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DANIEL  COELHO  DE  SOUZA 
Professor catedrático da Universidade Federal do Pará 
Ex­membro do Conselho Federal de Educação 
INTRODUÇÃO 
À CIÊNCIA 
DO DIREITO 
6ª edição 
editora C cejup
INTRODUÇÃO 
A  introdução  à  ciência  do  Direito  responde,  no  curso  jurídico,  à 
necessidade de uma disciplina geral. Os cursos superiores, desenvolvidos por 
disciplinas  especializadas,  reclamam  que  ao  estudo  setorial  preceda  outro 
geral.  Esta  conveniência  é  mais  veemente  no  curso  jurídico,  cujo  objeto  é 
histórico: regras obrigatórias de conduta na sociedade de um tempo, o que, 
provavelmente,  levou  Benjamin  de  Oliveira  Filho  a  reivindicar  para  a 
introdução caráter eminentemente cultural. 
Não  é,  aliás,  este  imperativo  apenas  de  ordem  didática.  O  saber 
jurídico, qualquer que seja o nível em que o consideremos, só pode ser bem 
exposto  e  compreendido,  se  o  seu  estudo  se  inaugura  pelo  exame  das  suas 
generalidades,  pretensão  mais  ambiciosa  e  fecunda  do  que  a  sua  simples 
visão sintética sugerida por A. B. Alves da Silva. 
Objetivo  de  tal  natureza  sempre  foi  almejado.  Várias  foram  as 
tentativas  de  alcançá­lo:  a  enciclopédia  jurídica,  a  filosofia  do  Direito,  a 
sociologia  jurídica,  a  teoria  geral  do  Direito  e  a  introdução  à  ciência  do 
Direito. 
Enciclopédia jurídica 
A  enciclopédia  jurídica  foi  a  mais  remota.  Adotava  por  padrão  a 
estrutura do Corpus Juris, tradicional codificação do Direito romano. 
Pretendem  alguns  que  a  obra  de  Gulielmus  Durantis  1237­1326),  o 
Speculum Judiciale (1275), seja considerada pioneira no gênero, o que outros 
contestam.  O  texto  de  Durantis  abrangia  o  Direito  romano  e  o  canônico, 
destinando­se mais propriamente às autoridades judiciárias do que ao estudo 
do Direito. 
A literatura enciclopédica floresceu a partir do século XVI, quando se 
divulgaram  numerosos trabalhos  compreendendo todos os ramos  do  direito 
de maneira sistemática, entre os quais se destacaram os de Lagus e Hunnius, 
atribuindo  alguns  a  este  último  a  verdadeira  fundação  da  enciclopédia 
jurídica. 
No século XVIII, resultante do divórcio entre a filosofia e as ciências 
positivas, duas tendências passaram a atuar na enciclopédia jurídica, do que
decorreu que algumas obras se inclinassem no sentido dogmático ou positivo, 
como  a  de  Stéphane  Pütter,  e  outras  no  sentido  filosófico,  como  a  de 
Nettelbladt. 
No começo do século XIX, sob influência de Georg Wilhelm Friedrich 
Hegel  (1770­1831)  e  Friedrich  Wilhelm  Joseph  Schelling  (1775­1854), 
procura­se fazer da enciclopédia uma ciência própria, não mero repositório 
mais ou menos ordenado de informações. Surgiram, assim, as enciclopédias 
de Karl Pütter, Friedlaender, Rudhart, Heinrich Ahrens (1808­1874), Walter e 
outros. 
A partir  da  segunda metade  do  século XIX a  literatura enciclopédica 
entra  em  decadência,  não  merecendo  referência  senão  à  obra  de  Adolf 
Merkel (1836­1896), cuja primeira parte  é dedicada já ao estudo da teoria 
geral do direito: conceito, caracteres, divisão e gênese do Direito; elementos, 
divisão  e  gênese  das  relações  jurídicas;  aplicação  do  Direito  e  ciências 
jurídicas. 
O trabalho dos enciclopedistas, sem embargo da amplitude teórica de 
algumas  de  suas  obras,  era,  principalmente,  de  organização  do  Direito 
positivo.  Não  podia  a  enciclopédia  emancipar­se  da  experiência  jurídica, 
alcançar  conceitos  gerais  e  servir,  assim,  de  instrumento  útil  para  um 
conhecimento jurídico de base não empírica. 
Adquirir  uma  idéia  sucinta  das  parcelas,  como  pondera  Eusébio  de 
Queiroz  Lima,  não  é  ter  uma  noção  exata  do  todo.  E  além  disso,  repara 
Ernesto Eduardo  Borga, por sua  orientação empirista, atendo­se  aos fatos, 
somente poderia resultar numa teoria do Direito Positivo, nunca numa teoria 
que abarcasse o direito todo, menos ainda o conceito elaborado em vista do 
Direito Positivo. 
Filosofia do direito 
A  filosofia  do  direito  integrou,  durante  muito  tempo,  o  currículo 
jurídico,  proporcionando  ao  estudante  contato  com  as  mais  gerais  noções 
jurídicas.  E é certo, conforme  anota  Huntington  Cairns, que  a especulação 
jurídica, através de toda a sua história, apesar do fato de que o seu objeto em 
grande parte é existencial, tomou mais da filosofia do que da ciência.
É fora de dúvida, porém, que por ela não se poderia jamais iniciar o 
estudo do Direito. Não se conclua daí, que não tenha valiosa significação no 
elenco das disciplinas jurídicas. Apenas, o saber filosófico, do ponto de vista 
lógico,  senão  cronológico,  deve  suceder  ao  científico.  O  conhecimento 
filosófico é a síntese mais alta que o homem alcança, a nenhuma síntese se 
atinge, com exatidão e coerência, sem a prévia análise dos elementos que a 
pressupõem.  A  atividade  filosófica  é  crítica  em  alto  nível,  e  os  níveis  mais 
altos  de  crítica  não  podem  ser  alcançados  sem  que  antes  tenham  sido 
percorridos os inferiores. O saber filosófico só pode ser atingido apoiado em 
conhecimento anterior mais modesto porque é saber de remate. Nem é viável 
pretender a filosofia de um objeto sem o seu prévio conhecimento científico, 
dado que aquela, explica Joseph Vialatoux, é um retour, uma reentrada, uma 
re­flexão de um saber ao menos começado. 
A  tendência  geral,  em  nossos  dias,  é  deslocar  a  filosofia  jurídica  do 
currículo  de  graduação  para  o  de  pós­graduação,  posição  de  culminância 
que já lhe fora assinalada por Alessandro Levi. Também o nosso Pedro Lessa 
(1859­1921),  que  entendeu  ter  sido  um  erro  grave  a    eliminação  dessa 
disciplina  dos  cursos  jurídicos,  pretendia  vê­la  situada  no  último  ano  da 
academia. 
Sociologia jurídica 
Podemos  estudar  os  fatos  sociais  na  sua  generalidade,  naquilo  que 
todos têm em comum, examiná­los, portanto, em sentido lato; paralelamente, 
podemos considerar alguns deles que têm qualificação própria e promovem 
um processo adaptativo  peculiar.  A sociologia  geral,  consoante  Nicholai  S. 
Timacheff, estuda a sociedade em nível altamente generalizado ou abstrato, e 
as  ciências  sociais  particulares,  sob  um  determinado  e  específico  aspecto. 
Segundo Pitirim Sorokim (1889­1998), a linha de demarcação existente entre 
estas e aquela decorre do fato de que, se existem, dentro de uma classe de 
fenômenos,  N  subclasses,  deve  haver  N  +  1  disciplinas  para  estudá­las:  N 
para estudar cada subclasse e mais uma para estudar aquilo que é comum a 
todas, bem como a correlação entre elas. 
O fato jurídico, sendo social, pode ser objeto de uma delas, a sociologia 
jurídica. Sucede, porém, que a sociologia jurídica considera o Direito sob o 
aspecto  da  sua  causalidade  histórica,  que  é  apenas  um  elemento  para 
compreendê­lo.  O  Direito  é,  antes  de  tudo,  norma  e  valor.  Não  cabe
compreendido na sua universalidade sem a pesquisa das exigências éticas que 
inspiram suas regras, ao que não atende a sociologia jurídica. 
Esta  é,  ademais,  uma  ciência  de  temática  polêmica  e  de  contornos 
relativamente imprecisos, o que a inabilita para servir de disciplina geral nos 
estudos jurídicos. É o que assinala, também, André Franco Montoro, quando 
a caracteriza  como  disciplina  que ainda  não se consolidou  suficientemente, 
no sentido de não dispor de um corpo sistemático de conclusões, com objeto e 
métodos  definidos,  atraso  de  desenvolvimento  que  atribui  à  hostilidade  de 
dois  setores  afins:  de  um  lado,  os  juristas  resistem  à  penetração,  em  seu 
campo,  de  uma  disciplina  estranha  à  dogmática  jurídica,  e,  de  outro,  os 
sociólogos  desconfiam  da  objetividade  e  do  caráter  científico  de  estudos 
vinculados à normatividade jurídica. 
Além disso, a sociologia jurídica não focaliza, nem lhe caberia fazer, a 
regra  jurídica  em  si,  na  sua  estrita  significação  normativa.  Dedica­se  à 
análise dos seus pressupostos fáticos, os fatores sociais que a determinam. E 
estes, relevantes que sejam para o sociólogo ou o historiador, não satisfazem 
à  necessidade  de  pré­conhecimento  científico  do  ordenamento  jurídico, 
porque dele não proporcionam uma noção autêntica e metódica. 
Teoria geral do Direito. 
A  teoria  geral  do  Direito,  no  campo  dos  estudos  jurídicos,  refletiu  a 
influência avassaladora do positivismo do século XIX. Escola antimetafísica, 
o  positivismo  alimentava  a  convicção  de  que  a  filosofia  jamais  alcançaria, 
como  sempre  se  propusera,  o  conhecimento  das  essências.  Sob  sua  feição 
ortodoxa, importava verdadeira contestação da autonomia do conhecimento 
filosófico, dado que entendia caber a este a missão de integrar e coordenar o 
conhecimento científico. 
No setor dos estudos jurídicos, a filosofia positivista engendrou a teoria 
geral do direito, que devia substituir a filosofia jurídica. O jurista partiria da 
análise da realidade histórico­social para, por comparação e indução, alçar­ 
se  aos  conceitos.  Ciência,  conforme  pretendia  ser,  a  sua  primordial 
característica seria  a de subordinar­se  ao  método  científico.  Nenhum saber 
jurídico  poderia  convergir  para  outro  objeto  que  não  o  próprio  direito 
positivo.  Ao  jurista  competia  observar  as  instituições,  determinar  as  suas
afinidades,  assinalar  as  suas  relações  permanentes,  e,  finalmente,  por 
indução, alcançar as respectivas noções gerais. 
Embora  a  teoria  geral  do  Direito  não  tenha  ocupado  a  posição  que 
almejava, uma vez que dava por sucumbida a filosofia jurídica – diagnóstico 
em que falhou totalmente, pois, como assinala Alceu Amoroso Lima (1893), 
assistimos nos últimos anos a um recrudescimento em torno dos fundamentos 
filosóficos do Direito, como talvez jamais se tenha visto no decorrer de toda a 
história ­ certo é que se integrou definitivamente na doutrina do direito. 
É  indubitável,  porém,  que  ela  não  exaure  os  nossos  conhecimentos 
teóricos. Basta ter em mente que condenava a fracasso qualquer tentativa de 
conhecimento  jurídico­filosófico,  o  que  contradiz  toda  a  cultura  jurídica 
contemporânea. 
Introdução à ciência do Direito 
A  introdução  é  uma  disciplina  cuja  meta  mais  pretensiosa  está  na 
formulação de princípios gerais aplicáveis ao conhecimento jurídico. É uma 
disciplina  epistemológica,  não  uma  disciplina  jurídica  em  sentido  restrito, 
porque  não  estuda  uma  normatividade  jurídica  histórica.  Não  se  ocupa  de 
normas  jurídicas,  de  sistemas  de  direito  positivo,  de  nenhum  ordenamento 
jurídico vigente.  É uma  ciência  da ciência do direito.  Considera  as  noções 
gerais  do  direito,  tal  como  podem  ser  abstratamente  formuladas,  quase 
sempre fazendo omissão dos seus matizes históricos reais. 
Uma das suas características mais típicas é o seu sentido pragmático. 
Seu  conteúdo  não  é  rigoroso,  exato,  rígido.  Defensável,  até  certo  ponto,  é 
incluir ou excluir dele certas matérias. Constituem­na noções que professores 
e tratadistas entendem adequadas para a iniciação ao curso de Direito. Essa 
circunstância gera a diversidade dos programas de ensino. 
Uma  das  facetas  da  sua  preocupação  prática  está  em  que  ela  deve 
servir  de  trânsito  entre  o  curso  médio  e  o  superior.  Problema  que  é  hoje 
objeto  de  preocupações  e  cuidados,  justificando  a  reivindicação  de  um 
processo de integração da escola média com a universidade. 
As  dificuldades  da  passagem  daquela  a  esta  não  são  exclusivas  do 
curso jurídico. Afligem, em parte, os candidatos a outros cursos, como o de
Medicina, o de Engenharia, o de Economia, etc. No curso de Direito, porém, 
como  enfatiza  Gaston  May,  se  agravam.  Em  relação  a  outros,  o  currículo 
médio proporciona, de algum modo, conhecimento prévio que terá utilidade 
direta  no  curso  superior.  Em  Medicina,  por  exemplo,  o  estudante  já  se 
contactou com a Biologia e a Física. Em Engenharia, as noções de Física e de 
Matemática  obtidas  no  curso  médio  são  de  vantagem  decisiva  no  superior. 
Para o estudante de Direito, no entanto, há um hiato entre o curso médio e o 
superior. É por isso que a introdução, sem prejuízo do seu núcleo de idéias 
gerais a que corresponde, em princípio, a chamada teoria geral do Direito 
colige  noções não jurídicas, mas filosóficas, sociológicas e, eventualmente, 
também  históricas,  e  delas  se  utiliza  como  ponte  entre  o  curso  médio  e  o 
superior. 
Para  justificá­la,  ainda  poderiam  ser  citadas  as  palavras  de  que  se 
serviu Cousin para pleitear a criação dessa disciplina em França, transcritas 
por  Lucien  Brun:  “Quando  os  jovens  estudantes  se  apresentam  em  nossas 
escolas,  a  jurisprudência  é  para  eles  um  país  novo  do  qual  ignoram 
completamente o mapa e a língua. Dedicam­se de início ao estudo do Direito 
Civil  e  ao  do  Direito  romano,  sem  bem  conhecer  o  lugar  dessa  parte  do 
Direito  no conjunto da ciência jurídica, e  chega o  momento  em  que, ou  se 
desgostam da aridez desse estudo especial, ou contraem o hábito dos detalhes 
e  a  antipatia  pelas  vistas  gerias.  Um  tal  método  de  ensino  é  bem  pouco 
favorável a estudos amplos e profundos. Desde muito tempo os bons espíritos 
reclamam um curso preliminar que tenha por objeto orientar de algum modo 
os jovens estudantes no labirinto da jurisprudência; que dê uma vista geral de 
todas  as  partes da ciência  jurídica, assinale o  objeto distinto e  especial de 
cada  uma  delas,  e,  ao  mesmo  tempo,  sua  recíproca  dependência  e  o  laço 
íntimo que as une; um curso que estabeleça o método geral a seguir no estudo 
do  Direito,  com  as  modificações  particulares  que  cada  ramo  reclama;  um 
curso,  enfim,  que  faça  conhecer  as  obras  importantes  que  marcaram  o 
progresso da ciência. Um tal curso reabilitaria a ciência do Direito para a 
juventude,  pelo  caráter  de  unidade  que  lhe  imprimiria,  e  exerceria  uma 
influência feliz sobre o trabalho dos alunos e seu desenvolvimento intelectual 
e moral”. 
Complementarmente,  é  válido  observar  que  a  introdução  atua  como 
verdadeiro  teste  vocacional.  A  experiência  mostra  que  o  universitário  de 
outros cursos, pelo trato anterior com matérias que a eles pertencem, tem, de 
um  modo  geral,  embora  imprecisamente,  relativa  informação  quanto  à 
natureza  dos  dotes  pessoais  que  lhe  serão  preferentemente  reclamados.    O
discípulo  que  no  curso  colegial  sente  predileção  pela  Matemática  tem 
razoável probabilidade de êxito no curso de Engenharia, ou em outro em que 
o  conhecimento  matemático  seja  básico.  Já  o  estudante  de  Direito 
habitualmente se inclina para o curso por uma escolha negativa. É a falta de 
ajuste  às  ciências  experimentais,  quase  sempre,  que  o  leva  do  colégio  à 
faculdade, quando não uma inclinação literária ou um simples pendor para as 
leituras  propiciatórias  de  cultura  geral.  Essa  escolha  no  escuro  encerra  o 
risco de uma opção a que não corresponda inclinação autêntica. 
O estudo jurídico, como o de qualquer curso superior, é especializado, 
o que importa dizer que resultado melhor é obtido quando tentado por quem 
possui  real  inclinação  para  as  matérias  que  o  integram.  Por  isso,  a 
introdução, dando ao estudante um primeiro contato com o curso, faculta­lhe 
julgar  das  suas  próprias  habilitações  e  retificar  ou  confirmar  uma  escolha 
que pode ter feito sem os elementos imprescindíveis à sua decisão.
SUMÁRIO 
1.  Dados filosóficos 
1.1 Realidade e valor 
1.2 Homem e valor 
1.3 Direito e justiça 
2.  Dados sociológicos 
2.1 Fato social 
2.2 Sociedades humanas 
2.3 Fenômeno político 
3.  Dados sociofilosóficos 
3.1 Normatividade social 
3.2 Normas éticas e normas técnicas 
3.3 Normas morais e normas jurídicas 
3.4 Normas convencionais 
4.  Disciplinas jurídicas 
4.1 Disciplinas fundamentais e auxiliares 
4.2 Filosofia jurídica 
4.3 Ciência do Direito 
4.4 Teoria geral do Direito 
5.  Noções fundamentais 
5.1 Norma jurídica 
5.2 Norma, sanção e coação 
5.3 Sanções jurídicas 
5.4 Fontes do Direito 
5.5 Direito subjetivo 
5.6 Direitos pessoais e direitos reais 
5.7 Proteção dos direitos subjetivos 
5.8 Dever jurídico 
5.9 Relação jurídica 
5.10  Atos jurídicos
5.11  Sujeito de Direito 
5.12  Objeto do Direito 
5.13  Ato ilícito 
6.  Instituições jurídicas 
6.1 Instituições jurídicas 
6.2 O Estado 
6.3 Personalidade 
6.4 Família 
6.5 Propriedade 
6.6 Posse 
6.7 Obrigações 
6.8 Sucessão 
7.  Enciclopédia jurídica 
7.1 Classificação das normas jurídicas 
7.2 Problemas de classificação 
7.3 Critérios de classificação 
7.4 Direito Constitucional 
7.5 Direito Administrativo 
7.6 Direito Penal 
7.7 Direito Processual 
7.8 Direito do Trabalho 
7.9 Direito Internacional Público 
7.10  Direito Civil 
7.11  Direito Comercial 
7.12  Direito Internacional Privado 
8.  Técnica jurídica 
8.1 Técnica jurídica 
8.2 Vigência da lei 
8.3 Interpretação 
8.4 Integração 
8.5 Eficácia da lei no espaço 
8.6 Eficácia da lei no tempo 
Bibliografia consultada
1.Dados  Filosóficos
1.1  REALIDADE E VALOR 
1.1.1   Realidade e valor 
Gustav  Radbruch  (1878­1949),  reportando­se  às  doutrinas  de  Wilhelm 
Windelband (1848­1915) e Heinrich Rickert (1863­1936), considera básica a 
distinção entre realidade e valor. Comenta, com evidente acerto, que em meio 
aos  dados  de  nossa  experiência,  surgidos  de  maneira  uniforme  em  nossas 
próprias  vivências,  realidade  e  valor  mostram­se­nos  mesclados.  Homens  e 
coisas,  saturados  de  valor  e  de  desvalor,  aparecem  associados  sem  que 
possamos fazer entre eles nítida distinção. 
Quando refletimos sobre a nossa experiência, percebemos que o valor 
não está nas coisas e sim em nós mesmos. Se digo de uma tela que é bela, a 
beleza não está nela, mas no meu julgamento. Se digo de um ente que é útil, a 
sua utilidade não lhe é intrínseca, mas um atributo que lhe confiro. 
O  primeiro  ato  da  consciência  parece  ser  o  de  formular  uma 
reivindicação do próprio eu, libertando dos dados de experiência aqueles que 
são pessoais, e isso leva a distinguir realidade de valor. 
Realidade  e  valor  pertencem  a  setores  autônomos;  realidade  é 
objetividade;  valor,  subjetividade.  Não  podemos  falar  de  valores  como  se 
fossem reais ainda que para Max Scheler (1875­1929), segundo Alfred Stern, 
nos  sejam  dados  antes  de  toda  experiência  e,  portanto,  aprioristicamente;  e 
nem  de  realidades  como  se  um  valor  lhes  fosse  inerente.  Ao  valor 
correspondente uma essência própria, também à realidade, outra. Realidade e 
valor  são  inconfundíveis.  Uma  é,  outro  deve  ser.  A  realidade  existe,  é  um 
atributo do ser; o valor se afirma, é um julgamento do sujeito, sem o qual o 
mundo, observa Wilhelm Schapp, não teria interesse para o homem. 
Essa distinção é básica para a filosofia jurídica, porque o direito julga o 
comportamento. Nenhum julgamento pode, logicamente, existir sem a idéia de 
um valor, porque julgar é comparar um objeto a um valor, para concluir da sua 
compatibilidade  ou  incompatibilidade.  O  direito,  fazendo  apreciação  da 
conduta, porque discrimina entre lícito e ilícito, importa estimação de valores. 
Não pertence, portanto, na sua irredutível essência, ao plano da realidade.
1.1.2  Ser e dever ser 
Da distinção entre realidade e  valor  resultam  duas posições: a  que  se 
refere  ao ser  dos  entes  e  a  que  se  refere ao  dever  ser  do  homem.  E,  como 
corolários  dessas,  os  conceitos de  lei natural e  lei  ética,  distinção essa cujo 
desconhecimento,  conforme  Raimundo  Farias  Brito  (1862­1917),  atenta 
contra a natureza das coisas e a mais comum experiência. 
1.1.2.1  Juízos enunciativos e valorativos 
Esses  conceitos  são  alcançados  através  de  juízos  que  são  a  alavanca 
fundamental da atividade  cognitiva da  inteligência humana,  o que deles faz 
sejam inteiramente diversos das representações, mesmo considerados do ponto 
de vista psicológico, como afirma Franz Brentano (1838­1917). 
