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Cada gesto de bondade
aquele inverno, a neve cobria tudo, transformando o mundo num brilhante manto
branco.
Uma manhã, quando nos sentávamos nos nossos lugares, a porta da sala de aulas abriu-se e a
Diretora entrou.
Trazia com ela uma menina, e disse-nos:
― Esta é a Maya.
Maya olhava para o chão.
Penso que a ouvi sussurrar “Olá!”
Todos nós ficámos a olhar para ela.
O casaco estava aberto e as roupas que trazia por baixo pareciam velhas e rasgadas. Os
sapatos eram primaveris, nada apropriados para a neve. Uma das tiras estava rebentada.
A nossa Professora disse:
― Digam bom dia à vossa nova colega.
N
Mas quase todos ficámos calados.
O único lugar livre era ao meu lado. Foi onde a
Professora colocou a Maya.
E, naquele primeiro dia, Maya virou-se para mim
e sorriu.
Mas eu não retribuí o sorriso.
Arrastei a minha cadeira, e fiquei, eu e os meus
livros, um pouco mais longe dela. Sempre que ela
olhava para mim, eu virava-me para a janela e punha-
me a observar a neve lá fora.
E sempre que Maya vinha para a sala, eu
desviava os olhos e nunca retribuía o sorriso.
Naquele ano, as minhas melhores amigas eram a Kendra e a Sophie. À hora de almoço, nós
passeávamos pelo pátio do recreio, com os dedos
entrelaçados, sussurrando segredos aos ouvidos
umas das outras.
Um dia, estávamos nós junto ao escorrega,
Maya aproximou-se. Tinha a mão aberta para nos
mostrar as pedrinhas brilhantes e a minúscula
bola vermelha que tinha recebido no seu
aniversário.
― É uma bola saltitona ― disse.
Mas nenhuma de nós quis jogar.
Então Maya fez um jogo contra ela própria.
Naquela tarde, quando voltámos para a sala
de aulas, Maya sussurrou-me:
― Aposto que não consegues adivinhar quem é o novo Campeão do Mundo do Jogo de
Pedrinhas.
Atrás de mim, Andrew murmurou:
― Chloe tem uma nova amiga! Chloe tem uma nova amiga!
― Ela não é minha amiga― respondi.
As semanas passaram. Todos os dias cochichávamos acerca de Maya, rindo das suas roupas,
dos seus sapatos, da comida estranha que ela levava para o almoço.
Por vezes, Maya esticava a mão para nos mostrar o que tinha levado para a escola — um
baralho de cartas, pauzinhos de Mikado, uma bonequinha esfarrapada.
Mas sempre que ela pedia para brincar connosco, nós dizíamos que não.
Os dias foram ficando cada vez mais quentes.
O lago degelou e a relva começou a crescer.
Um dia, Maya chegou à escola com um lindo vestido e sapatinhos elegantes. Mas tanto os
sapatos como o vestido tinham ar de terem já pertencido a alguma outra menina.
― Tenho um nome novo para ela ― sussurrou Kendra. ― Sempre Igual. Tudo o que ela tem
veio de uma loja de artigos em segunda mão!
Todos nós rimos.
Maya ficou de pé junto a uma sebe.
Tinha na mão uma corda de saltar, mas não veio perguntar-nos se queríamos brincar.
Ao fim de alguns instantes dobrou a corda ao meio, prendeu cada uma das pontas em cada
mão e começou a saltar.
Saltou sem parar à volta do pátio do recreio. Não olhou para cima uma só vez. Saltou, saltou,
saltou… No dia seguinte, o lugar de Maya estava vazio.
Naquele dia, na aula, falámos sobre bondade.
A nossa Professora tinha trazido para a sala uma grande taça e encheu-a com água. Juntámo-
nos todos em volta da secretária dela e vimo-la deixar cair uma pedrinha dentro da taça.
Formaram-se pequenas ondas...
― É isto que a bondade faz ― disse ela. ― Cada pequeno gesto que fazemos espalha-se,
como uma onda, pelo e para o mundo.
Em seguida, a nossa Professora permitiu que cada um de nós deixasse cair a pedrinha
enquanto lhe dizíamos as coisas boas que tínhamos feito.
