Este documento discute os desafios enfrentados pelo Serviço Social de um hospital estadual na interação com os Conselhos Tutelares da região metropolitana do Rio de Janeiro. Um levantamento identificou problemas como falta de recursos, capacitação e infraestrutura nos Conselhos, dificultando a prestação de assistência de qualidade às crianças e adolescentes. O documento defende uma maior articulação entre as instituições para proteger melhor os direitos desta população.
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Desafios do serviço social do hospital estadual getúlio vargas na ação junto aos conselhos tutelares da região metropolitana do rio de janeiro
1. “DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL DO HOSPITAL ESTADUAL GETÚLIO
VARGAS NA AÇÃO JUNTO AOS CONSELHOS TUTELARES DA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO’’.
Tereza Cristina Silva
Geórgia Thais L. Cordeiro (*)1
1 - Introdução.
As situações que envolvem maus-tratos contra crianças e adolescentes são
demandas cada vez mais presentes aos assistentes sociais nos serviços de
saúde. Tais profissionais atuam no sentido de dimensionar os aspectos sociais
associados, identificando os caminhos possíveis a serem adotados, seja na
orientação e educação da família; seja no encaminhamento junto à rede
assistencial disponível, envolvendo, necessariamente, a relação com os órgãos
oficiais de proteção às crianças e adolescentes, em particular, com os
Conselhos Tutelares.
Os Conselhos Tutelares representam, historicamente, importante conquista, a
partir da aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em 1990, já
que, enquanto órgão autônomo e representativo, atuam como instrumento de
fiscalização e aplicação dessa lei.
Entretanto, no cotidiano de interlocução do Serviço Social com os Conselhos Tutelares,
registram-se observações sobre entraves a serem enfrentados, seja pela própria diferenciação
de papéis, ou pelas circunstâncias dos âmbitos institucionais respectivos, o que exige a
aproximação e reconhecimento sistemático sobre essa complexidade.
Tal contradição, coloca-se enquanto limitação do espaço de parceria
necessário para a prestação da assistência de qualidade, sobretudo,
considerando a conduta ética esperada entre profissionais e conselheiros e
entre estes e os usuários.
O presente trabalho resulta, assim, da inquietação da equipe de Serviço Social do Hospital
Estadual Getúlio Vargas, a partir da inspiração das assistentes sociais que atuam na
enfermaria de Pediatria, sendo consubstanciada na realização do “I Seminário sobre a
atuação do Serviço Social do HEGV junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana”
em 25.05.2004.
A organização do evento foi precedida de dois levantamentos: “Organização funcional e
condições de infra-estrutura dos Conselhos Tutelares da região metropolitana do Rio de
Janeiro” e “Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos
Tutelares” e Ambos envolveram cerca de 90% da equipe de assistentes sociais, as quais,
disponibilizaram seus recursos próprios para visitarem os 20 Conselhos Tutelares pesquisados.
O evento representou um passo inicial para o melhor reconhecimento sobre a condição de
exercício do papel de ambos os segmentos – Conselhos Tutelares e Serviço Social do HEGV – ,
no sentido de explicitar as respectivas realidades e ressaltar as formas de contribuição
mútuas para que a defesa dos direitos das crianças e adolescentes possa ir além da tarefa
burocrática e rotineira de emissão da notificação compulsória de maus-tratos (a qual incide
sobre a saúde já afetada), podendo constituir-se em uma política institucional mais
abrangente, articulada, especializada e com maiores possibilidades de impacto sobre os
2. vários níveis assistenciais, na perspectiva de superação da limitação da ação curativa para a
relevância das iniciativas de promoção da saúde, conforme preconiza a legislação em vigor.
2 - Contexto de implantação dos Conselhos Tutelares.
A idealização dos Conselhos Tutelares tem como marco a instituição do Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA, aprovado em 13.07.1990 (Lei 8080), o qual regulamenta o dispositivo
constitucional previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
O ECA introduz uma concepção que supera a visão estigmatizada e discriminatória permeada
pelo então “Código de Menores”, que focalizava as parcelas consideradas “em situação
irregular” e os adolescentes autores de ato infracional. Difunde o conceito de “sujeitos de
direitos”, definindo a perspectiva na prestação da assistência, a partir de um sistema
integrado de garantia de direitos, prevendo atribuições do Estado e da sociedade civil nas
várias esferas de poder.