A experiência tem por objeto coisas e fatos individualizados. Sobre ela 
a mente do homem elabora o conhecimento. Mas assim não faria, não fosse a 
sua possibilidade de formular juízos, 
Essa  aglutinação  pode  dar­se  por  análise  ou  por  síntese,  isto  é,  ou 
consiste  numa  decomposição  do  objeto  da  experiência  em  seus  elementos 
intrínsecos, ou num acrescentamento ao objeto de algo que não lhe pertence 
por essência. Há, portanto, juízos analíticos e sintéticos. Segundo Emmanuel 
Kant  (1724­1804),  a  quem  coube  formular  com  clareza  a  distinção,  os 
analíticos não ampliam nosso conhecimento, apenas desenvolvem o conceito e 
o tornam mais inteligível. Ao contrário, os sintéticos são autênticos juízos de 
experiência e sobre eles se constróem todas as ciências explicativas. 
Além do mais, construídos os juízos sintéticos na base da observação, 
podem eles mesmos ser ligados, numa segunda operação lógica, cujo nível de 
criatividade  é  maior.  Se  temos  noções  resultantes  da  experiência  de  duas 
coisas  singulares  e  conseguimos  aglutiná­las,  formamos  uma  terceira  noção 
representativa de uma nova realidade,  cuja criação dependeu  da  experiência 
apenas  indiretamente.  E  nesse  processo  atingimos,  progressivamente,  níveis 
cada  vez  mais  altos  de  compreensão  e  generalidade.  Como  explica  G.  J. 
Romanes, a partir do mais simples juízo possível e, portanto, da mais simples 
proposição (correspondente gramatical do juízo), a inteligência humana eleva­ 
se de um modo uniforme e ininterrupto. Nem é outra a lição de Kant, quando 
ensina que os juízos estabelecem uma unidade entre as nossas representações,
pois  que  a  uma  representação  imediata  substituem  outra  mais  elevada  que 
contém  a  primeira,  assim  como  várias  outras,  de  modo  que  muitos 
conhecimentos possíveis são reunidos em um só. 
Os  juízos  atendem  à  diferença  entre  natureza  e  valor.  Há  juízos 
pertinentes à compreensão do mundo natural e juízos que traduzem valores e 
definem  atitudes  do  homem  sensibilizados  por  eles.  Daí  a  distinção  entre 
juízos enunciativos e juízos valorativos. Podemos dizer é isto, ou dizer deve 
ser isto. Às vezes a cópula verbal é ser, outras, dever ser. Quando usamos ser, 
para  coordenar  duas  idéias,  formulamos  um  juízo  enunciativo.  Se  a 
coordenação se faz com dever ser, o juízo é valorativo. Os enunciativos são 
juízos de experiência; os valorativos, estimativos de valor. 
Os  enunciativos  são  descritivos.  Quando  dizemos  de  algo  que  é, 
fazemos apenas uma descrição, tanto mais perfeita quanto mais impessoal. A 
atitude  do  naturalista  é  de  completa  neutralidade:  é  narração  de  uma 
experiência.  Por  isso,  dizemos  que  os  juízos  enunciativos  são  teóricos. 
Medem­se pelo critério da veracidade, isto é, podem ser verdadeiros ou falsos. 
Um juízo enunciativo é verdadeiro quando há coincidência entre o liame que 
prende as idéias no juízo e o que existe entre as coisas ou fatos a que elas se 
referem, quando, na frase magistral de Joaquín Xirau (1895), o seu perfil se 
calca sobre o perfil do ser.  Se declaramos que A é B, e de fato existir uma 
ligação  objetiva  entre  A  e  B,  igual  à  que  afirmamos,  temos  um  juízo 
verdadeiro.  Ele  vincula,  logicamente,  idéias  de  realidades,  também 
naturalmente  vinculadas.  Há  perfeita  identidade  entre  a  teoria  do  fato  e  ele 
próprio.  Falso  é  um  juízo  equivocado,  no  qual  se  pretende  estabelecer 
logicamente relação inexistente no plano da realidade. 
Os  juízos  verdadeiros  dividem­se  em  verdadeiros  necessários  e 
verdadeiros contingentes, distinção equivalente à que se faz entre verdades de 
razão e verdades de fato, claramente feita por Gottfried Wilhelm von Leibniz 
(1646­1716), a qual, na observação de Manoel Garcia Morente (1888­1942), 
resulta da necessidade de se determinar a curva geral do desenvolvimento das 
ligações  existentes  entre  os  vários  estados  internos  da  percepção.  Há  idéias 
ligadas  entre  si  por  necessidade  lógica,  de  maneira  que  é  impossível  a  sua 
recíproca desvinculação. Quando o elo que une duas idéias tem essa natureza, 
o juízo que indica a relação é descritivo necessário. Ao dizermos que a linha 
reta  é  a  distância  mais  curta  entre  dois  pontos,  estamos  fazendo  uma 
afirmativa que a razão assevera ser inconcebível negar em qualquer situação. 
Se declaramos que duas coisas iguais a uma terceira também o são entre si,
afirmamos uma verdade de razão, porque esta evidencia a impossibilidade de 
haver  duas  coisas  que,  sendo  iguais  a  uma  terceira,  não  o  sejam  entre  si. 
Nesses exemplos enunciamos juízos verdadeiros, descrevendo realidades tais 
como  são,  e  necessariamente  verdadeiros,  porque  não  podemos  conceber 
circunstância,  no  tempo  e  no  espaço,  capaz  de  desmentir  a  ligação  lógica 
estabelecida entre as idéias no juízo. 
Um  juízo  verdadeiro  contingente descreve  uma  realidade como ela  se 
apresenta,  mas,  sendo  essa  realidade  suscetível  de  transformações  (pode  ter 
sido  uma  ontem,  pode  ser  outra  hoje,  poderá  amanhã  ser  uma  terceira),  a 
veracidade do juízo fica condicionada a uma certa circunstância de tempo e 
espaço. Se descrita como é hoje, formulamos um juízo; se como será amanhã, 
talvez formulemos outro juízo. Assim, em referência à temperatura ambiente, 
se dizemos que está quente, podemos ter feito um juízo verdadeiro, pelo fato 
de estar efetivamente quente. Se, horas depois, ao calor suceder o frio, o juízo 
verdadeiro  será  outro.  Como  o  próprio  objeto  do  juízo  é  contingente,  ele  é 
válido para cada momento da experiência. 
Os  juízos  valorativos  da  conduta  são  práticos,  porque  servem  à 
realização de um fim. E postulativos, dado que enunciam exigências positivas 
ou negativas de procedimento. 
1.1.2.2  Lei natural e lei ética 
Os  juízos  enunciativos  e  valorativos  conduzem  aos  conceitos  de  lei 
natural e lei ética. A natural é a fórmula mais evoluída do enunciativo; a ética, 
a mais evoluída do valorativo prático. 
Segundo  Emmanuel  Kant,  a  filosofia  tem  esses  dois  objetos, 
abrangendo ambas as leis, em dois sistemas particulares, ainda que ambicione 
sua síntese final. 
Conquanto não possamos admitir lei natural sem juízo enunciativo, nem 
lei  ética  sem  juízo  valorativo,  existe  distinção  entre  lei  natural  e  juízo 
enunciativo, lei ética e juízo valorativo. 
Numa experiência, submetemos  um pedaço de metal à  ação do calor. 
Verificamos que o metal se dilatou, e declaramos que o metal X, submetido ao 
calor, se dilatou. Este é um juízo descritivo verdadeiro. Pela multiplicação da
experiência e a análise das suas condições passamos a uma lei geral: o calor 
dilata  os  corpos.  Quando  alcançamos  uma  noção  geral  que  explica  toda  a 
experiência realizada e possível, temos uma lei natural. 
Se  deixamos  cair  um  objeto,  constatamos  que  ele  cai  em  direção  à 
Terra. Pelo mesmo processo, chegamos a determinar a lei da gravidade. A lei 
natural  é  a  generalização  exemplar  de  um  juízo  enunciativo.  Se  não 
pudéssemos  assim  construir,  adverte  Émile  Meyerson  (1859­1933),  de  nada 
nos valeriam as regras que formulássemos sobre a experiência dos fenômenos, 
que são infinitamente diversos. 
Surge,  assim,  o  conceito  abstrato  de  causa,  pelo  qual  se  estabelecem 
relações entre o passado e o presente, que são, a rigor, meramente prováveis 
devendo  a  lei  natural  desempenhar,  como  observa  José  Juan  Bruera,  uma 
função meramente sinótica das regularidades constatadas pela experiência, as 
quais,  embora  praticamente  equivalentes  à  certeza,  dela  apenas  são, 
teoricamente, aproximativas. 
Esta é uma  contingência  lógica  do  método indutivo, que se eleva  das 
sensações  à  generalidade,  ainda  que  adotado com as cautelas recomendadas 
por  Francis  Bacon  (1561­1626):  elevar­se  lentamente,  seguindo  marcha 
gradual, sem saltar nenhum degrau. 
Bertrand  Russel  (1872­1970)  dá­nos  uma  clara  idéia  dos  princípios  a 
que esse método está submetido: 
a)  quando  uma  coisa  de  uma  certa  espécie,  A,  for  achada  com 
freqüência  associada  com  outra  de  espécie  diversa,  B,  e  nunca  for  achada 
dissociada da coisa da espécie B, quanto maior seja o número de casos em que 
A  e  B  se  achem  associados,  maior  será  a  probabilidade  de  que  se  achem 
associados em um novo caso no qual saibamos que uma delas está presente; 
b)  nas  mesmas  circunstâncias,  um  número  suficiente  de  casos  de 
associação converterá a probabilidade da nova associação em quase certeza e 
fará com que se aproxime de um modo indefinido da certeza. 
Ainda  que  o  mesmo  raciocínio  não  se  possa  aplicar  à  lei  ética  (tanto 
mais que a radical distinção entre natureza e valor já foi antes ressaltada), nem 
por  isso  podemos  ignorar  a  significação  da  experiência  na  orientação  da 
conduta.  Vendo  uma  pessoa  agredir  outra,  julgamos que não deve proceder
assim;  valorizamos  uma  situação,  e,  portanto,  fazemos  um  juízo  valorativo 
(não  deve  ser),  diante  de  um  acontecimento  humano,  circunscrito  a  uma 
experiência singular. A Ética, disciplina filosófica, habilita­nos a alcançar a lei 
ética, norma de conduta válida para uma universalidade de situações. O juízo 
valorativo, feito em função do incidente singular, só gera lei quando conduz a 
regras gerais com pretensão de validade universal. Consoante ensina Wilhelm 
Dilthey (1833­1911), construímos generalizações acerca de estados afetivos, 
valores  vitais,  virtudes  e  deveres,  e  estes  recebem  por  sua  vez  força  dos 
sentimentos e impulsos que surgem da imitação do concreto neles contido e do 
sentimento tranqüilo que a sua subordinação nos infunde. 
Os predicados que distinguem juízo descritivo e valorativo permitem a 
distinção entre lei ética, com as suas características próprias, e lei natural, com 
as suas qualificações particulares. 
A  lei  natural  é  um  porquê  explicativo  da  realidade,  é  verdadeira  ou 
falsa, exatamente porque o binômio verdade­erro prevalece no mundo teórico. 
Se dizemos que quando ocorre A ocorre B, essa afirmativa é uma lei natural, 
se  assim  acontecer  no  plano  da  realidade  ao  qual  se  refere.  A  lei  natural 
apresenta os fenômenos, dando­lhes explicação coincidente com a sua própria 
realidade  intrínseca.  Caso  não  coincidam  explicação  e  realidade,  estaremos 
diante  de  uma  lei  falsa,  porque  todas  as  leis  da  natureza  assentam  no 
pressuposto, que não é científico, mas filosófico, da invariabilidade da ordem 
natural,  a  qual  nos  concede  prever  os  fatos  uns  pelos  outros,  sem  o  que, 
consoante  afirma  Henri  Poincaré  (1854­1912),  não  se  pode  aceitar  a 
legalidade  e  a  possibilidade  mesma  da  ciência.  Como  explica  David  Hume 
(1711­1776), todos os raciocínios concernentes à causa e ao efeito, que são os 
científicos,  estão  fundados  na  experiência  e  todos  os  raciocínios  tirados  da 
experiência  estão  fundados  na  suposição  de  que  o  curso  da  natureza 
continuará sendo uniformemente o mesmo. 
A lei ética é válida ou inválida. Não é verdadeira ou falsa, porque, no 
campo  do  comportamento,  verdade  e  erro  não  têm  presença,  dado  que 
pertencem ao plano das enunciações. Uma lei é justa ou injusta, fundamentada 
ou arbitrária, eqüitativa ou violenta. É válida, neste sentido filosófico, quando 
expressa um valor autêntico e lhe é fiel; inválida, quando não traduz um valor 
ou o faz de modo inadequado. 
Uma  lei  natural  é  presumidamente  invariável,  não  pode  ser,  em 
nenhuma  circunstância,  em  nenhum  momento,  desmentida  pela  experiência.
Podemos  acumular  séculos  de  observação,  concluir  uma  lei  natural,  mas  se 
uma experiência desmenti­la, passa a ser falsa. Ter­se­á constatado, então, o 
acerto da observação de André Cresson, quando afirma que uma lei natural se 
apoia em verificações que são como zero em relação à generalização que se 
lhe atribui. 
Já  com  a  lei  ética  acontece  diversamente.  Só  podemos  aceitar  a  sua 
existência se ela for suscetível de infração. O pressuposto de qualquer uma é o 
de  que  se  dirige  a  pessoas  livres.  Quando  se  diz  deve­se  fazer  assim,  está 
implicitamente admitido outro procedimento. 
Entre  lei  natural  e  lei  ética  fez  Hermann  Ulrich  Kantorowicz  (1877­ 
1940), um  paralelo  diferenciador  de  extrema clareza,  ao  afirmar que  aquela 
descreve  invariáveis  relações  causais  ou  conexões  estruturais  (de  fatos, 
mudanças, quantidades, propriedades); impõe obrigações, não sobre a conduta 
humana, mas, no caso de veracidade, sobre a inteligência; constitui matéria de 
cognição e prova, não de sanções, sim de conseqüências; não de autoridade, 
sim de experiência; não de consciência, sim de ciência; não de deveres, sim de 
acontecimentos constantes. A lei natural gira em torno do que é real, enquanto 
que as normas de conduta prescrevem um comportamento que pode ser ou não 
real, mas que deveria ser real. 
1.2  HOMEM E VALOR 
Há valores diversos. Segundo o ensinamento de Scheler, são absolutos, 
maneiras de sentir que não dependem da sensibilidade e da vida, e podem ser 
classificados numa escala crescente de perfeição: 
a)  úteis (utilidade); 
b)  vitais (nobreza, saúde, força); 
c)  espirituais (conhecimento, arte, direito); 
d)  religiosos (sagrado). 
A cada valor corresponde o seu oposto, um desvalor. Assim, à utilidade 
corresponde  a  inutilidade,  à  nobreza  o  comum,  à  saúde  a  doença,  à  força  o
despauperamento, à verdade o erro, ao belo o feio, ao lícito o ilícito, ao sagrado 
o profano.
1.2.1  Atitudes ante os valores 
Diante dos valores, o homem assume atitudes diferentes. Uma delas é 
avalorativa;  a  Segunda,  valorativa;  a  terceira,  supravalorativa,  e  a  última, 
referencial. 
Nossa  atitude  cega  aos  valores,  de  neutralidade  e  indiferença,  é 
avalorativa. Se nos situamos em posição de sensibilidade aos valores, esta, em 
contraste  com  a  precedente,  é  valorativa.  Entre  essas  posições  extremas, 
radicalmente  opostas,  há  posições  mistas,  que  participam  das  antecedentes. 
Uma  é  a  referencial,  na  qual  não  nos  encaminhamos  diretamente  para  os 
valores,  mas  nos  conduzimos  motivados  por  ele.  A  outra  é  a  de 
transcendência, de superação dos valores, a supravalorativa. 
1.2.1.1  Atitude avalorativa 
Podemos ver os objetos, insensíveis aos valores, inclusive na presença 
daqueles  propícios  a  uma  atitude  valorativa.  Diante  de  uma  tela  ou  uma 
escultura  sentimos  reação  estética.  Esta  reação  é  valorativa,  expressa  uma 
estimativa segundo o valor do belo. Entretanto, um especialista em determinar 
autenticidade  de  pinturas,  diante de  um  quadro, apenas analisa a técnica  do 
pintor na aplicação da tinta, a composição química desta, a constituição física 
da  tela, etc. Mesmo diante  de  uma obra de arte que a todos sensibiliza,  lhe 
cumprirá  sufocar  a  tendência  para  valorizá­la  e  ficar  indiferente  aos  seus 
méritos  estéticos.  Os  próprios  atos  humanos  são  sujeitos  à  consideração 
avalorativa.  O crime, por exemplo, que produz ressentimento coletivo, pode 
ser friamente  analisado  por  sociólogos  ou  estatísticos,  agindo  indiferentes  a 
qualquer  estimação.  A  posição  avalorativa,  indispensável  no  estudo  da 
natureza, leva à criação das ciências descritivas, ou na expressão de Claude 
Bernard (1813­1878), ciências contemplativas. 
1.2.1.2  Atitude valorativa 
Podemos nos colocar, ao contrário, numa posição valorativa.
Nossa  mente  é  povoada  de  valores,  que  não  são  arbitrariamente 
subjetivos, porque, se o fossem, cada um teria os seus próprios e, entretanto, 
há valores comuns a todos os homens. Não podemos defini­los, porque a sua 
essência nos escapa. Mas dão­nos eles emocionalmente. No entanto, a nossa 
vida  é  motivada  por  eles,  sejam  utilitários,  morais,  jurídicos,  religiosos, 
estéticos, etc. Têmo­los, permanentemente, diante de nós, o que faz da nossa 
conduta uma escolha constante de possibilidades. 
Podemos  nos  desprender  do  mundo  em  sua  pura  manifestação 
fenomênica,  tentar  ascender  ao  plano  dos  valores,  saber  o  que  são  e 
determinar­lhes a hierarquia. É o que faz a filosofia dos valores. Assim como 
as ciências naturais são frutos da posição avalorativa, a filosofia dos valores 
resulta da posição valorativa, e se encaminha, segundo Carlos Astrada, para a 
determinação  de  um  possível  sentido  da  vida  em  função  do  valor,  da  sua 
vivência e da sua realização. 
As  atitudes  expostas  são  contrastantes.  Numa,  eliminamos  a 
sensibilidade  para  qualquer  valor,  porque  nos  interessa  apenas  ser  igual  ao 
espelho que reproduz a imagem. Nossa meta é ver e descrever, sem cogitação 
de  como  poderia  ou  deveria  ser.  Noutra,  nos  desligamos  da  experiência 
imediata, e tentamos alcançar um mundo ideal que a ela se sobrepõe. 
Essas  posições  podem  ser  complementadas  por  mais  duas:  a 
supravalorativa e a referencial. 
1.2.1.3  Atitude supravalorativa 
A supravalorativa transcende, ao mesmo tempo, natureza e valor, que se 
mostram, às vezes, contraditórios. E um dos dramas humanos é exatamente o 
contraste entre  o que é e  o que  deve ser. Essa  contradição não é  apenas da 
consciência  individual,  mas  também  da  história  dos  povos,  e  nos  inspira  a 
tentativa de superá­la, de transcendê­la, até um plano em que a realidade seja 
igual a valor e vice­versa. O homem anseia por uma síntese na qual se libere 
dessa  contradição  que  marca  toda  sua  vida.  Se  a  alcança,  confessa,  como 
Nicolas Malebranche (1638­1715): eu concebo que todos esses efeitos que se 
contradizem, essas obras que se embatem e se destroem, essas desordens que 
desfiguram o  Universo, que tudo  isso  não  assinala nenhuma contradição na
causa  que  o  governo,  nenhum  defeito  na  inteligência,  nenhuma  impotência, 
senão uma perfeita uniformidade. 
Essa tentativa de alcançar um estado espiritual em que ser e dever ser 
coincidam, expressa­se na posição supravalorativa. A religião é produto desse 
esforço. Deus é, ao mesmo tempo, o que é e o que deve ser. Nele, existência e 
valor  confundem­se.  Porque  Nele,  conforme  William  James  (1842­1910),  a 
quem Émile Boutroux (1845­1921) comparava a Blaise Pascal (1623­1662), o 
crente  continua­se  num.  Eu  mais  vasto  do  qual  se  difundem  experiências 
liberatórias. 
1.2.1.5  Atitude referencial 
Finalmente, como podemos ver somente realidade, somente valor e não 
ver  realidade  nem  valor,  também  podemos  adotar  uma  última  posição,  a 
referencial, que ensaia estender uma ponte entre realidade e valor, como que 
encaminhando a vida para a eternidade, nas palavras de Wilhelm Sauer (1879­ 
1962). Nela, o que o homem cria não é valor em si, mas referência a valor. Ela 
engendra a cultura. 
1.2.1.5  Cultura 
Cabe aqui dar um conceito de cultura, o que não é fácil, pois se trata de 
vocábulo cuja significação é múltipla. Daremos uma idéia elementar que nos 
basta à finalidade deste capítulo, partindo da distinção entre cultura e natureza. 
A natureza nos é dada mas o homem, como ente biológico que não se basta, 
que  se  move  para  além  de  si  (Francisco  Pontes  de  Miranda  (1892­1979), 
quebra as pedras para usá­las lascadas, depois polidas, descobre o fogo, faz a 
sua habitação, cultiva o gado e as plantas e acaba conquistando o espaço. Na 
proporção  em  que  progride,  emancipa­se  da  natureza,  da  qual,  segundo 
Oswald Spengler (1880­1936), torna­se cada vez mais inimigo. Ele implanta 
no mundo algo ainda inexistente, e que passa a existir como criação sua, o que 
Paulo Dourado de Gusmão chama o reino das interpretações, das destinações, 
dos  sentidos  e  dos  significados.  A  isso  chamamos,  embora  a  idéia  seja 
imperfeita e suscetível de corrigenda, cultura, que, na frase de Max Scheler, é 
antes de mais nada um processo pelo qual o homem se faz homem.
Ao enriquecer o mundo com os seus produtos, o homem cria em função 
de fins, inspirado pela motivação de valores. Cria as obras de arte, inspirado 
pelo belo; o direito, pela justiça, etc. Em si mesmo, o valor é inatingível; se 
atingido,  deixaria  de  sê­lo  e  passaria  a  realidade.  A  posição  do  homem, 
portanto, como ser que cria cultura, é a de referência e aproximação a valores. 
1.3   DIREITO E JUSTIÇA 
Distinguimos  realidade  de  valor  para  observar  que  pertencem  a 
hemisférios  incomunicáveis,  a  cada  um  dos  quais  corresponde  uma  atitude 
humana.  O  direito  não  cabe  ao  plano  da  natureza.  É  obra  de  cultura  e, 
portanto, criação visando a valores. 
