O documento fornece um sumário detalhado de nove módulos e unidades didáticas sobre processos de trabalho em serviço social, estratégias de trabalho em serviço social, sociedade e cidadania, terceiro setor e serviço social, e conselhos populares e cidadania. O documento discute vários tópicos relacionados ao serviço social, incluindo diagnóstico, projetos sociais, trabalho e relações sociais, divisão social do trabalho, produção social e valor, entre outros.
1. Educação
sem fronteiras
SERVIÇO
SOCIAL
Autores
Edilene Maria de Oliveira Araújo
Elisa Cléia Pinheiro Rodrigues Nobre
Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
Maria Aparecida da Silva
Maria Roney de Queiroz Leandro
5
www.interativa.uniderp.br
www.unianhanguera.edu.br
Anhanguera Publicações
Valinhos/SP, 2009
00 - Servico Social - 5 Sem.indd 1 1/5/09 3:52:57 PM
3. AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
Nossa Missão, Nossos Valores
____________________
A Anhanguera Educacional completa, em 2009, 15 anos. Desde sua fundação, buscou a ino-
vação e o aprimoramento acadêmico em todas as suas ações e programas. É uma Instituição de
Ensino Superior comprometida com a qualidade dos cursos que oferece e privilegia a preparação
dos alunos para a realização de seus projetos de vida e sucesso no mercado de trabalho.
A missão da Anhanguera Educacional é traduzida na capacitação dos alunos e estará sempre
preocupada com o ensino superior voltado às necessidades do mercado de trabalho, à adminis-
tração de recursos e ao atendimento aos alunos. Para manter esse compromisso com a melhor
relação qualidade/custo, adotou-se inovadores e modernos sistemas de gestão nas instituições de
ensino. As unidades no Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul preservam a missão e difundem os valores da
Anhanguera.
Atuando também no Ensino à Distância, a Anhanguera Educacional orgulha-se de poder es-
tar presente, por meio do exemplar trabalho educacional da UNIDERP Interativa, nos seus pólos
espalhados por todo o Brasil.
Boa aprendizagem e bons estudos!
Prof. Antonio Carbonari Netto
Presidente — Anhanguera Educacional
iii
4. Apresentação
____________________
A Universidade Anhanguera/UNIDERP, ao longo de sua existência, prima pela excelência no
desenvolvimento de seu sólido projeto institucional, concebido a partir de princípios modernos,
arrojados, pluralistas, democráticos.
Consolidada sobre patamares de qualidade, a Universidade conquistou credibilidade de par-
ceiros e congêneres no País e no exterior. Em 2007, sua entidade mantenedora (CESUP) passou
para o comando do Grupo Anhanguera Educacional, reconhecido pelo seu compromisso com
a qualidade do ensino, pela forma moderna de gestão acadêmico-administrativa e pelos seus
propósitos responsáveis em promover, cada vez mais, a inclusão e ascensão social.
Reconhecida por sua ousadia de estar sempre na vanguarda, a Universidade impôs a si mais
um desafio: o de implantar o sistema de ensino a distância. Com o propósito de levar oportuni-
dades de acesso ao ensino superior a comunidades distantes, implantou o Centro de Educação
a Distância.
Trata-se de uma proposta inovadora e bem-sucedida, que em pouco tempo saiu das fronteiras
do Estado do Mato Grosso do Sul e se expandiu para outras regiões do País, possibilitando o
acesso ao ensino superior de uma enorme demanda populacional excluída.
O Centro de Educação a Distância, atua por meio de duas unidades operacionais, a Uniderp
Interativa e a Faculdade Interativa Anhanguera(FIAN), em função dos modelos alternativos ofe-
recidos e seus respectivos pólos de apoio presencial, localizados em diversas regiões do País e ex-
terior, oferecendo cursos de graduação, pós-graduação e educação continuada e possibilitando,
dessa forma, o atendimento de jovens e adultos com metodologias dinâmicas e inovadoras.
Com muita determinação, o Grupo Anhanguera tem dado continuidade ao crescimento da
Instituição e realizado inúmeras benfeitorias na sua estrutura organizacional e acadêmica, com
reflexos positivos nas práticas pedagógicas. Um exemplo é a implantação do Programa do Livro-
Texto – PLT, que atende às necessidades didático-pedagógicas dos cursos de graduação, viabiliza
a compra pelos alunos de livros a preços bem mais acessíveis do que os praticados no mercado e
estimula-os a formar sua própria biblioteca, promovendo, dessa forma, a melhoria na qualidade
de sua aprendizagem.
É nesse ambiente de efervescente produção intelectual, de construção artístico-cultural, de
formação de cidadãos competentes e críticos, que você, acadêmico(a), realizará os seus estudos,
preparando-se para o exercício da profissão escolhida e uma vida mais plena em sociedade.
Prof. Guilherme Marback Neto
5. AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
Autores
____________________
EDILENE MARIA DE OLIVEIRA ARAÚJO
Graduação: Serviço Social – Faculdades Unidades Católica de Mato Grosso – FUCMT – 1986
Especialização: Formação de Formadores em Educação de Jovens e Adultos –
Universidade Nacional de Brasília – UNB – 2003
Especialização: Gestão de Iniciativas Sociais –
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – 2002
ELISA CLÉIA PINHEIRO RODRIGUES NObRE
Graduação: Serviço Social – Universidade Católica Dom Bosco, UCDB – 1992
Especialização em Políticas Sociais – Universidade do
Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP – 2003
Mestrado em Educação – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS – 2007
HELENROSE APARECIDA DA SILVA PEDROSO COELHO
Graduação: Ciências Sociais/Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP, Campinas /SP – 1982
Graduação: Psicologia/Universidade Católica
Dom Bosco – UCDB, Campo Grande/MS – 1992
Graduação: Direito/Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP, Campo Grande/MS – 2004
Especialização: Gestão Judiciária Estratégica
Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, CEFETMT – 2007
Mestrado: A Construção dos Sentidos de Promoção e
Prevenção de Saúde na Mídia Impressa – UCDB – Campo Grande/MS, 2006
MARIA APARECIDA DA SILVA
Graduação: Serviço Social/Faculdades Unidas
Católicas Dom Bosco – FUCMT/ Campo Grande-MS – 1984
Especialização: Educação na Área da Saúde/Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, 1985
Mestrado: Saúde Coletiva/Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS, 1998
MARIA RONEY DE QUEIROZ LEANDRO
Graduação: Serviço Social/Faculdades Unidas
Católicas Dom Bosco – FUCMT/Campo Grande-MS/1987
Especialização: Saúde Pública – Escola Nacional
de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz/1993
v
6.
7. AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
Sumário
____________________
MÓDULO – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
UNIDADE DIDÁTICA – ESTÁGIO SUPERVIONADO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
O diagnóstico como ferramenta de trabalho do serviço social ......................................... 3
AULA 2
Projetos sociais: solucionando problemas .......................................................................... 10
UNIDADE DIDÁTICA – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
Trabalho e relações sociais na sociedade contemporânea ................................................. 19
AULA 2
Divisão social do trabalho ................................................................................................... 24
AULA 3
Produção social e valor ........................................................................................................ 29
AULA 4
Trabalho assalariado, capital e propriedade ........................................................................ 37
AULA 5
Processos de trabalho e produção da riqueza social ........................................................... 43
AULA 6
O trabalho coletivo – trabalho e cooperação ...................................................................... 48
AULA 7
Trabalho produtivo e improdutivo ...................................................................................... 52
AULA 8
A polêmica em torno da crise da sociedade do trabalho .................................................... 59
AULA 9
Trabalho e sociedade em rede .............................................................................................. 65
UNIDADE DIDÁTICA – ESTRATÉGIAS DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
A inserção do assistente social nos processos do trabalho e as estratégias de trabalho
em serviço social ................................................................................................................... 75
AULA 2
Trabalho e serviço social: demandas tradicionais e demandas atuais ................................ 78
AULA 3
O redimensionamento da profissão: o mercado, as condições de trabalho, as
perspectivas e competências profissionais........................................................................... 81
vii
8. AULA 4
Condições de trabalho e respostas profissionais. A relação assistente social e usuários
dos serviços sociais ............................................................................................................... 86
AULA 5
As demandas e a intervenção profissional no âmbito das relações entre o estado e a
sociedade ............................................................................................................................... 89
AULA 6
A dimensão ético-política da prática profissional e o serviço social como instrumento
de cidadania e garantia de direitos....................................................................................... 92
AULA 7
Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do
trabalho profissional – Parte 1 ............................................................................................. 95
AULA 8
Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do
trabalho profissional – Parte 2 ............................................................................................. 99
AULA 9
Instrumentos, metodologias e técnicas utilizados pelo serviço social na busca de
respostas as demandas do trabalho...................................................................................... 103
SEMINÁRIO INTEGRADO...................................................................................................... 108
MÓDULO – SOCIEDADE E CIDADANIA
UNIDADE DIDÁTICA – TERCEIRO SETOR E SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
Considerações históricas sobre a emergência do terceiro setor ......................................... 111
AULA 2
Terceiro setor: conceitos, objetivos e características ........................................................... 114
AULA 3
Questões sociais, serviço social e as relações com o terceiro setor ..................................... 118
AULA 4
Organizações de interesse público e legislações pertinentes .............................................. 122
AULA 5
As organizações de interesse público e a gestão das políticas sociais ................................. 127
AULA 6
Responsabilidade social e suas dimensões........................................................................... 131
AULA 7
Voluntariado ......................................................................................................................... 135
AULA 8
O voluntariado no terceiro setor.......................................................................................... 140
AULA 9
Financiamento do terceiro setor .......................................................................................... 144
9. AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
UNIDADE DIDÁTICA – CONSELHOS POPULARES E CIDADANIA
AULA 1
Contexto da cidadania .......................................................................................................... 153
AULA 2
Participação e controle social: instâncias de cidadania....................................................... 159
AULA 3
Conselhos de políticas públicas: assistência social .............................................................. 169
AULA 4
Conselhos de políticas públicas: saúde ................................................................................ 174
AULA 5
Conselhos de defesa de direitos: do idoso e da pessoa com deficiência ............................. 179
AULA 6
Conselhos de defesa de direitos: da criança e do adolescente (ECA)................................. 187
AULA 7
Conselhos de defesa de direitos: da mulher ........................................................................ 192
AULA 8
Conselhos de defesa de direitos: do indígena e do negro ................................................... 199
AULA 9
Atuação do profissional na efetivação do controle social ................................................... 207
SEMINÁRIO INTEGRADO...................................................................................................... 215
ix
10.
11. AULA 3 — Produção Social e Valor
Módulo
PROCESSO DE
TRABALHO EM
SERVIÇO SOCIAL
Professora Especialista Edilene Maria de Oliveira Araújo
Professora Especialista Maria Roney de Queiroz Leandro
Professora MSc. Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
17
12. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
Apresentação
Prezados acadêmicos!
Sejam bem-vindos ao módulo TRABALHO E SOCIEDADE. Espero que vocês estejam preparados para
promover boas reflexões sobre a questão do trabalho e sua importância para nós, seres humanos.
O tema é bastante instigante porque faz parte de uma realidade que nos é muito familiar e por isso mesmo
nos provoca tanto envolvimento, ora para criticar o modo capitalista de produção, ora para considerá-lo im-
portante para o desenvolvimento social.
De qualquer forma, são imprescindíveis para o futuro profissional do serviço social o conhecimento da
força-motriz de nossa sociedade e as relações decorrentes do trabalho. O entendimento de como se dão as
relações no trabalho e quais são as origens do capital e da força de trabalho promoverão uma melhor compre-
ensão do processo de alienação e da cristalização de ideologias dominantes. Assim, teremos um profissional
apto para lidar com as relações advindas do ambiente de trabalho, posto que compreenderá os mecanismos
de produção de valor em nossa sociedade.
Desejamos as boas-vindas e sigamos o nosso curso.
Professora Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
18
13. AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
AULA
____________________ 1
Unidade Didática – Processo de Trabalho em Serviço Social
TRABALHO E RELAÇõES SOCIAIS nA
SOCIEDADE COnTEMPORânEA
Conteúdo
• Noções sobre trabalho
• Importância do trabalho na sociedade capitalista
• As relações sociais que envolvem o ser humano e o trabalho
Competências e habilidades
• Compreender a importância do trabalho em nossa sociedade
• Refletir sobre as relações oriundas das relações do trabalho e sua importância para o serviço social
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal
• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.
• Sites relacionados: http://www.dieese.org.br
• Filme: O Germinal. Diretor: Claude Berri
Caracteriza perfeitamente o processo de produção do trabalho do modelo capitalista, a expansão
do chamado capital, mostrando assim, de uma forma bem clara, os opostos entre as necessidades
humanas e as materiais. O filme se passa na França do século XIX e transmite muito bem aquele
determinado momento histórico e seu contexto social, econômico e político e, é claro, cultural. Para
obtermos uma análise satisfatória se torna necessário o conhecimento dos antecedentes da Revolu-
ção Industrial, nele presentes.
Duração
2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO elemento inerente à existência do homem e como
Vamos verificar nos nossos estudos a impor- mola propulsora de seu desenvolvimento perante as
tância do trabalho para o ser humano. O trabalho limitações primitivas impostas pela sua fragilidade
aparece desde os primórdios como a necessidade diante do meio ambiente.
de o homem intervir sobre a natureza, produzindo A partir do trabalho, o homem foi tornando-se
os meios de sua sobrevivência e, dessa forma, clari- capaz de criar novas formas de interação com a
fica-se a noção de que o trabalho afigura-se como natureza, as quais permitiram o desenvolvimento
19
14. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
amplo do gênero humano, estendendo-se às formas atores sociais que buscam apresentar soluções e
de organização social, sempre alicerçadas na orga- fazer reflexões para um dos principais problemas
nização do trabalho e da produção social, conforme enfrentados por grande parte dos países. E não
entendimento de Engels, 1979, p. 269-280. apenas a isso se resume o debate. Distribuição de
Com a consolidação do sistema capitalista, como renda, diminuição de desigualdades e promoção de
modo de produção, essa noção de centralidade do desenvolvimento social são temas recorrentes, des-
trabalho na sociabilidade humana desvendado sob dobramentos, ainda que superficiais, daquilo que
a ótica de exploração dentro de uma sociedade de pode ser considerado uma das principais crises no
classes foi objeto de vasta produção teórica e políti- mundo do trabalho dentro da sociedade burgue-
ca, impulsionando grandes transformações e revo- sa. E daí a importância do profissional do serviço
luções sociais a partir de meados do século XIX. social na compreensão e reflexão sobre essas ques-
Dentro do processo histórico, inúmeros abusos tões, compreendendo sua origem e os rumos toma-
foram cometidos dentro do mundo do trabalho e dos na atualidade.
impulsionaram a luta social pelo reconhecimento Não é só a sobrevivência que dá significado ao
de direitos mínimos da dignidade humana e, com trabalho, mas, no dizer de Engels, op. cit., também
base no desenvolvimento de ideários novos de or- o desenvolvimento de habilidades manuais e inte-
ganização social do trabalho, instaurou-se, no cam- lectuais é proporcionado por ele, porque o homem
po ideológico, uma grande disputa no seio da so- com a necessidade desenvolveu técnicas utilizando
ciedade burguesa, até mesmo dentro do campo de o corpo nas atividades de trabalho e iniciou uma
atuação do assistente social, pois o trabalho na área nova forma de vida em grupo, desenvolvendo a lin-
social vai saindo paulatinamente das mãos da Igreja guagem e as relações sociais.
