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LARANJASLARANJASLARANJASLARANJAS
DEDEDEDE
NATALNATALNATALNATAL
um tempo não muito longínquo, vivia numa cidade uma menina cujo nome
verdadeiro todos desconheciam. Tinha sido deixada nos degraus de um orfanato
uns anos antes e apenas se sabia que, na sua camisinha de noite, alguém prendera um
bilhete a dizer, “Por favor tomem conta desta bebé. É muito tranquila.” A diretora do
orfanato, a Senhora Hartley, começou a chamar-lhe Rose, por causa das faces rosadas, e a
menina ficou assim conhecida.
Os primeiros anos de Rose foram passados no Orfanato Bosques Verdes. Amada e
acarinhada pela diretora, sentia-se muito feliz, tanto mais que não conhecera outro lar.
Costumava dizer a si mesma que tinha trinta irmãos e irmãs, pois gostava de todas as
crianças do orfanato. Apesar dos desentendimentos que por vezes tinham, depressa faziam
as pazes e continuavam a gostar umas das outras.
N
um novembro particularmente invernoso, quando Rose tinha oito anos, uma
terrível epidemia de gripe assolou o país. A epidemia matou muitas pessoas
novas e idosas e, no orfanato, também muitas crianças ficaram doentes e algumas delas
morreram.
A Senhora Hartley, que tinha um coração pleno de amor e bondade, tomou conta
delas como se fossem seus filhos. Banhou as suas carinhas febris com água fria,
convenceu-as a tomar pequenos goles de caldo quente, aconchegou-as a si e embalou-as
noites a fio. Contudo, depois de muitos dias e noites a fazer isto, a Senhora Hartley
também sucumbiu à gripe e partiu tranquila deste mundo.
A sua morte implicou o encerramento do Orfanato Bosques Verdes. Não tinha filhos
que continuassem a sua obra e os habitantes da cidade sentiam que eram pobres de mais
para carregar esse fardo suplementar. Foi, então, decidido que as crianças seriam
mandadas para outras instituições do país.
N
E, assim, uns dias mais tarde, Rose viu-se dentro de um comboio noturno, a caminho
de um novo lar num outro orfanato.
nquanto Rose transpunha, com timidez, a entrada do Orfanato Portões de Ferro,
não conseguia deixar de se sentir amedrontada e desiludida. O seu novo lar em
nada se parecia com o anterior. Quando entrou nos quartos, deu-se conta de que, em vez
E
de cobertores macios nas camas, havia uma espécie de mantas cinzentas e ásperas. Em
vez de tapetes feitos à mão, os corredores apresentavam pavimentos nus. Também não
havia uma sorridente Senhora Hartley à sua espera, mas um severo e exigente Senhor
Crampton. E as trinta crianças que a esperavam também não tinham rostos sorridentes ou
familiares.
— Silêncio! — ordenou o Senhor Crampton, antes de se dirigir a Rose, a quem inspe-
cionou de forma desaprovadora.
Virando-se para as outras crianças, disse:
— Esta é Rose. Ensinem-lhe as regras do Orfanato Portões de Ferro. Emily, leva-a
para o quarto de dormir e mostra-lhe as tarefas que a esperam. Os outros continuam o que
estavam a fazer.
Uma rapariguinha da idade de Rose fez-lhe sinal para que a seguisse. Percorreram o
corredor todo em silêncio e foi também em silêncio que subiram as escadas.
Quando já ninguém as podia ver da entrada, Emily aproximou-se de Rose e
sussurrou:
— Fico contente por estares aqui. Eu tenho dez anos. E tu?
Rose tinha ficado tão
assustada com a descabida ordem
de silêncio do Senhor Crampton
que nem se atreveu a falar.
Manteve os olhos baixos e não
respondeu à pergunta de Emily.
Esta pegou na mão de Rose,
fez-lhe uma festa, e sussurrou de
novo:
— Aqui em cima podemos
sussurrar. O Senhor Crampton
não nos ouve. Só quando estamos lá em baixo ou quando ele anda por perto é que temos
de ficar calados e quietos. Essa é a regra número um: ficar calado e quieto. Aqui em cima
podemos falar e ser amigos.