1.3.1  Valores jurídicos 
O  valor  é  inerente  a  qualquer  norma.  Quando  pretendemos  de  uma 
pessoa que se conduza de certo modo, sabendo que pode proceder de outro, 
fazemo­lo em função de um motivo, que é o valor da pretensão. Se elegemos 
uma,  dentre  várias  condutas  possíveis,  fazemo­lo  por  julgá­la  meritória.  A 
regra jurídica, como qualquer outra, dirige­se a fins e só tem sentido quando 
estes  são  considerados.  Sendo  tais  fins  históricos,  os    valores  que  lhes 
correspondem sofrem a seu turno pressões sociais, geradas pelo inconsciente e 
vigoroso  sentimento  de  unidade  social  a  que  se  refere  Alfred  Adler  (1870­ 
1937). 
Os  fins  almejados  pelo  direito  são  diversos:  a  ordem,  a  segurança,  a 
harmonia, a paz social, a justiça.  A eles correspondem outros tantos valores 
jurídicos. As normas jurídicas se pautam por eles, meios que são para realizá­ 
los. 
Esses  valores  apresentam,  como  os  demais,  uma  hierarquia,  embora, 
não  raro,  sejamos  obrigados  a  sacrificar  um  superior  por  outro  inferior.  O 
valor  jurídico  mais  alto,  aquele  que,  por  excelência,  torna  legítima  a 
proposição jurídica, é a justiça. 
Embora sendo ela o mais alto, às vezes outros se lhe sobrepõem.  Em 
época  de  crise  social,  é  comumente  sobrepujada  pela  segurança  ou  pela
ordem.  Assim ocorre em período de guerra, quando se mutilam as garantias 
individuais, em benefício da segurança coletiva. Em estado de normalidade, o 
direito  é  tanto  mais  perfeito  quanto  mais  refletir  as  exigências  humanas  de 
justiça. 
Para Carlos Cossio (1903), a revelação dos valores jurídicos resulta da 
análise do homem em suas três dimensões existenciais: o mundo objetivo, a 
pessoa e a sociedade. À coexistência enquanto circunstância (mundo objetivo) 
correspondem os valores jurídicos da ordem e da segurança. À coexistência 
enquanto  pessoa,  o  poder  e  a  paz.  Por  último,  à  coexistência  enquanto 
sociedade, a cooperação e a solidariedade. Os valores jurídicos formam pares 
e em cada um destes há um valor autonômico e um valor heteronômico, isto é, 
de  expansão  da  personalidade  e  de  restrição  à  personalidade.  São 
autonômicos:  a  segurança,  a  paz  e  a  solidariedade.  São  heteronômicos:  a 
ordem, o poder e a cooperação. Como os valores de autonomia são suportes 
dos de heteronomia, situam­se aqueles em plano superior a estes. 
À  justiça,  que  sempre  consideramos  o  valor  jurídico  por  excelência, 
reservou Cossio sentido semelhante ao que tem na teoria platônica.  Não lhe 
pertence um conteúdo específico, sombra que é de todos os valores bilaterais 
da conduta, aos quais dá equilíbrio e proporção, atuando como critério para a 
sua realização simultânea e proporcional. 
1.3.2  Teoria da Justiça 
No  campo  da  filosofia  jurídica,  a  teoria  da  justiça  é  uma  imposição 
lógica.  Referindo­se­lhe  a  regra  de  direito,  como  seu  valor  peculiar,  ela  é 
insuscetível de ser compreendida, interpretada e aplicada, senão em referência 
à justiça.
1.3.2.1  Idéia da justiça 
Se indagamos, porém, o que é justiça, logo veremos que o seu entendimento é 
polêmico.  A  pergunta  é  uma  só,  mas  as  respostas  são  numerosas  e 
desencontradas,  dando  lugar  a  teorias  filosóficas  e  sociais  e  a  ideologias 
políticas, talvez porque o tema, como pensava Pascal, seja sutil demais para 
ser abordado por instrumentos humanos.
No  entanto,  observa  Luís  Recaséns  Siches  (1903),  um  levantamento 
dessas  teorias  demonstra,  por  trás  de  sua  aparente  contradição,  alguma 
identidade. A similitude está em que a noção de  justiça vem sempre ligada à 
de  igualdade.  O  símbolo  desse  entrelaçamento  é  também  o  da  justiça:  a 
balança de pratos nivelados e fiel vertical. 
Se recordarmos algumas definições doutrinárias, teremos confirmada a 
observação. 
1.3.2.1.1  Platão 
Platão (428­347 a.C.) meditou sobre a justiça como virtude individual e 
como  critério  de  organização  social.  O  princípio  comum  a  ambas,  escreve 
Paul Natorp (1854­1924), é o da organização, segundo o qual uma pluralidade 
de  forças,  acompanhadas  de  seus  efeitos,  encadeiam­se,  promovendo­se 
mutuamente (e promovendo, portanto, sua obra comum), sem estorvar­se em 
nenhum ponto. 
Sob o primeiro aspecto, via nela uma espécie de virtude regente. A alma 
humana abriga um sem­número de tendências, de sentimentos, de afeições, de 
inclinações,  e  é  solicitada  pelos  elementos  diversos  de  que  se  compõe.  À 
justiça  caberia  ordenar  e  unificar  esse  universo  íntimo,  dando  harmonia  às 
suas partes. Tal como o maestro que tira dos instrumentos de uma orquestra 
som harmoniosos, a justiça daria aos elementos da alma a sua exata medida e 
os comporia numa tranqüila unidade. Não se identificaria ela, portanto, como 
uma virtude ao lado de outras, mas coordenadora de todas. 
Sobre  a  justiça  social,  entende  Platão  que  defini­la  somente  se  pode 
quando se  recorda a razão que leva o  homem à  vida  social: a  existência de 
diversas  necessidades  e  a  descoberta  da  maneira  pela  qual  podem  ser 
satisfeitas, mediante a divisão do trabalho. 
Se uma pessoa atende, somente ela, a uma certa necessidade de todas, 
das demais obtém a satisfação das suas próprias necessidades, para as quais 
nada produz. Em conseqüência, uma sociedade é, por origem, uma reunião de 
pessoas  desiguais,  o  que  assegura  a  solidariedade  dos  seus  componentes  e 
resguarda  a  sua  unidade.  Proceder  justamente  é  desenvolver  sua  função 
própria, à qual devem corresponder as inatas aptidões humanas. A sociedade, 
para ser justa, deve situar cada homem na  sua função adequada, condição da
sua perfeita unidade. As funções sociais correspondem às faculdades da alma 
individual. Por isso, reduzem­se essencialmente a três: a produção, realizada 
pelos  trabalhadores,  equivalente  ao  desejo  elementar  de  alimentação,  cuja 
virtude, para quem a realiza, é a temperança; a defesa, desempenhada pelos 
soldados,  cuja  virtude  é  a  coragem;  e  o  governo,  que  corresponde  à 
inteligência  reflexiva,  e  exige  de  quem  o  exerce  uma  virtude  própria,  a 
prudência. 
É justa uma sociedade na qual cada indivíduo faz o que lhe é próprio. 
1.3.1.2  Aristóteles 
Aristóteles  (384­322  a.C.)  foi  o  primeiro  filósofo  a  desenvolver 
exaustivamente o tema, sendo considerado o verdadeiro fundador da teoria da 
justiça, de tal maneira que os estudos posteriores, inclusive os modernos, a ele 
se reportam como sua primeira fonte. 
Também  Aristóteles  considerou  a  justiça  em  seu  duplo  papel,  como 
virtude do indivíduo e critério de ordem social, sem lhe emprestar, porém, no 
primeiro,  a  superior  posição  que  lhe  conferia  Platão,  para  situá­la  como 
virtude  a  par  de  outras.  Formulou,  dir­se­ia  que  com  perfeita  atualidade,  a 
observação de que a  justiça não pode  ser atuante sobre toda  a alma  porque 
tutela apenas as relações dos indivíduos entre si. 
Decalcado  na  realidade  institucional  do  seu  tempo,  indicou­lhe  as 
finalidades próprias: 
a)  distribuição de honrarias e riquezas pelos indivíduos; 
b)  garantias dos contratos; e 
c)  proteção contra o arbítrio e a violência. 
Caberia a primeira tarefa à justiça distributiva e as duas últimas à justiça 
comutativa. Embora sem outra afinidade entre si, em todas essas modalidades 
de justiça assinalava Aristóteles um traço comum: a igualdade. Afirmar­se­ia 
esta, em relação à justiça distributiva, sob a forma de proporcionalidade, dado 
que as benesses sociais deveriam ser distribuídas segundo os méritos de seus 
destinatários.  E  o  princípio  da  igualdade  aritmética  inspiraria  as  duas
subdivisões da justiça comutativa, cabendo aos magistrados, em relação a elas, 
restabelecer sempre a igualdade em favor do lesado. 
1.3.2.1.3  Ulpiano 
Os  latinos  deixaram  algumas,  ainda  que  imprecisas,  definições  de 
justiça. Nem se poderia diversamente admitir, dado que a grande realização da 
civilização romana foi o direito que está para ela como a filosofia e as artes 
estão para a civilização grega. 
Uma das definições mais conhecidas é a de Domicio Ulpiano (170­228 
a. C.), consoante a qual a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido. 
1.3.2.1.4  Tomás de Aquino 
Tomás de Aquino (1225­1274) estuda o direito como objeto particular 
de uma virtude específica, a justiça, não podendo ambos ser compreendidos 
senão  como  pertinentes  à  condição  social  do  homem.  Considera  próprio  da 
justiça ordenar o homem em suas relações com os demais, posto que implica 
certa igualdade e a define como tendo por conteúdo “dar a cada um o que é 
seu”, isto é, o que lhe está subordinado ou está estabelecido para sua utilidade. 
Não se satisfaz, conforme explica Etienne Gilson (1884), sem que se assegure 
o respeito à igualdade entre pessoas diferentes, interessadas num mesmo ato. 
Distingue a justiça de todas as demais virtudes porque, enquanto estas 
se voltam diretamente para o agente do ato, exigindo a pureza de intenções, 
aquela reside na adequação do ato praticado com um modelo extrinsecamente 
dado de antemão. 
Inspirado em Aristóteles, divide a justiça em: legal (colaboração para o 
bem comum), comutativa (relações entre os indivíduos) e distributiva (partilha 
de encargos e benefícios públicos entre os indivíduos). 
1.3.2.1.5  Spencer 
Herbert Spencer (1820­1903), observando que na idéia de justiça duas 
outras  se  inserem,  uma  de  afirmação  e  outra  de  restrição  à  liberdade
individual,  a  primeira  positiva  e  a  Segunda  negativa,  comenta  que  aquela 
conduz  à  desigualdade  em  função  dos  resultados  a  que  podem  chegar  os 
indivíduos pela aplicação das suas diferentes possibilidades à realização dos 
próprios fins, enquanto que a Segunda,  limitativa dos  inevitáveis conflitos a 
que a prática da liberdade conduz, leva ao pensamento de que todas as esferas 
de  ações  se  limitam  uma  às  outras,  o  que  implica  uma  concepção  de 
igualdade. 
1.3.2.1.6  Stammler 
Segundo Rudolf Stammler (1856­1938), o conteúdo de uma norma jurídica é 
justo quando ela, em sua peculiar posição, concorda com o ideal social. Por 
difícil que seja definir este padrão, Stammler julgou encontrá­lo no modelo de 
uma  comunidade  de  homens  de  vontade  livre,  coexistindo,  assim,  em 
condições de perfeita harmonia e espontaneidade. 
1.3.2.2  Comentário crítico 
Embora diversas, as teorias sobre a concepção de justiça apresentam um 
traço comum. Em todas elas existe uma referência direta ou implícita à idéia 
matemática  da  igualdade.  Típica  é  a  noção  de  Kantorowicz,  quando  ensina 
que  a essência  da  justiça  está  em tratar o que  é  igual como  igual.  Ou a  de 
Lester  Frank  Ward  (1841­1913),  quando  afirma  que  a  justiça  consiste  na 
imposição artificial, pela sociedade, de uma igualdade em condições que são 
naturalmente  desiguais.  Ainda  a  de  Friedrich  Nietzche  (1844­1900), 
invocando Tucídides (471­395 a. C), quando afirmava que a justiça é sempre 
uma compensação e uma troca entre poderes opostos mais ou menos iguais. 
Também a sempre lembrada definição de Dante Alighieri (1265­1321), para 
quem o Direito seria a proporção real e pessoal de homem para homem que, 
conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói. O próprio Hans 
Kelsen (1881­1973), em cuja doutrina o tema  não tem acolhida, entende que 
o princípio da justiça, referido a uma ordem social, não é senão o equivalente 
dos  princípios  lógicos  da  identidade  e  da  contradição,  sensível,  assim,  à 
evidência  dessa  constante  de  todas  as  definições.  Seja  ela  equilíbrio, 
proporcionalidade  ou  harmonia,  mas  qualquer  dessas  noções  nos  leva, 
inevitavelmente, à de igualdade.
Agora  perguntamos:  essas  teorias  satisfazem  as  nossas  necessidades 
teóricas  de  formulação  do  princípio  da  justiça?  Não.  Ao  invés  de  eliminar 
problemas, adverte Siches, suscitam outros. 
Se a justiça fosse a própria igualdade, numa relação de troca, perfeita 
seria aquela em que duas pessoas reciprocassem objetos  idênticos. Se tenho 
um quilo de trigo a trocar, a única maneira de receber coisa exatamente igual é 
receber outro quilo  de  trigo.  Daí  se  vê  que  a  compreensão  da  justiça como 
fórmula igualitária de compensar o homem em suas relações recíprocas nada 
significa,  porque,  sempre  que  mutuamos  alguma  coisa,  é  por  algo  distinto, 
absurdo que é permutar coisas iguais. 
Se  eu  quiser  trocar  o  trigo  por  outra  mercadoria,  como  não  podemos 
comparar coisas heterogêneas, faz­se necessário estabelecer um terceiro valor, 
que, no caso, é o preço. Permuto o quilo de trigo por uma certa quantidade de 
moeda que me habilita a fazer uma aquisição conforme a minha conveniência. 
Na  comparação,  e  hipoteticamente,  com  o  dinheiro  da  transação,  fico  em 
condições de comprar dois quilos de milho. Não sendo possível realizar essas 
trocas diretamente, tenho que fazer referência a um valor, que é o econômico. 
Ainda assim surgem outros problemas. Por que, vendendo um quilo de 
trigo, não posso, com o produto, comprar um de ouro? A resposta seria que 
trigo  e  ouro  não  se  eqüivalem,  quando  referidos  ao  terceiro  elemento  da 
transação (o valor), que atua como determinante dos preços. 
Mas isso  importa reconhecer que  o conceito de justiça, representando 
igualdade, é formal, esquemático, não bastando dizer que os homens devem 
ser  dispostos  igualitariamente  numa  sociedade  ou  que  os  seus  interesses 
devem ser compostos de acordo com um princípio de igualdade, para alcançar 
a idéia que lhe corresponde. 
Há um século atrás, nos termos daquela fórmula, poderíamos dizer que 
a igualdade  estaria em  consentir aos homens massacrarem­se  mutuamente a 
fim de que os mais capacitados sobrevivessem em melhores condições. A livre 
concorrência expressa um esquema de igualdade de condições para todos, no 
qual Jean­Jacques Rousseau (1712­1778) vira a própria justiça: os homens são 
iguais,  as  leis  são  iguais  para  todos,  deixemo­los  disputar  segundo  suas 
pretensões.  No  entanto,  numa  sociedade  moderna,  esse  esquema  produziria 
flagrante injustiça.
Significativas dessa problemática da justiça são as hipóteses concebidas 
por Edgar  Bodenheimer  (1907).  Se todos os membros de  uma  coletividade, 
observa, ou  mesmo a sua maioria, estiverem reduzidos ao  mesmo estado de 
escravidão ou de opressão, não há razão  para admitir­se que a  justiça tenha 
sido alcançada graças a uma simples igualdade de tratamento. Se criminosos 
que  tenham  cometido  iguais  delitos  de  pouca  gravidade  forem  todos 
condenados  à  pena  de  morte  ou  de  prisão  perpétua,  o  simples  fato  de 
igualdade da sua punição não satisfaz à justiça. 
A teoria da justiça, repete­se, não esgota a investigação sobre os valores 
da regra jurídica. É um degrau a partir do qual buscamos, não importa sob que 
denominação,  outra  escala  de  valores,  que  dão  substância  ao  conceito 
meramente formal de justiça. Entendemos que esta, como exigência humana, 
não  é  somente  idéia,  mas  também  ideal.  A  idéia  é  essa  mesma  que 
assinalamos  através  da  história  da  filosofia  do  direito.  É  a  regra  que  nos 
orienta  em  sociedade,  visando  a  obter  uma  satisfação  equilibrada  dos 
interesses humanos. É, entretanto, vazia de autêntica significação, nada mais 
nada  menos  que  uma  equação  algébrica  (Leon  Grinberg),  porque,  longe  de 
exaurir  a  problemática  ética  ligada  a  uma  ordem  social,  apenas  abre 
oportunidade  para  estudá­la  num  plano  superior,  onde  procuramos  valores 
capazes de proporcionar conteúdo e sentido àquele conceito. 
Esses valores não pertencem ao plano da filosofia, mas ao da história, o 
que afina com o ensinamento de Georges Gurvitch (1894), consoante o qual a 
justiça e todos os valores jurídicos são os elementos mais variáveis entre todas 
as manifestações do espírito, porque variam simultaneamente, em função: 
a)  das variações da experiência dos valores; 
b)  das  variações  na  experiência  das  idéias  lógicas  e  das  representações 
intelectuais; 
c)  das  variações  nas  relações  recíprocas  entre  a  experiência  volitiva­ 
emocional e a experiência intelectual; e 
d)  das variações na relação entre  a experiência  dos  dados espirituais  e a 
própria experiência.
Explica­se, assim, que o conceito de justiça se tenha conservado estável 
na  filosofia,  enquanto  o  ideal  humano  que  lhe  corresponde  tanto  se  tenha 
alterado.
1.3.3  Formas de justiça 
A justiça apresenta­se debaixo de três formas e cada uma delas justifica 
uma  posição  própria  no  seu  estudo.  Várias  definições  de  justiça  podem 
divergir entre si, e,  sem  embargo disso, são  aceitas, desde que se refiram à 
justiça sob formas diferentes. 
As três formas são: a subjetiva, a objetiva e a ideal. Na subjetiva, é uma 
virtude.  A  expressão  subjetiva,  usada  na  sua  significação  verdadeira,  quer 
dizer  relativa  ao  sujeito.  Trata­se,  pois,  de  justiça  como  uma  virtude  do 
sujeito. No caso, evidentemente, o homem, porque só há justiça nas relações 
humanas.  Quando  dizemos  de  alguém que  é justo, empregamos  o  vocábulo 
justo  no  sentido  subjetivo,  expressando  que  a  pessoa  tem  uma  virtude,  a 
justiça. Na definição de Ulpiano, a justiça consiste na disposição de dar a cada 
qual o que é seu. De modo idêntico na de Marco Túlio Cícero (106­43 a.C.) – 
“tribuere suum cuique”. Em ambas a justiça é vista no seu caráter subjetivo. 
Mas a justiça é, por excelência, valor de uma ordem social. Significando 
critério  debaixo  do  qual  uma  sociedade  está  estruturada,  a  justiça,  no  seu 
aspecto objetivo, exterioriza­se em  normas. Sob tal  modalidade é  que a  sua 
noção mais se aproxima da de direito. Direito é tentativa de afirmação objetiva 
da  justiça,  definida  em  regras  compulsórias  de  conduta.  Quando  Sócrates 
(469­399 a.C.), condenado à  morte, recusou a fuga, considerando o respeito 
que devia à justiça da sua sociedade, a esta se referia no seu sentido objetivo. 
Quando cumprimos um dever em submissão à justiça da nossa sociedade, ou 
acatamos  uma  norma  em  obediência  à  justiça  do  nosso  grupo,  à  justiça 
aludimos no mesmo sentido. 
Finalmente,  a  justiça  é  valor.  Sendo  todo  valor  transcendente,  ela 
também o é. Sob tal feição, permite­nos a crítica da ordem social, essa  mesma 
que  se  nos apresenta como  justiça objetiva,  e  por  isso  nos obriga  a praticar 
certos  atos  e  nos  abster  de  outros.  Isso  nos  permite  senti­la  como  valor 
afirmado  e  como  valor  contestado.  Podemos  dizer,  por  exemplo,  que  uma 
sociedade é injusta e que outra é justa, que uma imposição leal é justa e que
outra é injusta. A justiça, traduzindo valor, referida a um ordenamento social, 
autoriza­nos a julgar da sua legitimidade ou ilegitimidade. 
1.3.4  Modalidades da justiça 
São  duas  as  modalidades  da  justiça:  geral  e  particular.  A  geral 
converge  para  o  interesse  da  comunidade.  A  particular  é  pertinente  à 
consideração dos interesses individuais. 
A justiça geral pretende o bem comum. Para realizá­lo prescreve que o 
indivíduo,  como  parte  de  uma  sociedade,  contribua  com  algo  para  a 
sobrevivência  e  o  desenvolvimento  dela.  Fixa  os  deveres  de  cada  um  com 
relação à sociedade em que vive, e se realiza quando exige dos indivíduos de 
maneira igual e eqüitativa. 
A sociedade que exigisse de seus membros uma quantia fixa a título de 
imposto seria injusta, porque tanto o rico como o pobre estariam contribuindo 
com  importância  igual.  E  injusto  seria  também  se  o  que  exigisse  não 
destinasse ao bem comum, mas ao de uma minoria. 
A justiça particular, embora sob um aspecto traduza o exercício de uma 
função social, é sensível às motivações e às necessidades particulares. 
Divide­se em justiça comutativa e distributiva. 
A  comutativa  rege  as  relações  de  troca.  Dela  a  expressão  mais  fiel  é 
exatamente  a  igualdade.  Se  alugo  uma  casa,  estou  trocando  o  seu  uso  pelo 
dinheiro do aluguel. Se vendo um objeto, troco­o pelo dinheiro do comprador. 
Sempre que damos alguma coisa para receber outra, a situação é regida pela 
justiça particular comutativa, cujo enunciado é: aquele que dá algo a outrem 
deve  receber,  em  compensação,  valor  apropriado  ao  que  deu.  Se  há 
correspondência  entre  os  valores  permutados,  sejam  mercadorias,  serviços, 
etc., a transação é justa. 
A  justiça  particular  distributiva,  embora  visando  ao  interesse  do 
indivíduo,  corresponde  a  uma  função  social.  Toda  sociedade,  pelo  fato  de 
impor  limitações  aos  indivíduos,  torna­se  depositária  de  valores,  riquezas, 
utilidades e vantagens, que redistribui pelos seus membros. A justiça que deve
presidir a essa atividade é a distributiva. O seu critério é o da eqüidade e do 
mérito, não o da igualdade. 
1.3.5  Direito público e direito privado 
As  modalidades  de  justiça,  a  geral  e  a  particular,  a  última  nas  suas 
submodalidades,  comutativa  e  distributiva,  dão  margem  a  que  possamos 
perceber que as regras jurídicas, que são ou devem ser manifestações sensíveis 
da justiça, podem ser distribuídas em dois grandes setores: normas de direito 
público  e  normas  de  direito  privado.  As  de  direito  público  correspondem  à 
justiça geral e à particular distributiva, e as de direito privado à comutativa.