Os Conselhos Tutelares compõem-se de cinco representantes da sociedade civil, eleitos para
um mandato de 03 anos, devendo funcionar de forma permanente, autônoma e não
jurisdicional, zelando pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. As
instalações e as demais condições concretas de funcionamento devem ser previstas na Lei
municipal e orçamentária.
Trata-se de uma conquista que envolveu amplas parcelas da sociedade civil organizada, a
qual, sobretudo durante a segunda metade da década de 70, mobilizou-se contra o modelo
político e econômico do Regime Militar. A luta pela redemocratização do país ampliou-se para
a defesa de políticas setoriais universais, provocando o reordenamento do Estado acerca do
padrão de proteção social, marcado pela centralização, burocratização e seletividade. Assim,
aliando-se técnicos progressistas das instituições voltadas para infância e juventude;
segmentos da igreja católica; das universidades; ONG’s...os movimento sociais interferem,
ativamente, nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, resultando na incorporação do
conceito de “cidadania infanto-juvenil” na Constituição promulgada em 1988 e,
posteriormente, no ECA (Mendes, et alii, 2004).
Entretanto, os avanços introduzidos na norma jurídica, em si, não deram conta do dilema de
convivência entre participação política e exclusão social. Se, por um lado, a década de 80 foi
marcada pela ampliação dos espaços democráticos, por outro lado, a crise econômica,
agravada desde a crise do petróleo, bem como as transformações pelas quais passava o
Capitalismo (desaquecimento das atividades produtivas, crise inflacionária...), provocaram a
redução da oferta de bens e serviços públicos, enquanto fizeram crescer as demandas sociais
(Honorato, 1996), particularmente, sobre o frágil segmento de crianças e adolescentes.
Contraditoriamente, o processo de descentralização, nem sempre foi acompanhado de
desconcentração de recursos, mas sim de atribuições.o que limita, na prática, o poder de
resolutividade dos municípios para ampliação dos serviços públicos.
Cabe ressaltar que, a determinação de novos espaços de decisões compartilhadas, a partir da
instalação dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, provoca tensão com os
mandatos executivos e legislativos, estes marcados pela cultura política “clientelista”,
sobretudo, nos municípios do interior, nos quais a participação tende a ser tutelada por
prefeitos e vereadores. Assim, a natureza de independência de tais espaços, considerando-se
suas atribuições de controle, fiscalização e aplicação de medidas, potencialmente, colidem
com velhas práticas políticas.
Considera-se assim, que os Conselhos Tutelares representam espaços inéditos na formação
político-cultural da sociedade brasileira, podendo favorecer a construção de uma nova cultura
política. Entretanto, a atividade dos conselheiros deve ser repartida pelas outras formas de
organização da sociedade civil, inclusive com as que tratam das políticas setoriais. A
3. autonomia preconizada na lei, não deve ser confundida com isolamento, já que pode
dificultar as articulações com outras instâncias de participação e reduzir o desempenho
adequado do seu papel histórico e legal.
3 – Análise sobre a condição atual dos Conselhos Tutelares da região metropolitana.
O levantamento realizado pela equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio
Vargas, junto aos Conselhos Tutelares da região metropolitana visou identificar a organização
administrativa e as condições de infra-estrutura destes, delineando também os dilemas
apresentados pelos conselheiros na busca do entrosamento necessário para a melhor
qualificação da assistência prestada.
O processo de coleta de dados contou com a participação de 15 assistentes sociais do Hospital
Estadual Getúlio Vargas, as quais visitaram 20 Conselhos Tutelares (10 no município do Rio de
Janeiro e os demais entre a os municípios da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo),
entrevistando os conselheiros ou profissionais da equipe técnica, durante o período de 03 a
17.05.04. O instrumento utilizado, continha nove eixos principais:1- composição da equipe
técnica; 2- infra-estrutura; 3- rede de proteção social; 4- capacitação para conselheiros e
equipe técnica; 5- tratamento dos dados sobre o atendimento; 6- média de atendimento e
origem das denúncias; 7- dificuldades encontradas na intervenção; 8- entraves na relação
com o HEGV; 9- sugestões para melhoria dessa relação.