Apesar de ainda não conseguir falar, Rose dirigiu um sorriso ténue a Emily.
Nas semanas que se seguiram, Rose aprendeu as regras, explícitas e implícitas, do
Orfanato Portões de Ferro. Aprendeu algumas através dos sussurros das outras crianças e
outras depois de as ter quebrado. Quebrar uma regra era a maneira mais dura de a
aprender, pois o Senhor Crampton acreditava que, quando uma regra era quebrada, tal
falha devia ser punida com um castigo. Não adiantava explicar-lhe que uma nova criança
desconheceria forçosamente a regra. O diretor achava que desculpá-la apenas encorajaria
as outras a fazer o mesmo. Toda e qualquer regra quebrada merecia um castigo. Os três
castigos favoritos do Senhor Crampton eram: privar a criança de refeição, obrigá-la a fazer
tarefas extra, ou confiná-la uma noite à solidão. Como Rose depressa aprendeu, ou
adivinhou, a maioria das regras, ia evitando ser castigada.
m breve as neves brancas e soturnas de novembro deram lugar aos tons verdes
e vermelhos do Natal de dezembro. Por onde quer que andassem, as crianças do
Orfanato Portões de Ferro viam sinais de que o Natal se aproximava. Chegavam a ficar na
rua ao frio só para ver, através de janelas iluminadas, famílias felizes a decorarem árvores,
a cantarem canções sentadas ao piano, ou a fazerem deliciosas guloseimas de Natal em
cozinhas quentes e alegres.
Numa dessas noites, quando Rose e Emily observavam uma menina a rodopiar no
salão da casa, vestida com uma bonita camisa de flanela, Emily explicou a Rose como era o
Natal em Portões de Ferro. Disse-lhe que o Senhor Crampton exprimia sempre o desejo de
que o Natal nunca tivesse existido, embora as pessoas da cidade o impedissem de não o
realizar. Para as manter contentes e para manter as aparências, o diretor deixava que se
erigisse uma árvore na véspera de Natal depois de as crianças se terem ido deitar. Não
queria que o fizessem mais cedo, porque isso excitaria as crianças e deixá-las-ia
barulhentas e difíceis de controlar.
E
m senhor idoso que morava na cidade doava sempre uma generosa caixa de
laranjas ao orfanato para o pequeno-almoço natalício dos miúdos. A fim de
evitar ter de comprar bolas de vidro brilhante ou outros ornamentos para a árvore, o
Senhor Crampton deixava pendurar nela as laranjas, seguras por laços de corda. Emily
disse a Rose que a cor viva das laranjas
fazia um contraste maravilhoso com os
ramos verdes do pinheiro e que o odor
de ambos enchia a entrada.
Rose nunca tinha visto ou
cheirado uma laranja antes. No
Orfanato Bosques Verdes, nunca tinha
havido dinheiro extra para uma iguaria
tão cara. A surpresa da manhã do dia
de Natal era uma pequena colher de
açúcar em cima das papas de aveia.
U
Emily tentou explicar a Rose que o sabor das laranjas era mais doce do que o açúcar.
Disse-lhe que, depois de muito pensar no assunto, tinha a certeza de que os anjos comiam
laranjas no céu. Rose ouvia-a, espantada, perguntando-se se seria capaz de esperar três
dias para comer uma dessas maravilhas.
a véspera de Natal, as crianças, já na cama, sussurravam, excitadas, sobre o
quão bonita a árvore deveria parecer e o quão maravilhoso seria terem um
vislumbre do Natal no orfanato, mesmo que fosse apenas durante um dia.
Ainda bem que o quarto do Senhor Crampton era no andar térreo. De outro modo, tê-
lo-ia contrariado sobremaneira ouvir tantos sussurros e risos nos quartos.
Deitada na cama, Rose tentava dormir. Completamente imóvel e de olhos fechados,
pensava nas letras das canções de embalar que a Senhora Hartley cantava todas as noites.
