2. Biografia
Apesar de se considerar que a data mais provável para o seu nascimento tenha sido
em 1466 — hipótese defendida, entre outros, por Queirós Veloso — há ainda quem
proponha as datas de 1460 (Braamcamp Freire) ou entre 1470 e 1475 (Brito Rebelo).
Frei Pedro de Poiares localizava o seu nascimento em Barcelos, mas as hipóteses de
assim ter sido são poucas. Pires de Lima propôs Guimarães para sua terra natal -
hipótese essa que estaria de acordo com a identificação do dramaturgo com o
ourives, já que a cidade de Guimarães foi durante muito tempo berço privilegiado
de joalheiros. Lisboa é também muitas vezes defendida como o local certo. Outros,
porém, indicam as Beiras para local de nascimento - de facto, verificam-se várias
referências a esta área geográfica de Portugal, seja na toponímia como pela forma
de falar das personagens.
3. Biografia
Presume-se que tenha estudado em Salamanca.
O seu primeiro trabalho conhecido, a peça em castelhano
Monólogo do Vaqueiro, foi representada nos aposentos da rainha
D. Maria, consorte de Dom Manuel, para celebrar o nascimento
do príncipe (o futuro D. João III) - sendo esta representação
considerada como o marco de partida da história do teatro
português.
Tornou-se, então, responsável pela organização dos eventos palacianos.
Perante o interesse de Dona Leonor, que se tornou a sua grande protectora nos anos
seguintes, Gil Vicente consolidou a sua presença.
Será ele que dirigirá os festejos em honra de Dona Leonor, a terceira mulher de Dom
Manuel, no ano de 1520, um ano antes de passar a servir Dom João III, conseguindo o
prestígio do qual se valeria para se permitir a satirizar o clero e a nobreza nas suas
obras ou mesmo para se dirigir ao monarca criticando as suas opções. Foi o que fez
em 1531, através de uma carta ao rei onde defende os cristãos-novos.
Morreu em lugar desconhecido, talvez em 1536 porque é a partir desta data que se
deixa de encontrar qualquer referência ao seu nome nos documentos da época,
além de ter deixado de escrever a partir desta data.
4. Gil Vicente (1465-1536) é geralmente considerado o primeiro grande
dramaturgo português, além de poeta de renome.
Há quem o identifique com o ourives, autor da Custódia de Belém, mestre da
balança, e com o mestre de Retórica do rei Dom Manuel.
Enquanto homem de teatro, parece ter também desempenhado as tarefas de
músico, actor e encenador.
É frequentemente considerado, de uma forma geral, o pai do teatro
português, ou mesmo do teatro ibérico já que também escreveu em
castelhano.
A obra vicentina é tida como reflexo da mudança dos tempos e da passagem
da Idade Média para o Renascimento, fazendo-se o balanço de uma época
onde as hierarquias e a ordem social eram regidas por regras inflexíveis, para
uma nova sociedade onde se começa a subverter a ordem instituída, ao
questioná-la.
Foi, o principal representante da literatura renascentista portuguesa,
anterior a Camões, incorporando elementos populares na sua escrita que
influenciou, por sua vez, a cultura popular portuguesa.
7. Auto da Barca do Inferno é uma complexa alegoria dramática de Gil
Vicente, representada pela primeira vez em 1517. É a primeira parte da chamada
trilogia das Barcas (sendo que a segunda e a terceira são respectivamente o Auto da
Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória).
Os especialistas classificam-na como moralidade, mesmo que muitas vezes se
aproxime da farsa. Ela proporciona uma amostra do que era a sociedade lisboeta
das décadas iniciais do século XVI, embora alguns dos assuntos que cobre sejam
pertinentes na actualidade.
Diz-se "Barca do Inferno", porque quase todos os candidatos às duas barcas em
cena – a do Inferno, com o seu Diabo, e a da Glória, com o Anjo – seguem na
primeira. De facto, contudo, ela é muito mais o auto do julgamento das almas.
