Latim e esperanto, via internet luiz fernando dias pita
1. LATIM E ESPERANTO, VIA INTERNET
Luiz Fernando Dias Pita (Unigranrio/UCB)
O recém-terminado século XX
foi palco de uma série de revoluções
contínuas e complementares no âmbito
das comunicações, culminando com o
advento não apenas das comunicações
de massa, mas também das chamadas
tecnologias de informação. O
surgimento destas tecnologias,
centradas na rede mundial de
computadores - a Internet - teve um
efeito retro-alimentador nas
comunicações: paradigmas como
distância, espaço, tempo etc., vem
sendo radicalmente redimensionados a
partir de e por causa do estabelecimento
de novos conceitos como realidade
virtual, ciberespaço e comunicações de
longa distância em tempo real.
Diversas das possibilidades de
aplicação destas novas tecnologias estão
ainda em desenvolvimento, mas é certo
que conceitos que até recentemente se
consideravam definitivamente
estabelecidos, vêm se redesenhando.
Exemplo disso é o desenvolvimento das
tecnologias de educação à distância: o
impulso que tiveram a partir
da internet não pode ser ainda
contabilizado, mas é possível afirmar
que, dentro desta nova realidade, as
presenças físicas de professor e aluno já
não são mais condições sine qua non da
relação ensino-aprendizagem.
Outrossim, ao estabelecer novas
possibilidades de configuração de
espaços aglutinadores que permitem -
em escala muito maior e mais
abrangente que no passado - a formação
de grupos humanos congregados
unicamente no compartilhar de
interesses comuns, a internet passa a
agir como seu principal elemento
integrador, por disponibilizar a esses
grupos espaços, ainda que virtuais, para
discussão e intercâmbio de
experiências.
Importa destacar, dentre estes
grupos, aquelas comunidades
linguísticas minoritárias que se têm
valido do processo acima descrito
para a), compensar o fato de viverem
em diáspora; b), preservar seus
respectivos idiomas e c), valendo-se das
inovações da própria tecnologia no
âmbito da educação à distância,
aumentar o número de membros de sua
própria comunidade. Tais possibilidades
- impensáveis há duas e inéditas há
apenas uma década - interessam às
Ciências da Linguagem tanto pela
relativização de conceitos que
comportam, como pelo reescalonamento
dos objetos a que tais conceitos são
geralmente impostos.
Assim, pretendendo analisar
o modus operandi pelo qual
comunidades linguísticas minoritárias
se valem da internet para alcançar os
objetivos expressos acima,
selecionamos como objeto de análise
comunidades usuárias de idiomas cujo
crescimento na rede não pode ser
creditado ao aumento do número de
seus falantes nativos, pois será
justamente a ausência destes nativos a
primeira das peculiaridades que
compartilham: o Esperanto e o Latim.
A estes dois idiomas costuma-se
agregar, respectivamente, os epítetos de
“língua artificial” e “língua morta”,
dadas às condições de sua origem, no
caso do Esperanto, e da ausência de
seus falantes e/ou fossilização do seu
sistema linguístico, no caso do Latim.
Estas, no entanto, são condições que nos
parecem, em virtude da ação de suas
comunidades, merecedoras de
reavaliação. Analisemo-lhes os casos,
começando pelo do Esperanto, para o
qual será mister algum preâmbulo:
2. Dua Lingvo por Ĉiuj
O Esperanto é resultado das
pesquisas do oftalmologista polonês
Lazar Zamenhof, que elaborou o projeto
do idioma em razão das ondas de
violência racial que presenciara na
infância e adolescência: sua província
natal era habitada por quatro grupos
etno-lingüístico-religiosos - alemães
luteranos, lituanos ortodoxos, poloneses
católicos e judeus - cujo ódio mútuo era
manipulado pelo governo czarista russo
para impedir qualquer articulação pela
independência.
Crendo que a existência de uma
língua comum seria o primeiro passo
para o fim das divergências, Zamenhof
publicou em 1887 o primeiro manual do
idioma que idealizara. Assim, o
Esperanto nasce ao mesmo tempo com
um propósito idealista e uma aplicação
prática: propõe-se a ser tão somente a
“segunda língua de cada indivíduo” e
não a substituir os idiomas nacionais.