Esforçava-se por respirar devagar, mas, por muito que tentasse, não conseguia deixar de
pensar nas laranjas que estariam já na árvore, nas laranjas que iria finalmente provar na
N
manhã seguinte.
À medida que a noite ia avançando, Rose tentava adivinhar que horas seriam.
Quando não conseguiu conter-se mais, saiu da cama e foi em bicos de pés até à porta.
Olhou para trás e viu as outras crianças a dormir. Abriu a porta muito devagar para não
as acordar e, em silêncio, percorreu o corredor
até à balaustrada das escadas.
De joelhos, observou, extasiada, a
lindíssima árvore decorada com as desejadas
laranjas e com velas acesas.
Rose apenas se manteve ajoelhada por
momentos. Em seguida, dirigiu-se de novo em
silêncio para o quarto, onde conseguiu,
finalmente, adormecer.
O que Rose não tinha previsto era que o Senhor Crampton estivesse acordado e que a
observasse do umbral da porta do seu quarto. Viu a menina ir até à balaustrada, ajoelhar-
-se, e depois voltar para o dormitório. Quase a chamou para lhe dar um sermão e aplicar
um corretivo. Mas decidiu esperar até à manhã seguinte, a fim de usar o comportamento
de Rose como pretexto para dar uma lição de obediência a todos os outros.
sol mal começara a iluminar os telhados das casas e as crianças já se
encontravam acordadas, vestidas, e formavam duas filas perfeitas entre as
camas. Nunca lhe tinha sido tão difícil ficar assim imóveis!
— Bem, — começou o Senhor Crampton, com voz firme, — há por certo uma coisa
boa no Natal. Todos sabem como se comportar. Antes de descermos, porém, temos de nos
ocupar de alguém que não soube comportar-se devidamente. Rose, vais ser castigada por
te teres esgueirado da cama e vagueado pelos corredores ontem à noite depois de as luzes
estarem apagadas. Como se trata de um comportamento deveras grave, vais receber três
O
castigos.
As crianças abafaram uma
exclamação. Nunca alguma delas recebera
três castigos de uma só vez.
O Senhor Crampton fez uma pausa
para permitir que todos absorvessem o que
acabara de dizer. Em seguida, disse:
— Vais passar o dia todo sozinha, a
esfregar o soalho dos quartos, e ficas
privada da tua laranja de Natal. Desçam
todos! Rose, vai buscar os teus baldes e
começa a esfregar!
Foi como se a alegria daquela manhã tivesse sido tirada a todas as crianças, que
sabiam o quanto Rose ansiava por provar a sua laranja. Saíram devagar do quarto e
encaminharam-se para as escadas. Cada uma delas retirou a sua laranja da árvore e foram
em silêncio tomar o pequeno-almoço no refeitório frio.
uma das vezes em que o senhor idoso tinha entregado as laranjas em Portões de
Ferro, um rapazinho perguntara-lhe se tinham de comê-las ao pequeno-almoço
ou se podiam guardá-las para mais tarde. O senhor rira com gosto e respondera que,
porque era Natal, podiam comê-las quando quisessem. O Senhor Crampton queria que elas
fossem comidas ao pequeno-almoço para acabar logo com as festividades, mas não se
atrevia a ir contra a resposta do benfeitor.
Enquanto Emily olhava para a sua laranja, teve uma ideia maravilhosa. O seu
coração começou a bater mais depressa, os olhos ficaram brilhantes e um sorriso
desenhou-se na sua boca.
Quando alguém chamou o Senhor Crampton à entrada do orfanato, Emily sussurrou
algo ao rapaz sentado junto dela mal a porta se fechou. O rapaz sorriu abertamente e, por
N
sua vez, sussurrou algo à criança seguinte. Em breve, todos sabiam o que fazer. As
laranjas desapareceram da mesa uma a uma e foram colocadas nos bolsos.