e do ideário da caridade e passando ao Estado e à Graças à cooperação das mãos, dos órgãos da
sociedade dentro das idéias capitalistas. linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo,
mas também na sociedade, os homens foram apren-
No art. 193, Título VIII, Capítulo II, Seção I – Da Or- dendo a executar operações cada vez mais comple-
dem Social, a Constituição Federal de 1988 aponta xas, a propor-se a alcançar objetivos cada vez mais
que a ordem social brasileira tem como base o prima- elevados (ENGELS, 1979, p. 275).
do do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça A especialização da mão implica o aparecimento
sociais. da ferramenta, que, por sua vez, implica atividade
especificamente humana, a ação do homem sobre a
Assim, grande parte da história do século XX en- natureza, que resultará na produção de bens. E esse
cerrou a disputa entre concepções diversas no que homem vai cada vez mais exercer sua força sobre
tange à organização social do trabalho, e o mundo a natureza, para dominá-la, diferenciando-se dos
dividiu-se geopoliticamente na afirmação dessa dis- animais.
puta, com conseqüências como a Guerra Fria, a Cri- No início o homem praticava a caça e a pesca e,
se do Petróleo etc. mais tarde, a agricultura. Com o passar do tempo
Nos dias de hoje, o debate sobre o mundo do tra- surgem a fiação, a tecelagem, a elaboração de me-
balho continua desenvolvendo-se com enfoque na tais, a olaria e a navegação, tudo graças a esse de-
hegemonia político-ideológica capitalista. Obser- senvolvimento de habilidades oriundas do trabalho.
va-se essa questão discutida através do espaço cada Aparecem o comércio e os ofícios acompanhados
vez maior que se dá ao debate cujo tópico é em rela- das artes e das ciências, bem como as nações e os
ção ao emprego na sociedade contemporânea, im- Estados. De acordo com Engels, 1979, p. 275, o rá-
pulsionando pesquisadores, políticos, movimentos pido progresso da civilização foi atribuído exclusi-
sociais, organizações internacionais e tantos outros vamente à cabeça, ao desenvolvimento e à atividade
20
15. AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
do cérebro, e os homens acostumaram-se a explicar tituindo a divisão do trabalho entre as diversas cor-
seus atos pelos seus pensamentos em vez de procu- porações pela divisão do trabalho dentro de cada
rar essa explicação em suas necessidades. oficina.
Continuando a crescer, vemos o mercado da ma-
Diferentemente dos animais que utilizam a natureza e nufatura também se tornando insuficiente para abas-
a modificam pelo simples fato de sua presença, o ho- tecê-lo, tomando o seu lugar a grande indústria mo-
mem modifica a natureza, dominando-a por meio do derna, através da Revolução Industrial, onde a má-
trabalho. quina a vapor revolucionou a produção industrial.
A grande indústria criou o mercado mundial,
para o qual a descoberta da América preparou o
RETROSPECTIVA HISTÓRICA terreno. O mercado mundial deu um imenso desen-
Ao fazermos uma rápida retrospectiva histórica, volvimento ao comércio, à navegação e às comuni-
percebemos que a Grécia Antiga valorizava o ócio cações por terra. Esse desenvolvimento, por sua vez,
para seus cidadãos, o qual somente era possível pela reagiu sobre a extensão da indústria; e na proporção
exploração do trabalho escravo. Em um determi- em que a indústria, o comércio, a navegação, as fer-
nado momento, quem sabe por oposição aos ideais rovias cresciam, a burguesia também se desenvolvia,
greco-romanos de ócio, o cristianismo intentou aumentava seus capitais e colocava num plano se-
recuperar o valor do trabalho sem colocá-lo como cundário todas as classes legadas pela Idade Média.
valor maior da existência. Podemos observar até Entretanto, a partir da segunda metade do sécu-
os dias de hoje que o trabalho ainda é utilizado e lo XVIII, iniciou-se na Inglaterra a mecanização
valorizado como ponto central da dinâmica social industrial, desviando a acumulação de capitais da
em que atuamos, sem que haja uma reflexão maior atividade comercial para o setor da produção. Esse
sobre o contexto em que ela foi gerada e com que fato trouxe grandes mudanças, tanto de ordem eco-
finalidade, pois à época era necessário incutir esse nômica quanto social, que possibilitaram o desapa-
ideal, pois o capitalismo iniciava seu processo de recimento dos restos das relações e práticas feudais
desenvolvimento como novo modelo econômico e ainda existentes e a definitiva implantação do modo
precisava conquistar aliados para seu ideal. de produção capitalista.
Para o entendimento dos fatores que envolvem
a crise do mundo do trabalho atual, é fundamen- Simultaneamente ao desenvolvimento do capital tam-
tal a compreensão do desenvolvimento histórico da bém se desenvolve o proletariado, a classe operária
sociedade capitalista. Para tanto é preciso situar a moderna, que para Marx e Engels, (2001):
transição do regime feudal ao capitalista pela expan- (...) vivem apenas na medida em que encontram tra-
são ultramarina e a formação de novos mercados: o balho e que só encontram trabalho na medida em que
mercado das Índias Orientais e da China, a coloni- o seu trabalho aumente o capital. Tais operários, obri-
zação da América, o intercâmbio com as colônias, o gados a se vender por peça, são uma mercadoria como
aumento dos meios de troca e das mercadorias em qualquer outro artigo de comércio...”
geral deram ao comércio, à navegação e à indústria
um impulso jamais conhecido e, em conseqüência, Nessa fase inicial do capitalismo notadamente, o
favoreceram o rápido desenvolvimento do elemen- proletariado acaba concentrado em grandes massas,
to revolucionário na sociedade feudal em decom- submetidas a péssimas condições de trabalho.
posição. A primeira metade do século XX foi marcada por
Diante do crescimento desses novos mercados, uma série de calamidades: as duas guerras mun-
o modo de exploração feudal não atendia mais às diais, os impérios coloniais que ruíram, duas ondas
suas necessidades, dando lugar à manufatura, subs- de rebelião e revolução que significaram a ascensão
21
16. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
ao poder de um sistema colocado como alternativa ma capitalista, um grau esclarecedor do processo
histórica à sociedade burguesa e que, após a Segunda de desenvolvimento filogenético da espécie e repre-
Guerra Mundial, representou um terço da popula- sentativo da condição humana. O exercício de ativi-
ção mundial. Além disso, o ano de 1929 apresentou dades coletivas e de trabalho conjunto é apontado
uma crise econômica sem precedentes, até mesmo como responsável pelo surgimento das especifici-
abalando economias capitalistas mais fortes, cau- dades próprias do homo sapiens, como pensamento,
sando o quase desaparecimento das instituições e consciência e linguagem (LEONTIEV, 1978). Por
da democracia liberal. meio da análise do trabalho alienado, Marx (1989)
Enquanto a economia balançava, as instituições o apresenta como conferindo a qualificação de hu-
da democracia liberal praticamente desapareceram mano ao seu portador, a partir de uma concepção
entre 1917 e 1942; restaram apenas uma borda da de natureza humana que se constitui na inserção no
Europa e partes da América do Norte e da Austrália. mundo das relações sociais.