Não sendo um linguista por
formação, Zamenhof pôde, ainda que
arbitrariamente, resolver diversos dos
problemas que atrairiam a atenção de
um linguista: o Esperanto não apresenta
nenhuma irregularidade em seus
sistemas fonético, morfológico,
sintático e ortográfico, fato que acaba
sendo um elemento facilitador da
aprendizagem do idioma. Outro ponto
estrategicamente positivo utilizado por
Zamenhof foi lançar mão do léxico
comum à maioria das línguas europeias;
tornando o idioma transparente para
grande parte da população do mundial,
falante - graças ao processo de expansão
colonial da Era Moderna - destes
idiomas.
Se, considerando-se o estágio
das comunicações no fim do século
XIX, poderíamos aguardar do Esperanto
alguma utilização unicamente como
código de escrita, observe-se que já em
1905 realizava-se o primeiro congresso
internacional de seus usuários, onde a
aplicabilidade oral da língua seria
testada. A partir de então, os congressos
internacionais têm sido o evento
máximo do esperantismo mundial.
Graças à conjugação da
regularidade absoluta com a
transparência lexical, acrescida da
ideologia humanista que o acompanha
desde sua criação, o Esperanto tem
conseguido manter uma taxa de
crescimento internacional bastante
regular - apesar de retrocessos, como o
ocorrido durante a Segunda Guerra
Mundial, período em que muitos
esperantistas europeus morreram em
campos nazistas, acusados de serem
“agentes do sionismo internacional” -,
estimando-se hoje um total de dois
milhões de esperantistas ativos no
mundo.
Uma vez que o Esperanto é
sempre uma segunda língua, deve-se
mencionar que é impossível,
principalmente após o advento
da internet, aquilatar-se com rigor
metodológico o número exato de seus
falantes - assim como também os de
Latim. Entretanto, pode-se rastrear os
países em que o movimento esperantista
é mais ativo, e, dentre estes, destaca-se
o Brasil, tanto pelo número de
atividades que desenvolve, pelo número
absoluto de esperantistas aqui
residentes, como por sua antiguidade: a
fundação da Liga Brasileira de
Esperanto remonta a 1907.
Se o movimento esperantista
sempre foi - por sua própria ideologia -
propenso ao internacionalismo, e,
portanto, fértil em contatos
internacionais, atente-se para o fato de
que o uso da língua não se restringiu
unicamente à chamada “cultura de
congressos”: ao longo de sua existência,
o Esperanto tem desenvolvido uma
literatura e uma música próprias -
gênese de outros movimentos artísticos,
em sua maioria ainda incipientes - cujos
3. nomes em geral se dedicam a escrever
unicamente para o público esperantista.
No caso específico da literatura
esperantista, esta já tem apresentado,
além da compreensível apropriação de
formas literárias das mais distintas,
advindas de diferentes culturas humanas
e com diferentes matizes de
literariedade, algumas formas próprias
de versificação, como os
“monosilaboj” desenvolvidos pelo poeta
esperantista brasileiro Diderto Freto.
O esperantismo, como
movimento, sempre se caracterizou pela
busca de novos adeptos para sua causa.
Tal processo fez-se, ao longo do século
XX, dentro das possibilidades de os
esperantistas acompanharem as
inovações no campo do ensino-
aprendizagem de idiomas e dentro da
estratégia de vincular seu movimento a
outras causas que compartilhassem seus
ideais, criando assim simbioses em que
o esperantismo garantia, dentro de
determinados círculos sociais - que
variavam segundo o país - a captação de
novos falantes.
Evidentemente, tal modelo de
crescimento acabaria limitando os
esperantistas à condição de sub-grupo
daquele grupo a que se ligava,
reduzindo o movimento esperantista a
uma situação de semi-clandestinidade.
Conquanto não houvesse - como no
Brasil - nenhuma restrição ao
Esperanto, este não conseguia
desvincular-se da condição simbiótica
nem, em última análise, mostrar-se ao
grande público. Assim, ainda hoje, não
é de estranhar-se que, mesmo no meio
acadêmico, haja quem pense no
Esperanto como um projeto fracassado
ou natimorto, ou mesmo encontrar-se
quem nunca haja ouvido falar neste
idioma: o modelo de crescimento
adotado, assim como as estratégias de
divulgação, passavam longe das
atenções do meio acadêmico ou do
mercado de ensino-aprendizagem de
idiomas, mas não impediu - como
dissemos - o desenvolvimento de uma
cultura particular.