Quando o Senhor Crampton regressou à sala, viu que não havia laranjas na mesa. A
ausência de cascas denunciava que as crianças não as tinham comido. Achou que era por
estarem demasiado tristes com o que acontecera com Rose. Congratulou-se, interiormente,
com o facto de todos terem percebido que as regras eram para cumprir.
As crianças levaram a cabo as tarefas de todos os dias, porque,
depois de ter distribuído as laranjas, o Senhor Crampton tratava o
Natal como se fosse um dia qualquer. As tarefas foram realizadas
em silêncio, mas cada bolso escondia a presença de uma laranja.
Ao jantar, as crianças comeram a refeição e, discretamente,
retiraram as laranjas dos bolsos. Descascaram-nas e comeram-nas.
Todas as noites, os miúdos eram mandados para a cama depois do
jantar após lavarem a loiça. A noite do dia de Natal não constituiu
exceção. Os órfãos subiram as escadas com uma expressão solene
na face e os olhos postos nos degraus. O Senhor Crampton não
podia estar mais satisfeito com o comportamento aquiescente dos
seus pupilos.
Entraram em silêncio no dormitório e olharam para a cama de
Rose, que jazia aninhada e de costas para a porta. Emily dirigiu-se
à cama da amiga e viu-lhe lágrimas na face e os olhos inchados de chorar. Tocou-lhe no
ombro com suavidade para a acordar.
Rose abriu os olhos vermelhos que, com as memórias do dia, voltaram a encher-se de
lágrimas.
— Emily, — soluçou — este foi o pior dia da minha vida. Não sabia que não podia ir
ver a árvore e agora fiquei sem a minha laranja.
Emily abraçou Rose como uma irmã faria e sussurrou:
— Não chores mais. Temos uma surpresa para ti.
As outras crianças juntaram-se à volta de Rose e do bolso de um avental surgiu um
embrulho branco e pequeno. Emily pegou nele com cuidado e colocou-o nas mãos de Rose.
Como não havia luzes acesas, Rose não podia ver do que se tratava. Então, virando-se para
a janela, por cujas vidraças sujas entrava o luar, viu um lenço limpo que envolvia um
objeto redondo. Rose nem se atrevia a pensar que ali dentro estava o que imaginava. Olhou
para os órfãos e viu as suas carinhas cheias de excitação.
Com os dedos a tremer, desembrulhou o lenço e viu uma laranja! Não uma laranja
vulgar, mas uma laranja feita com um gomo de cada laranja que as crianças tinham
recebido. Enquanto comiam as suas laranjas ao jantar, cada uma tinha passado, em
segredo, um gomo da sua laranja
àqueles que estavam no fim de cada
mesa e que o iam guardando em lenços
brancos e escondidos nos bolsos.
— Cheira-a bem! — alguém sus-
surrou, excitado.
Rose inspirou o cheiro doce e
profundo. Fechou os olhos e susteve a
respiração. Depois, deu um suspiro e fez
um sorriso rasgado. Todos sorriram com
ela.
— Prova-a! — murmurou outra criança.
Rose levou aos lábios um pedacinho de laranja e deu uma dentadinha. Os seus olhos
abriram-se, surpreendidos, e a boca fez um trejeito ao saborear a doçura do fruto. Todos
estavam pendentes das suas reações. Quando a viram provar a laranja, riram em surdina e
abraçaram-se.
Como que por magia, vários lenços limpos e cheios de gomos abriram-se ao mesmo
tempo. O que sobrara das laranjas foi divido em pedacinhos pequenos e todos puderam
juntar-se a Rose numa última sobremesa.
Enquanto as saboreavam, todos comentaram que nunca as laranjas lhes tinham
sabido tão bem. As deste ano eram, sem dúvida, as melhores de sempre. Só muitos anos
mais tarde é que estas crianças se aperceberam de que o gosto especial das laranjas
provinha da amizade, bondade e amor que tinham demonstrado para com a sua amiga.
Alguns destes órfãos vieram, em adultos, a tornar-se donos de fortunas que nunca
tinham imaginado possuir. Contudo, nenhum deles jamais esqueceu o que tinha sentido
no seu coração no dia em que todos tinham partilhado um pequeno gomo das suas
laranjas de Natal.
