3. Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha
de espuma.
4. O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
5. Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
6. Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
7. Comentário
Nasceu em 31 de outubro de 1902.
●
Formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto
em 1925.
●
Fundou com outros escritores A Revista, que,
apesar da vida breve, foi importante veículo de
afirmação do modernismo em Minas.
●
8. Comentário
O modernismo não chega a ser dominante nem
mesmo nos primeiros livros de Drummond, a
dominante é, na verdade, a individualidade do
autor, poeta da ordem e da consolidação.
●
O poeta trabalha sobretudo com o tempo, em
sua cintilação cotidiana e subjetiva
●
Poeta popular.
●
9. Comentário
Em 1962 se aposenta do serviço público mas
sua produção poética não para.
●
Os anos 60 e 70 são produtivos.
●
Morreu no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto
de 1987, doze dias depois do falecimento de sua
filha, a escritora Maria Julieta Drummond de
Andrade
●
10. Comentário
O Lutador
“Lutar com palavras
É a luta mais vã.
Entanto Lutamos
Mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
Como um javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
(...)
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
De rara humildade.
(...)”
11. Comentário
A Palavra Mágica
“Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
(...)”
12. Aspectos sonoros
Não possui rimas
●Versos brancos
●Versos e estrofes livres
●Dez estrofes
●Aliteração do “r” em “rumor do mas nas ruas”
●Alternância entre aliterações suaves, feitas com som de
“s” (suaviza o verso), e o uso de consoantes que soram
mais fortes, aumentando o tom do verso.
●
13. Aspectos semânticos e
morfossintáticos
Predominância de períodos simples e de predicados
nominais. Poucas subordinadas e coordenadas;
●
O poema, metalinguístico, pode ser dividido em duas
partes:
● Primeira até a sexta estrofe;
● Sétima até a décima estrofe.
●
14. Aspectos semânticos e
morfossintáticos
Primeira ate sexta estrofe:
Tom paternal, com verbos no imperativo da segunda
pessoa do singular (faças, reveles, forces).
●
Contém o que NÃO se deve colocar em um poema.
Nessa parte há repetição do “não” para enfatizar essa
“dica”, estruturada com base em imperativos e
elementos negativos (nem, indiferentes, imprestável,
etc).
●
15. Aspectos semânticos e
morfossintáticos
Sétima até a décima estrofe
Contém a “matéria prima” de uma poesia, agora com
imperativos afirmativos para reforçar a ideia do que tem
que se basear um poema.
●
O poeta dá vida a elementos que não a tem,
principalmente à poesia: “elas se refugiam na noite, as
palavras”, “Lá estão os poemas que esperam ser
escritos”
●
17. Interpretação
“Não faças versos sobre acontecimentos”:
●
“No meio do caminho
(…)
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
(...)”
Drummond
18. Interpretação
“Não há criação nem morte perante a poesia”:
●
“Para Sempre
(…)
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
É eternidade.
(...)”
Drummond
19. Interpretação
●
“As afinidades, os aniversários, os
incidentes pessoais não contam.”:
“Loucos e Santos
Escolho meus amigos não
pela pele ou outro arquetipo
qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho
questionador e tonalidade
inquietante.(...)
Marcos de Lara
Rezende
“Soneto
Ao meu primeiro filho nascido
Morto com 7 meses incompletos
2 fevereiro 1911
(…)
Ah! possas tu dormir feto
esquecido,
Pateisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO
SER!”
Augusto dos Anjos
20. Interpretação
“Não cantes tua cidade, deixa-a em paz”:
●
“Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Pricipalmente, nasci em Itabira.
(...)”
Drummond