A situação acima descrita
modificou-se nos últimos anos, pois o
acesso dos esperantistas aos meios
eletrônicos de comunicação e de
produção de material didático
possibilitou à divulgação do Esperanto
uma escala até então inatingida, levando
não apenas à ultrapassagem daqueles
círculos a que se limitava: o
crescimento dos que estudam Esperanto
- e consequentemente daqueles que se
engajam no movimento esperantista,
tornando-se não apenas um falante, mas
um consumidor da produção cultural
veiculada neste idioma - tem alcançado
patamares impensáveis há alguns anos.
Tomemos alguns dados ilustrativos:
Uma das estratégias mais
utilizadas na divulgação do idioma tem
sido a criação de listas de discussão que
congreguem os esperantistas em rede.
Citando unicamente as listas em maior
atividade no Brasil, vemos três casos
que merecem menção: A primeira das
listas criadas - denominada Veki
(Virtuala Esperanto-Klubo Internacia)
alcançou o número de 160 membros
apenas no ano de 1998 - considerando-
se o ritmo do crescimento da rede no
país, esse dado é relevante - e seu
sucesso fez com que, durante o ano de
1999, seus então 350 membros fossem
divididos em duas listas: Veki,
congregando os esperantistas
experientes, e Eki (Esperanto-Klubo
Internacia, mas embutindo uma
plurissignificação, já que eki em
esperanto significa começar) bilíngue e
reunindo os iniciantes no idioma. Em
2000, esperantistas descontentes com as
duas listas fundariam uma terceira,
denominada Esperanto-br, também
bilíngüe e que tem hoje cerca de 650
membros.
Os números apresentados podem
parecer irrisórios e, descontado o
percentual de pessoas que pertencem às
três listas concomitantemente, menor
4. ainda; contudo, deve-se considerar que
este percentual traduziria apenas o
número de esperantistas com acesso à
rede e não a totalidade dos do país.
Como exemplo basta o fato de que a
Liga Brasileira de Esperanto tinha, no
ano de 2000, 1458 membros.
Ademais, devemos atentar para
outro fato significativo quanto ao
crescimento do esperanto: a criação de
cursos pela rede, nos quais se utilizam
diversas técnicas oriundas da tecnologia
de educação à distância, tomemos como
exemplo o “Curso de Esperanto pela
Rede” realizado pelo sistema de
monitoria e que, contando com 45
monitores, tinha em 2000 uma lista de
espera de 198 candidatos a aluno - e o
recém-lançado “Kurso de Esperanto”,
desenvolvido pelo Prof. Carlos Alberto
Pereira e que, distribuído gratuitamente
pela internet, contabiliza já mais de
8.000 cópias distribuídas licenciadas.
Tais dados nos permitem afirmar que a
divulgação, o ensino e o crescimento do
esperanto no Brasil - para nos
restringirmos unicamente a nosso país -
tem nas “infovias” sua preferencial.
Ainda em fases iniciais de
desenvolvimento, o uso de salas virtuais
de discussão em tempo real tem sido
uma contribuição para transpor-se a
restrição do esperanto à língua escrita.
O surgimento destas salas tem
possibilitado aos esperantistas
oportunidades de encontros virtuais e o
exercício de sua oralidade.
O aumento do número de
esperantistas brasileiros tem se refletido
também no mercado cultural: além de
maior produção e consumo de uma arte
produzida em, por e para esperantistas,
o mercado que o esperanto representa
tem atraído a atenção de elementos
alheios a esta cultura; prova disso é a
atuação do escritor e cartunista Ziraldo,
que publicou versões em Esperanto de
seus livros O Menino
Maluquinho e Flicts. O escritor declarou
que não esperava a repercussão
internacional que estes livros tiveram ao
alcançar espaços que as traduções em
línguas nacionais não atingiriam, por
razões políticas, econômicas etc., de que
o Esperanto se vê desimpedido.
Como se demonstra, o processo
de estabelecimento do esperanto, e de
uma cultura veiculada através deste
idioma, deu-se em dois ritmos distintos:
um anterior às tecnologias de
comunicação, em que o crescimento do
número de falantes se faz em progressão
aritmética, e outro posterior ao seu
advento, em que este crescimento atinge
uma progressão geométrica.