Linda Bethers
Christmas Oranges
Utah, Covenant Communications, 2002
(Tradução e adaptação)

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Laranjas de Natal - Linda Bethers

  • 2. um tempo não muito longínquo, vivia numa cidade uma menina cujo nome verdadeiro todos desconheciam. Tinha sido deixada nos degraus de um orfanato uns anos antes e apenas se sabia que, na sua camisinha de noite, alguém prendera um bilhete a dizer, “Por favor tomem conta desta bebé. É muito tranquila.” A diretora do orfanato, a Senhora Hartley, começou a chamar-lhe Rose, por causa das faces rosadas, e a menina ficou assim conhecida. Os primeiros anos de Rose foram passados no Orfanato Bosques Verdes. Amada e acarinhada pela diretora, sentia-se muito feliz, tanto mais que não conhecera outro lar. Costumava dizer a si mesma que tinha trinta irmãos e irmãs, pois gostava de todas as crianças do orfanato. Apesar dos desentendimentos que por vezes tinham, depressa faziam as pazes e continuavam a gostar umas das outras. N
  • 3. um novembro particularmente invernoso, quando Rose tinha oito anos, uma terrível epidemia de gripe assolou o país. A epidemia matou muitas pessoas novas e idosas e, no orfanato, também muitas crianças ficaram doentes e algumas delas morreram. A Senhora Hartley, que tinha um coração pleno de amor e bondade, tomou conta delas como se fossem seus filhos. Banhou as suas carinhas febris com água fria, convenceu-as a tomar pequenos goles de caldo quente, aconchegou-as a si e embalou-as noites a fio. Contudo, depois de muitos dias e noites a fazer isto, a Senhora Hartley também sucumbiu à gripe e partiu tranquila deste mundo. A sua morte implicou o encerramento do Orfanato Bosques Verdes. Não tinha filhos que continuassem a sua obra e os habitantes da cidade sentiam que eram pobres de mais para carregar esse fardo suplementar. Foi, então, decidido que as crianças seriam mandadas para outras instituições do país. N
  • 4. E, assim, uns dias mais tarde, Rose viu-se dentro de um comboio noturno, a caminho de um novo lar num outro orfanato. nquanto Rose transpunha, com timidez, a entrada do Orfanato Portões de Ferro, não conseguia deixar de se sentir amedrontada e desiludida. O seu novo lar em nada se parecia com o anterior. Quando entrou nos quartos, deu-se conta de que, em vez E
  • 5. de cobertores macios nas camas, havia uma espécie de mantas cinzentas e ásperas. Em vez de tapetes feitos à mão, os corredores apresentavam pavimentos nus. Também não havia uma sorridente Senhora Hartley à sua espera, mas um severo e exigente Senhor Crampton. E as trinta crianças que a esperavam também não tinham rostos sorridentes ou familiares. — Silêncio! — ordenou o Senhor Crampton, antes de se dirigir a Rose, a quem inspe- cionou de forma desaprovadora. Virando-se para as outras crianças, disse: — Esta é Rose. Ensinem-lhe as regras do Orfanato Portões de Ferro. Emily, leva-a para o quarto de dormir e mostra-lhe as tarefas que a esperam. Os outros continuam o que estavam a fazer. Uma rapariguinha da idade de Rose fez-lhe sinal para que a seguisse. Percorreram o corredor todo em silêncio e foi também em silêncio que subiram as escadas.
