nenhuma relação precisa entre o genótipo e o fenótipo.” Para um cientista, isso significa
que não há um resultado consistente e previsível
entre a mutação genética e sua característica ou
sintoma. Também significa que a relação biunívoca entre o gene e a característica é muito mais
difícil de ser provada.

pág. 1
National Institute on Deafness and Other Communication Disorders
National Institutes of Health

www.nidcd.nih.gov

Março de 2010

Levou mais de
uma década para
conseguirmos este
primeiro grande
resultado [...]. É
um tremendo privilégio trabalhar
em uma instituição que permite a
realização de pesquisas de alto
risco de longo
prazo”
– Dennis Drayna, Ph.D

Ninguém tinha
ainda encontrado
qualquer desordem humana
relacionada a
mutações no gene
NAGPA. Seu único
efeito conhecido
até agora é a
gagueira.”

Foi esse o ponto no qual Dr. Kang e Dr. Drayna
começaram a investigação. Eles recrutaram mais
famílias paquistanesas e mais pessoas com gagueira nos EUA e na Grã-Bretanha, sem relação de
parentesco entre si, para coletar o DNA delas e
também do grupo controle recrutado nessas
mesmas populações. O grupo controle era formado por pessoas que não tinham nenhuma história
de gagueira em suas famílias. De volta ao laboratório, Dr. Kang começou a trabalhar no sequenciamento do material genético. Ele verificou que a
região de interesse no cromossomo 12 continha
87 genes, o que significava que 87 genes teriam
de ser seqüenciados e analisados para ver se alguma coisa interessante viria à tona.
Quarenta e cinco genes e três anos mais tarde, Dr.
Kang sentia que estava trabalhando em um projeto que não estava indo a lugar nenhum. “Eu estava
cansado e frustrado, queria desistir e voltar para a
Coreia”, ele disse. “Então fui ao escritório do Dennis e disse a ele como estava me sentindo.”
Desde o início, Dr. Drayna sabia que este era um
projeto ao mesmo tempo de alta recompensa e
de alto risco, e havia uma grande possibilidade de
que os dados não rolassem a favor deles. Ele não
poderia culpar Dr. Kang por querer desistir. Ele não
tinha nada a mostrar depois de três anos de trabalho duro. O avanço de sua carreira estava em jogo.
“Na semana seguinte, não fiz mais nenhum experimento”, diz Dr. Kang. “Fiquei apenas sentado na
minha escrivaninha. E então um dia, peguei o meu
notebook do laboratório e comecei a organizar as
coisas nele, pois teria de entregá-lo ao novo pósdoutorando que ocuparia meu lugar. E aí eu vi
uma coisa.”
O que ele viu foi uma mutação em um gene que
ele tinha observado antes, mas com o qual não
tinha se preocupado muito. O gene, GNPTAB,
estava relacionado a um grupo de doenças conhecidas como mucolipidoses – doenças metabólicas que são tão letais que a maioria dos bebês
diagnosticados com elas morre nos primeiros anos
de vida. Ele duvidava que um gene para uma desordem metabólica pudesse ter alguma coisa a ver
com uma desordem de fala como a gagueira. Curioso, porém, ele começou a pesquisar na literatura científica para encontrar o que pudesse sobre as
mucolipidoses. Foi quando ele se deparou com
algo intrigante. Crianças com formas moderadas
da desordem, que conseguiam sobreviver à primeira infância, tinham atrasos no desenvolvimento da fala ou anormalidades de fala.
Dr. Kang sabia que ali havia alguma coisa, mas não
conseguiu encontrar nenhum artigo na literatura
científica que tratasse especificamente dos pro-

gagueira.org.br

blemas de fala nas mucolipidoses. Então ele fez o
que qualquer um de nós faria quando precisa de
informação rápida sobre alguma coisa – ele pôs
no Google. A pesquisa por “mucolipidoses + fala”
retornou um site que descrevia um tipo de mucolipidose na qual as crianças não falavam de jeito
nenhum. Nem uma palavra sequer. Com isso, ele
agora sabia que estava com os olhos voltados na
direção certa.
Novos sequenciamentos em amostras de DNA de
famílias do Paquistão mostraram que a mutação
estava presente em algumas pessoas que tinham
gagueira. O sequenciamento adicional também
revelou que a mesma mutação era encontrada em
membros do grupo teste do estudo de linkage
original. Como se sabia que o gene GNPTAB trabalha em conjunto com outros dois genes – GNPTG
e NAGPA – ele os seqüenciou e encontrou mutações que estavam presentes em pessoas com gagueira e em suas famílias, mas não nas pessoas do
grupo controle. Ninguém tinha ainda encontrado
qualquer desordem humana relacionada a mutações no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido
até agora é a gagueira.
“Este projeto serve como exemplo emblemático
da filosofia de pesquisa dentro do NIH”, diz Dr.
Drayna. “Levou mais de uma década para conseguirmos este primeiro grande resultado, e o esforço hercúleo do Dr. Kang finalmente foi recompensado, mas a espera foi longa. É um tremendo privilégio trabalhar em uma instituição que permite a
realização de pesquisas de alto risco de longo prazo.”
Quando Dr. Kang relembra seus dias de estudante
de graduação, quando perguntaram a ele sobre o
papel dos genes nos seres humanos, ele não consegue conter a vontade de rir da ironia. “Meu professor dizia que os genes não tinham nada a ver
com a fala. Mas hoje se sabe que eles têm, e eu fui
o responsável pela descoberta de um deles. É uma
coisa incrível.”