A sobrevivência e a trajetória do
Esperanto subvertem, por si sós, aquele
paradigma dos estudos linguísticos que
estabelece que línguas são resultado e
espelho de uma cultura e de um povo:
no caso do Esperanto, criou-se antes a
língua, que hoje expressa uma cultura
ainda em processo de formação, e cujo
“povo” - em total diáspora e sem
pretensões de reunião - não apresenta
sequer um passado histórico comum
que lhe transmita a consciência de
coletivo que se creria necessária. De
fato, o único traço comum deste “povo”
é o voluntarismo, pois todos que dele
fazem parte o fazem por absoluta opção.
Para além da simples subversão
de um paradigma, fica nítido que, ainda
que sua origem seja artificial, o
percurso do idioma provou sua
funcionalidade e, mais importante, sua
capacidade de engendrar e veicular não
apenas informações, mas uma cultura
particular, adquirindo, por isso mesmo,
aquela “naturalidade” de cuja falta seus
detratores sempre lhe acusaram.
Esta capacidade de produzir uma
cultura própria - acelerada através de
processo para o qual a tecnologia de
informação em muito contribuiu - seria
ainda, a nosso ver, o atestado do
abandono de sua condição de artificial -
posto que este epíteto só é, hoje,
aplicável quando da exposição da
origem do idioma - e da aquisição de
5. uma nova condição: a de “língua
moderna de cultura”.
Todo o processo vivido pelo
Esperanto, acima demonstrado, guarda
paralelos e divergências com aquele
vivido pelo Latim. Como este idioma
dispensa maiores apresentações,
permitir-nos-emos demonstrar a
problemática que lhe envolve a partir de
recorte baseado em sua situação
contemporânea.
Vere mortua sepultaque lingua latina iacet?
Variadas são as causas para a
decadência do ensino-aprendizagem do
Latim no Brasil; dentre elas, a opção
por um ensino que prioriza a área
tecnológica em detrimento das áreas
humanas. Além disso, o Latim esteve
associado àquela tradição eclesiástica
católica romana que o pensamento dos
séculos XIX e XX estigmatizou.
Pensamos, no entanto, que outro
fator - que se revela quando da análise
dos materiais didáticos para ensino de
Latim - deve ser considerado como uma
das razões por que o Latim foi banido
das escolas brasileiras: trata-se da
esclerose das técnicas de ensino-
aprendizagem utilizadas nos livros
didáticos deste idioma.
Uma rápida consulta aos
materiais didáticos publicados até 1961
- ano em que o Latim deixou as grades
curriculares - sinaliza este fato, pois
todos os materiais consultados utilizam
a metodologia gramaticalista,
aplicando-a a textos ora completamente
dissociados da realidade dos alunos, ora
em nível de complexidade acima da
capacidade de compreensão daquele
público-alvo. Somados aos fatores já
expostos, não é estranho que se
considerasse o Latim como o “cadáver
ambulante” das escolas.
O fato é que atualmente - pelo
menos no Brasil - o ensino do Latim se
restringe aos estudantes e profissionais
da área de Letras e Direito e, mesmo
nestes casos, objetiva unicamente à
aquisição de uma capacidade leitora
aplicada para uma única tipologia
textual: o texto literário em Latim
clássico. Pode-se constatar, portanto,
que, mesmo tendo um público menor e
para o qual a aprendizagem do idioma
teria uma razão imediata, a metodologia
do ensino do Latim não se alterou, o
que se constata naqueles materiais
didáticos publicados durante os anos 70
e 80 e que, mesmo após todos os
avanços da Linguística Aplicada,
repetem invariavelmente a metodologia
gramaticalista, sem romper tampouco
com seu objetivo geral: confere-se ao
Latim, na melhor das hipóteses, o
tratamento de uma língua instrumental
para leitura.
Pode-se argumentar que, não
possuindo o latim falantes nativos, e
não se tendo sequer a certeza de como
pronunciá-lo, o estudo de sua gramática
é a única atividade concreta que se pode
realizar. Com isso, o divórcio entre as
metodologias de ensino de Língua
Latina e dos demais idiomas ensinados
nos cursos de Letras se acentua, com o
que se perpetua e se transfere para os
estudantes de Letras aquele desinteresse
que mencionamos.