Enquanto isso, avançavam o fascismo e os movi- O trabalho é um momento efetivo de colocação
mentos e regimes autoritários. de finalidades humanas, dotado de intrínseca di-
A democracia só se salvou porque houve uma mensão teleológica. E, como tal, mostra-se como
aliança temporária entre o capitalismo liberal e o co- uma experiência elementar da vida cotidiana, nas
munismo: basicamente a vitória sobre a Alemanha respostas que oferece às necessidades sociais. Reco-
de Hitler foi conseqüência do Exército Vermelho. nhecer o papel fundamental do trabalho na gênese
De muitas maneiras, esse período de aliança capita- e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à
lista-comunista contra o fascismo – sobretudo nas dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidia-
décadas de 1930 e 1940 – constitui o ponto crítico na, como ponto de partida para a generalidade para
si dos homens (ANTUNES, 2001, p. 168).
da história do século XX e seu momento decisivo.
O trabalho aparece, definitivamente, como um
Após a depressão de 1929, o fascismo e a guerra,
operador fundamental na própria construção do
houve um surpreendente salto para a Era do Ouro
sujeito, revelando-se também como um mediador
(denominação de Eric Hobsbawn), que dura de
privilegiado, senão único, entre inconsciente e cam-
1947 a 1973.
po social e entre ordem singular e ordem coletiva.
Neste contexto a recuperação dos estragos da
Não é apenas um teatro aberto ao investimento
guerra foi a prioridade para os países europeus e
subjetivo, mas um espaço de construção do sentido
o Japão, sendo que ela significava, acima de tudo,
e, portanto, de conquista de identidade, da conti-
o medo de revolução social e avanço comunista. A
nuidade e da historicização do sujeito (DEJOURS e
partir de meados da década de 1950, os avanços ma-
ABDOUCHELI, 1994).
teriais se tornaram palpáveis para estas nações.
Em uma perspectiva materialista histórico-dialé-
Este grande desenvolvimento foi alcançado gra-
tica, o trabalho é a fonte de toda riqueza, conforme
ças à implantação de modelos de produção que se
explicitado por Engels no texto O papel do trabalho
disseminaram pelas indústrias de todo o mundo, na transformação do macaco em homem, fonte tam-
buscando a ampliação de mercados a partir da pro- bém de prazer e de realização humanas. A categoria
dução para um mercado de massa. Estudaremos ontológica do marxismo permite entender que, ao
mais detalhadamente esses modelos de produção realizar trabalho, o ser humano abandona a depen-
nas próximas aulas. dência para com a natureza e adentra a aventura do
especificamente humano. Visto assim, o trabalho é
CONSIDERAÇÕES FINAIS produto do homem e ao mesmo tempo produtor
O trabalho alcançou, na sociedade ocidental, a do ser, da cultura e da civilização humana, objeti-
partir da implantação e da consolidação do siste- vando sistemas de comunicação e de inter-relação
22
17. AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
humanos que determinaram o desenvolvimento de existência em tempos distintos, porém articulados à
nossa sociedade. Trabalhar, então, tem o significado dimensão da produção necessária ao capital. A alie-
de garantir as condições objetivas e subjetivas para nação do trabalho consiste no fato de o trabalhador
a manutenção e o desenvolvimento da existência do não conseguir ter a visão de pertencer ao processo
homem, o que só poderia trazer satisfação e prazer. de produção, de ser o gerador de um determinado
Entretanto, quando se analisa o sistema produ- produto, de fazer parte daquele trabalho; ele acaba
tivo capitalista, o trabalho, para uma grande fatia não se reconhecendo como parte do produto final.
da população, deixa de possuir tais possibilidades e Esse conceito é muito importante para o futuro pro-
expectativas e se consolida, na verdade, como fon- fissional de serviço social, porque ele é fator gerador
te de desprazer, causando tensão e sofrimento, não de sérios mecanismos desencadeadores de mal-es-
permitindo a criatividade e até mesmo o usufruto tar, sofrimento e desigualdades na esfera social.
de seus resultados. Todos esses motivos consolidam Assim, concluindo, observamos a importância do
um tipo de trabalho chamado por Marx de traba- trabalho na interação do ser humano com os outros
lho alienado, haja vista que se baseia na exploração e na formação da sociedade e sua estruturação em
do tempo de trabalho do trabalhador e divide sua torno do trabalho.
* AnOTAÇõES
23
18. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
Unidade Didática – Processo de Trabalho em Serviço Social
AULA
____________________ 2
DIVISãO SOCIAL DO TRABALHO
Conteúdo
• A divisão social do trabalho
• A estruturação da sociedade capitalista
Competências e habilidades
• Entender como se dão a divisão social do trabalho e os seus reflexos em outros setores da sociedade
• Compreender a importância para o serviço social da divisão social do trabalho
• Refletir sobre a repercussão da divisão social do trabalho no cotidiano dos trabalhadores
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal
• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.
• Sites relacionados: http://mariag.multiply.com/reviews/item/135
• Filme: Tempos Modernos. De e com Charles Chaplin, fala sobre o modo da produção capitalista,
retratando a exploração do trabalho e a forma mecanicista adotada no trabalho da indústria a partir
do início do século XX.
Duração
2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO ria e determinado pelo tempo de trabalho socialmen-
Veremos como nasceram as teorias clássicas da te necessário para a produção da mercadoria.
Economia para podermos entender como foram Desenvolveu o estudo sobre a mercadoria a partir
elaboradas as teorias sobre o trabalho. do pressuposto de que a riqueza das sociedades, regi-
A economia política clássica nasceu na Inglaterra, o das pela produção capitalista, é a acumulação de mer-
mais evoluído país capitalista. Estudando o seu regime cadorias (considerada em qualidade e quantidade) e
econômico, Adam Smith e David Ricardo lançaram as que a mercadoria, a forma elementar dessa riqueza,
bases da teoria do valor do trabalho. Marx deu um possui dois fatores: valor de uso e valor de troca.
fundamento estritamente científico a essa teoria, de- O valor de uso está relacionado à utilidade da
senvolvendo-a de maneira coerente, e inovou-a com o mercadoria, sua utilização ou seu consumo, e é con-
conceito de valor como sendo intrínseco à mercado- siderado como o conteúdo material da riqueza.
24
19. AULA 2 — Divisão Social do Trabalho
e sua aplicação tecnológica, a organização social
Marx observa que para se chegar ao valor-de-uso e
do processo de produção e as condições naturais.
como conseqüência gerar a riqueza material não basta
(...) Generalizando: quanto maior a produtividade
apenas o trabalho, é necessário combiná-lo com os re-
do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho re-
cursos naturais, como nessa passagem:
querido para produzir uma mercadoria, e quanto
“O homem, ao produzir, só pode atuar como
menor a quantidade de trabalho que nela se crista-
a própria natureza, isto é, mudando as formas
liza, tanto menor seu valor. Inversamente, quanto
da matéria. E mais. Nesse trabalho de trans-
menor a produtividade do trabalho, tanto maior
formação, é constantemente ajudado pelas
o tempo de trabalho necessário para produzir um
forças naturais. O trabalho não é, por conse-
artigo e tanto maior seu valor. A grandeza do valor
guinte, a única fonte dos valores de uso que
de uma mercadoria varia na razão direta da quanti-
produz da riqueza material. Conforme diz
dade e na inversa da produtividade do trabalho que
Willian Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é
nela se aplica.”
a terra.” (p. 50)
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
Quando a mercadoria passa a ser trocada por ou- Para Marx, em seu livro Manifesto Comunista, a
tra, ela adquire um valor de troca e, se for trocada sociedade moderna não substituiu a luta de clas-
por mais de uma mercadoria, diz-se que pode ter ses, apenas trocou classes antigas por novas, novas
um ou mais valores de troca de espécies diferentes. condições de opressão e, da mesma forma, novas
Como exemplo, Marx cita a possibilidade de uma formas de condições de luta. Nessa época da bur-
quantidade de trigo ser trocada por uma quantida- guesia a sociedade cada vez mais caminhava para
de de seda, outra de ouro e outra de graxa. dois grandes blocos inimigos – o proletariado e a
Na relação de troca entre a quantidade de um burguesia –, tendo passado, para Marx e Engels, por
produto e a de outro é que se percebe o seu valor. E um longo processo de desenvolvimento, pelos dife-
o valor é entendido como a quantidade de dispên- rentes modos de produção, haja vista o vertiginoso
dio do trabalho humano, da força de trabalho gas- papel fundamental que ocupou a burguesia ao lon-
ta em sua produção ou, melhor, da quantidade de go da história.