Resumo da Obra
A peça inicia-se num porto imaginário, onde se encontram as
duas barcas, a Barca do Inferno, cuja tripulação é o Diabo e o
seu Companheiro, e a Barca da Glória, tendo como tripulação
um Anjo na proa.
8. Estrutura Externa
. O auto não tem uma estrutura definida, não estando dividido em actos ou
cenas;
. Conjunto de mini acções paralelas;
. Para facilitar a sua leitura divide-se o auto em cenas à maneira clássica, de
cada vez que entra uma nova personagem.
Estrutura Interna
. Cada cena divide-se em:
- Exposição – breve apresentação da personagem
- Conflito – duplo interrogatório feito pelo Diabo e pelo Anjo
- Desenlace – sentença proferida pelo Anjo e/ou demónio.
9.
10. Personagens
As personagens desta obra são divididas em dois grupos:
as personagens alegóricas – Anjo e Diabo , representando respectivamente o
Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. Ao longo de toda a obra estas personagens são
como que os «juízes» do julgamento das almas, tendo em conta os seus pecados e
vida terrena
as personagens – tipo - inserem-se todas as restantes personagens do Auto,
nomeadamente o Fidalgo, o Onzeneiro, o Sapateiro, o Parvo (Joane), o Frade, a
Alcoviteira, o Judeu, o Corregedor e o Procurador e os Quatro Cavaleiros. Todos
mantêm as suas características terrestres, o que as individualiza visual e
linguisticamente, sendo quase sempre estas características sinal de corrupção.
Fazendo uma análise das personagens, cada uma representa uma classe social, ou
uma determinada profissão ou mesmo um credo. À medida que estas
personagens vão surgindo vemos que todas trazem elementos simbólicos, que
representam a sua vida terrena e demonstram que não têm qualquer
arrependimento dos seus pecados. Os elementos simbólicos de cada personagem
são:
11. Fidalgo: manto e pajem que transporta uma cadeira. Estes elementos simbolizam a opressão
dos mais fracos, a tirania e a presunção.
Onzeneiro: bolsão. Este elemento simboliza o apego ao dinheiro, a ambição e a ganância.
Sapateiro: avental e moldes. Estes elementos simbolizam a exploração interesseira, da classe
burguesa comercial.
Parvo: representa simbolicamente, os menos afortunados de inteligência.
Frade: Moça e espada. Estes elementos representam a vida mundana do Clero, e a dissolução
dos seus costumes.
Alcoviteira: moças e os cofres. Estes elementos representam a exploração interesseira dos
outros, para seu próprio lucro.
Judeu: bode. Este elemento simboliza a religião judaica.
Corregedor e Procurador: processos, vara da Justiça e livros. Estes elementos simbolizam a
magistratura.
Quatro Cavaleiros: cruz de Cristo simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.
12. Sátira Social
Gil Vicente fez a análise impiedosa das moléstias que corroíam a sociedade em
que viveu, não foi para se ficar aí, como nas farsas, mas para propor um caminho
decidido de transformação em relação ao presente.
Normalmente classificada como uma moralidade, muitas vezes ela aproxima-se da
farsa; o que indubitavelmente fornece ao leitor/espectador é uma visão, ainda
que parcelar, do que era a sociedade portuguesa do século XVI. Apesar de se
intitular Auto da Barca do Inferno, ela é mais o auto do julgamento das almas.
Ridendo, castigat mores
A rir, critica os costumes
13. Humor
Surgem ao longo do auto três tipos de cómico:
O cómico de carácter é aquele que é demonstrado pela personalidade da
personagem, de que é exemplo o Parvo, que devido à sua pobreza de
espírito não mede as suas palavras, não podendo ser responsabilizado pelos
seus erros.
O cómico de situação é o criado à volta de certa situação, de que é bom
exemplo a cena do Fidalgo, em que este é gozado pelo Diabo, e o seu
orgulho é pisado.
O cómico de linguagem é aquele que é proferido por certa personagem, de
que são bons exemplos as falas do Diabo.