Cabe ressaltar que a coleta foi prejudicada por ter envolvido muitos profissionais
(pesquisadores), o que não garantiu a sintonia da abordagem, sobretudo por ter sido
trabalhado com questionário aberto. Não houve discussão prévia da equipe antes da coleta.
3.1 - Análise sobre o conteúdo dos questionários.
Quanto à composição da equipe técnica, observa-se que todos o Conselhos já estão com suas
equipes implantadas. Todos possuem,o profissional de Serviço Social (55% com 1 ou 2, e 45%
com 3 ou 4); 95% posuem 1 psicólogo e alguns possuem pedagogos e advogados (25% e 20%,
respectivamente).
Em relação à infra-estrutura, foi possível perceber que a maioria dos Conselhos está
minimamente, equipados (linha telefônica, fax, computador, etc), porém há falta de
manutenção desses aparelhos, o que impede o bom funcionamento do órgão. O cotidiano de
trabalho dos conselheiros é marcado, por esses problemas: salas inadequadas ao
atendimento, mobiliário insuficiente, telefonia com problemas, dificuldades para
locomoção/visitas, poucos funcionários administrativos, entre outros. Outro aspecto
observado, é a diferença acentuada, no investimento realizado no município do Rio de
Janeiro e Niterói em relação aos municípios periféricos, sobretudo os da Baixada Fluminense.
Identificou-se como dado relevante que enquanto alguns municípios ampliam o nº de
Conselhos, o município de Belford Roxo reduziu, mantendo apenas um em funcionamento, no
limite da lei. Anteriormente já mantinha os técnicos, viatura e o espaço físico, sendo dividido
pelos 2 Conselhos. Tal fato vem de encontro com o que é apontado por Bazílio (2003: 33),
quando este avalia que, em alguns casos, pode-se supor que a Prefeitura e a Câmara de
Vereadores não contemplam estas estruturas com orçamento porque ”temem” o
fortalecimento deste ator ou duvidam de sua legitimidade. Acrescenta ainda, que o
Movimento Social que promoveu a redação/aprovação do Estatuto não tem pressionado as
autoridades locais a fim de que se garanta o funcionamento deste órgão importante de defesa
de direitos.
Verificamos que, em relação à rede de proteção social, no município do Rio de Janeiro não há
nenhuma iniciativa. Ao contrário do município de Niterói e alguns da Baixada Fluminense
(Duque de Caxias e Nova Iguaçu) onde se observam experiências neste sentido. A relação com
as instituições representativas da comunidade ainda é residual, limitando-se a algumas
palestras, para as quais os Conselhos (50%) são convidados. Ainda não existem iniciativas
4. comuns no sentido da prevenção ou articulação para a ação integrada, o que comprova a
hipótese inicial de isolamento dos Conselhos.
Quanto à capacitação, a maioria dos Conselhos (90%) apontou que somente participaram do
treinamento inicial, após a posse. 60% revelaram que buscam por iniciativa própria algum
aprimoramento, através de cursos, seminários, palestras, etc. Apenas 15% disseram ter
participado de mais de um treinamento oficial.
Sobre o tratamento de dados de atendimento, 75% afirmam não fazer nenhuma estatística. Os
25% que fazem a estatística, não realizam reconhecimento epidemiológico desta população.
No que se refere à média anual de atendimento e a origem das denúncias, constata-se que
35% registram até 2000 atendimentos; 30% de 2001 a 3000 atendimentos; 20% mais de 3000
atendimentos e 15% não souberam informar. Foi observada a fragilidade no que diz a respeito
ao registro e armazenamento deste dado, o que os torna pouco confiáveis. A maioria das
denúncias provém dos hospitais (60%), seguidos de 50% provenientes das escolas e disque-denúncias,
além de 40% da família. É importante considerar que as citações não são
excludentes.
Os Conselhos destacaram como principais dificuldades na intervenção os seguintes pontos:
70% alegam a falta de recursos internos (material de consumo e patrimonial, falta de
manutenção nos equipamentos e viaturas) e a falta de recursos na rede assistencial; 30%
registram a falta de capacitação e dificuldade na relação com o Ministério Público e Juizado
da Infância e da Juventude (morosidade e cobranças irreais); 20% revelam a falta de
sensibilidade dos profissionais de saúde ou de educação sobre a situação de abuso com a
criança e adolescente e sobre o papel do Conselho Tutelar; 15% fazem referência à
dificuldade para realizar a visita domiciliar em local de risco e destacam o nº reduzido de
Conselhos no município, em função muita demanda; 10% lembram a dificuldade de acesso à
assistência psicológica e em localizar o endereço referente à denúncia e 5% apontam falta de
investimento do poder público na política da Infância e da Juventude.
