(Go down for English) A literatura sobre música popular no Brasil tem lidado com a categoria raça de maneira diferenciada, dependendo da perspectiva teórico-metodológica e da época. Inicialmente, no início do século XIX, sem mencionar cor, posteriormente, a partir de 1870, enaltecendo a mestiçagem (como caminho ao branqueamento); depois, entre 1920-1950 valorizando-a, e a partir das últimas décadas do século XX, realçando as cenas regionais híbridas, a diversidade cultural, o multiculturalismo e as diferenças de cor ou raça. Na musicologia os rótulos são problemáticos, pois se por um lado os discursos sobre música conseguem ressaltar certos traços (como instrumentos e padrões rítmicos), apontando esta ou aquela identidade étnica, a observação do discurso musical pode questionar tais certezas. A participação na mesa redonda toma como ponto de partida as categorias de cor da série histórica do censo no Brasil.
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The literature on popular music in Brazil has dealt with race in different ways, depending on the theoretical and methodological perspective and period. Initially, in the early nineteenth century, not mentioning “color”, then, from 1870 on, praising mestizaje (as a way to whitening); then between 1920-1950 valuing it, and from the last decades
of the twentieth century, highlighting hybrid regional scenes, cultural diversity, multiculturalism and differences of color or race. In musicology, labels are problematic because if on the one hand the discourse on music can emphasize certain traits (such as rhythm instruments and rhythmic patterns), pointing this or that ethnic identity,
the observation of the musical discourse may question such certaintiess. Participation in the round table takes as its starting point the color categories in the historic demographic censuses series in Brazil.
MÚSICA POPULAR E IDENTIDADE RACIAL NO BRASIL - Musicologia e Diversidade/ Musicology and Diversity - Pirenópolis, GO - 15 a 19 de Junho de 2015
1. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Música popular e identidade
racial no Brasil
Martha Tupinambá de Ulhôa
UNIRIO
mulhoa@unirio.br
2. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Raça, cultura, identidade
• 1600
• Palmares 1605-1694
• [invenção do mulato]
• 1822
• pátria, língua, território
• 1870
• raça, natureza, usos e costumes
• 1920
• cultura, civilização
• 2000
• diversidade cultural
• [multiculturalismo]
• Porto-Alegre, Debret, Martius (IHGB)
• Sílvio Romero (escola de Recife)
• Mário de Andrade
• Sistema de cotas
3. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
ALENCASTRO, Luiz Felipe (1946- ). O trato dos viventes: Formação do Brasil no
Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
• Espaço bipolar: enclaves da América portuguesa e feitorias de Angola
• Enquadramento político da colônia: dizimação dos indígenas e
controle da população afro.
• O fluxo regular do tráfico negreiro diminuiu a importância dos índios
como reserva potencial de mão-de-obra cativa, transformando-os
apenas num embaraço à expansão da fronteira agropastoril: abria-se
a via à sua exterminação. Após a dizimação dos povos indígenas no
sertão agropecuário na chamada “guerra dos bárbaros” [1651-1704]
(Alencastro 2000: 337) a doutrina antiquilombista complementa o
“enquadramento político do território da América portuguesa” (Idem:
343).
4. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
A invenção do mulato
(Alencastro, 2000, p. 345-353)
• Reação a Palmares (1605-1694): 1625 - posto de capitão-do-mato
para rastrear e capturar escravos fugidos; 1676 - formalização do
posto; 1699 – isenção de punição para assassinato de quilombolas; 3
mar. 1741 – fugitivos marcados a ferro com a marca “F” ; 6 mar. 1741
reduto de cinco foragidos = um quilombo nos termos da lei (p. 345).
• Alternativa p/ libertos = prestar serviços a quem lhes garantissem a
condição de não-escravo, favorecendo a mestiçagem biológica =
relação radicalmente hierarquizada. (p. 346).
• Mulatos (tratamento diferenciado) ≠ USA (segregação) e Angola . No
Brasil: pecuária (curraleiros); uso militar (quilombos, Guerra dos
bárbaros, os henriques).
5. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
6. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Carl Friedrich Philipp von Martius (1794–1868)
• “Como se deve escrever a história do Brasil”
• Raças - cor de cobre ou americana, branca ou caucasiana, preta ou etíope
• Viagem pelo Brasil, 1817-1820 (Spix & Martius)
• Para o jogo, a música e a dança está o mulato [de Belém do Pará] sempre
disposto, e movimenta-se insaciável, nos prazeres, com a mesma agilidade dos
seus congêneres do sul, aos sons monótonos, sussurrantes do violão, do lascivo
lundu ou no desenfreado batuque. [Diferentemente da alta sociedade em Minas
e Bahia, um rapaz que] deixasse crescer a unha do dedo até um monstruoso
tamanho, para melhor ferir as cordas do violão, mal escaparia aqui aos motejos
da sociedade. (Martius, 1981 [1823-1831] vol. III, p. 29). [No entanto, na Bahia,
ao final de jantares nas casas mais ricas] [...] aparece no fim um grupo de
músicos, cujos acordes, às vezes desafinados, convidam ao lundu, que as
senhoras costumam dançar com muita graça (p. 150) (ênfase adicionada).
7. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Manuel Araújo de Porto-Alegre (1806-1879)
• Música: “ cultivada desde a senzala ao palácio; de dia e noite soa a
marimba do escravo, a guitarra, e a viola do Capadócio, e o piano do
senhor” (Porto-Alegre, 1836, p. 180).
• Os proscritos e aventureiros de Portugal deram princípio à Nação
Brasileira. Privados de qualquer elemento que desse pasto à prosperidade,
circunscritos nos limites da agricultura e do tráfico, cansados e alimentados
pelo sol do equador, lançavam-se nos braços do amor, e o amor os
inspirava; e nos transportes d’alma choravam sua sorte. O amor produziu
as artes da imaginação, e o entusiasmo as elevou ao sublime; e os filhos da
floresta envoltos da mais rica louçania [elegância] da natureza cantavam, e
sua Música semelhante ao balanço da rede, que oscilando no ar forma um
zéfiro [brisa, aragem] artificial, que tempera a calidez (sic), apresenta o
cunho melódico: é uma nênia [elegia, canto fúnebre] amorosa onde respira
o bálsamo misterioso da voluptuosidade, é a prolação [prolongamento] do
gemido do infeliz, é uma Música do coração (Porto-Alegre, 1836, p.179).
(grifos adicionados).
8. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Sílvio Romero (1851-1914) a Mário de Andrade (1893-1945)
• Mestiçagem, atraso, indecisão,
• Melancolia, saudade, nostalgia (Três raças tristes – Castro Alves)
• No Brasil houve a formação de uma “sub-raça mestiça e crioula” ...
“Não quero dizer que constituiremos uma nação de mulatos; pois que
a forma branca vai prevalecendo e prevalecerá” (Romero apud
Romero, 2014, p. 287).
• “O critério histórico atual da Música Brasileira é o da manifestação
musical que sendo feita por brasileiro ou indivíduo nacionalizado,
reflete as características musicais da raça. ... A música popular
brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte
criação da nossa raça até agora.” (Ensaio... Mário de Andrade).
9. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Mestiçagem
• Gilberto Freyre (1900-1987) Casa Grande e Senzala, 1933 – [luso-
tropicalismo]
• Crítica das Histórias da música popular brasileira escritas por
folcloristas e “ainda” em textos dos 1980s:
• maior preocupação com os estilos musicais do que com os significados da
produção cultural dos agentes sociais, e a visão de que os processos culturais
ocorrem sem conflitos (...) [além do uso do] viciado viés do “mito das 3
raças” e da identidade nacional mestiça. (Abreu 2001: 705).
10. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Produção na era da diversidade
• CARVALHO, José Jorge de. Black music of all colors. Série Antropologia n.
145. Departamento de Antropologia da UnB. Brasília: Unb, 1993.
Disponível em:
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.471.4005&rep=
rep1&type=pdf Acesso em: 08 jun. 2015
• O texto se propõe a oferecer uma antologia de música popular com
representações sobre raça. Divisões: (1) Modelos musicais afro-brasileiros
disponíveis (Candomblé e Xangô [orixás], Congadas, Macumba e Umbanda,
Música Popular; (2) Conceito de Música Popular; (3) Modelo para análise
de letras das canções; (3) Imagens de gente preta na MPB: (a) mulher
negra louca, feira, estúpida; (b) mulher negra como objeto sexual; (c) o
homem negro pobre e humilde; (d) o preto malandro; (e) carnaval negro;
(f) imagens radicais de pretos e brancos.
11. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Produção na era da diversidade
• TROTTA, Felipe C.; SANTOS, Kywza F. Respeitem meus cabelos, brancos:
música, política e identidade negra. Revista FAMECOS (Online), v. 19, p.
225-248, 2012. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/vi
ew/11350/7740. Acesso em: 11 jun. 2015.
• Do resumo: ... nuances discursivas ... integram a canção “Respeitem meus
cabelos, brancos”, de Chico César [: ... ] por trás de um discurso militante e
acusatório revelam-se diversas ambiguidades discursivas que integram a
posição do autor sobre identidade negra. ... [O] posicionamento
dicotômico (brancos x negros), presente na letra, mas relativizado pela
ironia do uso não ortodoxo do reggae, pela ambiguidade da capa do CD,
pela indefinição tonal e pelo criativo uso da vírgula...
12. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Respeitem Meus Cabelos, Brancos - Chico César
https://www.youtube.com/watch?v=25CBqBKV0ys
• Respeitem meus cabelos, brancos
• Chegou a hora de falar
• Vamos ser francos
• Pois quando um preto fala
• O branco cala ou deixa a sala
• Com veludo nos tamancos
•
• Cabelo veio da África
• Junto com meus santos
• Benguelas, zulus, gêges
• Rebolos, bundos, bantos
• Batuques, toques, mandingas
• Danças, tranças, cantos
• Respeitem meus cabelos, brancos
•
• Se eu quero pixaim, deixa
• Se eu quero enrolar, deixa
• Se eu quero colorir, deixa
• Se eu quero assanhar, deixa
• Deixa, deixa a madeixa balançar
13. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
Pontos para reflexão
•A leitura da geração de estudiosos de gerações
anteriores é contaminada pela agenda política
•Carlos Vega e o difusionismo
•Mário de Andrade e o nacionalismo
14. V Simpósio Internacional de Musicologia - Musicologia e Diversidade – Pirenópolis, GO – 15 a 19 de Junho de 2015
• REFERÊNCIAS:
• ABREU, Martha. Histórias da música popular brasileira: uma análise da produção sobre o período colonial,
In: JANCSÓ, István e KANTOR, Iris (Eds.) Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, vol. II. São
Paulo: Edusp; Fapesp; Imprensa Oficial; Hucitec, 2001, p. 683-705.
• ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São
Paulo: Cia. Das Letras, 2000. 5ª. Reimpressão.
• CARVALHO, José Jorge de. Black music of all colors. Série Antropologia n. 145. Departamento de
Antropologia da UnB. Brasília: Unb, 1993. Disponível em:
http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.471.4005&rep=rep1&type=pdf Acesso em: 08
jun. 2015
• PEREIRA, Avelino Romero. De Sílvio Romero a Heitor Villa-Lobos: meio, raça e história na música brasileira.
In: MENEZES, Lená Medeiros de; TRONCOSO, Hugo Cancino; DE LA MORA, Rogelio. (Org.). Intelectuais na
América Latina: Pensamento, Contextos e Instituições. Dos Processos de Independência à Globalização.
1ed.Rio de Janeiro: UERJ - LABIMI, 2014, p. 284-304. Texto completo disponível em:
http://latic.uerj.br/revista/ojs/index.php/ial/article/view/33/48. Acesso: 08 jun. 2015.
• PORTO-ALEGRE, Manuel Araújo. Ideias sobre a música. In Nitheroy. Revista brasiliense – Sciencias, Lettras e
Artes. Paris. [1ª. edição em 1836]. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/ Acesso em 2013.
• SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil. 1817-1820. 3 vol. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia, 1981 [1ª. edição 1823-1831].
• TROTTA, Felipe C.; SANTOS, Kywza F. Respeitem meus cabelos, brancos: música, política e identidade negra.
Revista FAMECOS (Online), v. 19, p. 225-248, 2012. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/11350/7740. Acesso em: 11
jun. 2015.
• ULHÔA, Martha; COSTA-LIMA NETO, Luiz. Memory, History and Cultural Encounters in the Atlantic the Case
of Lundu. The World of Music (Wilhelmshaven), v. 2, p. 47-72, 2013.