2.  Dados Sociológicos
2.1  FATO SOCIAL 
Estudaremos o fato social em três partes. Na primeira determinaremos a 
noção  estrita  da  significação  de  social.  Na  Segunda,  apresentaremos  o  seu 
conceito. Na terceira, analisaremos a sua natureza, considerando a diversidade 
doutrinária sobre a matéria. 
2.1.1  Noção de social 
Fato social é um fato humano, ao qual qualificamos de social, tema de 
uma  ciência própria, a sociologia. O vocábulo social é perfeitamente distinto 
do  vocábulo  plural.  É  necessário  que  à  pluralidade  se  acrescente  algo  mais 
para que seja considerada manifestação social. 
É  de  rejeitar,  portanto,  qualquer  tendência  espúria,  já  antes 
eventualmente  manifestada  no  decurso  da  história  da  sociologia,  tendente  a 
ver  o  social  como  uma  categoria  do  ser,  presente  em  qualquer  realidade, 
desde a intra­atômica até a dos sistemas estelares. 
O  fenômeno  social  é  conduta.  Conduzir­se  implica  uma  atitude.  Ora, 
somente os seres dotados de psiquismo têm comportamento. Onde não existe 
psiquismo não há conduta. Logo, fato social é igual a fato social humano. 
A sociologia é uma ciência do homem, investiga processos humanos de 
convivência. As próprias supostas sociedades animais, algumas apresentando 
formas definidas de coexistência, não podem ser incluídas no seu campo, nem 
mesmo em áreas periféricas, porque os animais apenas coexistem, o que é um 
fato  biológico.  Henri  Bergson  (1859­1941),  a  cuja  obra  Edourard  le  Royu 
empresta  importância  igual  à  de  Kant,  escreve  que,  quando  nós  vemos  as 
abelhas de uma colméia formarem  um sistema  tão estreitamente organizado 
que  nenhum  dos  indivíduos  pode  viver  isolado  além  de  um  certo  tempo, 
mesmo  se  lhe  fornecermos  alimentação  e  alojamento,  temos  de  reconhecer 
que uma colméia é, realmente, não metaforicamente, um organismo único do 
qual cada abelha é uma célula unida a outras por laços invisíveis. O instinto 
que anima a abelha confunde­se com a foça de que a célula é animada. Logo, 
o estudo de tais sociedades incumbe à Biologia, que se ocupa dos fenômenos 
da vida, em todas as suas modalidades e sob todos os seus aspectos.
A sociologia, diversamente, se dedica a uma ordem de fenômenos aos 
quais só a convivência humana dá origem. 
Num  mundo  sem  humanidade  não  haveria  sociologia,  porque  não 
existiria ambiente social, em cujo interior ocorrem os acontecimentos que lhe 
são próprios. A sociologia estuda as maneiras de comportamento do homem 
num determinado meio e suas diferentes modalidades de adaptação. 
2.1.2  Conceito de fato social 
O  homem  habita  em  duas  ambiências:  uma  natural  e  outra  social. 
Natureza  e  sociedade  são  climas  em  que  vive.  Característica  da  vida  é 
manifestar­se  como  processo  de  adaptação.  O  homem  se  adapta  ao  meio 
natural, através de mecanismos fisiológicos e recursos técnicos, e  ao  social, 
por processos chamados sociais, que se desenvolvem à base de interação. 
Vivendo  em  grupo,  nós  interatuamos,  isto  é,  cada  um  de  nós  exerce 
sobre os outros uma influência e, na mesma medida, a recebe dos outros. Esta 
influência recíproca dos indivíduos que convivem é a interação. Esta significa, 
antes  de  mais  nada,  qualquer  alteração  no  comportamento  de  duas  pessoas, 
uma diante da outra. Por isso, diz­se que a interação é o correspondente social 
da ação recíproca da Física. 
Fundamental nesse processo de interação é a linguagem, porque, como 
proclama Émile Gouiran, a sociedade é um fato cujas causas, nem por serem 
múltiplas,  deixam  de  se  reduzir  a  uma  só:  a  necessidade  para  o  homem  de 
existir  pensando  e  a  impossibilidade  de  pensar  sem  uma  palavra  que  lhe 
responda. A sociedade é, assim, essencialmente, a linguagem do homem, pois 
onde o homem se expressa há sociedade e nem se expressa ele senão porque 
há sociedade. 
Para  sua  acomodação  ao  meio  natural  o  indivíduo  modifica­se  para 
obedecê­lo, ou o modifica, valendo­se das técnicas. Igualmente, sua adaptação 
ao  meio  social, ou a  outro  indivíduo tem  duplo sentido:  é corrente  que  vai, 
corrente que vem, em alternativas de influência subordinante e subordinada. 
A interação é o suporte fático de toda a realidade social. Sem ela, não 
existiria fato social. Não se deduza daí que basta que haja interação para que 
se  produza  um  fato  social.  A  própria  irradiante  interação  existente  nas
multidões  não  cria  senão  estados  de  espírito  intensos,  mas  momentâneos, 
conforme  Gustave  Le  Bom  (1841­1931).  Para  que  a  interação  ultrapasse  o 
recinto  da  mera  realidade  psicológica  interindividual,  dando  lugar  a  um 
fenômeno  sintético  novo,  o  social,  necessário  é  que,  à  falta  de  melhor 
expressão, diríamos, atinja um certo nível de densidade. Assim, o fato social 
apresenta características que bem o distinguem do psicológico: 
a)  generalidade (é comum aos indivíduos); 
b)  coerção (traduz uma pressão do grupo sobre o indivíduo); 
c)  repercussão  (a  qual  se  processa  independentemente  das  intenções 
individuais); 
d)  transcendência  (no  sentido  de  que  se  situa  fora  e  acima  da  ação  dos 
indivíduos). 
2.1.3  Grupos sociais 
Os grupos sociais são sistemas mais ou menos permanentes de interação 
cooperativa. 
Numa família, pais, filhos, irmãos, parentes que vivem em comum, há 
interação.  Num  grupo  de  trabalho,  as  pessoas  organizadas  para  uma  tarefa 
interatuam. Uma comunidade universitária forma um sistema, mais ou menos 
fechado, de interação, no qual encontramos sistemas menores, séries, turmas, 
classes,  pequenos  grupos cujos componentes levam  uma  vida  mais  comum. 
Teremos grupos menores dentro de outros maiores, que estarão dentro de um 
ainda maior. Cada um deles forma como que uma constelação de influências, 
porque é um sistema de interações. 
O indivíduo não está vinculado a um só grupo. Tem a sua família, a sua 
igreja, o seu partido, o seu clube. Ele ocupa, assim, ao mesmo tempo, distintas 
posições em diferentes sistemas. Não é a presença física do indivíduo que dá 
ao sistema a sua autonomia. 
O  grupo  social,  como  sistema  de  interação,  é  uma  entidade  abstrata, 
porque  é  intangível  na  sua  essência.  Numa  escola,  acabada  a  aula,  cada 
estudante volta à sua casa, e passa a estar isolado dos colegas. No entanto, o
grupo  subsiste.  Num  quadro  de  futebol,  finda  a  concentração  ou  o  jogo, 
acontece o mesmo. Cada membro regressa à sua casa, mas seu grupo subsiste. 
O grupo existe desde que uma parcela de comportamento do indivíduo 
seja  ditada  por  ele.  O  estudante  que,  em  casa,  dedica­se  aos  seus  deveres 
escolares,  está  procedendo  de  acordo  com  uma  exigência  de  seu  grupo.  Se 
deixa de ir a uma festa ou dela sai mais cedo, para não perder a aula do dia 
seguinte,  o  mesmo  acontece.  Desde  que  várias  pessoas,  em  caráter 
permanente, dediquem parte de sua conduta a um grupo, este existe e subsiste, 
mesmo quando seus integrantes não estão contactando. 
É  exatamente  porque  mister  não  se faz  que  a  conduta  individual  seja 
consagrada  exclusivamente  a  um  grupo,  que  o  indivíduo  pode  participar  de 
vários  e,  assim,  pertencer  a  diferentes  sistemas  de  interação,  uma  vez  que 
colabore com todos. 
2.1.4  Formas, processos e relações 
Os  grupos  sociais  ordenam­se  de  formas  diferentes.  Diversos  são  os 
seus  procedimentos  de  manutenção  e  alteração.  E  mantém  intercâmbio  uns 
com outros. Por isso, podem ser considerados quanto à sua organização, aos 
seus  processos  de  manutenção  e  de  transformação  e  às  suas  relações  com 
outros grupos. 
A organização dos grupos é variada. Um grupo de presidiários, sujeito a 
uma rígida disciplina, não está organizado de maneira idêntica a um clube ou a 
uma universidade.  A  família  não  está  organizada,  em toda parte, da  mesma 
maneira, e nem o esteve de modo igual em todos os tempos. 
Relativamente  aos  processos  de  conservação  e  alteração,  devemos 
salientar  que  a  vida  social  é  essencialmente  dinâmica  e  que  os  grupos 
representam sistemas de forças em tensão. Em cada grupo há dois processos 
fundamentais:  um,  de  conservação,  sem  o  qual  ele  pereceria;  outro,  de 
transformação,  sem  o  qual  se  anquilosaria.  Esses  processos,  a  seu  turno,  se 
diferenciam  em  sua  significação  específica:  religiosa,  éticos,  estéticos, 
gnoseológicos, políticos e econômicos. 
Finalmente, os grupos sociais entram em contato uns com os outros, o 
que dá origem a fenômenos sociais de uma classe peculiar.
2.1.5  Temas da sociologia 
Como os grupos sociais podem ser apreciados sob esses três aspectos, a 
sociologia, ciência que os estuda, tem esse tríplice objeto. 
E.  em  relação  a  ele,  segundo  o  ensinamento  de  Leopold  von  Wiese 
(1876), procede sempre num ritmo pendular entre a realidade e a abstração: 1. 
Abstrai o social inter­humano do resto pertencente à vida humana; 2. Constata 
os  efeitos  do  social  e  do  modo  como  se  produzem;  3.  Restitui  o  social  ao 
conjunto da vida humana para fazer compreensíveis suas relações com ela. 
2.1.6  Características dos grupos 
São  características  essenciais  dos  grupos  sociais:  cooperação  e 
participação harmônica. 
A  primeira  característica  é  mais  evidente.  Vida  social  é  vida 
cooperativa, de associação, de conjugação de esforços. Onde o indivíduo não 
colabora,  não  existe  vida  social,  ipso  facto,  grupo  social.  A  cooperação  se 
apresenta numa faixa extensa de gradação. Pode ser mínima ou máxima. Se 
alguém dá a máxima cooperação a certo grupo social, afasta­se dos demais, e 
pertence somente àquele. Diminuindo, entretanto, a cooperação do indivíduo, 
aumenta a sua possibilidade de fazer parte de outros grupos, doando a cada um 
deles parcela da sua dedicação. 
Uma  equipe  de  futebol,  jogando  num  campo,  exemplifica  de  forma 
exata a cooperação como qualidade grupal. Todos cooperam, indivíduo para 
indivíduo,  em  busca  do  mesmo  fim.  Inconscientemente,  também,  estão 
cooperando  num  grupo  mais  amplo.  Cada  equipe  visa  a  ultrapassar  a 
adversária,  mas,  se  alguém  tentar  interromper  a  competição,  as  equipes 
passam  a  cooperar  para  evitar  a  intromissão.  É  que  elas  formam  um  grupo 
maior, tanto que, atingidas por uma afronta comum, reagem como conjunto, 
deixam de ser duas equipes distintas, apenas uma só reagindo contra o intruso. 
E, assim, por que elas acatam regras iguais de procedimento, formando outra 
unidade maior, com posição própria diante de terceiros. 
A  segunda  característica,  mais  nítida  para  definir  o  contorno  de  um 
grupo social, é o senso de participação harmônica, isto é, o sentir a diferença 
entre pertencer e não pertencer a um certo grupo. Só as pessoas pertencentes a
um  grupo  têm  direitos  e  deveres,  relativamente  a  ele.  Esta  consciência  de 
privilégios,  regalias,  vantagens,  direitos  e  encargos  separa  os  integrantes  de 
um grupo dos que a ele não pertencem. 
Autores  há  que  citam  características  mais  numerosas:  pluralidade  de 
indivíduos,  objetivos  comuns,  interação  mental,  relativa  durabilidade,  certa 
organização e sentimento de autonomia. Cremos, porém, todos esses atributos 
contidos,  embora  alguns  implicitamente,  naqueles  que  citamos,  segundo  a 
lição de H. M. Johnson. 
2.1.7  Natureza do fato social 
Hoje a Sociologia não se preocupa com a pergunta metafísica sobre o 
que  é  sociedade.  Nem  outras  ciências  têm  mais  a  mesma  veleidade.  A 
Psicologia não indaga mais o que é a alma, nem a Física pergunta mais o que é 
matéria.  A  Sociologia,  como  qualquer  ciência,  é  observação  de  fenômenos 
para a sua compreensão. O interesse do tema está apenas em que ele permite 
uma sucinta visão da história da Sociologia. 
Situemos o problema. 
Observamos, entre os homens determinados fenômenos que chamamos 
sociais.  Só  existem  quando  estão  agrupados,  não  podendo  ser  explicados 
apenas em função de realidades inerentes ao indivíduo. Daí a pergunta: qual é 
a sua natureza? 
Podemos determinar, a respeito, quatro posições principais: o fisicismo, 
o biologismo, o psicologismo e o sociologismo. 
O fisicismo é a explicação do fato social como variante do mecânico. O 
biologismo é a sua explicação como modalidade do biológico. O psicologismo 
é  a  sua  explicação  como  maneira  de  ser  do  fenômeno  psíquico.  O 
sociologismo é, finalmente, a tendência para a explicação do fato social por 
ele mesmo, não como epifenômeno de outro que lhe seja subjacente. 
Explicado  o  fato  social  como  mecânico,  não  existirá,  a  rigor, 
Sociologia, mas uma mecânica social. Se o explicamos como fato biológico, a 
Sociologia  será  apenas  o  último  e  mais  avançado  capítulo  da  Biologia.  Se 
dizemos que o fato social é manifestação de fenômeno  mental, também  não
haverá uma Sociologia, mas uma Psicologia social. Será preciso afirmar que o 
fato social não é modalidade de outro, que constitui uma realidade irredutível 
a qualquer outra, para que possamos ter uma ciência peculiar de seu estudo, a 
Sociologia. 
A  Sociologia  é  uma  ciência  recente,  cujo  batismo  ocorreu  no  século 
XIX, com o positivismo, filosofia de Auguste Comte (1798­1857), o primeiro 
a reconhecer­lhe autonomia, incluindo­a na sua famosa classificação, na qual 
distribuía as ciências em ordem decrescente de sua generalidade e crescente da 
sua  complexidade.  Essa  classificação  partia  da  ciência  mais  ampla  e  mais 
simples,  a  Matemática,  até  atingir,  no  seu  termo,  uma  ciência  nova,  mais 
complexa e mais restrita, a Sociologia. 
Ingressando  a  Sociologia  entre  as  ciências,  surgiram  debates  sobre  a 
natureza  do  fato  social,  caracterizados  pela  pretensão  de  explicá­lo  como 
variante de  outros, já estudados.  Ocorreu  com ela  o  que se passa com toda 
ciência neófita: enfrentar a concorrência de ciências mais amadurecidas, mais 
desenvolvidas, tradicionais, que pretendem chamar a si a explicação do novo 
fato  observado,  negando­lhe  a  autonomia,  característica  essencial  para  ser 
objeto de uma ciência própria. 
2.1.7.1  Fisicismo 
Sob a rubrica de fisicistas devem ser citados aqueles que, participando 
de  um  momento  de  extraordinário  prestígio  da  Física,  ciência  que  então 
parecia  a  chave  para  o  conhecimento  completo  da  realidade,  pretenderam 
deslocar os seus métodos para o estudo das manifestações de vida social. Os 
grupos  sociais  seriam  considerados  à  semelhança  de  corpos,  e  os  processos 
sociais  entendidos  tal  como  se  interpreta  a  atuação  de  forças  mecânicas. 
Wilhelm  Ostwald  (1853­1932)  é  o  mais  destacado  representante  do 
movimento. 
2.1.7.2  Biologismo 
O  biologismo,  posição,  entre  outros,  de  Spencer,  Pavel  Federovich 
Lilienfeld  (1829­1903)  e  René  Worms  (1867­1926),  correspondeu  a  um 
período de euforia da Biologia.
Até  certa  época,  o  fato  vital,  objeto  dessa  ciência  não  havia  sido 
caracterizado  na  sua  perfeita  autonomia,  diante  dos  fenômenos  físicos  e 
químicos.  Considerava  René  Descartes  (1596­1650),  um  dos  filósofos  que 
inauguraram a  Idade  Moderna da filosofia, os seres vivos em tudo  iguais a 
mecanismos, e suas funções resultantes exclusivamente da disposição de seus 
órgãos, à semelhança do que ocorre  nos  movimentos  de  um relógio.  Assim 
pensando,  observa  Marx  Frischeisen  Kohler,  aproximava­se  ele  da  idéia  de 
uma derivação histórica dos organismos, partindo da natureza inanimada. 
Avançando  paulatinamente,  realizando  uma  revolução  que  E.  Boinet 
compara  à  de  Antoine­Laurent  Lavoisier  (1743­1794)  no  estudo  dos  corpos 
inorgânicos,  a  biologia  foi  repudiando  tais  noções,  até  que  Marie­François 
Bichat  (1771­1802)  trouxe  uma  contribuição  decisiva  para  a  sua  plena 
autonomia, ao afirmar que o fato vital era inteiramente diverso dos fenômenos 
físicos  e  químicos  que  se  passam  no  corpo,  tese  que  ainda  repercute  nas 
doutrinas  contemporâneas  de  Elsasser  e  Planyi.  Não  somente  diverso,  mais 
exatamente oposto àqueles. De onde resultou a sua definição, segundo a  qual 
a vida é um conjunto de funções que resistem à morte. A vida seria um estado 
de permanente luta, de que o corpo seria cenário, entre as propriedades físicas 
e químicas da matéria, de um lado, e, de outro, suas propriedades vitais. As 
doenças  seriam  momentos  de  crise  nessa  luta  pela  sobrevivência  das 
propriedades vitais, cuja derrota final estaria na morte. 
Bichat precisou a noção de organismo, como um conjunto sui generis, 
caracterizado  pela  recíproca  dependência  entre  o  todo  e  as  partes.  E  foi 
exatamente o conceito de organismo que pareceu, em certo momento, sedutor 
demais,  a  ponto  de  justificar  a  sua  ampliação  ao  campo  de  outras  ciências, 
entre  estas  a  sociologia.  A  sociedade  poderia,  então,  ser  comparada  a  um 
organismo  vivo,  precisamente  porque,  nela,  tal  como  sucede  neste,  o  todo 
depende de cada uma das suas partes e estas daquele. Assim, os métodos da 
biologia  poderiam  ser  legitimamente  aplicados  ao  estudo  dos  fatos  e  das 
instituições sociais. 
Os  partidários  da  escola  organicista,  conforme  observa  Antonio 
Dellepiane,  bifurcam­se:  uns  identificam  a  sociedade  a  um  organismo  vivo 
(Lilienfeld, Jacob  Novicow (1849­1912),  Worms) e outros estabelecem uma 
analogia  mais  formal  do  que  substancial  entre  ambos  (Albert  E.  Friedrich 
Schafle (1831­1903), Spencer).
Spencer,  ambicionando  uma  síntese  global  da  realidade,  via  no 
Universo uma estrutura em forma de pirâmide, construída por um incessante 
processo de evolução, em cuja base estaria o mundo inanimado (inorgânico), 
logo  em  cima  o  mundo  animado  (orgânico)  e  no  topo  o  mundo  social 
(superorgânico).  As  sociedades  seriam,  então,  verdadeiros  superorganismos, 
cuja estrutura se determinaria em função da estatura, da força, dos meios de 
defesa, do gênero de alimentação, da distribuição dos alimentos e do modo de 
propagação,  relativamente  a  cada  espécie.  À  semelhança  dos  organismos, 
teriam  órgãos,  sistemas,  funções,  nasceriam,  cresceriam,  envelheceriam  e 
morreriam. 
Na escola biologista situa­se o chamado darwinismo social, fundado na 
tese de Charles Darwin (1731­1802), segundo a qual cada organismo mantém 
seu  lugar  por  uma  luta  periódica,  o  que  lhe  parecia  indubitável  em  face  da 
circunstância  de  se  multiplicarem todos os seres  em progressão  geométrica, 
enquanto que, em média, permanece o total da subsistência; do que resultaria a 
explicação  da  evolução  social  por  esse  processo  competitivo  espontâneo.  O 
erro maior da doutrina, consoante observa Marcel Prenant, foi exatamente o 
de referir à sociedade humana a falsa lei de Thomas Robert Malthus (1766­ 
1834) como se fosse uma lei universal da vida, quando nada mais traduzia do 
que constatações feitas na sociedade burguesa da Inglaterra. 
A tese organicista, que é a  mais representativa  da  corrente biologista, 
conduziu a comparações pitorescas, no esforço de seus teóricos de confirmar a 
pretendida  semelhança.  As  funções  de  governo  corresponderiam  às  funções 
nervosas,  a  produção  seria  o  equivalente  da  nutrição,  os  transportes,  da 
circulação, etc., etc. 
2.1.7.3  Psicologismo 
Mais  tarde,  o  psicologismo  assumiu  atitude  de  contestação  às  doutrinas 
anteriores. 
Foi seu fundador Gabriel Tarde (1843­1904) que, escreve Fernando de 
Azevedo  (1894­1974),  conseguiu,  numa  luta  de  20  anos  contra  todas  as 
formas  de  biologismo,  desprender  da  Biologia  a  nova  ciência,  mas  para 
subordiná­la a outra: a Psicologia.
Ensinava  ele  que  um  fenômeno  somente  pode  ser  objeto  de 
conhecimento  científico  se  ele  se  repete.  Assim,  por  exemplo,  acontece  na 
Física,  com  as  vibrações  que  se  sucedem,  e  na  Biologia,  com  a 
hereditariedade. 
Os  fatos  sociais,  no  seu  entender,  podem  ser  reduzidos  a  um  só,  de 
índole individual, a imitação. Por esta, um sentimento, uma idéia, um gesto, 
transmite­se  de  uma  pessoa  a  outra.  O  ponto  de  partida  da  imitação  é  a 
invenção, fato essencialmente individual, porque somente o indivíduo inventa. 
Toda vida comum é invenção ou imitação e, unicamente, sob esses aspectos, 
pode ser estudada. Procurar como se apresenta e se modifica a imitação, em 
todas as circunstâncias, é o fim da Sociologia. 
Considerado  o  fato  social  manifestação  de  um  processo  nitidamente 
individual, não se lhe poderia predicar natureza peculiar diversa da natureza 
do fenômeno mental. A Sociologia, então, seria uma Psicologia interindividual 
ou  intermental,  da  qual  todos  os  elementos  básicos  seriam  dados  pela 
Psicologia de cada um dos indivíduos, cuja colaboração produz a vida social. 