Traduzido por Hugo Silva, em maio de 2010, para o Instituto Brasileiro
de Fluência (www.gagueira.org.br). A matéria original (em inglês) pode
ser lida no site do NIDCD através do seguinte link encurtado:
bit.ly/longroad
O press release do NIDCD com o anúncio oficial da descoberta dos
primeiros genes associados à gagueira pode ser lido no site da instituição através do link bit.ly/nidcd-release
Um resumo do artigo científico que divulgou os detalhes da descoberta pode ser encontrado em www.pubmed.gov através do indexador
PMID: 20147709.
Uma entrevista com o Dr. Dennis Drayna, pesquisador chefe do estudo,
pode ser lida em bit.ly/drayna-interview. Uma tradução da entrevista
para o português encontra-se disponível em bit.ly/drayna-entrevista

pág. 2

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  • 2. National Institute on Deafness and Other Communication Disorders National Institutes of Health www.nidcd.nih.gov Março de 2010 Levou mais de uma década para conseguirmos este primeiro grande resultado [...]. É um tremendo privilégio trabalhar em uma instituição que permite a realização de pesquisas de alto risco de longo prazo” – Dennis Drayna, Ph.D Ninguém tinha ainda encontrado qualquer desordem humana relacionada a mutações no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido até agora é a gagueira.” Foi esse o ponto no qual Dr. Kang e Dr. Drayna começaram a investigação. Eles recrutaram mais famílias paquistanesas e mais pessoas com gagueira nos EUA e na Grã-Bretanha, sem relação de parentesco entre si, para coletar o DNA delas e também do grupo controle recrutado nessas mesmas populações. O grupo controle era formado por pessoas que não tinham nenhuma história de gagueira em suas famílias. De volta ao laboratório, Dr. Kang começou a trabalhar no sequenciamento do material genético. Ele verificou que a região de interesse no cromossomo 12 continha 87 genes, o que significava que 87 genes teriam de ser seqüenciados e analisados para ver se alguma coisa interessante viria à tona. Quarenta e cinco genes e três anos mais tarde, Dr. Kang sentia que estava trabalhando em um projeto que não estava indo a lugar nenhum. “Eu estava cansado e frustrado, queria desistir e voltar para a Coreia”, ele disse. “Então fui ao escritório do Dennis e disse a ele como estava me sentindo.” Desde o início, Dr. Drayna sabia que este era um projeto ao mesmo tempo de alta recompensa e de alto risco, e havia uma grande possibilidade de que os dados não rolassem a favor deles. Ele não poderia culpar Dr. Kang por querer desistir. Ele não tinha nada a mostrar depois de três anos de trabalho duro. O avanço de sua carreira estava em jogo. “Na semana seguinte, não fiz mais nenhum experimento”, diz Dr. Kang. “Fiquei apenas sentado na minha escrivaninha. E então um dia, peguei o meu notebook do laboratório e comecei a organizar as coisas nele, pois teria de entregá-lo ao novo pósdoutorando que ocuparia meu lugar. E aí eu vi uma coisa.” O que ele viu foi uma mutação em um gene que ele tinha observado antes, mas com o qual não tinha se preocupado muito. O gene, GNPTAB, estava relacionado a um grupo de doenças conhecidas como mucolipidoses – doenças metabólicas que são tão letais que a maioria dos bebês diagnosticados com elas morre nos primeiros anos de vida. Ele duvidava que um gene para uma desordem metabólica pudesse ter alguma coisa a ver com uma desordem de fala como a gagueira. Curioso, porém, ele começou a pesquisar na literatura científica para encontrar o que pudesse sobre as mucolipidoses. Foi quando ele se deparou com algo intrigante. Crianças com formas moderadas da desordem, que conseguiam sobreviver à primeira infância, tinham atrasos no desenvolvimento da fala ou anormalidades de fala. Dr. Kang sabia que ali havia alguma coisa, mas não conseguiu encontrar nenhum artigo na literatura científica que tratasse especificamente dos pro- gagueira.org.br blemas de fala nas mucolipidoses. Então ele fez o que qualquer um de nós faria quando precisa de informação rápida sobre alguma coisa – ele pôs no Google. A pesquisa por “mucolipidoses + fala” retornou um site que descrevia um tipo de mucolipidose na qual as crianças não falavam de jeito nenhum. Nem uma palavra sequer. Com isso, ele agora sabia que estava com os olhos voltados na direção certa. Novos sequenciamentos em amostras de DNA de famílias do Paquistão mostraram que a mutação estava presente em algumas pessoas que tinham gagueira. O sequenciamento adicional também revelou que a mesma mutação era encontrada em membros do grupo teste do estudo de linkage original. Como se sabia que o gene GNPTAB trabalha em conjunto com outros dois genes – GNPTG e NAGPA – ele os seqüenciou e encontrou mutações que estavam presentes em pessoas com gagueira e em suas famílias, mas não nas pessoas do grupo controle. Ninguém tinha ainda encontrado qualquer desordem humana relacionada a mutações no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido até agora é a gagueira. “Este projeto serve como exemplo emblemático da filosofia de pesquisa dentro do NIH”, diz Dr. Drayna. “Levou mais de uma década para conseguirmos este primeiro grande resultado, e o esforço hercúleo do Dr. Kang finalmente foi recompensado, mas a espera foi longa. É um tremendo privilégio trabalhar em uma instituição que permite a realização de pesquisas de alto risco de longo prazo.” Quando Dr. Kang relembra seus dias de estudante de graduação, quando perguntaram a ele sobre o papel dos genes nos seres humanos, ele não consegue conter a vontade de rir da ironia. “Meu professor dizia que os genes não tinham nada a ver com a fala. Mas hoje se sabe que eles têm, e eu fui o responsável pela descoberta de um deles. É uma coisa incrível.” Traduzido por Hugo Silva, em maio de 2010, para o Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br). 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