Dos 70% de Conselhos Tutelares que já atenderam encaminhamentos do HEGV, nenhum
declarou ter dificuldades na relação com o mesmo. Cerca de 30%, nunca receberam qualquer
encaminhamento, advindo desta unidade.
As propostas para a melhoria na relação com o HEGV partiram daqueles Conselhos que já
mantiveram contato com o mesmo. Assim, 35% não apresentaram propostas. 30% destacam a
necessidade de maior integração com o CT; 20% deram ênfase à importância de mais
iniciativas como a do Seminário realizado. 20% propuseram treinamento para melhor
preenchimento da ficha de notificação compulsória;10% enfatizam a necessidade de
ampliação da rede assistencial, 10% apontam a importância de fornecer mais subsídios, por
parte dos técnicos notificantes, sobre a situação da criança e adolescente abusada, tal como
o relatório ou a ficha de notificação compulsória mais detalhada; 10% defendem a realização
reuniões trimestrais; além de lembrarem, no mesmo percentual, a importância de maior
detalhamento no endereço fornecido, visto que alguns pais informam o endereço fictício; 5%
ressaltam maior provimento de recursos necessários aos Conselhos Tutelares e, o mesmo
percentual, sugere o contato telefônico prévio a notificação.
Considerando-se que o instrumento de coleta de dados foi o questionário aberto, foi possível
perceber no depoimento de alguns conselheiros o anseio pela definição de uma carga horária,
já havendo a proposta de 30 horas semanais, já que o dispositivo do ECA que prevê o
funcionamento permanente (24 horas) não é compatível com a falta de investimento do poder
público, que não amplia o número de Conselhos, além de não oferecer o suporte necessário
ao funcionamento dos já existentes. Assim, a carga horária torna-se excessiva para o
5. funcionamento em horário permanente, diante de uma vasta área a ser atendida e da
crescente demanda apresentada.
4 – Perspectiva dos assistentes sociais do HEGV sobre a atuação junto aos Conselhos
Tutelares.
O levantamento realizado entre a equipe de assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio
Vargas teve o intuito de sistematizar os principais aspectos da ação destes profissionais juntos
aos Conselhos Tutelares da região metropolitana, visando possibilitar a construção de
estratégias comuns, na busca da necessária parceria e entrosamento com os mesmos.
O estudo englobou 19 assistentes sociais, representando mais de 90% da equipe do Hospital
Estadual Getúlio Vargas, os quais responderam ao questionário aberto, durante o período de
12 a 25.04.04, incluindo cinco itens: 1- Principais situações de maus-tratos vivenciadas no
cotidiano profissional; 2- Forma de atuação e procedimentos adotados; 3- Principais
dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares; 4 - Conselhos Tutelares com os quais
encontra maiores dificuldades; 5- Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos
Tutelares.
Trata-se da perspectiva destes profissionais sobre sua própria atuação, já que tal
levantamento não se baseou em estudo sobre fontes primárias, e sim no depoimento dos
mesmos.
A atuação junto às situações de maus-tratos contra crianças e adolescentes é bastante
diferenciado entre a equipe de assistentes sociais do HEGV2, já que estes estão
inseridos em setores com características diversas.
Os que atuam no setor de emergência estabelecem o contato inicial com tal
demanda, com as características peculiares de tal condição, na maioria dos
casos, de forma efêmera, além de serem absorvidas por demais demandas do
setor.
As duas que atuam na enfermaria de Pediatria dão seguimento aos
atendimentos realizados no setor de emergência, já que este é a principal porta
de entrada. Atendem, especificamente, crianças. Poucos casos recebem
atendimento inicial. É possível o estabelecimento de maior vínculo com os
usuários e, conseqüentemente, o aprofundamento sobre o conhecimento da
dinâmica que envolve a demanda.
As assistentes sociais que atuam nas demais enfermarias, convivem apenas
esporadicamente com tais situações, restringindo-se aos adolescentes.
