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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO - ESTÁGIO DE DOCÊNCIA EM CIÊNCIAS SOCIAIS II
ESTAGIÁRIO: Rafael D’Avila Barros – Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles
Material de Apoio – Turma MM6
O sonho dos ratos1
Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha.
Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e
fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um
sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o
queijo seria a suprema felicidade…
Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre
ele e os ratos estava um gato… O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por
vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco
para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho…
Os ratos odiavam o gato.
Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam.
O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato
morresse ou sonhavam com um cachorro…
Como nada pudessem fazer, reuniam-se
para conversar. Faziam discursos, denunciavam
o comportamento do gato (não se sabe bem
para quem), e chegaram mesmo a escrever
livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam
que um dia chegaria em que os gatos seriam
abolidos e todos seriam iguais. “Quando se
estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os
camundongos, “então todos serão felizes…”
- O queijo é grande o bastante para todos,
dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia o outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.
Era comovente ver tanta fraternidade.
Como seria bonito quando o gato morresse!
1
ALVES, Rubem. Estórias de bichos. São Paulo: Edições Loyola, 15ª ed, 2006.
Sonhavam.
No seus sonhos comiam o queijo.
E quanto mais o comiam, mais ele crescia.
Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem; crescem sempre.
E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando “o queijo já” …
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem numa bela manhã, o
gato tinha sumido.
O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do
buraco.
Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo que poderia era um truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante
de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum.
E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a primeira mordida. Compreenderam
repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos,
em vez de crescer, diminuem. Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o
naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos.
Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido. E os olhares
se enfureceram. Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seu próprios inimigos.
A briga começou.
Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas.
E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.
Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O
projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço do queijo só poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos
ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a
ficar esperando…
Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia
acontecido. O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes,
agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença
entre o gato e antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que
não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo
vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.
RATO + QUEIJO = GATO
Rubem Alves

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO - ESTÁGIO DE DOCÊNCIA EM CIÊNCIAS SOCIAIS II ESTAGIÁRIO: Rafael D’Avila Barros – Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles Material de Apoio – Turma MM6 O sonho dos ratos1 Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade. Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade… Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os ratos estava um gato… O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho… Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro… Como nada pudessem fazer, reuniam-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes…” - O queijo é grande o bastante para todos, dizia um. - Socializaremos o queijo, dizia o outro. Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! 1 ALVES, Rubem. Estórias de bichos. São Paulo: Edições Loyola, 15ª ed, 2006.
  • 2. Sonhavam. No seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem; crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando “o queijo já” … Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo que poderia era um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a primeira mordida. Compreenderam repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem. Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seu próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si. Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos: “Qualquer pedaço do queijo só poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”. Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando… Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido. O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato e antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos. RATO + QUEIJO = GATO Rubem Alves