  • 6. Quando já ninguém as podia ver da entrada, Emily aproximou-se de Rose e sussurrou: — Fico contente por estares aqui. Eu tenho dez anos. E tu? Rose tinha ficado tão assustada com a descabida ordem de silêncio do Senhor Crampton que nem se atreveu a falar. Manteve os olhos baixos e não respondeu à pergunta de Emily. Esta pegou na mão de Rose, fez-lhe uma festa, e sussurrou de novo: — Aqui em cima podemos sussurrar. O Senhor Crampton
  • 7. não nos ouve. Só quando estamos lá em baixo ou quando ele anda por perto é que temos de ficar calados e quietos. Essa é a regra número um: ficar calado e quieto. Aqui em cima podemos falar e ser amigos. Apesar de ainda não conseguir falar, Rose dirigiu um sorriso ténue a Emily. Nas semanas que se seguiram, Rose aprendeu as regras, explícitas e implícitas, do Orfanato Portões de Ferro. Aprendeu algumas através dos sussurros das outras crianças e outras depois de as ter quebrado. Quebrar uma regra era a maneira mais dura de a aprender, pois o Senhor Crampton acreditava que, quando uma regra era quebrada, tal falha devia ser punida com um castigo. Não adiantava explicar-lhe que uma nova criança desconheceria forçosamente a regra. O diretor achava que desculpá-la apenas encorajaria as outras a fazer o mesmo. Toda e qualquer regra quebrada merecia um castigo. Os três castigos favoritos do Senhor Crampton eram: privar a criança de refeição, obrigá-la a fazer tarefas extra, ou confiná-la uma noite à solidão. Como Rose depressa aprendeu, ou adivinhou, a maioria das regras, ia evitando ser castigada.
  • 8. m breve as neves brancas e soturnas de novembro deram lugar aos tons verdes e vermelhos do Natal de dezembro. Por onde quer que andassem, as crianças do Orfanato Portões de Ferro viam sinais de que o Natal se aproximava. Chegavam a ficar na rua ao frio só para ver, através de janelas iluminadas, famílias felizes a decorarem árvores, a cantarem canções sentadas ao piano, ou a fazerem deliciosas guloseimas de Natal em cozinhas quentes e alegres. Numa dessas noites, quando Rose e Emily observavam uma menina a rodopiar no salão da casa, vestida com uma bonita camisa de flanela, Emily explicou a Rose como era o Natal em Portões de Ferro. Disse-lhe que o Senhor Crampton exprimia sempre o desejo de que o Natal nunca tivesse existido, embora as pessoas da cidade o impedissem de não o realizar. Para as manter contentes e para manter as aparências, o diretor deixava que se erigisse uma árvore na véspera de Natal depois de as crianças se terem ido deitar. Não queria que o fizessem mais cedo, porque isso excitaria as crianças e deixá-las-ia barulhentas e difíceis de controlar. E
  • 9. m senhor idoso que morava na cidade doava sempre uma generosa caixa de laranjas ao orfanato para o pequeno-almoço natalício dos miúdos. A fim de evitar ter de comprar bolas de vidro brilhante ou outros ornamentos para a árvore, o Senhor Crampton deixava pendurar nela as laranjas, seguras por laços de corda. Emily disse a Rose que a cor viva das laranjas fazia um contraste maravilhoso com os ramos verdes do pinheiro e que o odor de ambos enchia a entrada. Rose nunca tinha visto ou cheirado uma laranja antes. No Orfanato Bosques Verdes, nunca tinha havido dinheiro extra para uma iguaria tão cara. A surpresa da manhã do dia de Natal era uma pequena colher de açúcar em cima das papas de aveia. U
  • 10. Emily tentou explicar a Rose que o sabor das laranjas era mais doce do que o açúcar. Disse-lhe que, depois de muito pensar no assunto, tinha a certeza de que os anjos comiam laranjas no céu. Rose ouvia-a, espantada, perguntando-se se seria capaz de esperar três dias para comer uma dessas maravilhas. a véspera de Natal, as crianças, já na cama, sussurravam, excitadas, sobre o quão bonita a árvore deveria parecer e o quão maravilhoso seria terem um vislumbre do Natal no orfanato, mesmo que fosse apenas durante um dia. Ainda bem que o quarto do Senhor Crampton era no andar térreo. De outro modo, tê- lo-ia contrariado sobremaneira ouvir tantos sussurros e risos nos quartos. Deitada na cama, Rose tentava dormir. Completamente imóvel e de olhos fechados, pensava nas letras das canções de embalar que a Senhora Hartley cantava todas as noites. Esforçava-se por respirar devagar, mas, por muito que tentasse, não conseguia deixar de pensar nas laranjas que estariam já na árvore, nas laranjas que iria finalmente provar na N
  • 11. manhã seguinte. À medida que a noite ia avançando, Rose tentava adivinhar que horas seriam. Quando não conseguiu conter-se mais, saiu da cama e foi em bicos de pés até à porta. Olhou para trás e viu as outras crianças a dormir. Abriu a porta muito devagar para não as acordar e, em silêncio, percorreu o corredor até à balaustrada das escadas. De joelhos, observou, extasiada, a lindíssima árvore decorada com as desejadas laranjas e com velas acesas. Rose apenas se manteve ajoelhada por momentos. Em seguida, dirigiu-se de novo em silêncio para o quarto, onde conseguiu, finalmente, adormecer.