trabalho humano que nele se armazenou (trabalho Marx concebe a idéia de que a sociedade está
humano abstrato). A quantidade de trabalho mede- dividida em classes, cada uma com suas regras e
se pelo tempo de sua duração e o tempo de trabalho, condutas apropriadas, mas que estão inseridas em
por frações do tempo, como hora, dia, etc. um único sistema, que é o modo de produção ca-
Há desdobramentos a serem considerados para pitalista. A divisão social do trabalho é para Marx
se compreender a substância do valor de uma mer- “a totalidade das formas heterogêneas de trabalho
cadoria, que é o trabalho. Valor é mais bem enten- útil, que diferem em ordem, gênero, espécie e va-
dido conjugando quantidade produzida com a pro- riedade” (O Capital I, Cap. I).
dutividade alcançada nesse processo de produção, É interessante observar que Marx considera a
conforme Marx (p. 46-47) explana: divisão do trabalho não só como um meio para se
alcançar a produção de mercadorias, mas considera
“A grandeza do valor de uma mercadoria perma-
neceria, portanto, invariável, se fosse constante o
a divisão de tarefas entre os indivíduos, e ainda nas
tempo do trabalho requerido para sua produção. relações de propriedade. Assim, a divisão do traba-
Mas este muda com qualquer variação na produti- lho e a especialização das atividades em classes são
vidade (força produtiva) do trabalho. A produtivi- basicamente a divisão dos meios de produção e da
dade do trabalho é determinada pelas mais diversas força de trabalho. Modernamente, essa divisão se
circunstâncias, entre elas a destreza média dos tra- refere também à divisão internacional do trabalho,
balhadores, o grau de desenvolvimento da ciência que trata do trabalho nos diversos países e da divi-
25
20. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
são sexual do trabalho, referindo-se às diferencia- Revolução Industrial que se intensificaram-se e se
ções de gênero e de sexo feitas no trabalho. fragmentaram as tarefas, aumentando, por sua vez,
a produtividade.
No dicionário do Pensamento Marxista de Tom Bot- Observem que, nesse contexto, a força de traba-
tomore (p. 112) encontramos a seguinte definição lho se torna uma mercadoria, vendida ao empresá-
para a divisão do trabalho: rio capitalista por um salário, o que vem a reforçar
Primeiro, há a divisão social do trabalho, en- a teoria do economista inglês Adam Smith, de que
tendida como o sistema complexo de todas o trabalho seria a verdadeira fonte de riqueza da
formas úteis de trabalho que são levadas a sociedade. Esse conceito foi apropriado e ampliado
cabo independentemente umas das outras por Marx, o qual demonstra que a força de traba-
por produtores privados, ou seja, no caso do lho significa criação de valor, mas este é um valor
capitalismo, uma divisão do trabalho que se apropriado pelo capitalista e que aparentemente se
dá na troca entre capitalistas individuais e “perde” dentro do produto.
independentes que competem uns com os
A força de trabalho, ao ser negociado como mer-
outros.
cadoria, promove a completa separação do traba-
Em segundo lugar, a divisão de trabalho en-
lhador dos meios de produção, alienando o homem
tre trabalhadores, cada um dos quais execu-
de sua própria essência, que é o trabalho. Assim, a
ta uma operação parcial de um conjunto de
operações que são todas executadas simulta-
divisão social do trabalho e a divisão industrial do
neamente e cujo resultado é o produto social trabalho promovem a alienação e destroem as rela-
do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão ções entre os homens, uma vez que eles não têm do-
de trabalho que se dá na produção, entre o mínio do processo de produção e não se beneficiam
capital e o trabalho em seu confronto dentro do produto de seu trabalho.
do processo de produção. Embora esta divi- É sobre essa base material que se ergue a superes-
são do trabalho na produção e a divisão de trutura da sociedade moderna, segundo Marx. A su-
trabalho na troca estejam mutuamente rela- perestrutura é formada pela esfera jurídica, política e
cionadas, suas origens e seu desenvolvimento ideológica da sociedade, que, por sua vez, representa a
são de todo diferentes. forma como os homens estão organizados no proces-
so produtivo. Como afirma Marx: “O modo de pro-
Para Marx, as relações sociais de produção divi- dução condiciona o desenvolvimento da vida social,
dem os homens entre proprietários e não-proprie- política e intelectual em geral.” Nesse sentido, o Esta-
tários dos meios de produção. Esta formação, carac- do surge para garantir o interesse da classe dominan-
terística da sociedade capitalista, expressa as desi- te. Apesar de o Estado liberal difundir a idéia da defe-
gualdades nas quais se baseiam as classes sociais. sa da igualdade, Marx assim denuncia no Manifesto
Aqui cabe salientar que, no entender de Marx, a do Partido Comunista (1848): “A sociedade burguesa
divisão social do trabalho sempre existiu em todas moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,
as sociedades. Essa divisão é inerente ao trabalho não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão
humano e ocorre em relação a tarefas econômicas, substituir novas classes, novas condições de opressão,
políticas e culturais. Desde as sociedades tradicio- novas formas de luta às que existiram no passado”,
nais, a divisão do trabalho correspondia à divisão de referindo-se aos nobres e senhores feudais.
papéis por gênero, sendo sucedidas, mais tarde, pela Marx ressalta aqui a idéia de que é a burguesia a
divisão das atividades como a agricultura, o artesa- classe social que irá controlar o poder político, ide-
nato e o comércio. A divisão do trabalho surge com ológico e jurídico da sociedade.
o excedente da produção e a apropriação privada O estado de alienação do proletariado, resultado
das condições de produção. Foi ainda por meio da da divisão do trabalho, também se reflete nessas for-
26
21. AULA 2 — Divisão Social do Trabalho
mas de dominação da burguesia. Marx afirma que tão integrados na coletividade pela tradição e pelo
o Estado é um instrumento criado pela burguesia costume, ou seja, por uma consciência coletiva que
para garantir seu domínio econômico sobre o pro- indica suas formas padronizadas de pensamento ou
letariado, preservando e protegendo a propriedade conduta. O tipo de solidariedade apresentado nes-
privada dos meios de produção. O aparato jurídi- sas sociedades é a solidariedade mecânica.
co, por sua vez, seria o responsável por garantir a A solidariedade orgânica seria a solidariedade
igualdade entre os homens, camuflando a divisão típica da sociedade capitalista moderna. Essa soli-
da sociedade entre classes sociais distintas e com in- dariedade decorre da evolução da sociedade, que
teresses opostos. A ideologia seria a encarregada de promove a diferenciação social por meio da divi-
difundir a visão de mundo e os valores burgueses, são do trabalho. Portanto, a função da divisão so-
legitimando e consolidando seu poder. Conforme cial do trabalho seria a de criar um sentimento de
afirma Marx (1993): solidariedade entre os homens. Para Dürkheim, as
diferenças sociais criadas pela divisão social do tra-
“As idéias da classe dominante são, em cada época,
balho unem os indivíduos pela necessidade de troca
as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força
material dominante da sociedade é, ao mesmo tem- de serviços e pela sua interdependência: “O ideal de
po, sua força espiritual dominante. A classe que tem fraternidade humana só pode ser realizado na razão
à sua disposição os meios de produção material dis- do progresso da divisão do trabalho.”
põe, ao mesmo tempo, dos meios de produção es- Esta é uma das diferenças fundamentais entre
piritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, a teoria marxista e a teoria durkheimiana. Para
ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles Marx, as sociedades tradicionais apresentam uma
aos quais faltam os meios de produção espiritual. forma de divisão do trabalho, mesmo que baseadas
As idéias dominantes nada mais são do que a ex- na idade, gênero ou força física. O que diferencia
pressão ideal das relações materiais dominantes, as essa forma de divisão natural do trabalho pela divi-
relações dominantes concebidas como idéias; por-
são do trabalho no capitalismo é a ausência de um
tanto, a expressão das relações que tomam a classe
excedente na produção.
dominante; portanto, as idéias de sua dominação.”