2.1.7.4  Sociologismo 
Émile Durkheim (1858­1917) foi o verdadeiro fundador da Sociologia 
científica. 
Conceituou  os  fatos  sociais  como  maneiras  de  sentir,  pensar  e  agir 
exteriores e coercitivas. Há maneiras de pensar, sentir e agir que dependem do 
indivíduo  e  são  projeções  da  sua  mente,  cujo  estudo  incumbe  à  psicologia. 
Mas outras há que se singularizam pela exterioridade e traduzem obediência a 
um  padrão  extramental,  em  relação  aos  quais  a  conduta  não  pode  ser 
entendida  em  termos  meramente  psicológicos.  Nesta  situação,  o 
comportamento do indivíduo é condicionado por fatores que estão fora da sua 
mente. 
A exterioridade dos fatos sociais bem se evidencia na circunstância de 
existirem  independentemente  de  nós.  Precedem­nos  e  nos  sobrevivem. 
Exemplo: as religiões.  Dentro  de  um credo,  que  nos sobrevive, nascemos e 
morremos.  As  crenças  não  existem  como  frutos  de  elaboração  da  mente 
individual, mas como realidades sociais que se imprimem no espírito de cada 
um  de  nós.  Também  a  linguagem,  fato  social  por  excelência,  revela  o
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Livro de Daniel Coelho

  • 2. INTRODUÇÃO  A  introdução  à  ciência  do  Direito  responde,  no  curso  jurídico,  à  necessidade de uma disciplina geral. Os cursos superiores, desenvolvidos por  disciplinas  especializadas,  reclamam  que  ao  estudo  setorial  preceda  outro  geral.  Esta  conveniência  é  mais  veemente  no  curso  jurídico,  cujo  objeto  é  histórico: regras obrigatórias de conduta na sociedade de um tempo, o que,  provavelmente,  levou  Benjamin  de  Oliveira  Filho  a  reivindicar  para  a  introdução caráter eminentemente cultural.  Não  é,  aliás,  este  imperativo  apenas  de  ordem  didática.  O  saber  jurídico, qualquer que seja o nível em que o consideremos, só pode ser bem  exposto  e  compreendido,  se  o  seu  estudo  se  inaugura  pelo  exame  das  suas  generalidades,  pretensão  mais  ambiciosa  e  fecunda  do  que  a  sua  simples  visão sintética sugerida por A. B. Alves da Silva.  Objetivo  de  tal  natureza  sempre  foi  almejado.  Várias  foram  as  tentativas  de  alcançá­lo:  a  enciclopédia  jurídica,  a  filosofia  do  Direito,  a  sociologia  jurídica,  a  teoria  geral  do  Direito  e  a  introdução  à  ciência  do  Direito.  Enciclopédia jurídica  A  enciclopédia  jurídica  foi  a  mais  remota.  Adotava  por  padrão  a  estrutura do Corpus Juris, tradicional codificação do Direito romano.  Pretendem  alguns  que  a  obra  de  Gulielmus  Durantis  1237­1326),  o  Speculum Judiciale (1275), seja considerada pioneira no gênero, o que outros  contestam.  O  texto  de  Durantis  abrangia  o  Direito  romano  e  o  canônico,  destinando­se mais propriamente às autoridades judiciárias do que ao estudo  do Direito.  A literatura enciclopédica floresceu a partir do século XVI, quando se  divulgaram  numerosos trabalhos  compreendendo todos os ramos  do  direito  de maneira sistemática, entre os quais se destacaram os de Lagus e Hunnius,  atribuindo  alguns  a  este  último  a  verdadeira  fundação  da  enciclopédia  jurídica.  No século XVIII, resultante do divórcio entre a filosofia e as ciências  positivas, duas tendências passaram a atuar na enciclopédia jurídica, do que
  • 3. decorreu que algumas obras se inclinassem no sentido dogmático ou positivo,  como  a  de  Stéphane  Pütter,  e  outras  no  sentido  filosófico,  como  a  de  Nettelbladt.  No começo do século XIX, sob influência de Georg Wilhelm Friedrich  Hegel  (1770­1831)  e  Friedrich  Wilhelm  Joseph  Schelling  (1775­1854),  procura­se fazer da enciclopédia uma ciência própria, não mero repositório  mais ou menos ordenado de informações. Surgiram, assim, as enciclopédias  de Karl Pütter, Friedlaender, Rudhart, Heinrich Ahrens (1808­1874), Walter e  outros.  A partir  da  segunda metade  do  século XIX a  literatura enciclopédica  entra  em  decadência,  não  merecendo  referência  senão  à  obra  de  Adolf  Merkel (1836­1896), cuja primeira parte  é dedicada já ao estudo da teoria  geral do direito: conceito, caracteres, divisão e gênese do Direito; elementos,  divisão  e  gênese  das  relações  jurídicas;  aplicação  do  Direito  e  ciências  jurídicas.  O trabalho dos enciclopedistas, sem embargo da amplitude teórica de  algumas  de  suas  obras,  era,  principalmente,  de  organização  do  Direito  positivo.  Não  podia  a  enciclopédia  emancipar­se  da  experiência  jurídica,  alcançar  conceitos  gerais  e  servir,  assim,  de  instrumento  útil  para  um  conhecimento jurídico de base não empírica.  Adquirir  uma  idéia  sucinta  das  parcelas,  como  pondera  Eusébio  de  Queiroz  Lima,  não  é  ter  uma  noção  exata  do  todo.  E  além  disso,  repara  Ernesto Eduardo  Borga, por sua  orientação empirista, atendo­se  aos fatos,  somente poderia resultar numa teoria do Direito Positivo, nunca numa teoria  que abarcasse o direito todo, menos ainda o conceito elaborado em vista do  Direito Positivo.  Filosofia do direito  A  filosofia  do  direito  integrou,  durante  muito  tempo,  o  currículo  jurídico,  proporcionando  ao  estudante  contato  com  as  mais  gerais  noções  jurídicas.  E é certo, conforme  anota  Huntington  Cairns, que  a especulação  jurídica, através de toda a sua história, apesar do fato de que o seu objeto em  grande parte é existencial, tomou mais da filosofia do que da ciência.
  • 4. É fora de dúvida, porém, que por ela não se poderia jamais iniciar o  estudo do Direito. Não se conclua daí, que não tenha valiosa significação no  elenco das disciplinas jurídicas. Apenas, o saber filosófico, do ponto de vista  lógico,  senão  cronológico,  deve  suceder  ao  científico.  O  conhecimento  filosófico é a síntese mais alta que o homem alcança, a nenhuma síntese se  atinge, com exatidão e coerência, sem a prévia análise dos elementos que a  pressupõem.  A  atividade  filosófica  é  crítica  em  alto  nível,  e  os  níveis  mais  altos  de  crítica  não  podem  ser  alcançados  sem  que  antes  tenham  sido  percorridos os inferiores. O saber filosófico só pode ser atingido apoiado em  conhecimento anterior mais modesto porque é saber de remate. Nem é viável  pretender a filosofia de um objeto sem o seu prévio conhecimento científico,  dado que aquela, explica Joseph Vialatoux, é um retour, uma reentrada, uma  re­flexão de um saber ao menos começado.  A  tendência  geral,  em  nossos  dias,  é  deslocar  a  filosofia  jurídica  do  currículo  de  graduação  para  o  de  pós­graduação,  posição  de  culminância  que já lhe fora assinalada por Alessandro Levi. Também o nosso Pedro Lessa  (1859­1921),  que  entendeu  ter  sido  um  erro  grave  a    eliminação  dessa  disciplina  dos  cursos  jurídicos,  pretendia  vê­la  situada  no  último  ano  da  academia.  Sociologia jurídica  Podemos  estudar  os  fatos  sociais  na  sua  generalidade,  naquilo  que  todos têm em comum, examiná­los, portanto, em sentido lato; paralelamente,  podemos considerar alguns deles que têm qualificação própria e promovem  um processo adaptativo  peculiar.  A sociologia  geral,  consoante  Nicholai  S.  Timacheff, estuda a sociedade em nível altamente generalizado ou abstrato, e  as  ciências  sociais  particulares,  sob  um  determinado  e  específico  aspecto.  Segundo Pitirim Sorokim (1889­1998), a linha de demarcação existente entre  estas e aquela decorre do fato de que, se existem, dentro de uma classe de  fenômenos,  N  subclasses,  deve  haver  N  +  1  disciplinas  para  estudá­las:  N  para estudar cada subclasse e mais uma para estudar aquilo que é comum a  todas, bem como a correlação entre elas.  O fato jurídico, sendo social, pode ser objeto de uma delas, a sociologia  jurídica. Sucede, porém, que a sociologia jurídica considera o Direito sob o  aspecto  da  sua  causalidade  histórica,  que  é  apenas  um  elemento  para  compreendê­lo.  O  Direito  é,  antes  de  tudo,  norma  e  valor.  Não  cabe
  • 5. compreendido na sua universalidade sem a pesquisa das exigências éticas que  inspiram suas regras, ao que não atende a sociologia jurídica.  Esta  é,  ademais,  uma  ciência  de  temática  polêmica  e  de  contornos  relativamente imprecisos, o que a inabilita para servir de disciplina geral nos  estudos jurídicos. É o que assinala, também, André Franco Montoro, quando  a caracteriza  como  disciplina  que ainda  não se consolidou  suficientemente,  no sentido de não dispor de um corpo sistemático de conclusões, com objeto e  métodos  definidos,  atraso  de  desenvolvimento  que  atribui  à  hostilidade  de  dois  setores  afins:  de  um  lado,  os  juristas  resistem  à  penetração,  em  seu  campo,  de  uma  disciplina  estranha  à  dogmática  jurídica,  e,  de  outro,  os  sociólogos  desconfiam  da  objetividade  e  do  caráter  científico  de  estudos  vinculados à normatividade jurídica.  Além disso, a sociologia jurídica não focaliza, nem lhe caberia fazer, a  regra  jurídica  em  si,  na  sua  estrita  significação  normativa.  Dedica­se  à  análise dos seus pressupostos fáticos, os fatores sociais que a determinam. E  estes, relevantes que sejam para o sociólogo ou o historiador, não satisfazem  à  necessidade  de  pré­conhecimento  científico  do  ordenamento  jurídico,  porque dele não proporcionam uma noção autêntica e metódica.  Teoria geral do Direito.  A  teoria  geral  do  Direito,  no  campo  dos  estudos  jurídicos,  refletiu  a  influência avassaladora do positivismo do século XIX. Escola antimetafísica,  o  positivismo  alimentava  a  convicção  de  que  a  filosofia  jamais  alcançaria,  como  sempre  se  propusera,  o  conhecimento  das  essências.  Sob  sua  feição  ortodoxa, importava verdadeira contestação da autonomia do conhecimento  filosófico, dado que entendia caber a este a missão de integrar e coordenar o  conhecimento científico.  No setor dos estudos jurídicos, a filosofia positivista engendrou a teoria  geral do direito, que devia substituir a filosofia jurídica. O jurista partiria da  análise da realidade histórico­social para, por comparação e indução, alçar­  se  aos  conceitos.  Ciência,  conforme  pretendia  ser,  a  sua  primordial  característica seria  a de subordinar­se  ao  método  científico.  Nenhum saber  jurídico  poderia  convergir  para  outro  objeto  que  não  o  próprio  direito  positivo.  Ao  jurista  competia  observar  as  instituições,  determinar  as  suas
  • 6. afinidades,  assinalar  as  suas  relações  permanentes,  e,  finalmente,  por  indução, alcançar as respectivas noções gerais.  Embora  a  teoria  geral  do  Direito  não  tenha  ocupado  a  posição  que  almejava, uma vez que dava por sucumbida a filosofia jurídica – diagnóstico  em que falhou totalmente, pois, como assinala Alceu Amoroso Lima (1893),  assistimos nos últimos anos a um recrudescimento em torno dos fundamentos  filosóficos do Direito, como talvez jamais se tenha visto no decorrer de toda a  história ­ certo é que se integrou definitivamente na doutrina do direito.  É  indubitável,  porém,  que  ela  não  exaure  os  nossos  conhecimentos  teóricos. Basta ter em mente que condenava a fracasso qualquer tentativa de  conhecimento  jurídico­filosófico,  o  que  contradiz  toda  a  cultura  jurídica  contemporânea.  Introdução à ciência do Direito  A  introdução  é  uma  disciplina  cuja  meta  mais  pretensiosa  está  na  formulação de princípios gerais aplicáveis ao conhecimento jurídico. É uma  disciplina  epistemológica,  não  uma  disciplina  jurídica  em  sentido  restrito,  porque  não  estuda  uma  normatividade  jurídica  histórica.  Não  se  ocupa  de  normas  jurídicas,  de  sistemas  de  direito  positivo,  de  nenhum  ordenamento  jurídico vigente.  É uma  ciência  da ciência do direito.  Considera  as  noções  gerais  do  direito,  tal  como  podem  ser  abstratamente  formuladas,  quase  sempre fazendo omissão dos seus matizes históricos reais.  Uma das suas características mais típicas é o seu sentido pragmático.  Seu  conteúdo  não  é  rigoroso,  exato,  rígido.  Defensável,  até  certo  ponto,  é  incluir ou excluir dele certas matérias. Constituem­na noções que professores  e tratadistas entendem adequadas para a iniciação ao curso de Direito. Essa  circunstância gera a diversidade dos programas de ensino.  Uma  das  facetas  da  sua  preocupação  prática  está  em  que  ela  deve  servir  de  trânsito  entre  o  curso  médio  e  o  superior.  Problema  que  é  hoje  objeto  de  preocupações  e  cuidados,  justificando  a  reivindicação  de  um  processo de integração da escola média com a universidade.  As  dificuldades  da  passagem  daquela  a  esta  não  são  exclusivas  do  curso jurídico. Afligem, em parte, os candidatos a outros cursos, como o de
  • 7. Medicina, o de Engenharia, o de Economia, etc. No curso de Direito, porém,  como  enfatiza  Gaston  May,  se  agravam.  Em  relação  a  outros,  o  currículo  médio proporciona, de algum modo, conhecimento prévio que terá utilidade  direta  no  curso  superior.  Em  Medicina,  por  exemplo,  o  estudante  já  se  contactou com a Biologia e a Física. Em Engenharia, as noções de Física e de  Matemática  obtidas  no  curso  médio  são  de  vantagem  decisiva  no  superior.  Para o estudante de Direito, no entanto, há um hiato entre o curso médio e o  superior. É por isso que a introdução, sem prejuízo do seu núcleo de idéias  gerais a que corresponde, em princípio, a chamada teoria geral do Direito  colige  noções não jurídicas, mas filosóficas, sociológicas e, eventualmente,  também  históricas,  e  delas  se  utiliza  como  ponte  entre  o  curso  médio  e  o  superior.  Para  justificá­la,  ainda  poderiam  ser  citadas  as  palavras  de  que  se  serviu Cousin para pleitear a criação dessa disciplina em França, transcritas  por  Lucien  Brun:  “Quando  os  jovens  estudantes  se  apresentam  em  nossas  escolas,  a  jurisprudência  é  para  eles  um  país  novo  do  qual  ignoram  completamente o mapa e a língua. Dedicam­se de início ao estudo do Direito  Civil  e  ao  do  Direito  romano,  sem  bem  conhecer  o  lugar  dessa  parte  do  Direito  no conjunto da ciência jurídica, e  chega o  momento  em  que, ou  se  desgostam da aridez desse estudo especial, ou contraem o hábito dos detalhes  e  a  antipatia  pelas  vistas  gerias.  Um  tal  método  de  ensino  é  bem  pouco  favorável a estudos amplos e profundos. Desde muito tempo os bons espíritos  reclamam um curso preliminar que tenha por objeto orientar de algum modo  os jovens estudantes no labirinto da jurisprudência; que dê uma vista geral de  todas  as  partes da ciência  jurídica, assinale o  objeto distinto e  especial de  cada  uma  delas,  e,  ao  mesmo  tempo,  sua  recíproca  dependência  e  o  laço  íntimo que as une; um curso que estabeleça o método geral a seguir no estudo  do  Direito,  com  as  modificações  particulares  que  cada  ramo  reclama;  um  curso,  enfim,  que  faça  conhecer  as  obras  importantes  que  marcaram  o  progresso da ciência. Um tal curso reabilitaria a ciência do Direito para a  juventude,  pelo  caráter  de  unidade  que  lhe  imprimiria,  e  exerceria  uma  influência feliz sobre o trabalho dos alunos e seu desenvolvimento intelectual  e moral”.  Complementarmente,  é  válido  observar  que  a  introdução  atua  como  verdadeiro  teste  vocacional.  A  experiência  mostra  que  o  universitário  de  outros cursos, pelo trato anterior com matérias que a eles pertencem, tem, de  um  modo  geral,  embora  imprecisamente,  relativa  informação  quanto  à  natureza  dos  dotes  pessoais  que  lhe  serão  preferentemente  reclamados.    O
  • 8. discípulo  que  no  curso  colegial  sente  predileção  pela  Matemática  tem  razoável probabilidade de êxito no curso de Engenharia, ou em outro em que  o  conhecimento  matemático  seja  básico.  Já  o  estudante  de  Direito  habitualmente se inclina para o curso por uma escolha negativa. É a falta de  ajuste  às  ciências  experimentais,  quase  sempre,  que  o  leva  do  colégio  à  faculdade, quando não uma inclinação literária ou um simples pendor para as  leituras  propiciatórias  de  cultura  geral.  Essa  escolha  no  escuro  encerra  o  risco de uma opção a que não corresponda inclinação autêntica.  O estudo jurídico, como o de qualquer curso superior, é especializado,  o que importa dizer que resultado melhor é obtido quando tentado por quem  possui  real  inclinação  para  as  matérias  que  o  integram.  Por  isso,  a  introdução, dando ao estudante um primeiro contato com o curso, faculta­lhe  julgar  das  suas  próprias  habilitações  e  retificar  ou  confirmar  uma  escolha  que pode ter feito sem os elementos imprescindíveis à sua decisão.
  • 9. SUMÁRIO  1.  Dados filosóficos  1.1 Realidade e valor  1.2 Homem e valor  1.3 Direito e justiça  2.  Dados sociológicos  2.1 Fato social  2.2 Sociedades humanas  2.3 Fenômeno político  3.  Dados sociofilosóficos  3.1 Normatividade social  3.2 Normas éticas e normas técnicas  3.3 Normas morais e normas jurídicas  3.4 Normas convencionais  4.  Disciplinas jurídicas  4.1 Disciplinas fundamentais e auxiliares  4.2 Filosofia jurídica  4.3 Ciência do Direito  4.4 Teoria geral do Direito  5.  Noções fundamentais  5.1 Norma jurídica  5.2 Norma, sanção e coação  5.3 Sanções jurídicas  5.4 Fontes do Direito  5.5 Direito subjetivo  5.6 Direitos pessoais e direitos reais  5.7 Proteção dos direitos subjetivos  5.8 Dever jurídico  5.9 Relação jurídica  5.10  Atos jurídicos
  • 10. 5.11  Sujeito de Direito  5.12  Objeto do Direito  5.13  Ato ilícito  6.  Instituições jurídicas  6.1 Instituições jurídicas  6.2 O Estado  6.3 Personalidade  6.4 Família  6.5 Propriedade  6.6 Posse  6.7 Obrigações  6.8 Sucessão  7.  Enciclopédia jurídica  7.1 Classificação das normas jurídicas  7.2 Problemas de classificação  7.3 Critérios de classificação  7.4 Direito Constitucional  7.5 Direito Administrativo  7.6 Direito Penal  7.7 Direito Processual  7.8 Direito do Trabalho  7.9 Direito Internacional Público  7.10  Direito Civil  7.11  Direito Comercial  7.12  Direito Internacional Privado  8.  Técnica jurídica  8.1 Técnica jurídica  8.2 Vigência da lei  8.3 Interpretação  8.4 Integração  8.5 Eficácia da lei no espaço  8.6 Eficácia da lei no tempo  Bibliografia consultada
  • 12. 1.1  REALIDADE E VALOR  1.1.1   Realidade e valor  Gustav  Radbruch  (1878­1949),  reportando­se  às  doutrinas  de  Wilhelm  Windelband (1848­1915) e Heinrich Rickert (1863­1936), considera básica a  distinção entre realidade e valor. Comenta, com evidente acerto, que em meio  aos  dados  de  nossa  experiência,  surgidos  de  maneira  uniforme  em  nossas  próprias  vivências,  realidade  e  valor  mostram­se­nos  mesclados.  Homens  e  coisas,  saturados  de  valor  e  de  desvalor,  aparecem  associados  sem  que  possamos fazer entre eles nítida distinção.  Quando refletimos sobre a nossa experiência, percebemos que o valor  não está nas coisas e sim em nós mesmos. Se digo de uma tela que é bela, a  beleza não está nela, mas no meu julgamento. Se digo de um ente que é útil, a  sua utilidade não lhe é intrínseca, mas um atributo que lhe confiro.  O  primeiro  ato  da  consciência  parece  ser  o  de  formular  uma  reivindicação do próprio eu, libertando dos dados de experiência aqueles que  são pessoais, e isso leva a distinguir realidade de valor.  Realidade  e  valor  pertencem  a  setores  autônomos;  realidade  é  objetividade;  valor,  subjetividade.  Não  podemos  falar  de  valores  como  se  fossem reais ainda que para Max Scheler (1875­1929), segundo Alfred Stern,  nos  sejam  dados  antes  de  toda  experiência  e,  portanto,  aprioristicamente;  e  nem  de  realidades  como  se  um  valor  lhes  fosse  inerente.  Ao  valor  correspondente uma essência própria, também à realidade, outra. Realidade e  valor  são  inconfundíveis.  Uma  é,  outro  deve  ser.  A  realidade  existe,  é  um  atributo do ser; o valor se afirma, é um julgamento do sujeito, sem o qual o  mundo, observa Wilhelm Schapp, não teria interesse para o homem.  Essa distinção é básica para a filosofia jurídica, porque o direito julga o  comportamento. Nenhum julgamento pode, logicamente, existir sem a idéia de  um valor, porque julgar é comparar um objeto a um valor, para concluir da sua  compatibilidade  ou  incompatibilidade.  O  direito,  fazendo  apreciação  da  conduta, porque discrimina entre lícito e ilícito, importa estimação de valores.  Não pertence, portanto, na sua irredutível essência, ao plano da realidade.