O principal argumento contra a
adoção de novas abordagens - como a
comunicativa - no ensino do Latim é
reforçado por aquela ideia de que, sendo
o sistema linguístico latino um sistema
fechado, dar-lhe o tratamento de língua
viva equivaleria a uma total
desconfiguração. A conjugação deste
argumento com o do parágrafo anterior
condena o Latim a estar mais morto do
que poderia, pois congela as
possibilidades de modificação do
quadro que se desenhou.
Tais posicionamentos, contudo,
não parecem repetir-se nos países onde
6. o Latim ainda é estudado, pois se
produzem materiais didáticos que - sem
romper com o sistema morfossintático
latino - escapam ao objetivo da
instrumentalidade para leitura dos
clássicos: todo o vocabulário
apresentado é referente ao cotidiano
contemporâneo, e não do da Roma
imperial, exemplos disso vêm abaixo:
Da obra Io Parlo Latino, de
1995, extraímos os seguintes exemplos
de neologismos latinos, todos referentes
à área de Cinema e Televisão:
projetor: proiectorium, -i; rádio:
radiophonia, -ae; publicidade:
commendatio, -onis propaganda;
empresa cinematográfica: exceptio, -
onis cinematographica; telespectador:
telespectator, -oris; videocassete:
caseta, -ae magnetoscopica.
Já o livro Latin for all occasions,
de 1991, apresenta seleções de frases
usuais no cotidiano contemporâneo,
como: “Tibi gratias agimus quod nihil
fumas”, (Obrigado por não fumar) e
mesmo algumas frases bem-humoradas,
como: “Si hoc signum legere potes,
operis boni in rebus latinis alacribus et
fructuosis potiri potes!” (Se você pode
ler esta mensagem, pode também
conseguir um emprego alegre e bem
remunerado no mundo do Latim),
e “Sona si latine loqueris” (Se falar
latim, buzine).
Como visto, tais materiais visam
a aquisição da linguagem pela via
estruturalista ou mesmo pelo
comportamentalismo, métodos também
já arcaicos, mas que representam um
avanço em relação ao gramaticalismo.
Além disso, tratam o Latim como um
idioma da atualidade, condição, aliás,
que o governo finlandês recentemente
corroborou ao - em razão de disputas de
hegemonia linguística na Comunidade
Europeia - decidir publicar nesse idioma
todos os seus comunicados
internacionais.
Se tais empreendimentos
comportam a diminuição daquela
defasagem entre o idioma e as modernas
tecnologias de ensino, não seriam,
contudo, suficientes - dada a distância
do grande público - para atrair novos
interessados na Língua Latina. Esse
passo se dá através do uso da
internet como veículo de integração da
comunidade latinófona, repetindo-se o
que já apontamos com relação ao
Esperanto.
Menor que a dos esperantistas, a
comunidade latinófona em rede se reúne
basicamente através da lista de
discussão denominada Grex Latine, que
congrega basicamente professores de
latim de diversas nacionalidades, e onde
são discutidos temas dos mais diversos.
Contrariamente às listas de discussão
esperantistas, as latinófonas se
desenham principalmente como o
espaço da prática cotidiana da língua e
não para o seu aprendizado. Para esse
caso há, em rede, diversos métodos de
Latim com livre distribuição, além de
cursos de língua latina oferecidos
segundo as mais diferentes
metodologias. Há também verdadeiras
bibliotecas virtuais, de onde se pode
dispor dos clássicos da literatura latina.
Ademais, a partir de qualquer
busca sobre o tema na internet, aparece
uma grande variedade de endereços que
não pertencem a unicamente
professores: profissionais dos mais
diversos têm suas páginas pessoais
em/sobre a língua latina, revelando
assim um grupo de latinistas que,
escapando ao circuito do magistério do
idioma, se articula não apenas para
mantê-lo vivo, porém para divulgá-lo,
caso do Circulus Latinus Matritensis,
grupo madrilenho que, à semelhança do
que já faziam os esperantistas desde o
século XIX, reúnem-se para usar e
divulgar o Latim.