Se para Dürkheim a divisão social do trabalho
Para Marx, a divisão do trabalho se estende para gera solidariedade, para Marx, a divisão do trabalho
além da produção material e exerce uma função de expressa os meios de segmentação da sociedade. Em
dominação da classe burguesa sobre a classe prole- caráter primeiro, a divisão do trabalho se refere à
tariada. Essa dominação se expressa nas formas de apropriação dos meios de produção pelo empresário
segmentação da sociedade, seja pela divisão social capitalista; em segundo, essa apropriação que distan-
do trabalho ou pela sua divisão industrial. cia o trabalhador dos meios de produção distancia o
No que se refere à divisão do trabalho, Dürkheim, trabalhador de si mesmo, provocando nele um estado
sociólogo e autor de um estudo sobre a divisão so- de alienação. Como vemos, ao se dividir a sociedade
cial do trabalho, considera que a característica fun- entre proprietários e não-proprietários dos meios de
damental da sociedade moderna é a divisão social produção, as classes sociais que daí surgem passam
do trabalho, porque suas diferentes esferas se dife- a lutar por interesses antagônicos, apesar da interde-
renciam entre si e se especializam, o que concorre pendência que se estabelece entre elas.
para a integração dos indivíduos na sociedade. Para Marx, a sociedade moderna está organizada
Dürkheim considera a existência da divisão social sobre a produção econômica da mais-valia, ou seja,
do trabalho como determinante do grau de coesão a exploração da força de trabalho proletária pela
entre os indivíduos de uma determinada sociedade. classe burguesa. Portanto, o sistema capitalista pro-
No caso das sociedades tradicionais, como não há porciona à burguesia a difusão de suas ideologias
uma divisão social do trabalho, os indivíduos es- por meio do controle do aparelho do Estado.
27
22. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
Enfim, para Dürkheim, a divisão social do tra- divisão do trabalho gera uma relação de exploração
balho irá ocupar o lugar da Igreja, do Estado e das da classe burguesa sobre o proletariado, promoven-
demais instituições sociais na função de integrar o do a sua alienação por meio da propriedade priva-
indivíduo ao corpo social, promovendo a coesão na da dos meios de produção. Nesse caso, a alternativa
sociedade, levando-a ao progresso, o que se dará para a classe proletária será promover uma revolu-
por meio da especialização de funções que cria uma ção capaz de solucionar os antagonismos sociais,
interdependência entre os indivíduos. Para Marx, a eliminando a sociedade de classes.
SÍnTESE
QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO? • QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO NO CAPITALIS-
• É a expressão de funcionamento, “metabólica”, entre o MO?
ser social e a natureza. • O trabalho se transforma em valor de troca.
• O homem, por meio do trabalho, transforma a natureza • O homem vende sua força de trabalho para realizar a
e produz coisas com valor de uso. reprodução social – consumir e produzir.
• O trabalho tem, desde o seu nascimento, uma in- • É um trabalho alienado – o trabalhador não se reconhe-
tenção voltada para o processo de humanização do ce naquilo que produz, não conhece nem domina todo
homem em seu sentido amplo – nas inter(ações) que o processo de produção.
realiza. • O trabalhador não é o dono dos meios de produção e de
• É por meio do trabalho que o homem se reconhece en- trabalho.
quanto sujeito histórico capaz de agir e transformar a • Baseia-se no lucro e na mais-valia, ou seja, no excedente do
sua realidade. trabalho humano, que não é repassado ao trabalhador.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:
• É FEITA POR MEIO DA DIVISÃO DO TRABALHO
• DIVISÃO DE TAREFAS: O CONTEÚDO, O RITMO
• DIVISÃO DE HOMENS: RESPONSABILIDADES, SISTEMA HIERÁRQUICO, RELAÇÕES DE PODER E CONTROLE
• DIVISÃO BASEADA NA ESPECIALIZAÇÃO FUNCIONAL DO TRABALHO = BUROCRACIA
* AnOTAÇõES
28
23. AULA 3 — Produção Social e Valor
AULA
3
Unidade Didática – Processo de Trabalho em Serviço Social
____________________
PRODUÇãO SOCIAL E VALOR
Conteúdo
• O trabalho social
• O processo de produção social
Competências e habilidades
• Aprofundar o conhecimento sobre relações de trabalho
• Analisar a importância do trabalho como fator de geração de capital e de riqueza
• Refletir sobre a importância para o serviço social dos aspectos relacionados com a geração de riqueza
e os efeitos sobre o ser humano
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal
• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal
• Sites relacionados: http://www.mpt.gov.br
• Filme: Gaijin – Caminhos da Liberdade – 1980, Brasil
Diretora: Tizuka Yamazaki
Em meio às festas comemorativas ao centenário da imigração japonesa para o Brasil, este filme nos
faz refletir sobre o contexto e os conflitos em que se deu este processo histórico. A miséria e a falta
de perspectivas de trabalho no Japão “empurraram” muitos nativos a emigrarem em busca de novas
oportunidades.
Duração
• 2h/a – via satélite com o professor interativo
• 2h/a – presenciais com o professor local
• 6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO emprego ou em outras formas de atuação na socie-
Colocamos no primeiro capítulo a importância dade. Deriva daí, assim, a importância que tantos
do trabalho para o desenvolvimento físico, psicoló- estudiosos dão ao tema trabalho.
gico e social do ser humano, pois é pelo exercício A centralidade do trabalho precisa ser focalizada
de determinadas tarefas que sentimos a necessidade tendo em vista o processo de produção e reprodu-
de desenvolver habilidades técnicas, tanto manuais ção material da vida humana em sociedade, em sua
como mentais, e também nos relacionamos com interação com os outros homens e com a natureza.
os outros, ampliando nosso círculo de relações no É dessa maneira que os homens produzem para si
29
24. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
próprios, a sociedade e as próprias formas sociais
Nessa sociedade atual o nexo com o trabalho é contra-
em que produzem, ou seja, é por essa forma que o
ditório. A melhor formulação disso ainda é de Marx:
homem produz as riquezas humanas e consegue dar
“O capital é, ele próprio, a contradição em processo
prosseguimento ao desenvolvimento social. (porque) procura reduzir o tempo de trabalho a um
O trabalho social tem uma dupla “natureza”, por- mínimo, ao mesmo tempo em que, de outro lado, dis-
que ele é tanto o trabalho envolvido no processo de põe o tempo de trabalho como única medida e fonte
produção da sociedade em que se trabalha, que de- da riqueza (...) Por um lado conclama à vida todos os
termina socialmente, quanto o trabalho concreto na poderes da ciência e da natureza, bem como da com-
sociedade vigente, socialmente determinado, isto é, binação social e do intercâmbio social para tornar a
uma via de mão dupla onde temos o homem exer- criação da riqueza (relativamente) independente do
cendo suas habilidades socialmente e a sociedade tempo de trabalho neles aplicado. De outro lado, pre-
determinando a forma de atuação do ser humano. tende medir as enormes forças sociais assim criadas
pelo tempo de trabalho e aprisioná-las nos limites exi-
De volta a Marx, um dos maiores estudiosos do
gidos para conservar como valor o valor já criado.”