  • 13. 1.1.2  Ser e dever ser  Da distinção entre realidade e  valor  resultam  duas posições: a  que  se  refere  ao ser  dos  entes  e  a  que  se  refere ao  dever  ser  do  homem.  E,  como  corolários  dessas,  os  conceitos de  lei natural e  lei  ética,  distinção essa cujo  desconhecimento,  conforme  Raimundo  Farias  Brito  (1862­1917),  atenta  contra a natureza das coisas e a mais comum experiência.  1.1.2.1  Juízos enunciativos e valorativos  Esses  conceitos  são  alcançados  através  de  juízos  que  são  a  alavanca  fundamental da atividade  cognitiva da  inteligência humana,  o que deles faz  sejam inteiramente diversos das representações, mesmo considerados do ponto  de vista psicológico, como afirma Franz Brentano (1838­1917).  A experiência tem por objeto coisas e fatos individualizados. Sobre ela  a mente do homem elabora o conhecimento. Mas assim não faria, não fosse a  sua possibilidade de formular juízos,  Essa  aglutinação  pode  dar­se  por  análise  ou  por  síntese,  isto  é,  ou  consiste  numa  decomposição  do  objeto  da  experiência  em  seus  elementos  intrínsecos, ou num acrescentamento ao objeto de algo que não lhe pertence  por essência. Há, portanto, juízos analíticos e sintéticos. Segundo Emmanuel  Kant  (1724­1804),  a  quem  coube  formular  com  clareza  a  distinção,  os  analíticos não ampliam nosso conhecimento, apenas desenvolvem o conceito e  o tornam mais inteligível. Ao contrário, os sintéticos são autênticos juízos de  experiência e sobre eles se constróem todas as ciências explicativas.  Além do mais, construídos os juízos sintéticos na base da observação,  podem eles mesmos ser ligados, numa segunda operação lógica, cujo nível de  criatividade  é  maior.  Se  temos  noções  resultantes  da  experiência  de  duas  coisas  singulares  e  conseguimos  aglutiná­las,  formamos  uma  terceira  noção  representativa de uma nova realidade,  cuja criação dependeu  da  experiência  apenas  indiretamente.  E  nesse  processo  atingimos,  progressivamente,  níveis  cada  vez  mais  altos  de  compreensão  e  generalidade.  Como  explica  G.  J.  Romanes, a partir do mais simples juízo possível e, portanto, da mais simples  proposição (correspondente gramatical do juízo), a inteligência humana eleva­  se de um modo uniforme e ininterrupto. Nem é outra a lição de Kant, quando  ensina que os juízos estabelecem uma unidade entre as nossas representações,
  • 14. pois  que  a  uma  representação  imediata  substituem  outra  mais  elevada  que  contém  a  primeira,  assim  como  várias  outras,  de  modo  que  muitos  conhecimentos possíveis são reunidos em um só.  Os  juízos  atendem  à  diferença  entre  natureza  e  valor.  Há  juízos  pertinentes à compreensão do mundo natural e juízos que traduzem valores e  definem  atitudes  do  homem  sensibilizados  por  eles.  Daí  a  distinção  entre  juízos enunciativos e juízos valorativos. Podemos dizer é isto, ou dizer deve  ser isto. Às vezes a cópula verbal é ser, outras, dever ser. Quando usamos ser,  para  coordenar  duas  idéias,  formulamos  um  juízo  enunciativo.  Se  a  coordenação se faz com dever ser, o juízo é valorativo. Os enunciativos são  juízos de experiência; os valorativos, estimativos de valor.  Os  enunciativos  são  descritivos.  Quando  dizemos  de  algo  que  é,  fazemos apenas uma descrição, tanto mais perfeita quanto mais impessoal. A  atitude  do  naturalista  é  de  completa  neutralidade:  é  narração  de  uma  experiência.  Por  isso,  dizemos  que  os  juízos  enunciativos  são  teóricos.  Medem­se pelo critério da veracidade, isto é, podem ser verdadeiros ou falsos.  Um juízo enunciativo é verdadeiro quando há coincidência entre o liame que  prende as idéias no juízo e o que existe entre as coisas ou fatos a que elas se  referem, quando, na frase magistral de Joaquín Xirau (1895), o seu perfil se  calca sobre o perfil do ser.  Se declaramos que A é B, e de fato existir uma  ligação  objetiva  entre  A  e  B,  igual  à  que  afirmamos,  temos  um  juízo  verdadeiro.  Ele  vincula,  logicamente,  idéias  de  realidades,  também  naturalmente  vinculadas.  Há  perfeita  identidade  entre  a  teoria  do  fato  e  ele  próprio.  Falso  é  um  juízo  equivocado,  no  qual  se  pretende  estabelecer  logicamente relação inexistente no plano da realidade.  Os  juízos  verdadeiros  dividem­se  em  verdadeiros  necessários  e  verdadeiros contingentes, distinção equivalente à que se faz entre verdades de  razão e verdades de fato, claramente feita por Gottfried Wilhelm von Leibniz  (1646­1716), a qual, na observação de Manoel Garcia Morente (1888­1942),  resulta da necessidade de se determinar a curva geral do desenvolvimento das  ligações  existentes  entre  os  vários  estados  internos  da  percepção.  Há  idéias  ligadas  entre  si  por  necessidade  lógica,  de  maneira  que  é  impossível  a  sua  recíproca desvinculação. Quando o elo que une duas idéias tem essa natureza,  o juízo que indica a relação é descritivo necessário. Ao dizermos que a linha  reta  é  a  distância  mais  curta  entre  dois  pontos,  estamos  fazendo  uma  afirmativa que a razão assevera ser inconcebível negar em qualquer situação.  Se declaramos que duas coisas iguais a uma terceira também o são entre si,
  • 15. afirmamos uma verdade de razão, porque esta evidencia a impossibilidade de  haver  duas  coisas  que,  sendo  iguais  a  uma  terceira,  não  o  sejam  entre  si.  Nesses exemplos enunciamos juízos verdadeiros, descrevendo realidades tais  como  são,  e  necessariamente  verdadeiros,  porque  não  podemos  conceber  circunstância,  no  tempo  e  no  espaço,  capaz  de  desmentir  a  ligação  lógica  estabelecida entre as idéias no juízo.  Um  juízo  verdadeiro  contingente descreve  uma  realidade como ela  se  apresenta,  mas,  sendo  essa  realidade  suscetível  de  transformações  (pode  ter  sido  uma  ontem,  pode  ser  outra  hoje,  poderá  amanhã  ser  uma  terceira),  a  veracidade do juízo fica condicionada a uma certa circunstância de tempo e  espaço. Se descrita como é hoje, formulamos um juízo; se como será amanhã,  talvez formulemos outro juízo. Assim, em referência à temperatura ambiente,  se dizemos que está quente, podemos ter feito um juízo verdadeiro, pelo fato  de estar efetivamente quente. Se, horas depois, ao calor suceder o frio, o juízo  verdadeiro  será  outro.  Como  o  próprio  objeto  do  juízo  é  contingente,  ele  é  válido para cada momento da experiência.  Os  juízos  valorativos  da  conduta  são  práticos,  porque  servem  à  realização de um fim. E postulativos, dado que enunciam exigências positivas  ou negativas de procedimento.  1.1.2.2  Lei natural e lei ética  Os  juízos  enunciativos  e  valorativos  conduzem  aos  conceitos  de  lei  natural e lei ética. A natural é a fórmula mais evoluída do enunciativo; a ética,  a mais evoluída do valorativo prático.  Segundo  Emmanuel  Kant,  a  filosofia  tem  esses  dois  objetos,  abrangendo ambas as leis, em dois sistemas particulares, ainda que ambicione  sua síntese final.  Conquanto não possamos admitir lei natural sem juízo enunciativo, nem  lei  ética  sem  juízo  valorativo,  existe  distinção  entre  lei  natural  e  juízo  enunciativo, lei ética e juízo valorativo.  Numa experiência, submetemos  um pedaço de metal à  ação do calor.  Verificamos que o metal se dilatou, e declaramos que o metal X, submetido ao  calor, se dilatou. Este é um juízo descritivo verdadeiro. Pela multiplicação da
  • 16. experiência e a análise das suas condições passamos a uma lei geral: o calor  dilata  os  corpos.  Quando  alcançamos  uma  noção  geral  que  explica  toda  a  experiência realizada e possível, temos uma lei natural.  Se  deixamos  cair  um  objeto,  constatamos  que  ele  cai  em  direção  à  Terra. Pelo mesmo processo, chegamos a determinar a lei da gravidade. A lei  natural  é  a  generalização  exemplar  de  um  juízo  enunciativo.  Se  não  pudéssemos  assim  construir,  adverte  Émile  Meyerson  (1859­1933),  de  nada  nos valeriam as regras que formulássemos sobre a experiência dos fenômenos,  que são infinitamente diversos.  Surge,  assim,  o  conceito  abstrato  de  causa,  pelo  qual  se  estabelecem  relações entre o passado e o presente, que são, a rigor, meramente prováveis  devendo  a  lei  natural  desempenhar,  como  observa  José  Juan  Bruera,  uma  função meramente sinótica das regularidades constatadas pela experiência, as  quais,  embora  praticamente  equivalentes  à  certeza,  dela  apenas  são,  teoricamente, aproximativas.  Esta é uma  contingência  lógica  do  método indutivo, que se eleva  das  sensações  à  generalidade,  ainda  que  adotado com as cautelas recomendadas  por  Francis  Bacon  (1561­1626):  elevar­se  lentamente,  seguindo  marcha  gradual, sem saltar nenhum degrau.  Bertrand  Russel  (1872­1970)  dá­nos  uma  clara  idéia  dos  princípios  a  que esse método está submetido:  a)  quando  uma  coisa  de  uma  certa  espécie,  A,  for  achada  com  freqüência  associada  com  outra  de  espécie  diversa,  B,  e  nunca  for  achada  dissociada da coisa da espécie B, quanto maior seja o número de casos em que  A  e  B  se  achem  associados,  maior  será  a  probabilidade  de  que  se  achem  associados em um novo caso no qual saibamos que uma delas está presente;  b)  nas  mesmas  circunstâncias,  um  número  suficiente  de  casos  de  associação converterá a probabilidade da nova associação em quase certeza e  fará com que se aproxime de um modo indefinido da certeza.  Ainda  que  o  mesmo  raciocínio  não  se  possa  aplicar  à  lei  ética  (tanto  mais que a radical distinção entre natureza e valor já foi antes ressaltada), nem  por  isso  podemos  ignorar  a  significação  da  experiência  na  orientação  da  conduta.  Vendo  uma  pessoa  agredir  outra,  julgamos que não deve proceder
  • 17. assim;  valorizamos  uma  situação,  e,  portanto,  fazemos  um  juízo  valorativo  (não  deve  ser),  diante  de  um  acontecimento  humano,  circunscrito  a  uma  experiência singular. A Ética, disciplina filosófica, habilita­nos a alcançar a lei  ética, norma de conduta válida para uma universalidade de situações. O juízo  valorativo, feito em função do incidente singular, só gera lei quando conduz a  regras gerais com pretensão de validade universal. Consoante ensina Wilhelm  Dilthey (1833­1911), construímos generalizações acerca de estados afetivos,  valores  vitais,  virtudes  e  deveres,  e  estes  recebem  por  sua  vez  força  dos  sentimentos e impulsos que surgem da imitação do concreto neles contido e do  sentimento tranqüilo que a sua subordinação nos infunde.  Os predicados que distinguem juízo descritivo e valorativo permitem a  distinção entre lei ética, com as suas características próprias, e lei natural, com  as suas qualificações particulares.  A  lei  natural  é  um  porquê  explicativo  da  realidade,  é  verdadeira  ou  falsa, exatamente porque o binômio verdade­erro prevalece no mundo teórico.  Se dizemos que quando ocorre A ocorre B, essa afirmativa é uma lei natural,  se  assim  acontecer  no  plano  da  realidade  ao  qual  se  refere.  A  lei  natural  apresenta os fenômenos, dando­lhes explicação coincidente com a sua própria  realidade  intrínseca.  Caso  não  coincidam  explicação  e  realidade,  estaremos  diante  de  uma  lei  falsa,  porque  todas  as  leis  da  natureza  assentam  no  pressuposto, que não é científico, mas filosófico, da invariabilidade da ordem  natural,  a  qual  nos  concede  prever  os  fatos  uns  pelos  outros,  sem  o  que,  consoante  afirma  Henri  Poincaré  (1854­1912),  não  se  pode  aceitar  a  legalidade  e  a  possibilidade  mesma  da  ciência.  Como  explica  David  Hume  (1711­1776), todos os raciocínios concernentes à causa e ao efeito, que são os  científicos,  estão  fundados  na  experiência  e  todos  os  raciocínios  tirados  da  experiência  estão  fundados  na  suposição  de  que  o  curso  da  natureza  continuará sendo uniformemente o mesmo.  A lei ética é válida ou inválida. Não é verdadeira ou falsa, porque, no  campo  do  comportamento,  verdade  e  erro  não  têm  presença,  dado  que  pertencem ao plano das enunciações. Uma lei é justa ou injusta, fundamentada  ou arbitrária, eqüitativa ou violenta. É válida, neste sentido filosófico, quando  expressa um valor autêntico e lhe é fiel; inválida, quando não traduz um valor  ou o faz de modo inadequado.  Uma  lei  natural  é  presumidamente  invariável,  não  pode  ser,  em  nenhuma  circunstância,  em  nenhum  momento,  desmentida  pela  experiência.
  • 18. Podemos  acumular  séculos  de  observação,  concluir  uma  lei  natural,  mas  se  uma experiência desmenti­la, passa a ser falsa. Ter­se­á constatado, então, o  acerto da observação de André Cresson, quando afirma que uma lei natural se  apoia em verificações que são como zero em relação à generalização que se  lhe atribui.  Já  com  a  lei  ética  acontece  diversamente.  Só  podemos  aceitar  a  sua  existência se ela for suscetível de infração. O pressuposto de qualquer uma é o  de  que  se  dirige  a  pessoas  livres.  Quando  se  diz  deve­se  fazer  assim,  está  implicitamente admitido outro procedimento.  Entre  lei  natural  e  lei  ética  fez  Hermann  Ulrich  Kantorowicz  (1877­  1940), um  paralelo  diferenciador  de  extrema clareza,  ao  afirmar que  aquela  descreve  invariáveis  relações  causais  ou  conexões  estruturais  (de  fatos,  mudanças, quantidades, propriedades); impõe obrigações, não sobre a conduta  humana, mas, no caso de veracidade, sobre a inteligência; constitui matéria de  cognição e prova, não de sanções, sim de conseqüências; não de autoridade,  sim de experiência; não de consciência, sim de ciência; não de deveres, sim de  acontecimentos constantes. A lei natural gira em torno do que é real, enquanto  que as normas de conduta prescrevem um comportamento que pode ser ou não  real, mas que deveria ser real.  1.2  HOMEM E VALOR  Há valores diversos. Segundo o ensinamento de Scheler, são absolutos,  maneiras de sentir que não dependem da sensibilidade e da vida, e podem ser  classificados numa escala crescente de perfeição:  a)  úteis (utilidade);  b)  vitais (nobreza, saúde, força);  c)  espirituais (conhecimento, arte, direito);  d)  religiosos (sagrado).  A cada valor corresponde o seu oposto, um desvalor. Assim, à utilidade  corresponde  a  inutilidade,  à  nobreza  o  comum,  à  saúde  a  doença,  à  força  o
  • 19. despauperamento, à verdade o erro, ao belo o feio, ao lícito o ilícito, ao sagrado  o profano. 1.2.1  Atitudes ante os valores  Diante dos valores, o homem assume atitudes diferentes. Uma delas é  avalorativa;  a  Segunda,  valorativa;  a  terceira,  supravalorativa,  e  a  última,  referencial.  Nossa  atitude  cega  aos  valores,  de  neutralidade  e  indiferença,  é  avalorativa. Se nos situamos em posição de sensibilidade aos valores, esta, em  contraste  com  a  precedente,  é  valorativa.  Entre  essas  posições  extremas,  radicalmente  opostas,  há  posições  mistas,  que  participam  das  antecedentes.  Uma  é  a  referencial,  na  qual  não  nos  encaminhamos  diretamente  para  os  valores,  mas  nos  conduzimos  motivados  por  ele.  A  outra  é  a  de  transcendência, de superação dos valores, a supravalorativa.  1.2.1.1  Atitude avalorativa  Podemos ver os objetos, insensíveis aos valores, inclusive na presença  daqueles  propícios  a  uma  atitude  valorativa.  Diante  de  uma  tela  ou  uma  escultura  sentimos  reação  estética.  Esta  reação  é  valorativa,  expressa  uma  estimativa segundo o valor do belo. Entretanto, um especialista em determinar  autenticidade  de  pinturas,  diante de  um  quadro, apenas analisa a técnica  do  pintor na aplicação da tinta, a composição química desta, a constituição física  da  tela, etc. Mesmo diante  de  uma obra de arte que a todos sensibiliza,  lhe  cumprirá  sufocar  a  tendência  para  valorizá­la  e  ficar  indiferente  aos  seus  méritos  estéticos.  Os  próprios  atos  humanos  são  sujeitos  à  consideração  avalorativa.  O crime, por exemplo, que produz ressentimento coletivo, pode  ser friamente  analisado  por  sociólogos  ou  estatísticos,  agindo  indiferentes  a  qualquer  estimação.  A  posição  avalorativa,  indispensável  no  estudo  da  natureza, leva à criação das ciências descritivas, ou na expressão de Claude  Bernard (1813­1878), ciências contemplativas.  1.2.1.2  Atitude valorativa  Podemos nos colocar, ao contrário, numa posição valorativa.
  • 20. Nossa  mente  é  povoada  de  valores,  que  não  são  arbitrariamente  subjetivos, porque, se o fossem, cada um teria os seus próprios e, entretanto,  há valores comuns a todos os homens. Não podemos defini­los, porque a sua  essência nos escapa. Mas dão­nos eles emocionalmente. No entanto, a nossa  vida  é  motivada  por  eles,  sejam  utilitários,  morais,  jurídicos,  religiosos,  estéticos, etc. Têmo­los, permanentemente, diante de nós, o que faz da nossa  conduta uma escolha constante de possibilidades.  Podemos  nos  desprender  do  mundo  em  sua  pura  manifestação  fenomênica,  tentar  ascender  ao  plano  dos  valores,  saber  o  que  são  e  determinar­lhes a hierarquia. É o que faz a filosofia dos valores. Assim como  as ciências naturais são frutos da posição avalorativa, a filosofia dos valores  resulta da posição valorativa, e se encaminha, segundo Carlos Astrada, para a  determinação  de  um  possível  sentido  da  vida  em  função  do  valor,  da  sua  vivência e da sua realização.  As  atitudes  expostas  são  contrastantes.  Numa,  eliminamos  a  sensibilidade  para  qualquer  valor,  porque  nos  interessa  apenas  ser  igual  ao  espelho que reproduz a imagem. Nossa meta é ver e descrever, sem cogitação  de  como  poderia  ou  deveria  ser.  Noutra,  nos  desligamos  da  experiência  imediata, e tentamos alcançar um mundo ideal que a ela se sobrepõe.  Essas  posições  podem  ser  complementadas  por  mais  duas:  a  supravalorativa e a referencial.  1.2.1.3  Atitude supravalorativa  A supravalorativa transcende, ao mesmo tempo, natureza e valor, que se  mostram, às vezes, contraditórios. E um dos dramas humanos é exatamente o  contraste entre  o que é e  o que  deve ser. Essa  contradição não é  apenas da  consciência  individual,  mas  também  da  história  dos  povos,  e  nos  inspira  a  tentativa de superá­la, de transcendê­la, até um plano em que a realidade seja  igual a valor e vice­versa. O homem anseia por uma síntese na qual se libere  dessa  contradição  que  marca  toda  sua  vida.  Se  a  alcança,  confessa,  como  Nicolas Malebranche (1638­1715): eu concebo que todos esses efeitos que se  contradizem, essas obras que se embatem e se destroem, essas desordens que  desfiguram o  Universo, que tudo  isso  não  assinala nenhuma contradição na
  • 21. causa  que  o  governo,  nenhum  defeito  na  inteligência,  nenhuma  impotência,  senão uma perfeita uniformidade.  Essa tentativa de alcançar um estado espiritual em que ser e dever ser  coincidam, expressa­se na posição supravalorativa. A religião é produto desse  esforço. Deus é, ao mesmo tempo, o que é e o que deve ser. Nele, existência e  valor  confundem­se.  Porque  Nele,  conforme  William  James  (1842­1910),  a  quem Émile Boutroux (1845­1921) comparava a Blaise Pascal (1623­1662), o  crente  continua­se  num.  Eu  mais  vasto  do  qual  se  difundem  experiências  liberatórias.  1.2.1.5  Atitude referencial  Finalmente, como podemos ver somente realidade, somente valor e não  ver  realidade  nem  valor,  também  podemos  adotar  uma  última  posição,  a  referencial, que ensaia estender uma ponte entre realidade e valor, como que  encaminhando a vida para a eternidade, nas palavras de Wilhelm Sauer (1879­  1962). Nela, o que o homem cria não é valor em si, mas referência a valor. Ela  engendra a cultura.  1.2.1.5  Cultura  Cabe aqui dar um conceito de cultura, o que não é fácil, pois se trata de  vocábulo cuja significação é múltipla. Daremos uma idéia elementar que nos  basta à finalidade deste capítulo, partindo da distinção entre cultura e natureza.  A natureza nos é dada mas o homem, como ente biológico que não se basta,  que  se  move  para  além  de  si  (Francisco  Pontes  de  Miranda  (1892­1979),  quebra as pedras para usá­las lascadas, depois polidas, descobre o fogo, faz a  sua habitação, cultiva o gado e as plantas e acaba conquistando o espaço. Na  proporção  em  que  progride,  emancipa­se  da  natureza,  da  qual,  segundo  Oswald Spengler (1880­1936), torna­se cada vez mais inimigo. Ele implanta  no mundo algo ainda inexistente, e que passa a existir como criação sua, o que  Paulo Dourado de Gusmão chama o reino das interpretações, das destinações,  dos  sentidos  e  dos  significados.  A  isso  chamamos,  embora  a  idéia  seja  imperfeita e suscetível de corrigenda, cultura, que, na frase de Max Scheler, é  antes de mais nada um processo pelo qual o homem se faz homem.