A existência destes grupos de
latinófonos é um fato que relativiza o
tão apregoado falecimento do Latim: o
desaparecimento ocorrido foi o das
técnicas e metodologias antiquadas
7. utilizadas em seu ensino, assim como
desaparecidos andam os que foram por
elas tornados antipáticos à língua. De
qualquer modo, o epíteto de “língua
artificial” parece ser hoje mais bem
aplicável ao Latim do que ao Esperanto,
não por sua origem, mas pelo modo
como tem se feito sua preservação e
prática.
A integração dos latinófilos em
rede fez, inclusive, surgir um programa
de rádio totalmente voltado para esse
público: o noticiário Nuntii Latini,
realizado na Finlândia e redigido pelo
professor Reijo Pitkäranta. O texto da
página de abertura do programa é
sintomático quanto a demonstrar o
conforto que a Língua Latina encontrou,
ao expressar a realidade da informática:
Recitatio radiophonica:
Novissima emissio Nuntiorum
Latinorum per rete informaticum
Internet audiri potest, si in apparatu
phonocharta et quoddam
audioprogramma (e.g. RealAudio)
inest.
Computatrum tuum
salutationis proximae meminit
recitationemque veterem quaerit. Si
recentissimi nuntii non statim
aperiuntur, functione iterum onerandi
aut recreandi ('reload' aut 'refresh')
utere.
Transmitido semanalmente, este
programa discute em latim temas que
atestam a aplicabilidade do idioma para
debate de temas contemporâneos, como
o desarmamento e os dez anos da
tentativa de golpe de Estado na União
Soviética, emitidos recentemente, como
seguem:
NATO MILITES IN MACEDONIAM
MITTIT
Consociatio militaris NATO
in Macedoniam tria milia quingentos
milites paci tuendae mittere decrevit,
quorum esset bellatores Albanorum
tectos dearmare. De actione
suscipienda inter legatos civitatum
sociarum Bruxellas congregatos die
Mercurii convenit. Omnes cohortes in
Macedoniam decem diebus perventurae
existimantur, et tota operatio, si res
bene successerint, intra unum mensem
perficietur. Nemo tamen certe scit,
quanta sit armorum copia, qua rebelles
Albani utuntur.
DE CONIURATIONE
COMMUNISTARUM
Die Dominico in Russia
memoria coniurationis in praesidentem
Unionis Sovieticae Mihail Gorbatshov
decem annis ante factae acta est. Die
enim undevicesimo mensis Augusti
anno millesimo nongentesimo
nonagesimo primo (19.8.1991) quidam
oligarchae communistae sibi summam
in Unione Sovietica potestatem arripere
conabantur. Conspiratio autem spatio
trium dierum oppressa est, et potestas
ad praesidentem Russiae Boris Jeltsin
transiit, qui omnibus rebus turbatis in
currum cataphractum in mediam
Moscuam invectum escendit et apud
milites contionem habuit democratiam
vehementer flagitans. (Idem, ibidem.)
Fica transparente portanto que o
Latim vive, no presente, um processo
semelhante ao do Esperanto: através
da internet pôde esse idioma não apenas
integrar seus falantes, mas também
promover a renovação das práticas
pedagógicas a ele relacionadas.
Comparando o processo vivido
pelos falantes dos dois idiomas, fica
claro que o Esperanto tem, nesse
contexto, a vantagem da experiência em
conquistar novos falantes; pois, se para
o Latim apenas muito recentemente
impôs-se a necessidade dessa busca,
esse tem sido o objetivo dos
esperantistas desde a criação de seu
idioma.
Contudo, assim como se deu
com o Esperanto, o Latim também
pode, a partir da língua, recriar sua
“coletividade”, para o quê conta com a
vantagem adicional de já dispor de uma
cultura antiga e de uma importância
histórica, basta apenas que os
latinófonos se disponham, como os
esperantistas a elaborar, uma nova
cultura própria, não necessariamente
extensão da antiga.
8. Fica igualmente perceptível que,
no âmbito das Ciências da Linguagem,
faz-se mister a reavaliação dos
conceitos de "língua artificial" e de
"língua morta" que normalmente são
aplicados ao Esperanto e ao Latim; pois
uma vez que as comunidades de
usuários destes idiomas parecem ter, via
internet, deixado a condição subjacente
em que se encontravam, tais conceitos -
estabelecidos anteriormente a sua
integração virtual - não mais dariam
conta de suas novas realidades.
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