  • 12. O que Rose não tinha previsto era que o Senhor Crampton estivesse acordado e que a observasse do umbral da porta do seu quarto. Viu a menina ir até à balaustrada, ajoelhar- -se, e depois voltar para o dormitório. Quase a chamou para lhe dar um sermão e aplicar um corretivo. Mas decidiu esperar até à manhã seguinte, a fim de usar o comportamento de Rose como pretexto para dar uma lição de obediência a todos os outros. sol mal começara a iluminar os telhados das casas e as crianças já se encontravam acordadas, vestidas, e formavam duas filas perfeitas entre as camas. Nunca lhe tinha sido tão difícil ficar assim imóveis! — Bem, — começou o Senhor Crampton, com voz firme, — há por certo uma coisa boa no Natal. Todos sabem como se comportar. Antes de descermos, porém, temos de nos ocupar de alguém que não soube comportar-se devidamente. Rose, vais ser castigada por te teres esgueirado da cama e vagueado pelos corredores ontem à noite depois de as luzes estarem apagadas. Como se trata de um comportamento deveras grave, vais receber três O
  • 13. castigos. As crianças abafaram uma exclamação. Nunca alguma delas recebera três castigos de uma só vez. O Senhor Crampton fez uma pausa para permitir que todos absorvessem o que acabara de dizer. Em seguida, disse: — Vais passar o dia todo sozinha, a esfregar o soalho dos quartos, e ficas privada da tua laranja de Natal. Desçam todos! Rose, vai buscar os teus baldes e começa a esfregar! Foi como se a alegria daquela manhã tivesse sido tirada a todas as crianças, que sabiam o quanto Rose ansiava por provar a sua laranja. Saíram devagar do quarto e
  • 14. encaminharam-se para as escadas. Cada uma delas retirou a sua laranja da árvore e foram em silêncio tomar o pequeno-almoço no refeitório frio. uma das vezes em que o senhor idoso tinha entregado as laranjas em Portões de Ferro, um rapazinho perguntara-lhe se tinham de comê-las ao pequeno-almoço ou se podiam guardá-las para mais tarde. O senhor rira com gosto e respondera que, porque era Natal, podiam comê-las quando quisessem. O Senhor Crampton queria que elas fossem comidas ao pequeno-almoço para acabar logo com as festividades, mas não se atrevia a ir contra a resposta do benfeitor. Enquanto Emily olhava para a sua laranja, teve uma ideia maravilhosa. O seu coração começou a bater mais depressa, os olhos ficaram brilhantes e um sorriso desenhou-se na sua boca. Quando alguém chamou o Senhor Crampton à entrada do orfanato, Emily sussurrou algo ao rapaz sentado junto dela mal a porta se fechou. O rapaz sorriu abertamente e, por N
  • 15. sua vez, sussurrou algo à criança seguinte. Em breve, todos sabiam o que fazer. As laranjas desapareceram da mesa uma a uma e foram colocadas nos bolsos. Quando o Senhor Crampton regressou à sala, viu que não havia laranjas na mesa. A ausência de cascas denunciava que as crianças não as tinham comido. Achou que era por estarem demasiado tristes com o que acontecera com Rose. Congratulou-se, interiormente, com o facto de todos terem percebido que as regras eram para cumprir.
