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Para quem pensa que Eletrônica é só consertar e montar equipamentos...
Muitos não sabem, mas a eletrônica não é somente estudada para a avaliação de componentes,
circuitos, equipamentos ou sistemas eletrônicos.

Há um ramo, dentro das engenharias, que costuma usar os conhecimentos adquiridos nesta área,
para avaliar condições fisiológicas. Isso mesmo: é a eletrônica a serviço da medicina.

A Engenharia Biomédica, uma área relativamente nova, une profissionais das áreas de saúde
(biologia, psicologia, medicina, educação física, etc.) e profissionais das áreas exatas (engenharias,
física, química, matemática, etc.), para que possam, com a união de seus conhecimentos, encontrar
soluções tecnológicas para problemas de saúde.

Um exemplo conhecido é a existência de equipamentos de ultra-sonografia, tomografia, ressonância
magnética, etc. Pode-se dizer que esses equipamentos foram projetados por engenheiros, de acordo
com as necessidades (e de acordo com as especificações) médicas, para possibilitar exames que
permitam avaliar as condições de saúde dos pacientes indicados.

O exemplo que pretendo explorar nesse artigo é algo mais simples, mas que pode ajudar bastante na
compreensão de certos fenômenos fisiológicos do ser humano.

Trata-se de um circuito eletro-eletrônico que, como muitos outros, presta-se a modelar um sistema
do nosso corpo humano.

Isso mesmo ! Um circuito eletrônico pode ser usado para simular o funcionamento do sistema
nervoso, sistema digestivo e, nesse caso, de uma parte do sistema cardiovascular. Vamos ver ?

O sistema cardiovascular é composto basicamente pelo coração e por vasos sangüíneos de diversos
calibres (artérias, veias, arteríolas, vênulas e capilares).

O coração pode ser comparado a duas pequenas bombas: o ventrículo direito, que impulsiona o
sangue para os pulmões, onde se processam as trocas gasosas, ou seja, a eliminação de CO2 e o
enriquecimento com O2; e o ventrículo esquerdo, que é responsável pelo impulsionamento do
sangue a todos os tecidos do corpo (circulação sistêmica). Além deles, existem os átrios, por onde
entra o sangue no coração, proveniente dos pulmões, ou do restante do corpo humano.

No sistema cardiovascular, o fluxo unidirecional é garantido pela existência de um eficiente sistema
de válvulas e folhetos (mitral e aórtico-ventricular, por exemplo).

Além disso, deve-se considerar o filtro hidráulico, constituído por tubos condutores elásticos,
responsáveis pela complacência do sistema cardiovascular, e por vasos terminais de alta resistência,
responsáveis pela resistência periférica do sistema.

Visualize a circulação sangüínea: o coração bombeia o sangue para os vasos sistêmicos. Parte do
sangue bombeado é armazenado nos tubos elásticos, de acordo com a complacência desses tubos e
de acordo com a resistência que o sistema impõe à circulação do sangue. No momento de
relaxamento do coração, o sangue acumulado nos tubos alimenta a circulação sangüínea, até que
haja uma nova contração cardíaca (novo bombeamento), quando o processo recomeça.

A complexidade do sistema cardiovascular gera dificuldades no estudo e compreensão do mesmo,
pois para compreendê-lo de forma efetiva, em toda a sua amplitude, seria necessário um estudo
invasivo do sistema em condições normais.
Figura 1: Representação de parte do sistema cardiovascular.

Já imaginou, abrir alguém só para observar o funcionamento do sistema cardiovascular ?

Seria também necessário submeter o organismo a condições experimentais que desencadeassem
situações de anormalidade (doenças), visando identificar as condições limites do funcionamento do
sistema, o que seria extremamente prejudicial ao indivíduo.

Aqui seria ainda pior, pois teríamos, por exemplo, que apertar alguns vasos para observar a reação
do organismo da pessoa aberta ao problema induzido.

Ah, para verificar, de verdade, o problema, tudo isso teria que ser feito sem anestesia !!! Alguém se
habilita ?

Parece que depois disso tudo, um modelo para simular o sistema, permitindo o seu estudo, é
bastante razoável.

Apresento agora um modelo simplificado que permite o estudo do lado esquerdo do sistema
cardiovascular (o lado direito pode ser estudado com um circuito semelhante).

Nesse modelo, as pressões sangüíneas são modeladas como fontes de tensão contínua (fontes de
energia de valor constante), e os fluxos sangüíneos são similares às correntes elétricas que fluem
nos circuitos. As resistências elétricas são usadas para simular as resistências impostas à circulação
sangüínea, e capacitores (componentes capazes de armazenar e fornecer energia) são usados para
simular a complacência dos tubos elásticos existentes. As válvulas mitral e aórtico-ventricular são
simuladas por diodos. Os diodos são componentes elétricos capazes de permitir o fluxo de corrente
em apenas um sentido, de acordo com a sua polarização, semelhante ao que acontece nessas
válvulas, que só permitem o fluxo em uma única direção.