tema trabalho, ele se refere a essa questão no capítu-
lo seis, Inédito, de O Capital:
“(...) os economistas burgueses, enredados nas Percebam que o capitalismo se estrutura na so-
idéias capitalistas, vêem sem dúvida como se pro- ciedade de forma a tentar manter-se e por isso apre-
duz no interior da relação capitalista, mas não como senta a relação capital e trabalho como a necessária
se produz esta relação propriamente dita (...)” para a manutenção da vida social, para gerar rique-
Temos assim que a denominada “sociedade do zas, gerando um nexo de dependência da socieda-
trabalho” é uma construção social constituída por de em todas as suas formas sociais com o trabalho,
homens e mulheres no curso do processo de re- ao mesmo tempo em que ocorre uma dominação
produção de sua vida material, na interação social social em função desse trabalho, que se exerce por
e com a natureza. Vivemos numa sociedade capi- meio do próprio trabalho, “aprisionado nos limites
talista focada no trabalho sob a forma social de- exigidos para conservar como valor o valor já cria-
terminada da acumulação do capital. O processo do”. Ou melhor, junto com uma tendência à genera-
de construção da sociedade capitalista exigiu uma lização da “natureza” social capitalista como socie-
série de condições históricas antes não existentes dade do trabalho, há uma imposição dos critérios e
– uma ética do trabalho, a conversão de trabalho das condições da acumulação em todos os âmbitos
em mercadoria, o apoio social à acumulação sem das relações dos homens entre si. O próprio modo
propósito de uso – apontadas de modo exemplar de apreender a sociedade por parte de seus sujeitos
na obra de Max Weber, A ética protestante e o espí- efetivos se encontra marcado pelas determinações
rito do capitalismo. da sociedade do capital, tudo girando em torno da
Para nós, em nosso dia-a-dia, a formação social produção de riquezas e consumo. O capitalismo
assim constituída parece natural, como produto quer, mediante os mecanismos sociais, manter-se,
abstraído do processo de formação material. En- privilegiando o capital em detrimento da mão-de-
caramos a constituição atual da sociedade, pautada obra, que trabalha por meio do convencimento de
no trabalho com base na ideologia capitalista, como que essa é a única forma de se produzir trabalho. E
sendo parte integrante e imutável de nossa socieda- as instituições são organizadas de forma a reprodu-
de. Mas esquecemos que nem sempre foi assim, já zir as formas de vida social necessárias à prolonga-
passamos por diversos modelos de produção, como ção da vida dessa forma de exploração econômica.
o feudalismo, por exemplo, e continuaremos ainda Existe uma relação necessária entre formação
adiante vivenciando outras formas de geração de social, capital e trabalho, isso é evidente, porque o
riquezas. trabalho representa algo de muito valor para o ser
30
25. AULA 3 — Produção Social e Valor
humano, mas há uma tendência à dominação do bendo por ele menos do que muitas vezes produziu
capital sobre o trabalho que configura uma deter- no mês.
minada formação social. Portanto, há na formação “Sem produção”, afirma Marx, “não há consumo,
social vigente uma estrutura de dominação no que porém sem consumo tampouco há produção, já que
se apresenta como relações entre capital e trabalho. neste caso a produção não teria objeto.” A reprodu-
A sociedade capitalista existente é uma sociedade ção social revela-se inicialmente como um processo
do trabalho pela perspectiva dominante do capital, produtivo, forma pela qual o ser social integra-se
que desenvolve formas de dominação. A base des- à natureza, garantindo sua autoperpetuação. Marx
sa dominação seria apreendida por Marx enquanto alinha produção, distribuição, intercâmbio e consu-
processo de alienação na relação dos homens com mo, afirmando que: “O resultado a que chegamos
a sociedade e a natureza, a partir de sua análise do não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio
trabalho alienado enquanto processo de objetiva- e o consumo sejam idênticos, senão que constituem
ção invertida, em que se constitui uma abstração do as articulações de uma totalidade, diferenciações
produto em relação ao seu processo de produção. dentro de uma unidade.”
Nas palavras de Marx, trata-se de “uma formação Marx, por sua vez, abre O Capital chamando a
social onde o processo de produção domina os ho- atenção para o fato de que a riqueza – uma catego-
mens e os homens ainda não dominam o processo ria aparentemente absoluta – é, na verdade, histórica
de produção”. e socialmente determinada. No modo de produção
Isso porque para esse autor poderia ser diferen- capitalista, a unidade essencial da riqueza não é o
te. A sociedade poderia não privilegiar o capital e a bem material – o valor de uso –, mas a mercadoria,
propriedade privada, dando ênfase ao proprietário marcada pela dupla determinação de valor de uso –
da mão-de-obra, o trabalhador, mas tal não ocorre conteúdo material da riqueza – e valor de troca – seu
devido ao processo que denominou de alienação, no conteúdo social. O valor de troca, que historicamente
qual o trabalhador não se vê como proprietário dos se sobrepõe ao valor de uso, é uma unidade absoluta-
bens produzidos, pois não detém a propriedade das mente social, cuja grandeza é determinada pelo tem-
ferramentas de produção e por isso se deixa explo- po de trabalho socialmente necessário à produção de
rar vendendo o que possui, sua força de trabalho, ao um determinado valor de uso – reduzido a mero su-
empresário, dono da indústria ou da empresa, por porte daquele. Se seguirmos acompanhando a análise
um determinado valor. de Marx ao longo do primeiro capítulo de O Capital,
Ocorre que isso gera o que Marx chamou de mais- ao duplo caráter da mercadoria corresponde o duplo
valia, que é o valor que não é entregue ao empregado caráter do trabalho: trabalho concreto – produtor de
pelo desempenho de seu trabalho. Exemplificando, valor de uso, riqueza material – e trabalho abstrato –
o valor que o proprietário da empresa paga ao tra- produtor de valor, cuja objetividade é absolutamente
balhador não inclui na realidade tudo o que deveria social. Nesse contexto, a contradição entre as forças
ser pago a ele, porque o empresário paga somen- produtivas e as relações de produção, tal como postu-
te um valor que atribui na categoria salário e nesse lada por Marx, está diretamente vinculada ao caráter
valor não está incluído todo o valor da mercadoria social da riqueza, ou seja, ao valor, que é a manifesta-
que foi produzida. Então, o que resta e não é pago ção social desta sob o capitalismo. É importante ob-
ao trabalhador fica nas mãos do empresário, que se servar que, da perspectiva marxista, o trabalho não é
utiliza do valor da forma que lhe aprouver. A aliena- compreendido como forma absoluta de produção do
ção ocorre porque o trabalhador não se apercebe do mundo e da riqueza, mas num sentido absolutamen-
que produz porque não consegue ter consciência de te histórico. O trabalho como elemento essencial da
todo processo produtivo e não visualiza em termos riqueza sob o capitalismo é a abstração do trabalho
financeiros quanto é o valor do seu trabalho, rece- concreto – dispêndio de força de trabalho (cérebro,
31
26. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
músculos, nervos, mãos etc.) sem consideração pela reitos estabelecidos na vida em sociedade, mas se o
forma como foi despendida – seja ele manual ou in- sujeito é o mercado, o capital, o determinante social
telectual, que se desenvolve sobre certas condições é a acumulação do capital, e toda a estrutura social
sociais específicas, ou seja, como trabalho assalaria- irá girar em torno do crescimento desse capital.
