1. 2/28/2017 Lei de improbidade e crime de responsabilidade ‐ Artigo jurídico ‐ DireitoNet
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Lei de improbidade e crime de
responsabilidade
Dispõe sobre as distinções entre a lei de improbidade (8429/92) e a lei de
crimes de responsabilidade (1079/50), afirmando a possibilidade de
aplicação de ambas as leis ao agente político, sem ocorrência de bis in
idem, apesar do entendimento contrário do STF.
Por Raquel Santos de Santana
A reclamação 2138/STF, ressalvadas as questões de ordem suscitadas, tratou de
responsabilização de Ministro de Estado pelo fato de solicitar e utilizar indevidamente
“aeronaves da FAB para transporte particular seu e de terceiros sem vinculação a suas
atividades funcionais”. A decisão do STF, no que tange ao mérito, foi enquadrar o fato acima
descrito como crime de responsabilidade previsto na lei 1079/50, ao invés de ato de
improbidade administrativa como julgou a Vara Federal de 1ª instância.
O STF entendeu que tanto a lei de improbidade quanto a lei de crimes de
responsabilidade têm natureza político-administrativa, sendo a primeira aplicável aos
agentes públicos, e a segunda, aos agentes políticos, culminando em bis in idem a aplicação
simultânea das leis ao mesmo agente político. Neste caso, ambas as referidas leis buscariam
punir os agentes políticos pelos mesmos atos, já que a lei de crimes de responsabilidade prevê
a modalidade “atos contra a probidade na administração” como crime de responsabilidade, o
que afasta a aplicação da lei de improbidade aos agentes políticos. Tratar-se-ía de um sistema
especial de responsabilização do agente político.
Em leitura à decisão, conclui-se que, para o Supremo Tribunal Federal, agente político é todo
aquele passível de punição por crime de responsabilidade, os quais estão previstos: no artigo
102, I, “c” da CF (Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o
disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União
e os chefes de missão diplomática de caráter permanente); no artigo 52, II da CF (Ministros do
Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União);
na parte quarta da lei 1079/50 e na lei 7106/83 (Governadores e Secretários de Estado); e no
decreto-lei 201/67 (Prefeitos e Vereadores).
Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal acima exposto, a lei 8429/92 determina
expressamente sua aplicação a todo e qualquer agente público, definindo o que seria agente
público em seu artigo 2º da seguinte forma: “… todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
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entidades mencionadas no artigo anterior”, abrangendo, portanto, as categorias de agente
político, servidor público civil, militar e particular em colaboração com o poder público.
A lei 8429/92, em seu artigo 12, prevê ainda o não prejuízo das sanções penais, civis e
administrativas para o agente público que já responda por improbidade, afastando, assim, a
natureza administrativa dela própria, e podendo ser considerada de natureza sui generis, ou
sancionatória como dizem alguns autores. A Constituição Federal, por sua vez, em seu artigo 37
§ 4º, exclui a natureza penal da lei de improbidade.
Já em observância à Lei 1079/50, deduz-se que as condutas ali descritas como crime de
responsabilidade são vagas, genéricas, eminentemente voltadas para quem detém direção
superior no Estado, dada a preocupação em proteger esferas supremas como a segurança
interna do país, a constituição federal, a existência da União etc, transparecendo a natureza
jurídica político-administrativa da lei.
Dessa forma, há, portanto, atuação em esferas independentes, ou seja, natureza sui generis ou
sancionatória para a lei de improbidade e natureza político-administrativa para a lei de crimes
de responsabilidade, o que possibilita a aplicação cumulativa das leis ao mesmo agente político
sem bis in idem, ressaltando-se que as leis 8429/92 e 1079/50 têm tipos e penas distintos,
sendo a lei de improbidade mais severa, mais abrangente no que tange a uma maior previsão
e especificidade de condutas e penas, o que garante maior eficácia ao princípio da moralidade
administrativa.
Apesar de ambas as leis protegerem o princípio da probidade administrativa, espécie do
gênero moralidade administrativa, não há possibilidade de interpretação extensiva ou
analógica da lei 1079/50 para incluir a lei de improbidade em relação a agentes políticos no seu
artigo 9°, inciso VII (proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro
parlamentar – tipo mais largo), por se tratar de crime onde se verifica a tipificação cerrada,
segundo a qual a norma deve conter definições precisas, conforme inclusive mencionado no
voto do Ministro Carlos Velloso quando do julgamento da reclamação 2138.
O fato de em ambas as leis haver previsão das penas de perda do cargo e suspensão dos
direitos políticos, no caso da lei de improbidade com fundamento no artigo 15, inciso V, da CF,
não afasta a aplicação simultânea delas a um mesmo ato, pois, em se tratando de agente
político que já responda por crime de responsabilidade, a ele não serão aplicadas tais sanções
caso venha a responder também por ato de improbidade.
É importante frisar que o disposto no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, vem justamente
atribuir à lei a disposição sobre os atos de improbidade administrativa, sem qualquer distinção
quanto ao agente, se público ou político, pré-determinando apenas as sanções cabíveis em
casos de improbidade.
Assim, sendo a Constituição Federal de 1988 uma constituição cidadã, a qual, por seu contexto
histórico, reflete o propósito do constitucionalismo que é a limitação do poder público sobre a
liberdade popular, não há motivos para a aplicação aos agentes políticos de apenas uma lei,
que por sinal é datada de 1950, muito anterior à Constituição Federal e dotada de texto
evasivo, o que poderia implicar na ineficácia da punição do agente político.
Há que se atentar também para a questão isonômica entre agente público e o agente político:
se o agente político respondesse apenas por crime de responsabilidade, ter-se-ia uma
demasiada injustiça para com o agente público, pois o agente político seria responsabilizado
apenas pela lei 1079/50 e nas esferas civil e penal (3 esferas), enquanto que o agente público,
respondendo por ato de improbidade, ficaria ainda sujeito às sanções nas esferas penal, civil e
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administrativa (4 esferas), além do que as próprias penalidades da lei de improbidade são mais
severas do que as da lei de crimes de responsabilidade, embora os agentes políticos
desenvolvam atribuições de maior relevância.
Dessa forma, conclui-se que a aplicação da lei de improbidade e a aplicação da lei de crimes de
responsabilidade decorrem do mesmo fato, justamente por protegerem o mesmo princípio,
que é o da probidade, derivado da moralidade, porém, não se excluem, dada a natureza
jurídica, tipificação e penalidades distintas, podendo um mesmo agente político responder por
improbidade e por crime de responsabilidade em procedimentos autônomos, com julgadores
e decisões distintos, coibindo-se, assim, os abusos do governo com maior eficácia.
A aplicação de uma lei em detrimento da outra aos agentes políticos deve ser considerada
inconstitucional por ferir os princípios da moralidade e isonomia assegurados expressamente
pela Constituição Federal, devendo o agente político responder pela lei 1079/50 na esfera
administrativa quanto aos crimes de responsabilidade ali tipificados, e pela lei de improbidade,
que possui natureza sui generis ou sancionatória, quando a conduta estiver tipificada como ato
de improbidade e não constitua crime de responsabilidade.
Sobre o tema, tramita na Câmara dos Deputados, desde 2007, o projeto de lei nº 293, do
Deputado Neilton Mulim (PR/RJ), segundo o qual seria possível a punição tanto do agente
político quanto do agente público pela lei de improbidade administrativa (8429/92), mas até a
presente data não houve finalização.
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