Figura 2: Modelo eletro-eletrônico. Pat – pressão atrial; Pve – pressão no ventrículo esquerdo; Ps –
pressão sistêmica; Pvc – pressão venosa central; Fat – fluxo atrial; Fve - fluxo no ventrículo
esquerdo; Fs – fluxo sistêmico; Rat – resistência atrial; Rve – resistência no ventrículo esquerdo;
Rao – resistência aórtica; Rs – resistência sistêmica; M – válvula mitral; AV – válvula aórtico-
ventricular; Cve – complacência do ventrículo esquerdo; Cs – complacência sistêmica.

A idéia é dar valores aos parâmetros do modelo, compatíveis com os valores fisiológicos de um
humano com saúde normal. Fazem-se os ajustes necessários nesses valores, para que haja uma
correspondência com a literatura médica. Verificam-se os valores das pressões (medindo-se a
tensão elétrica) e fluxos sangüíneos (medidas de corrente elétrica) normais, em diversos pontos do
circuito.

Após esses ajustes, basta variar os valores de capacitores (complacências) e resistências elétricas
(resistências à circulação), para simular problemas circulatórios e observar os acontecimentos.
Poderão ser observadas variações nas pressões e fluxos, condizentes com os problemas simulados.

Pode-se, por exemplo, simular o aumento da resistência periférica, que pode ser causado pela
calcificação nos vasos, ou pela presença de trombos (aterosclerose). Pode-se ainda simular a
diminuição da complacência, que também pode ser decorrente da calcificação nos vasos
(arteriosclerose), por exemplo.

Isso tudo sem precisar causar nenhum dano a nenhum ser humano !

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  • 2. Figura 1: Representação de parte do sistema cardiovascular. Já imaginou, abrir alguém só para observar o funcionamento do sistema cardiovascular ? Seria também necessário submeter o organismo a condições experimentais que desencadeassem situações de anormalidade (doenças), visando identificar as condições limites do funcionamento do sistema, o que seria extremamente prejudicial ao indivíduo. Aqui seria ainda pior, pois teríamos, por exemplo, que apertar alguns vasos para observar a reação do organismo da pessoa aberta ao problema induzido. Ah, para verificar, de verdade, o problema, tudo isso teria que ser feito sem anestesia !!! Alguém se habilita ? Parece que depois disso tudo, um modelo para simular o sistema, permitindo o seu estudo, é bastante razoável. Apresento agora um modelo simplificado que permite o estudo do lado esquerdo do sistema cardiovascular (o lado direito pode ser estudado com um circuito semelhante). Nesse modelo, as pressões sangüíneas são modeladas como fontes de tensão contínua (fontes de energia de valor constante), e os fluxos sangüíneos são similares às correntes elétricas que fluem nos circuitos. As resistências elétricas são usadas para simular as resistências impostas à circulação sangüínea, e capacitores (componentes capazes de armazenar e fornecer energia) são usados para simular a complacência dos tubos elásticos existentes. As válvulas mitral e aórtico-ventricular são simuladas por diodos. Os diodos são componentes elétricos capazes de permitir o fluxo de corrente
  • 3. em apenas um sentido, de acordo com a sua polarização, semelhante ao que acontece nessas válvulas, que só permitem o fluxo em uma única direção. Figura 2: Modelo eletro-eletrônico. Pat – pressão atrial; Pve – pressão no ventrículo esquerdo; Ps – pressão sistêmica; Pvc – pressão venosa central; Fat – fluxo atrial; Fve - fluxo no ventrículo esquerdo; Fs – fluxo sistêmico; Rat – resistência atrial; Rve – resistência no ventrículo esquerdo; Rao – resistência aórtica; Rs – resistência sistêmica; M – válvula mitral; AV – válvula aórtico- ventricular; Cve – complacência do ventrículo esquerdo; Cs – complacência sistêmica. A idéia é dar valores aos parâmetros do modelo, compatíveis com os valores fisiológicos de um humano com saúde normal. Fazem-se os ajustes necessários nesses valores, para que haja uma correspondência com a literatura médica. Verificam-se os valores das pressões (medindo-se a tensão elétrica) e fluxos sangüíneos (medidas de corrente elétrica) normais, em diversos pontos do circuito. Após esses ajustes, basta variar os valores de capacitores (complacências) e resistências elétricas (resistências à circulação), para simular problemas circulatórios e observar os acontecimentos. Poderão ser observadas variações nas pressões e fluxos, condizentes com os problemas simulados. Pode-se, por exemplo, simular o aumento da resistência periférica, que pode ser causado pela calcificação nos vasos, ou pela presença de trombos (aterosclerose). Pode-se ainda simular a diminuição da complacência, que também pode ser decorrente da calcificação nos vasos (arteriosclerose), por exemplo. Isso tudo sem precisar causar nenhum dano a nenhum ser humano ! Não é interessante ?