Joseph tinha segurado a porta para a avó passar.
Kendra tinha ajudado a mudar a fralda do seu irmão ainda bebé.
Até o malandro do Andrew tinha feito alguma coisa:
― Levei os livros da Professora até ao cimo das escadas ― disse ele.
E a nossa Professora anuiu.
Eu fiquei ali, a segurar na mão a pedrinha, em silêncio.
― Até mesmo as coisas mais pequenas contam ― disse a nossa Professora carinhosamente.
Mas eu não conseguia pensar em nada e passei a pedra a outro.
Maya não veio à escola no dia seguinte. Nem no dia a seguir a esse. Todas as manhãs eu ia
devagar para a escola, com a esperança que fosse esse o dia em que Maya iria regressar, e olharia
para mim a sorrir. Tinha prometido a mim mesma que esse seria o dia em que lhe retribuiria o
sorriso.
― Cada ato de bondade ― tinha dito a Professora ― torna o mundo inteiro um pouquinho
melhor.
Mas o lugar da Maya continuava vazio. E um dia foi-nos dito que Maya não voltaria nunca
mais.
― A família dela teve de ir para outro lugar― disse a nossa
Professora.
Depois, disse-nos que pegássemos nos cadernos. Era o
momento do ditado soletrado.
Nessa tarde fui para casa sozinha. Quando cheguei ao lago,
sentia a garganta presa por todas as coisas que desejaria ter dito
a Maya. Por cada gesto de bondade que nunca tinha feito!
Atirei para o lago pedrinhas, uma e outra vez.
Fiquei a ver o modo como na água se faziam ondas
e mais ondas. Ondas e mais ondas…Tal como cada
gesto de bondade — cumprido ou não. Ia vendo o
ondular da água enquanto o sol se punha através
dos áceres.
E pensava em cada oportunidade falhada.
Nunca poderia retribuir os gestos bondosos de
Maya.
Jacqueline Woodson
Each Kindness
New York, Nancy Paulsen Books, 2012
(Tradução e adaptação)

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PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 

Cada gesto de bondade - Jacqueline Woodson

  • 1. Cada gesto de bondade
  • 2. aquele inverno, a neve cobria tudo, transformando o mundo num brilhante manto branco. Uma manhã, quando nos sentávamos nos nossos lugares, a porta da sala de aulas abriu-se e a Diretora entrou. Trazia com ela uma menina, e disse-nos: ― Esta é a Maya. Maya olhava para o chão. Penso que a ouvi sussurrar “Olá!” Todos nós ficámos a olhar para ela. O casaco estava aberto e as roupas que trazia por baixo pareciam velhas e rasgadas. Os sapatos eram primaveris, nada apropriados para a neve. Uma das tiras estava rebentada. A nossa Professora disse: ― Digam bom dia à vossa nova colega. N
  • 3. Mas quase todos ficámos calados. O único lugar livre era ao meu lado. Foi onde a Professora colocou a Maya. E, naquele primeiro dia, Maya virou-se para mim e sorriu. Mas eu não retribuí o sorriso. Arrastei a minha cadeira, e fiquei, eu e os meus livros, um pouco mais longe dela. Sempre que ela olhava para mim, eu virava-me para a janela e punha- me a observar a neve lá fora. E sempre que Maya vinha para a sala, eu desviava os olhos e nunca retribuía o sorriso. Naquele ano, as minhas melhores amigas eram a Kendra e a Sophie. À hora de almoço, nós
  • 4. passeávamos pelo pátio do recreio, com os dedos entrelaçados, sussurrando segredos aos ouvidos umas das outras. Um dia, estávamos nós junto ao escorrega, Maya aproximou-se. Tinha a mão aberta para nos mostrar as pedrinhas brilhantes e a minúscula bola vermelha que tinha recebido no seu aniversário. ― É uma bola saltitona ― disse. Mas nenhuma de nós quis jogar. Então Maya fez um jogo contra ela própria. Naquela tarde, quando voltámos para a sala de aulas, Maya sussurrou-me:
  • 5. ― Aposto que não consegues adivinhar quem é o novo Campeão do Mundo do Jogo de Pedrinhas. Atrás de mim, Andrew murmurou: ― Chloe tem uma nova amiga! Chloe tem uma nova amiga! ― Ela não é minha amiga― respondi. As semanas passaram. Todos os dias cochichávamos acerca de Maya, rindo das suas roupas, dos seus sapatos, da comida estranha que ela levava para o almoço. Por vezes, Maya esticava a mão para nos mostrar o que tinha levado para a escola — um baralho de cartas, pauzinhos de Mikado, uma bonequinha esfarrapada. Mas sempre que ela pedia para brincar connosco, nós dizíamos que não. Os dias foram ficando cada vez mais quentes. O lago degelou e a relva começou a crescer. Um dia, Maya chegou à escola com um lindo vestido e sapatinhos elegantes. Mas tanto os
  • 6.