  • 22. Ao enriquecer o mundo com os seus produtos, o homem cria em função  de fins, inspirado pela motivação de valores. Cria as obras de arte, inspirado  pelo belo; o direito, pela justiça, etc. Em si mesmo, o valor é inatingível; se  atingido,  deixaria  de  sê­lo  e  passaria  a  realidade.  A  posição  do  homem,  portanto, como ser que cria cultura, é a de referência e aproximação a valores.  1.3   DIREITO E JUSTIÇA  Distinguimos  realidade  de  valor  para  observar  que  pertencem  a  hemisférios  incomunicáveis,  a  cada  um  dos  quais  corresponde  uma  atitude  humana.  O  direito  não  cabe  ao  plano  da  natureza.  É  obra  de  cultura  e,  portanto, criação visando a valores.  1.3.1  Valores jurídicos  O  valor  é  inerente  a  qualquer  norma.  Quando  pretendemos  de  uma  pessoa que se conduza de certo modo, sabendo que pode proceder de outro,  fazemo­lo em função de um motivo, que é o valor da pretensão. Se elegemos  uma,  dentre  várias  condutas  possíveis,  fazemo­lo  por  julgá­la  meritória.  A  regra jurídica, como qualquer outra, dirige­se a fins e só tem sentido quando  estes  são  considerados.  Sendo  tais  fins  históricos,  os    valores  que  lhes  correspondem sofrem a seu turno pressões sociais, geradas pelo inconsciente e  vigoroso  sentimento  de  unidade  social  a  que  se  refere  Alfred  Adler  (1870­  1937).  Os  fins  almejados  pelo  direito  são  diversos:  a  ordem,  a  segurança,  a  harmonia, a paz social, a justiça.  A eles correspondem outros tantos valores  jurídicos. As normas jurídicas se pautam por eles, meios que são para realizá­  los.  Esses  valores  apresentam,  como  os  demais,  uma  hierarquia,  embora,  não  raro,  sejamos  obrigados  a  sacrificar  um  superior  por  outro  inferior.  O  valor  jurídico  mais  alto,  aquele  que,  por  excelência,  torna  legítima  a  proposição jurídica, é a justiça.  Embora sendo ela o mais alto, às vezes outros se lhe sobrepõem.  Em  época  de  crise  social,  é  comumente  sobrepujada  pela  segurança  ou  pela
  • 23. ordem.  Assim ocorre em período de guerra, quando se mutilam as garantias  individuais, em benefício da segurança coletiva. Em estado de normalidade, o  direito  é  tanto  mais  perfeito  quanto  mais  refletir  as  exigências  humanas  de  justiça.  Para Carlos Cossio (1903), a revelação dos valores jurídicos resulta da  análise do homem em suas três dimensões existenciais: o mundo objetivo, a  pessoa e a sociedade. À coexistência enquanto circunstância (mundo objetivo)  correspondem os valores jurídicos da ordem e da segurança. À coexistência  enquanto  pessoa,  o  poder  e  a  paz.  Por  último,  à  coexistência  enquanto  sociedade, a cooperação e a solidariedade. Os valores jurídicos formam pares  e em cada um destes há um valor autonômico e um valor heteronômico, isto é,  de  expansão  da  personalidade  e  de  restrição  à  personalidade.  São  autonômicos:  a  segurança,  a  paz  e  a  solidariedade.  São  heteronômicos:  a  ordem, o poder e a cooperação. Como os valores de autonomia são suportes  dos de heteronomia, situam­se aqueles em plano superior a estes.  À  justiça,  que  sempre  consideramos  o  valor  jurídico  por  excelência,  reservou Cossio sentido semelhante ao que tem na teoria platônica.  Não lhe  pertence um conteúdo específico, sombra que é de todos os valores bilaterais  da conduta, aos quais dá equilíbrio e proporção, atuando como critério para a  sua realização simultânea e proporcional.  1.3.2  Teoria da Justiça  No  campo  da  filosofia  jurídica,  a  teoria  da  justiça  é  uma  imposição  lógica.  Referindo­se­lhe  a  regra  de  direito,  como  seu  valor  peculiar,  ela  é  insuscetível de ser compreendida, interpretada e aplicada, senão em referência  à justiça. 1.3.2.1  Idéia da justiça  Se indagamos, porém, o que é justiça, logo veremos que o seu entendimento é  polêmico.  A  pergunta  é  uma  só,  mas  as  respostas  são  numerosas  e  desencontradas,  dando  lugar  a  teorias  filosóficas  e  sociais  e  a  ideologias  políticas, talvez porque o tema, como pensava Pascal, seja sutil demais para  ser abordado por instrumentos humanos.
  • 24. No  entanto,  observa  Luís  Recaséns  Siches  (1903),  um  levantamento  dessas  teorias  demonstra,  por  trás  de  sua  aparente  contradição,  alguma  identidade. A similitude está em que a noção de  justiça vem sempre ligada à  de  igualdade.  O  símbolo  desse  entrelaçamento  é  também  o  da  justiça:  a  balança de pratos nivelados e fiel vertical.  Se recordarmos algumas definições doutrinárias, teremos confirmada a  observação.  1.3.2.1.1  Platão  Platão (428­347 a.C.) meditou sobre a justiça como virtude individual e  como  critério  de  organização  social.  O  princípio  comum  a  ambas,  escreve  Paul Natorp (1854­1924), é o da organização, segundo o qual uma pluralidade  de  forças,  acompanhadas  de  seus  efeitos,  encadeiam­se,  promovendo­se  mutuamente (e promovendo, portanto, sua obra comum), sem estorvar­se em  nenhum ponto.  Sob o primeiro aspecto, via nela uma espécie de virtude regente. A alma  humana abriga um sem­número de tendências, de sentimentos, de afeições, de  inclinações,  e  é  solicitada  pelos  elementos  diversos  de  que  se  compõe.  À  justiça  caberia  ordenar  e  unificar  esse  universo  íntimo,  dando  harmonia  às  suas partes. Tal como o maestro que tira dos instrumentos de uma orquestra  som harmoniosos, a justiça daria aos elementos da alma a sua exata medida e  os comporia numa tranqüila unidade. Não se identificaria ela, portanto, como  uma virtude ao lado de outras, mas coordenadora de todas.  Sobre  a  justiça  social,  entende  Platão  que  defini­la  somente  se  pode  quando se  recorda a razão que leva o  homem à  vida  social: a  existência de  diversas  necessidades  e  a  descoberta  da  maneira  pela  qual  podem  ser  satisfeitas, mediante a divisão do trabalho.  Se uma pessoa atende, somente ela, a uma certa necessidade de todas,  das demais obtém a satisfação das suas próprias necessidades, para as quais  nada produz. Em conseqüência, uma sociedade é, por origem, uma reunião de  pessoas  desiguais,  o  que  assegura  a  solidariedade  dos  seus  componentes  e  resguarda  a  sua  unidade.  Proceder  justamente  é  desenvolver  sua  função  própria, à qual devem corresponder as inatas aptidões humanas. A sociedade,  para ser justa, deve situar cada homem na  sua função adequada, condição da
  • 25. sua perfeita unidade. As funções sociais correspondem às faculdades da alma  individual. Por isso, reduzem­se essencialmente a três: a produção, realizada  pelos  trabalhadores,  equivalente  ao  desejo  elementar  de  alimentação,  cuja  virtude, para quem a realiza, é a temperança; a defesa, desempenhada pelos  soldados,  cuja  virtude  é  a  coragem;  e  o  governo,  que  corresponde  à  inteligência  reflexiva,  e  exige  de  quem  o  exerce  uma  virtude  própria,  a  prudência.  É justa uma sociedade na qual cada indivíduo faz o que lhe é próprio.  1.3.1.2  Aristóteles  Aristóteles  (384­322  a.C.)  foi  o  primeiro  filósofo  a  desenvolver  exaustivamente o tema, sendo considerado o verdadeiro fundador da teoria da  justiça, de tal maneira que os estudos posteriores, inclusive os modernos, a ele  se reportam como sua primeira fonte.  Também  Aristóteles  considerou  a  justiça  em  seu  duplo  papel,  como  virtude do indivíduo e critério de ordem social, sem lhe emprestar, porém, no  primeiro,  a  superior  posição  que  lhe  conferia  Platão,  para  situá­la  como  virtude  a  par  de  outras.  Formulou,  dir­se­ia  que  com  perfeita  atualidade,  a  observação de que a  justiça não pode  ser atuante sobre toda  a alma  porque  tutela apenas as relações dos indivíduos entre si.  Decalcado  na  realidade  institucional  do  seu  tempo,  indicou­lhe  as  finalidades próprias:  a)  distribuição de honrarias e riquezas pelos indivíduos;  b)  garantias dos contratos; e  c)  proteção contra o arbítrio e a violência.  Caberia a primeira tarefa à justiça distributiva e as duas últimas à justiça  comutativa. Embora sem outra afinidade entre si, em todas essas modalidades  de justiça assinalava Aristóteles um traço comum: a igualdade. Afirmar­se­ia  esta, em relação à justiça distributiva, sob a forma de proporcionalidade, dado  que as benesses sociais deveriam ser distribuídas segundo os méritos de seus  destinatários.  E  o  princípio  da  igualdade  aritmética  inspiraria  as  duas
  • 26. subdivisões da justiça comutativa, cabendo aos magistrados, em relação a elas,  restabelecer sempre a igualdade em favor do lesado.  1.3.2.1.3  Ulpiano  Os  latinos  deixaram  algumas,  ainda  que  imprecisas,  definições  de  justiça. Nem se poderia diversamente admitir, dado que a grande realização da  civilização romana foi o direito que está para ela como a filosofia e as artes  estão para a civilização grega.  Uma das definições mais conhecidas é a de Domicio Ulpiano (170­228  a. C.), consoante a qual a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido.  1.3.2.1.4  Tomás de Aquino  Tomás de Aquino (1225­1274) estuda o direito como objeto particular  de uma virtude específica, a justiça, não podendo ambos ser compreendidos  senão  como  pertinentes  à  condição  social  do  homem.  Considera  próprio  da  justiça ordenar o homem em suas relações com os demais, posto que implica  certa igualdade e a define como tendo por conteúdo “dar a cada um o que é  seu”, isto é, o que lhe está subordinado ou está estabelecido para sua utilidade.  Não se satisfaz, conforme explica Etienne Gilson (1884), sem que se assegure  o respeito à igualdade entre pessoas diferentes, interessadas num mesmo ato.  Distingue a justiça de todas as demais virtudes porque, enquanto estas  se voltam diretamente para o agente do ato, exigindo a pureza de intenções,  aquela reside na adequação do ato praticado com um modelo extrinsecamente  dado de antemão.  Inspirado em Aristóteles, divide a justiça em: legal (colaboração para o  bem comum), comutativa (relações entre os indivíduos) e distributiva (partilha  de encargos e benefícios públicos entre os indivíduos).  1.3.2.1.5  Spencer  Herbert Spencer (1820­1903), observando que na idéia de justiça duas  outras  se  inserem,  uma  de  afirmação  e  outra  de  restrição  à  liberdade
  • 27. individual,  a  primeira  positiva  e  a  Segunda  negativa,  comenta  que  aquela  conduz  à  desigualdade  em  função  dos  resultados  a  que  podem  chegar  os  indivíduos pela aplicação das suas diferentes possibilidades à realização dos  próprios fins, enquanto que a Segunda,  limitativa dos  inevitáveis conflitos a  que a prática da liberdade conduz, leva ao pensamento de que todas as esferas  de  ações  se  limitam  uma  às  outras,  o  que  implica  uma  concepção  de  igualdade.  1.3.2.1.6  Stammler  Segundo Rudolf Stammler (1856­1938), o conteúdo de uma norma jurídica é  justo quando ela, em sua peculiar posição, concorda com o ideal social. Por  difícil que seja definir este padrão, Stammler julgou encontrá­lo no modelo de  uma  comunidade  de  homens  de  vontade  livre,  coexistindo,  assim,  em  condições de perfeita harmonia e espontaneidade.  1.3.2.2  Comentário crítico  Embora diversas, as teorias sobre a concepção de justiça apresentam um  traço comum. Em todas elas existe uma referência direta ou implícita à idéia  matemática  da  igualdade.  Típica  é  a  noção  de  Kantorowicz,  quando  ensina  que  a essência  da  justiça  está  em tratar o que  é  igual como  igual.  Ou a  de  Lester  Frank  Ward  (1841­1913),  quando  afirma  que  a  justiça  consiste  na  imposição artificial, pela sociedade, de uma igualdade em condições que são  naturalmente  desiguais.  Ainda  a  de  Friedrich  Nietzche  (1844­1900),  invocando Tucídides (471­395 a. C), quando afirmava que a justiça é sempre  uma compensação e uma troca entre poderes opostos mais ou menos iguais.  Também a sempre lembrada definição de Dante Alighieri (1265­1321), para  quem o Direito seria a proporção real e pessoal de homem para homem que,  conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói. O próprio Hans  Kelsen (1881­1973), em cuja doutrina o tema  não tem acolhida, entende que  o princípio da justiça, referido a uma ordem social, não é senão o equivalente  dos  princípios  lógicos  da  identidade  e  da  contradição,  sensível,  assim,  à  evidência  dessa  constante  de  todas  as  definições.  Seja  ela  equilíbrio,  proporcionalidade  ou  harmonia,  mas  qualquer  dessas  noções  nos  leva,  inevitavelmente, à de igualdade.
  • 28. Agora  perguntamos:  essas  teorias  satisfazem  as  nossas  necessidades  teóricas  de  formulação  do  princípio  da  justiça?  Não.  Ao  invés  de  eliminar  problemas, adverte Siches, suscitam outros.  Se a justiça fosse a própria igualdade, numa relação de troca, perfeita  seria aquela em que duas pessoas reciprocassem objetos  idênticos. Se tenho  um quilo de trigo a trocar, a única maneira de receber coisa exatamente igual é  receber outro quilo  de  trigo.  Daí  se  vê  que  a  compreensão  da  justiça como  fórmula igualitária de compensar o homem em suas relações recíprocas nada  significa,  porque,  sempre  que  mutuamos  alguma  coisa,  é  por  algo  distinto,  absurdo que é permutar coisas iguais.  Se  eu  quiser  trocar  o  trigo  por  outra  mercadoria,  como  não  podemos  comparar coisas heterogêneas, faz­se necessário estabelecer um terceiro valor,  que, no caso, é o preço. Permuto o quilo de trigo por uma certa quantidade de  moeda que me habilita a fazer uma aquisição conforme a minha conveniência.  Na  comparação,  e  hipoteticamente,  com  o  dinheiro  da  transação,  fico  em  condições de comprar dois quilos de milho. Não sendo possível realizar essas  trocas diretamente, tenho que fazer referência a um valor, que é o econômico.  Ainda assim surgem outros problemas. Por que, vendendo um quilo de  trigo, não posso, com o produto, comprar um de ouro? A resposta seria que  trigo  e  ouro  não  se  eqüivalem,  quando  referidos  ao  terceiro  elemento  da  transação (o valor), que atua como determinante dos preços.  Mas isso  importa reconhecer que  o conceito de justiça, representando  igualdade, é formal, esquemático, não bastando dizer que os homens devem  ser  dispostos  igualitariamente  numa  sociedade  ou  que  os  seus  interesses  devem ser compostos de acordo com um princípio de igualdade, para alcançar  a idéia que lhe corresponde.  Há um século atrás, nos termos daquela fórmula, poderíamos dizer que  a igualdade  estaria em  consentir aos homens massacrarem­se  mutuamente a  fim de que os mais capacitados sobrevivessem em melhores condições. A livre  concorrência expressa um esquema de igualdade de condições para todos, no  qual Jean­Jacques Rousseau (1712­1778) vira a própria justiça: os homens são  iguais,  as  leis  são  iguais  para  todos,  deixemo­los  disputar  segundo  suas  pretensões.  No  entanto,  numa  sociedade  moderna,  esse  esquema  produziria  flagrante injustiça.
  • 29. Significativas dessa problemática da justiça são as hipóteses concebidas  por Edgar  Bodenheimer  (1907).  Se todos os membros de  uma  coletividade,  observa, ou  mesmo a sua maioria, estiverem reduzidos ao  mesmo estado de  escravidão ou de opressão, não há razão  para admitir­se que a  justiça tenha  sido alcançada graças a uma simples igualdade de tratamento. Se criminosos  que  tenham  cometido  iguais  delitos  de  pouca  gravidade  forem  todos  condenados  à  pena  de  morte  ou  de  prisão  perpétua,  o  simples  fato  de  igualdade da sua punição não satisfaz à justiça.  A teoria da justiça, repete­se, não esgota a investigação sobre os valores  da regra jurídica. É um degrau a partir do qual buscamos, não importa sob que  denominação,  outra  escala  de  valores,  que  dão  substância  ao  conceito  meramente formal de justiça. Entendemos que esta, como exigência humana,  não  é  somente  idéia,  mas  também  ideal.  A  idéia  é  essa  mesma  que  assinalamos  através  da  história  da  filosofia  do  direito.  É  a  regra  que  nos  orienta  em  sociedade,  visando  a  obter  uma  satisfação  equilibrada  dos  interesses humanos. É, entretanto, vazia de autêntica significação, nada mais  nada  menos  que  uma  equação  algébrica  (Leon  Grinberg),  porque,  longe  de  exaurir  a  problemática  ética  ligada  a  uma  ordem  social,  apenas  abre  oportunidade  para  estudá­la  num  plano  superior,  onde  procuramos  valores  capazes de proporcionar conteúdo e sentido àquele conceito.  Esses valores não pertencem ao plano da filosofia, mas ao da história, o  que afina com o ensinamento de Georges Gurvitch (1894), consoante o qual a  justiça e todos os valores jurídicos são os elementos mais variáveis entre todas  as manifestações do espírito, porque variam simultaneamente, em função:  a)  das variações da experiência dos valores;  b)  das  variações  na  experiência  das  idéias  lógicas  e  das  representações  intelectuais;  c)  das  variações  nas  relações  recíprocas  entre  a  experiência  volitiva­  emocional e a experiência intelectual; e  d)  das variações na relação entre  a experiência  dos  dados espirituais  e a  própria experiência.
  • 30. Explica­se, assim, que o conceito de justiça se tenha conservado estável  na  filosofia,  enquanto  o  ideal  humano  que  lhe  corresponde  tanto  se  tenha  alterado. 1.3.3  Formas de justiça  A justiça apresenta­se debaixo de três formas e cada uma delas justifica  uma  posição  própria  no  seu  estudo.  Várias  definições  de  justiça  podem  divergir entre si, e,  sem  embargo disso, são  aceitas, desde que se refiram à  justiça sob formas diferentes.  As três formas são: a subjetiva, a objetiva e a ideal. Na subjetiva, é uma  virtude.  A  expressão  subjetiva,  usada  na  sua  significação  verdadeira,  quer  dizer  relativa  ao  sujeito.  Trata­se,  pois,  de  justiça  como  uma  virtude  do  sujeito. No caso, evidentemente, o homem, porque só há justiça nas relações  humanas.  Quando  dizemos  de  alguém que  é justo, empregamos  o  vocábulo  justo  no  sentido  subjetivo,  expressando  que  a  pessoa  tem  uma  virtude,  a  justiça. Na definição de Ulpiano, a justiça consiste na disposição de dar a cada  qual o que é seu. De modo idêntico na de Marco Túlio Cícero (106­43 a.C.) –  “tribuere suum cuique”. Em ambas a justiça é vista no seu caráter subjetivo.  Mas a justiça é, por excelência, valor de uma ordem social. Significando  critério  debaixo  do  qual  uma  sociedade  está  estruturada,  a  justiça,  no  seu  aspecto objetivo, exterioriza­se em  normas. Sob tal  modalidade é  que a  sua  noção mais se aproxima da de direito. Direito é tentativa de afirmação objetiva  da  justiça,  definida  em  regras  compulsórias  de  conduta.  Quando  Sócrates  (469­399 a.C.), condenado à  morte, recusou a fuga, considerando o respeito  que devia à justiça da sua sociedade, a esta se referia no seu sentido objetivo.  Quando cumprimos um dever em submissão à justiça da nossa sociedade, ou  acatamos  uma  norma  em  obediência  à  justiça  do  nosso  grupo,  à  justiça  aludimos no mesmo sentido.  Finalmente,  a  justiça  é  valor.  Sendo  todo  valor  transcendente,  ela  também o é. Sob tal feição, permite­nos a crítica da ordem social, essa  mesma  que  se  nos apresenta como  justiça objetiva,  e  por  isso  nos obriga  a praticar  certos  atos  e  nos  abster  de  outros.  Isso  nos  permite  senti­la  como  valor  afirmado  e  como  valor  contestado.  Podemos  dizer,  por  exemplo,  que  uma  sociedade é injusta e que outra é justa, que uma imposição leal é justa e que
  • 31. outra é injusta. A justiça, traduzindo valor, referida a um ordenamento social,  autoriza­nos a julgar da sua legitimidade ou ilegitimidade.  1.3.4  Modalidades da justiça  São  duas  as  modalidades  da  justiça:  geral  e  particular.  A  geral  converge  para  o  interesse  da  comunidade.  A  particular  é  pertinente  à  consideração dos interesses individuais.  A justiça geral pretende o bem comum. Para realizá­lo prescreve que o  indivíduo,  como  parte  de  uma  sociedade,  contribua  com  algo  para  a  sobrevivência  e  o  desenvolvimento  dela.  Fixa  os  deveres  de  cada  um  com  relação à sociedade em que vive, e se realiza quando exige dos indivíduos de  maneira igual e eqüitativa.  A sociedade que exigisse de seus membros uma quantia fixa a título de  imposto seria injusta, porque tanto o rico como o pobre estariam contribuindo  com  importância  igual.  E  injusto  seria  também  se  o  que  exigisse  não  destinasse ao bem comum, mas ao de uma minoria.  A justiça particular, embora sob um aspecto traduza o exercício de uma  função social, é sensível às motivações e às necessidades particulares.  Divide­se em justiça comutativa e distributiva.  A  comutativa  rege  as  relações  de  troca.  Dela  a  expressão  mais  fiel  é  exatamente  a  igualdade.  Se  alugo  uma  casa,  estou  trocando  o  seu  uso  pelo  dinheiro do aluguel. Se vendo um objeto, troco­o pelo dinheiro do comprador.  Sempre que damos alguma coisa para receber outra, a situação é regida pela  justiça particular comutativa, cujo enunciado é: aquele que dá algo a outrem  deve  receber,  em  compensação,  valor  apropriado  ao  que  deu.  Se  há  correspondência  entre  os  valores  permutados,  sejam  mercadorias,  serviços,  etc., a transação é justa.  A  justiça  particular  distributiva,  embora  visando  ao  interesse  do  indivíduo,  corresponde  a  uma  função  social.  Toda  sociedade,  pelo  fato  de  impor  limitações  aos  indivíduos,  torna­se  depositária  de  valores,  riquezas,  utilidades e vantagens, que redistribui pelos seus membros. A justiça que deve
  • 32. presidir a essa atividade é a distributiva. O seu critério é o da eqüidade e do  mérito, não o da igualdade.  1.3.5  Direito público e direito privado  As  modalidades  de  justiça,  a  geral  e  a  particular,  a  última  nas  suas  submodalidades,  comutativa  e  distributiva,  dão  margem  a  que  possamos  perceber que as regras jurídicas, que são ou devem ser manifestações sensíveis  da justiça, podem ser distribuídas em dois grandes setores: normas de direito  público  e  normas  de  direito  privado.  As  de  direito  público  correspondem  à  justiça geral e à particular distributiva, e as de direito privado à comutativa.