Geralmente, o contato com os Conselhos Tutelares, quando necessário, são
para seguimento de situações já notificadas no setor de emergência.
Conforme o quadro exposto, constata-se que 64% da equipe estabelecem
contatos regulares com os Conselhos Tutelares, enquanto que 41% mantém
apenas contatos eventuais.
4.1 - Principais situações de maus-tratos vivenciadas no cotidiano
profissional.
As referências sobre as principais situações de maus-tratos vivenciadas no
cotidiano profissional foram bastante diversificadas, não se limitando às formas
mais acentuadas de violência, o que denota o amadurecimento da equipe para
6. publicizar questões que vão além dos sintomas aparentes e imediatos da
demanda mais agravada, buscando atuar também sobre aspectos voltados
para prevenção primária da violência.
A forma de maus-tratos mais citada foi a “negligência”, em suas várias
manifestações (65%); seguida da “violência urbana” (59%), a qual atinge,
particularmente, aos adolescentes; “abuso sexual” (59%); “abuso físico” (53%);
e “auto-agressão” (23%).
Englobada nas várias expressões de “negligência”, a “falta de Registro de
nascimento” obteve 64% das citações dos assistentes sociais, representando o
esforço atual da equipe, com êxitos significativos, em viabilizar o documento
antes da alta hospitalar. Outras formas de negligência citadas foram: falta de
higiene (53%); falta de vínculo com a rede de ensino (35,3%); quedas (29,4%);
acidentes de trânsito (29,4%); acidentes domésticos (23,5%); situação de rua
(23,5%); desnutrição (23,5%); cartão de vacinação desatualizado ou inexistente
(23,5%); falta de puericultura ou outra forma de assistência médica (23,5%);
desmame precoce (6%); trabalho infantil (6%) e alta à revelia (6%).
Considerando-se a associação existente entre as várias formas de maus-tratos,
conforme indica a literatura específica3, a observação e atuação dos
profissionais sobre tal forma de maus-tratos podem contribuir para a
identificação precoce das situações de risco social.
4.2 - Formas de atuação e procedimentos adotados.
As citações dos assistentes sociais referentes às formas de atuação e
procedimentos adotados durante o atendimento às situações de maus-tratos
contra crianças e adolescentes revelam algumas contradições perpassadas na
forma pela qual se organiza o processo de trabalho do Serviço Social no
HEGV. Considerando-se que as respostas correspondem ao ponto de vista
imediato e empírico, observa-se que a maioria dos assistentes social destaca
sua atuação pelas diretrizes estabelecidas nas rotinas instituídas.
Assim, 76,5% afirmam que emitem a Notificação Compulsória regularmente ou
eventualmente, enquanto que 23,5 não necessitam de tal procedimento em
suas ações cotidianas. 65% enfatizam a necessidade dos encaminhamentos
aos recursos institucionais em seus atendimentos, e 47% ressaltam as ações
de educação e saúde, bem como a importância do estabelecimento do contato
prévio ou de seguimento com os Conselhos Tutelares. 35,3% lembram de fazer
referência à relevância do esclarecimento aos usuários sobre o papel da
notificação e do Conselho Tutelar. 29,4% referem-se à elaboração de sumários
sociais complementares à notificação enquanto prática cotidiana. 23,5%
registram a preocupação em encaminhar os responsáveis ao Conselho Tutelar
no ato da notificação. Apenas 18% destacam a ação do acolhimento aos
usuários e o mesmo percentual preocupa-se em realizar perfil sócio-familiar.
12% referem-se à importância de emitirem parecer e só 6% ressaltam o papel
da ação interdisciplinar.
Percebe-se que poucos profissionais fizeram referências às atividades de
caráter educativas, informativas, acolhedor e assistencial. Tal contradição pode
7. ser decorrente de fatores diversos, os quais ultrapassam o objetivo do presente
trabalho. Entretanto, acredita-se que a atual cultura institucional hegemônica
traduz-se em rotinas institucionais esvaziantes do sentido ampliado de saúde,
tal qual possibilitasse a assistência para além do caráter curativo e emergencial
das enfermidades, e, conseqüentemente, favorecendo as ações de promoção
da saúde.