  • 16. As crianças levaram a cabo as tarefas de todos os dias, porque, depois de ter distribuído as laranjas, o Senhor Crampton tratava o Natal como se fosse um dia qualquer. As tarefas foram realizadas em silêncio, mas cada bolso escondia a presença de uma laranja. Ao jantar, as crianças comeram a refeição e, discretamente, retiraram as laranjas dos bolsos. Descascaram-nas e comeram-nas. Todas as noites, os miúdos eram mandados para a cama depois do jantar após lavarem a loiça. A noite do dia de Natal não constituiu exceção. Os órfãos subiram as escadas com uma expressão solene na face e os olhos postos nos degraus. O Senhor Crampton não podia estar mais satisfeito com o comportamento aquiescente dos seus pupilos. Entraram em silêncio no dormitório e olharam para a cama de Rose, que jazia aninhada e de costas para a porta. Emily dirigiu-se
  • 17. à cama da amiga e viu-lhe lágrimas na face e os olhos inchados de chorar. Tocou-lhe no ombro com suavidade para a acordar. Rose abriu os olhos vermelhos que, com as memórias do dia, voltaram a encher-se de lágrimas. — Emily, — soluçou — este foi o pior dia da minha vida. Não sabia que não podia ir ver a árvore e agora fiquei sem a minha laranja. Emily abraçou Rose como uma irmã faria e sussurrou: — Não chores mais. Temos uma surpresa para ti. As outras crianças juntaram-se à volta de Rose e do bolso de um avental surgiu um embrulho branco e pequeno. Emily pegou nele com cuidado e colocou-o nas mãos de Rose. Como não havia luzes acesas, Rose não podia ver do que se tratava. Então, virando-se para a janela, por cujas vidraças sujas entrava o luar, viu um lenço limpo que envolvia um objeto redondo. Rose nem se atrevia a pensar que ali dentro estava o que imaginava. Olhou para os órfãos e viu as suas carinhas cheias de excitação.
  • 18. Com os dedos a tremer, desembrulhou o lenço e viu uma laranja! Não uma laranja vulgar, mas uma laranja feita com um gomo de cada laranja que as crianças tinham recebido. Enquanto comiam as suas laranjas ao jantar, cada uma tinha passado, em segredo, um gomo da sua laranja àqueles que estavam no fim de cada mesa e que o iam guardando em lenços brancos e escondidos nos bolsos. — Cheira-a bem! — alguém sus- surrou, excitado. Rose inspirou o cheiro doce e profundo. Fechou os olhos e susteve a respiração. Depois, deu um suspiro e fez um sorriso rasgado. Todos sorriram com ela.
  • 19. — Prova-a! — murmurou outra criança. Rose levou aos lábios um pedacinho de laranja e deu uma dentadinha. Os seus olhos abriram-se, surpreendidos, e a boca fez um trejeito ao saborear a doçura do fruto. Todos estavam pendentes das suas reações. Quando a viram provar a laranja, riram em surdina e abraçaram-se. Como que por magia, vários lenços limpos e cheios de gomos abriram-se ao mesmo tempo. O que sobrara das laranjas foi divido em pedacinhos pequenos e todos puderam juntar-se a Rose numa última sobremesa. Enquanto as saboreavam, todos comentaram que nunca as laranjas lhes tinham sabido tão bem. As deste ano eram, sem dúvida, as melhores de sempre. Só muitos anos mais tarde é que estas crianças se aperceberam de que o gosto especial das laranjas provinha da amizade, bondade e amor que tinham demonstrado para com a sua amiga. Alguns destes órfãos vieram, em adultos, a tornar-se donos de fortunas que nunca tinham imaginado possuir. Contudo, nenhum deles jamais esqueceu o que tinha sentido
  • 20. no seu coração no dia em que todos tinham partilhado um pequeno gomo das suas laranjas de Natal. Linda Bethers Christmas Oranges Utah, Covenant Communications, 2002 (Tradução e adaptação)