  • 34. 2.1  FATO SOCIAL  Estudaremos o fato social em três partes. Na primeira determinaremos a  noção  estrita  da  significação  de  social.  Na  Segunda,  apresentaremos  o  seu  conceito. Na terceira, analisaremos a sua natureza, considerando a diversidade  doutrinária sobre a matéria.  2.1.1  Noção de social  Fato social é um fato humano, ao qual qualificamos de social, tema de  uma  ciência própria, a sociologia. O vocábulo social é perfeitamente distinto  do  vocábulo  plural.  É  necessário  que  à  pluralidade  se  acrescente  algo  mais  para que seja considerada manifestação social.  É  de  rejeitar,  portanto,  qualquer  tendência  espúria,  já  antes  eventualmente  manifestada  no  decurso  da  história  da  sociologia,  tendente  a  ver  o  social  como  uma  categoria  do  ser,  presente  em  qualquer  realidade,  desde a intra­atômica até a dos sistemas estelares.  O  fenômeno  social  é  conduta.  Conduzir­se  implica  uma  atitude.  Ora,  somente os seres dotados de psiquismo têm comportamento. Onde não existe  psiquismo não há conduta. Logo, fato social é igual a fato social humano.  A sociologia é uma ciência do homem, investiga processos humanos de  convivência. As próprias supostas sociedades animais, algumas apresentando  formas definidas de coexistência, não podem ser incluídas no seu campo, nem  mesmo em áreas periféricas, porque os animais apenas coexistem, o que é um  fato  biológico.  Henri  Bergson  (1859­1941),  a  cuja  obra  Edourard  le  Royu  empresta  importância  igual  à  de  Kant,  escreve  que,  quando  nós  vemos  as  abelhas de uma colméia formarem  um sistema  tão estreitamente organizado  que  nenhum  dos  indivíduos  pode  viver  isolado  além  de  um  certo  tempo,  mesmo  se  lhe  fornecermos  alimentação  e  alojamento,  temos  de  reconhecer  que uma colméia é, realmente, não metaforicamente, um organismo único do  qual cada abelha é uma célula unida a outras por laços invisíveis. O instinto  que anima a abelha confunde­se com a foça de que a célula é animada. Logo,  o estudo de tais sociedades incumbe à Biologia, que se ocupa dos fenômenos  da vida, em todas as suas modalidades e sob todos os seus aspectos.
  • 35. A sociologia, diversamente, se dedica a uma ordem de fenômenos aos  quais só a convivência humana dá origem.  Num  mundo  sem  humanidade  não  haveria  sociologia,  porque  não  existiria ambiente social, em cujo interior ocorrem os acontecimentos que lhe  são próprios. A sociologia estuda as maneiras de comportamento do homem  num determinado meio e suas diferentes modalidades de adaptação.  2.1.2  Conceito de fato social  O  homem  habita  em  duas  ambiências:  uma  natural  e  outra  social.  Natureza  e  sociedade  são  climas  em  que  vive.  Característica  da  vida  é  manifestar­se  como  processo  de  adaptação.  O  homem  se  adapta  ao  meio  natural, através de mecanismos fisiológicos e recursos técnicos, e  ao  social,  por processos chamados sociais, que se desenvolvem à base de interação.  Vivendo  em  grupo,  nós  interatuamos,  isto  é,  cada  um  de  nós  exerce  sobre os outros uma influência e, na mesma medida, a recebe dos outros. Esta  influência recíproca dos indivíduos que convivem é a interação. Esta significa,  antes  de  mais  nada,  qualquer  alteração  no  comportamento  de  duas  pessoas,  uma diante da outra. Por isso, diz­se que a interação é o correspondente social  da ação recíproca da Física.  Fundamental nesse processo de interação é a linguagem, porque, como  proclama Émile Gouiran, a sociedade é um fato cujas causas, nem por serem  múltiplas,  deixam  de  se  reduzir  a  uma  só:  a  necessidade  para  o  homem  de  existir  pensando  e  a  impossibilidade  de  pensar  sem  uma  palavra  que  lhe  responda. A sociedade é, assim, essencialmente, a linguagem do homem, pois  onde o homem se expressa há sociedade e nem se expressa ele senão porque  há sociedade.  Para  sua  acomodação  ao  meio  natural  o  indivíduo  modifica­se  para  obedecê­lo, ou o modifica, valendo­se das técnicas. Igualmente, sua adaptação  ao  meio  social, ou a  outro  indivíduo tem  duplo sentido:  é corrente  que  vai,  corrente que vem, em alternativas de influência subordinante e subordinada.  A interação é o suporte fático de toda a realidade social. Sem ela, não  existiria fato social. Não se deduza daí que basta que haja interação para que  se  produza  um  fato  social.  A  própria  irradiante  interação  existente  nas
  • 36. multidões  não  cria  senão  estados  de  espírito  intensos,  mas  momentâneos,  conforme  Gustave  Le  Bom  (1841­1931).  Para  que  a  interação  ultrapasse  o  recinto  da  mera  realidade  psicológica  interindividual,  dando  lugar  a  um  fenômeno  sintético  novo,  o  social,  necessário  é  que,  à  falta  de  melhor  expressão, diríamos, atinja um certo nível de densidade. Assim, o fato social  apresenta características que bem o distinguem do psicológico:  a)  generalidade (é comum aos indivíduos);  b)  coerção (traduz uma pressão do grupo sobre o indivíduo);  c)  repercussão  (a  qual  se  processa  independentemente  das  intenções  individuais);  d)  transcendência  (no  sentido  de  que  se  situa  fora  e  acima  da  ação  dos  indivíduos).  2.1.3  Grupos sociais  Os grupos sociais são sistemas mais ou menos permanentes de interação  cooperativa.  Numa família, pais, filhos, irmãos, parentes que vivem em comum, há  interação.  Num  grupo  de  trabalho,  as  pessoas  organizadas  para  uma  tarefa  interatuam. Uma comunidade universitária forma um sistema, mais ou menos  fechado, de interação, no qual encontramos sistemas menores, séries, turmas,  classes,  pequenos  grupos cujos componentes levam  uma  vida  mais  comum.  Teremos grupos menores dentro de outros maiores, que estarão dentro de um  ainda maior. Cada um deles forma como que uma constelação de influências,  porque é um sistema de interações.  O indivíduo não está vinculado a um só grupo. Tem a sua família, a sua  igreja, o seu partido, o seu clube. Ele ocupa, assim, ao mesmo tempo, distintas  posições em diferentes sistemas. Não é a presença física do indivíduo que dá  ao sistema a sua autonomia.  O  grupo  social,  como  sistema  de  interação,  é  uma  entidade  abstrata,  porque  é  intangível  na  sua  essência.  Numa  escola,  acabada  a  aula,  cada  estudante volta à sua casa, e passa a estar isolado dos colegas. No entanto, o
  • 37. grupo  subsiste.  Num  quadro  de  futebol,  finda  a  concentração  ou  o  jogo,  acontece o mesmo. Cada membro regressa à sua casa, mas seu grupo subsiste.  O grupo existe desde que uma parcela de comportamento do indivíduo  seja  ditada  por  ele.  O  estudante  que,  em  casa,  dedica­se  aos  seus  deveres  escolares,  está  procedendo  de  acordo  com  uma  exigência  de  seu  grupo.  Se  deixa de ir a uma festa ou dela sai mais cedo, para não perder a aula do dia  seguinte,  o  mesmo  acontece.  Desde  que  várias  pessoas,  em  caráter  permanente, dediquem parte de sua conduta a um grupo, este existe e subsiste,  mesmo quando seus integrantes não estão contactando.  É  exatamente  porque  mister  não  se faz  que  a  conduta  individual  seja  consagrada  exclusivamente  a  um  grupo,  que  o  indivíduo  pode  participar  de  vários  e,  assim,  pertencer  a  diferentes  sistemas  de  interação,  uma  vez  que  colabore com todos.  2.1.4  Formas, processos e relações  Os  grupos  sociais  ordenam­se  de  formas  diferentes.  Diversos  são  os  seus  procedimentos  de  manutenção  e  alteração.  E  mantém  intercâmbio  uns  com outros. Por isso, podem ser considerados quanto à sua organização, aos  seus  processos  de  manutenção  e  de  transformação  e  às  suas  relações  com  outros grupos.  A organização dos grupos é variada. Um grupo de presidiários, sujeito a  uma rígida disciplina, não está organizado de maneira idêntica a um clube ou a  uma universidade.  A  família  não  está  organizada,  em toda parte, da  mesma  maneira, e nem o esteve de modo igual em todos os tempos.  Relativamente  aos  processos  de  conservação  e  alteração,  devemos  salientar  que  a  vida  social  é  essencialmente  dinâmica  e  que  os  grupos  representam sistemas de forças em tensão. Em cada grupo há dois processos  fundamentais:  um,  de  conservação,  sem  o  qual  ele  pereceria;  outro,  de  transformação,  sem  o  qual  se  anquilosaria.  Esses  processos,  a  seu  turno,  se  diferenciam  em  sua  significação  específica:  religiosa,  éticos,  estéticos,  gnoseológicos, políticos e econômicos.  Finalmente, os grupos sociais entram em contato uns com os outros, o  que dá origem a fenômenos sociais de uma classe peculiar.
  • 38. 2.1.5  Temas da sociologia  Como os grupos sociais podem ser apreciados sob esses três aspectos, a  sociologia, ciência que os estuda, tem esse tríplice objeto.  E.  em  relação  a  ele,  segundo  o  ensinamento  de  Leopold  von  Wiese  (1876), procede sempre num ritmo pendular entre a realidade e a abstração: 1.  Abstrai o social inter­humano do resto pertencente à vida humana; 2. Constata  os  efeitos  do  social  e  do  modo  como  se  produzem;  3.  Restitui  o  social  ao  conjunto da vida humana para fazer compreensíveis suas relações com ela.  2.1.6  Características dos grupos  São  características  essenciais  dos  grupos  sociais:  cooperação  e  participação harmônica.  A  primeira  característica  é  mais  evidente.  Vida  social  é  vida  cooperativa, de associação, de conjugação de esforços. Onde o indivíduo não  colabora,  não  existe  vida  social,  ipso  facto,  grupo  social.  A  cooperação  se  apresenta numa faixa extensa de gradação. Pode ser mínima ou máxima. Se  alguém dá a máxima cooperação a certo grupo social, afasta­se dos demais, e  pertence somente àquele. Diminuindo, entretanto, a cooperação do indivíduo,  aumenta a sua possibilidade de fazer parte de outros grupos, doando a cada um  deles parcela da sua dedicação.  Uma  equipe  de  futebol,  jogando  num  campo,  exemplifica  de  forma  exata a cooperação como qualidade grupal. Todos cooperam, indivíduo para  indivíduo,  em  busca  do  mesmo  fim.  Inconscientemente,  também,  estão  cooperando  num  grupo  mais  amplo.  Cada  equipe  visa  a  ultrapassar  a  adversária,  mas,  se  alguém  tentar  interromper  a  competição,  as  equipes  passam  a  cooperar  para  evitar  a  intromissão.  É  que  elas  formam  um  grupo  maior, tanto que, atingidas por uma afronta comum, reagem como conjunto,  deixam de ser duas equipes distintas, apenas uma só reagindo contra o intruso.  E, assim, por que elas acatam regras iguais de procedimento, formando outra  unidade maior, com posição própria diante de terceiros.  A  segunda  característica,  mais  nítida  para  definir  o  contorno  de  um  grupo social, é o senso de participação harmônica, isto é, o sentir a diferença  entre pertencer e não pertencer a um certo grupo. Só as pessoas pertencentes a
  • 39. um  grupo  têm  direitos  e  deveres,  relativamente  a  ele.  Esta  consciência  de  privilégios,  regalias,  vantagens,  direitos  e  encargos  separa  os  integrantes  de  um grupo dos que a ele não pertencem.  Autores  há  que  citam  características  mais  numerosas:  pluralidade  de  indivíduos,  objetivos  comuns,  interação  mental,  relativa  durabilidade,  certa  organização e sentimento de autonomia. Cremos, porém, todos esses atributos  contidos,  embora  alguns  implicitamente,  naqueles  que  citamos,  segundo  a  lição de H. M. Johnson.  2.1.7  Natureza do fato social  Hoje a Sociologia não se preocupa com a pergunta metafísica sobre o  que  é  sociedade.  Nem  outras  ciências  têm  mais  a  mesma  veleidade.  A  Psicologia não indaga mais o que é a alma, nem a Física pergunta mais o que é  matéria.  A  Sociologia,  como  qualquer  ciência,  é  observação  de  fenômenos  para a sua compreensão. O interesse do tema está apenas em que ele permite  uma sucinta visão da história da Sociologia.  Situemos o problema.  Observamos, entre os homens determinados fenômenos que chamamos  sociais.  Só  existem  quando  estão  agrupados,  não  podendo  ser  explicados  apenas em função de realidades inerentes ao indivíduo. Daí a pergunta: qual é  a sua natureza?  Podemos determinar, a respeito, quatro posições principais: o fisicismo,  o biologismo, o psicologismo e o sociologismo.  O fisicismo é a explicação do fato social como variante do mecânico. O  biologismo é a sua explicação como modalidade do biológico. O psicologismo  é  a  sua  explicação  como  maneira  de  ser  do  fenômeno  psíquico.  O  sociologismo é, finalmente, a tendência para a explicação do fato social por  ele mesmo, não como epifenômeno de outro que lhe seja subjacente.  Explicado  o  fato  social  como  mecânico,  não  existirá,  a  rigor,  Sociologia, mas uma mecânica social. Se o explicamos como fato biológico, a  Sociologia  será  apenas  o  último  e  mais  avançado  capítulo  da  Biologia.  Se  dizemos que o fato social é manifestação de fenômeno  mental, também  não
  • 40. haverá uma Sociologia, mas uma Psicologia social. Será preciso afirmar que o  fato social não é modalidade de outro, que constitui uma realidade irredutível  a qualquer outra, para que possamos ter uma ciência peculiar de seu estudo, a  Sociologia.  A  Sociologia  é  uma  ciência  recente,  cujo  batismo  ocorreu  no  século  XIX, com o positivismo, filosofia de Auguste Comte (1798­1857), o primeiro  a reconhecer­lhe autonomia, incluindo­a na sua famosa classificação, na qual  distribuía as ciências em ordem decrescente de sua generalidade e crescente da  sua  complexidade.  Essa  classificação  partia  da  ciência  mais  ampla  e  mais  simples,  a  Matemática,  até  atingir,  no  seu  termo,  uma  ciência  nova,  mais  complexa e mais restrita, a Sociologia.  Ingressando  a  Sociologia  entre  as  ciências,  surgiram  debates  sobre  a  natureza  do  fato  social,  caracterizados  pela  pretensão  de  explicá­lo  como  variante de  outros, já estudados.  Ocorreu  com ela  o  que se passa com toda  ciência neófita: enfrentar a concorrência de ciências mais amadurecidas, mais  desenvolvidas, tradicionais, que pretendem chamar a si a explicação do novo  fato  observado,  negando­lhe  a  autonomia,  característica  essencial  para  ser  objeto de uma ciência própria.  2.1.7.1  Fisicismo  Sob a rubrica de fisicistas devem ser citados aqueles que, participando  de  um  momento  de  extraordinário  prestígio  da  Física,  ciência  que  então  parecia  a  chave  para  o  conhecimento  completo  da  realidade,  pretenderam  deslocar os seus métodos para o estudo das manifestações de vida social. Os  grupos  sociais  seriam  considerados  à  semelhança  de  corpos,  e  os  processos  sociais  entendidos  tal  como  se  interpreta  a  atuação  de  forças  mecânicas.  Wilhelm  Ostwald  (1853­1932)  é  o  mais  destacado  representante  do  movimento.  2.1.7.2  Biologismo  O  biologismo,  posição,  entre  outros,  de  Spencer,  Pavel  Federovich  Lilienfeld  (1829­1903)  e  René  Worms  (1867­1926),  correspondeu  a  um  período de euforia da Biologia.
  • 41. Até  certa  época,  o  fato  vital,  objeto  dessa  ciência  não  havia  sido  caracterizado  na  sua  perfeita  autonomia,  diante  dos  fenômenos  físicos  e  químicos.  Considerava  René  Descartes  (1596­1650),  um  dos  filósofos  que  inauguraram a  Idade  Moderna da filosofia, os seres vivos em tudo  iguais a  mecanismos, e suas funções resultantes exclusivamente da disposição de seus  órgãos, à semelhança do que ocorre  nos  movimentos  de  um relógio.  Assim  pensando,  observa  Marx  Frischeisen  Kohler,  aproximava­se  ele  da  idéia  de  uma derivação histórica dos organismos, partindo da natureza inanimada.  Avançando  paulatinamente,  realizando  uma  revolução  que  E.  Boinet  compara  à  de  Antoine­Laurent  Lavoisier  (1743­1794)  no  estudo  dos  corpos  inorgânicos,  a  biologia  foi  repudiando  tais  noções,  até  que  Marie­François  Bichat  (1771­1802)  trouxe  uma  contribuição  decisiva  para  a  sua  plena  autonomia, ao afirmar que o fato vital era inteiramente diverso dos fenômenos  físicos  e  químicos  que  se  passam  no  corpo,  tese  que  ainda  repercute  nas  doutrinas  contemporâneas  de  Elsasser  e  Planyi.  Não  somente  diverso,  mais  exatamente oposto àqueles. De onde resultou a sua definição, segundo a  qual  a vida é um conjunto de funções que resistem à morte. A vida seria um estado  de permanente luta, de que o corpo seria cenário, entre as propriedades físicas  e químicas da matéria, de um lado, e, de outro, suas propriedades vitais. As  doenças  seriam  momentos  de  crise  nessa  luta  pela  sobrevivência  das  propriedades vitais, cuja derrota final estaria na morte.  Bichat precisou a noção de organismo, como um conjunto sui generis,  caracterizado  pela  recíproca  dependência  entre  o  todo  e  as  partes.  E  foi  exatamente o conceito de organismo que pareceu, em certo momento, sedutor  demais,  a  ponto  de  justificar  a  sua  ampliação  ao  campo  de  outras  ciências,  entre  estas  a  sociologia.  A  sociedade  poderia,  então,  ser  comparada  a  um  organismo  vivo,  precisamente  porque,  nela,  tal  como  sucede  neste,  o  todo  depende de cada uma das suas partes e estas daquele. Assim, os métodos da  biologia  poderiam  ser  legitimamente  aplicados  ao  estudo  dos  fatos  e  das  instituições sociais.  Os  partidários  da  escola  organicista,  conforme  observa  Antonio  Dellepiane,  bifurcam­se:  uns  identificam  a  sociedade  a  um  organismo  vivo  (Lilienfeld, Jacob  Novicow (1849­1912),  Worms) e outros estabelecem uma  analogia  mais  formal  do  que  substancial  entre  ambos  (Albert  E.  Friedrich  Schafle (1831­1903), Spencer).
  • 42. Spencer,  ambicionando  uma  síntese  global  da  realidade,  via  no  Universo uma estrutura em forma de pirâmide, construída por um incessante  processo de evolução, em cuja base estaria o mundo inanimado (inorgânico),  logo  em  cima  o  mundo  animado  (orgânico)  e  no  topo  o  mundo  social  (superorgânico).  As  sociedades  seriam,  então,  verdadeiros  superorganismos,  cuja estrutura se determinaria em função da estatura, da força, dos meios de  defesa, do gênero de alimentação, da distribuição dos alimentos e do modo de  propagação,  relativamente  a  cada  espécie.  À  semelhança  dos  organismos,  teriam  órgãos,  sistemas,  funções,  nasceriam,  cresceriam,  envelheceriam  e  morreriam.  Na escola biologista situa­se o chamado darwinismo social, fundado na  tese de Charles Darwin (1731­1802), segundo a qual cada organismo mantém  seu  lugar  por  uma  luta  periódica,  o  que  lhe  parecia  indubitável  em  face  da  circunstância  de  se  multiplicarem todos os seres  em progressão  geométrica,  enquanto que, em média, permanece o total da subsistência; do que resultaria a  explicação  da  evolução  social  por  esse  processo  competitivo  espontâneo.  O  erro maior da doutrina, consoante observa Marcel Prenant, foi exatamente o  de referir à sociedade humana a falsa lei de Thomas Robert Malthus (1766­  1834) como se fosse uma lei universal da vida, quando nada mais traduzia do  que constatações feitas na sociedade burguesa da Inglaterra.  A tese organicista, que é a  mais representativa  da  corrente biologista,  conduziu a comparações pitorescas, no esforço de seus teóricos de confirmar a  pretendida  semelhança.  As  funções  de  governo  corresponderiam  às  funções  nervosas,  a  produção  seria  o  equivalente  da  nutrição,  os  transportes,  da  circulação, etc., etc.  2.1.7.3  Psicologismo  Mais  tarde,  o  psicologismo  assumiu  atitude  de  contestação  às  doutrinas  anteriores.  Foi seu fundador Gabriel Tarde (1843­1904) que, escreve Fernando de  Azevedo  (1894­1974),  conseguiu,  numa  luta  de  20  anos  contra  todas  as  formas  de  biologismo,  desprender  da  Biologia  a  nova  ciência,  mas  para  subordiná­la a outra: a Psicologia.
  • 43. Ensinava  ele  que  um  fenômeno  somente  pode  ser  objeto  de  conhecimento  científico  se  ele  se  repete.  Assim,  por  exemplo,  acontece  na  Física,  com  as  vibrações  que  se  sucedem,  e  na  Biologia,  com  a  hereditariedade.  Os  fatos  sociais,  no  seu  entender,  podem  ser  reduzidos  a  um  só,  de  índole individual, a imitação. Por esta, um sentimento, uma idéia, um gesto,  transmite­se  de  uma  pessoa  a  outra.  O  ponto  de  partida  da  imitação  é  a  invenção, fato essencialmente individual, porque somente o indivíduo inventa.  Toda vida comum é invenção ou imitação e, unicamente, sob esses aspectos,  pode ser estudada. Procurar como se apresenta e se modifica a imitação, em  todas as circunstâncias, é o fim da Sociologia.  Considerado  o  fato  social  manifestação  de  um  processo  nitidamente  individual, não se lhe poderia predicar natureza peculiar diversa da natureza  do fenômeno mental. A Sociologia, então, seria uma Psicologia interindividual  ou  intermental,  da  qual  todos  os  elementos  básicos  seriam  dados  pela  Psicologia de cada um dos indivíduos, cuja colaboração produz a vida social.  2.1.7.4  Sociologismo  Émile Durkheim (1858­1917) foi o verdadeiro fundador da Sociologia  científica.  Conceituou  os  fatos  sociais  como  maneiras  de  sentir,  pensar  e  agir  exteriores e coercitivas. Há maneiras de pensar, sentir e agir que dependem do  indivíduo  e  são  projeções  da  sua  mente,  cujo  estudo  incumbe  à  psicologia.  Mas outras há que se singularizam pela exterioridade e traduzem obediência a  um  padrão  extramental,  em  relação  aos  quais  a  conduta  não  pode  ser  entendida  em  termos  meramente  psicológicos.  Nesta  situação,  o  comportamento do indivíduo é condicionado por fatores que estão fora da sua  mente.  A exterioridade dos fatos sociais bem se evidencia na circunstância de  existirem  independentemente  de  nós.  Precedem­nos  e  nos  sobrevivem.  Exemplo: as religiões.  Dentro  de  um credo,  que  nos sobrevive, nascemos e  morremos.  As  crenças  não  existem  como  frutos  de  elaboração  da  mente  individual, mas como realidades sociais que se imprimem no espírito de cada  um  de  nós.  Também  a  linguagem,  fato  social  por  excelência,  revela  o