Assim, o profissional de Serviço Social, como diria Vasconcelos (2002), acaba
sendo envolvido em ações paliativas, imediatas e de grande sobrecarga, as
quais, nem sempre, o competem, mas que o subordinam mais ao atendimento
das demandas institucionais e de outros segmentos profissionais, em
detrimento da intervenção de maior impacto sócio-educativo. Evidência mais
constante de tal perspectiva, pode ser localizada na institucionalização da
atribuição, quase exclusiva, de notificação compulsória de maus-tratos aos
assistentes sociais.
4.3 - Principais dificuldades vivenciadas junto aos Conselhos Tutelares.
A natureza dos diversos tipos de intervenção do Serviço Social, resultantes das
várias formas de inserção dos assistentes sociais na equipe (emergência
dia/noite, enfermaria de Pediatria e demais enfermarias), definirá também a
forma de relacionamento com os Conselhos Tutelares, podendo ser eventuais
e voltadas para soluções de questões imediatas, ou constantes, pretendendo
inclusive participar do encaminhamento efetivo das situações de maus-tratos
notificadas.
A equipe de Serviço Social, de modo geral, localiza os entraves vivenciados
junto aos Conselhos Tutelares em aspectos bastante pulverizados, em virtude
das formas diferenciadas de intervenção Assim, verifica-se que a maioria da
equipe localizou a principal dificuldade no acesso aos Conselhos Tutelares fora
do horário comercial (35,3%), experiência essa, característica dos plantonistas
de final de semana e do horário noturno. 29,4% reclamam da falta de retorno
dos casos encaminhados, dado encontrado no posicionamento de assistentes
sociais de vários setores. O mesmo percentual diz a respeito à falta de postura
ética dos conselheiros para com os profissionais. 23,5% sinalizam a relação
unilateral dos conselheiros em relação aos casos atendidos. Destaca-se a
citação de 17,6% sobre a falta de definição nas orientações dos conselheiros,
bem como da ausência de preparo técnico. Um percentual menor (11,8%) de
assistentes sociais referiu-se a desorganização no processo de trabalho dos
Conselhos, incluindo a demora no encaminhamento dos casos. O mesmo
percentual ressaltou a falta de infra-estrutura (fax, viatura, linha telefônica, etc.).
A minoria dos assistentes sociais (6%) enfatizou o abuso de poder; a omissão
de alguns conselheiros sobre suas atribuições e a falta de reconhecimento
pelos Conselhos sobre as características das diversas unidades.
A definição da equipe de Serviço Social sobre os entraves vivenciados junto
aos Conselhos Tutelares evidencia a falta de sintonia entre ambos os
segmentos, os quais ignoram as contradições dos respectivos universos
institucionais. Tal limitação restringe também a necessária parceria desses
8. segmentos na defesa e na promoção dos direitos da criança e do adolescente,
já que a própria legislação específica ressalta a necessária ação articulada
entre os vários segmentos da sociedade civil.
4.4 - Conselhos Tutelares com os quais encontra maior dificuldade de
relacionamento.
O Conselho Tutelar de Ramos, por abranger os bairros dos quais provém a
maioria dos usuários do HEGV, é aquele com o qual a equipe mantém mais
contato, sendo apontado também como aquele de maior dificuldade de
relacionamento (64%), seguido pelo Conselho Tutelar de Madureira (47%) e
pelo Conselho Tutelar de Duque de Caxias (23%). Apenas 23% dos membros
da equipe afirmam não terem tido qualquer dificuldade na relação com os
Conselhos Tutelares. Cabe considerar nos percentuais referidos que alguns
profissionais citaram mais de um Conselho.
4.5 - Sugestões para melhoria na relação com os Conselhos Tutelares:
O item referente às sugestões para a melhoria na relação com os Conselhos
Tutelares foi o que revela maior convergência entre os assistentes sociais,
independentemente da forma de inserção na equipe. Assim, 70% defendem
maior intercâmbio dos Conselhos Tutelares com profissionais de saúde; 40%
defendem a necessidade de encontros ou seminários regulares; 30% dos
assistentes sociais sugerem a capacitação sistemática dos conselheiros; 17%
propõem um relatório mensal emitido pelos Conselhos Tutelares dos casos
encaminhados pelas unidades de saúde; 10% destacam a necessidade de
atualização da lista de telefones celulares; relação de novos conselhos criados,
6% esperam melhor orientação sobre os casos nos quais a orientação se faz
necessário, 6% sugerem que os celulares estejam permanentemente ligados,
6% esperam que haja maior esclarecimento quanto às características de cada
unidade, 6% acreditam que seja necessário maior capacitação dos demais
profissionais de saúde e 6% defendem que haja maior presença dos
conselheiros na unidade.