  • 7. sapatos como o vestido tinham ar de terem já pertencido a alguma outra menina. ― Tenho um nome novo para ela ― sussurrou Kendra. ― Sempre Igual. Tudo o que ela tem veio de uma loja de artigos em segunda mão! Todos nós rimos. Maya ficou de pé junto a uma sebe. Tinha na mão uma corda de saltar, mas não veio perguntar-nos se queríamos brincar. Ao fim de alguns instantes dobrou a corda ao meio, prendeu cada uma das pontas em cada mão e começou a saltar. Saltou sem parar à volta do pátio do recreio. Não olhou para cima uma só vez. Saltou, saltou, saltou… No dia seguinte, o lugar de Maya estava vazio. Naquele dia, na aula, falámos sobre bondade. A nossa Professora tinha trazido para a sala uma grande taça e encheu-a com água. Juntámo- nos todos em volta da secretária dela e vimo-la deixar cair uma pedrinha dentro da taça. Formaram-se pequenas ondas...
  • 8.
  • 9. ― É isto que a bondade faz ― disse ela. ― Cada pequeno gesto que fazemos espalha-se, como uma onda, pelo e para o mundo. Em seguida, a nossa Professora permitiu que cada um de nós deixasse cair a pedrinha enquanto lhe dizíamos as coisas boas que tínhamos feito. Joseph tinha segurado a porta para a avó passar. Kendra tinha ajudado a mudar a fralda do seu irmão ainda bebé. Até o malandro do Andrew tinha feito alguma coisa: ― Levei os livros da Professora até ao cimo das escadas ― disse ele. E a nossa Professora anuiu. Eu fiquei ali, a segurar na mão a pedrinha, em silêncio. ― Até mesmo as coisas mais pequenas contam ― disse a nossa Professora carinhosamente. Mas eu não conseguia pensar em nada e passei a pedra a outro. Maya não veio à escola no dia seguinte. Nem no dia a seguir a esse. Todas as manhãs eu ia devagar para a escola, com a esperança que fosse esse o dia em que Maya iria regressar, e olharia
  • 10. para mim a sorrir. Tinha prometido a mim mesma que esse seria o dia em que lhe retribuiria o sorriso. ― Cada ato de bondade ― tinha dito a Professora ― torna o mundo inteiro um pouquinho melhor. Mas o lugar da Maya continuava vazio. E um dia foi-nos dito que Maya não voltaria nunca mais. ― A família dela teve de ir para outro lugar― disse a nossa Professora. Depois, disse-nos que pegássemos nos cadernos. Era o momento do ditado soletrado. Nessa tarde fui para casa sozinha. Quando cheguei ao lago, sentia a garganta presa por todas as coisas que desejaria ter dito a Maya. Por cada gesto de bondade que nunca tinha feito!
  • 11. Atirei para o lago pedrinhas, uma e outra vez. Fiquei a ver o modo como na água se faziam ondas e mais ondas. Ondas e mais ondas…Tal como cada gesto de bondade — cumprido ou não. Ia vendo o ondular da água enquanto o sol se punha através dos áceres. E pensava em cada oportunidade falhada. Nunca poderia retribuir os gestos bondosos de Maya. Jacqueline Woodson Each Kindness New York, Nancy Paulsen Books, 2012 (Tradução e adaptação)