A concentração de indicação da necessidade de maior intercâmbio com os
Conselhos Tutelares (70%) pode estar associada à motivação para a adesão
da equipe à proposta de realização do levantamento junto aos Conselhos
Tutelares e do Seminário já referido na introdução deste trabalho. Cabe
ressaltar que a maioria da equipe visitou os Conselhos pelos seus meios
próprios e, alguns, durante o seu horário de folga.
5 – Considerações finais.
A oportunidade de aproximação com os Conselhos Tutelares pode favorecer a
constatação de que os avanços jurídicos conquistados a partir da promulgação
do ECA tornam-se incompatíveis com a atual condição de funcionamento
desses importantes espaços na busca de aplicação da lei.
9. O descomprometimento do poder público, em particular dos Prefeitos, com o
aparelhamento adequado dos Conselhos; manutenção dos equipamentos;
melhor remuneração dos conselheiros; bem como com a ampliação do número
de Conselhos existentes, fica bastante evidenciado no levantamento
realizado .A falta de vontade política e a tendência ao tratamento da política
pública enquanto mérito do executivo ou legislativo, nos moldes da cultura
política tradicional, é a tendência que se verifica, com poucas exceções.
A inexistência das Redes de Proteção Social nos moldes proposto pelo
Ministério da Saúde4 na maioria dos municípios, inclusive no do Rio de
Janeiro, é o retrato da ausência de políticas públicas, em particular, das
voltadas para o segmento infanto-juvenil.
Por outro lado, cabe à sociedade civil reassumir o seu protagonismo na defesa
de políticas públicas inclusivas, mobilizando-se e participando dos espaços
políticos conquistados a fim de pressionar o poder público ao cumprimento de
seu papel.
A acentuação dos níveis de exclusão social e, conseqüentemente, o
crescimento da violência, as quais atingem prioritariamente as crianças e
adolescentes, configuram a urgência no enfrentamento dos dilemas
apresentados.
Considerando-se a violência enquanto relevante questão de saúde pública, e
as repercussões da mesma para o desenvolvimento físico e emocional do frágil
segmento de crianças e adolescente, acredita-se que caiba aos serviços de
saúde o estabelecimento de uma política institucional mais abrangente,
articulada, especializada , com ênfase nas ações de prevenção e promoção da
saúde.
O Serviço Social no Hospital Estadual Getúlio Vargas espera estar fazendo a
sua parte na busca de parceria com os Conselhos Tutelares, a exemplo da
organização dos levantamentos explicitados e do “I Seminário sobre a atuação
do Serviço Social junto aos Conselhos Tutelares da Região Metropolitana” em
25.05.2004. O evento contou com a presença de conselheiros e técnicos
representando 09 Conselhos Tutelares, além de profissionais e estagiários de
diversas áreas atuando no HEGV. Consideramos limitado o número de
Conselhos presentes, mas, certamente, um passo significativo nesta
caminhada.
6– Referências bibliográficas.
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Conselhos Tutelares. Rio de Janeiro”. (mimeo). 2004.
Notas:
1 Assistentes sociais do Hospital Estadual Getúlio Vargas, atuando na
enfermaria de Pediatria.
2 A equipe é composta de 21 assistentes sociais, sendo que: 9 atuam nas
enfermarias, incluindo CTI e triagem na sala do Serviço Social; 8 atuam no
setor de emergência durante o dia; e 4, no setor de emergência, durante a
noite. Destes, 19 atuam em regime de plantão e 2 são diaristas, atuando nas
enfermarias.
3 DESLANDES, Suely F. “Prevenir a violência. Um desafio para profissionais
de saúde”. Rio de Janeiro:ENSP/Fiocruz, 1997.
4 BRASIL. Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e
adolescentes: um passo a mais na cidadania em saúde. 2a ed.rev.
Brasília: Ministério da Saúde. 2002.