do posto a serviço da valorização do capital. Assim, o As condições de produção da mercadoria envol-
trabalho não é considerado como a forma universal vem a divisão e a hierarquização do trabalho dos
e absoluta de atividade humana, de relação sujeito e indivíduos, que vão fazer parte de um processo de
objeto, mas a forma social a que são convertidas as trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não
atividades humanas em geral sob o capitalismo. só potencia, dinamiza a capacidade produtiva, mas
Para Marx, o trabalho é o próprio elemento es- também limita o trabalhador a tarefas cada vez mais
truturador das relações sociais, haja vista constituir “parciais”, mais “simples”, tarefas que restringem,
esse a atividade que permite a satisfação das ne- no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua
cessidades básicas do indivíduo. O autor referido criatividade, para executar com rigor aquilo que a
reconhece que a divisão do trabalho é responsável máquina pede.
por um grande progresso material, mas contrapõe a A história da sociedade industrial é uma história
esse um processo ininterrupto de alienação do indi- de lutas dos trabalhadores contra a imposição da
víduo, ou seja, à medida que o modo capitalista de disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da
produção evolui, o trabalho dos indivíduos passa a organização e racionalização dos processos de tra-
ser encarado na sua forma abstrata, as mercadorias balho, que geram o esvaziamento completo dos in-
parecem que adquirem vida própria e as relações teresses e motivações pessoais no ato de trabalhar.
sociais passam a ser encaradas como relações entre A produção da existência humana e a aquisição
coisas. A produção capitalista desenvolve-se em bus- da consciência se dão pelo trabalho, pela ação sobre
ca do aumento da mais-valia relativa, visando a di- a natureza. O trabalho, nesse sentido, não é empre-
minuir o valor da força de trabalho pela redução do go, não é apenas uma forma histórica do trabalho
tempo necessário para a produção. Segundo Marx, em sociedade, é a atividade fundamental pela qual
os indivíduos se realizam, por meio da execução de o ser humano se humaniza, se cria, se expande em
alguma tarefa, também pelo trabalho. Entretanto, conhecimento, se aperfeiçoa. O trabalho é a base
o modo capitalista de produção, ao impor um tra- estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova
balho parcelado e repetitivo, retira dos indivíduos a concepção de história. O que nos permite fazer a
oportunidade de criar algo novo, colocando-os sub- distinção entre duas formas fundamentais de traba-
missos à lógica capitalista de produção. lho: o trabalho como relação criadora, do homem
com a natureza, produzindo a existência humana,
O QUE É O TRABALHO ENTÃO? o trabalho como atividade de autodesenvolvimen-
O trabalho humano efetiva-se, concretiza-se em to físico, material, cultural, social, o trabalho como
coisas, objetos, formas, gestos, palavras, ações coti- manifestação de vida; e o trabalho nas suas formas
dianas, realizações materiais e espirituais. O ser hu- históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão,
mano cria e recria os elementos da natureza que es- ou do trabalho moderno, assalariado, alienado na
tão ao seu redor e lhes confere novas formas e novos sociedade capitalista.
sentidos. Dessa forma, o trabalho é o fundamento Dessa forma, entendemos que o trabalho funcio-
da produção material e espiritual do ser humano na como uma forma que gera um produto que pode
para sua sobrevivência e reprodução. trazer satisfação ao ser humano, mas isso não ocor-
O trabalho ou as atividades a que as pessoas se re na sociedade capitalista porque existe o mascara-
dedicam são formas de satisfazer as suas necessida- mento das contradições entre capital e trabalho para
des que, por sua vez, são os fundamentos dos di- que essa forma de produção nunca deixe de existir.
32
27. AULA 3 — Produção Social e Valor
Ao mesmo tempo, existe o movimento contrário uma concepção de natureza humana que se consti-
para que se reorganize o trabalho, direcionem-se tui na inserção no mundo das relações sociais.
os objetivos para a realização do trabalhador por
meio de movimentos sociais, grupos organizados O trabalho é, portanto, um momento efetivo de co-
e inúmeras outras maneiras de questionamento e locação de finalidades humanas, dotado de intrínseca
reflexão. dimensão teleológica. E como tal mostra-se como uma
Em síntese, as relações de trabalho na constru- experiência elementar da vida cotidiana, nas respostas
ção da personalidade do trabalhador influenciam que oferece aos carecimentos e necessidades sociais.
os processos da alienação ou a reificação (coisifica- Reconhecer o papel fundante do trabalho na gênese
e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à
ção), cujas origens residem nas relações capitalistas
dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidiana,
de produção.
como ponto de partida para a generacidade para si dos
Quer se trate de caça num clã primitivo, quer do homens (ANTUNES, 2001, p. 168).
trabalho agrícola de um servo ou da corvéia na terra
do senhor, os homens têm sempre consciência, em
Os diversos locais de trabalho vão constituir-se
maior ou menor escala, da necessidade de produzir
em oportunidades diferenciadas para a aquisição de
certos bens para alimentar-se, vestir-se etc. (GOLD-
atributos qualificativos da identidade de trabalha-
MANN, 1967, p. 126).
dor. São inúmeros os estudos que têm como tema
a investigação de características identificatórias
Para Goldmann (1967), é a sobrevivência que dá signi-
próprias da classe operária e/ou de determinadas
ficado ao trabalho, sendo que, nas sociedades de econo-
categorias profissionais, os quais apontam que o
mia de troca, o produto do trabalho tinha apenas valor
exercício de certas atividades e o convívio com algu-
de uso, trocava-se pela importância daquilo naquele
momento. É nas sociedades pré-capitalistas (economia mas relações sociais constituem modos de ser que
mercantil) que o produto do trabalho passa a ser um qualificam os pares como iguais (mesmo facultando
bem, isto é, transforma-se em mercadoria. Essa trans- diferenças individuais) e se expressam em compor-
formação desloca o valor de uso do produto para o tamentos similares (modos de vestir e de falar etc.).
consumidor final e acrescenta o valor de troca, mas esse Apontam, ainda, a incorporação desses modos de
valor não é agregado ao salário do trabalhador. ser como constitutivos da identidade.
Desse modo, o trabalho propriamente dito, aquele que
envolve o produtor e o produto numa relação tal que a
O PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIAL
produção é como um objeto fabricado pelo produtor,
reconhecendo-se em sua obra, passa a ser um traba-
O processo de tornar-se homem acontece na cor-
lho “abstrato”, em que a produção é qualitativamente relação com o ambiente natural e humano, ou seja,
igual, pois, seja o que for produzido, o valor de troca o ser humano em desenvolvimento não somente se
igualará tudo pelo nivelador comum – o preço – e o correlaciona com o ambiente natural, como tam-
produto do trabalho será todo dirigido para o mer- bém com uma ordem cultural e social. Em suma,
cado. está submetido a uma contínua interferência social-
mente determinada; na verdade, a uma multiplici-
O exercício de atividades coletivas e de trabalho dade de determinações socioculturais. Embora se
conjunto é apontado como responsável pelo sur- possa dizer que o homem tem uma natureza, é mais
gimento das especificidades próprias do Homo sa- significativo dizer que ele constrói sua natureza, que
piens, como pensamento, consciência e linguagem ele se produz a si mesmo.
(LEONTIEV, 1978). Pela análise do trabalho alie- Os pressupostos genéticos do eu são, está claro,
nado, Marx (1989) o apresenta como conferindo a dados no nascimento. Mas o eu, tal como é experi-
qualificação de humano ao seu portador, a partir de mentado mais tarde como uma identidade subjeti-
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28. Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
va e objetivamente reconhecível, não é. Os mesmos trabalho e/ou categorias profissionais, pelas suas es-
processos sociais que determinam a constituição do pecificidades próprias, em geral associadas a prestí-
organismo produzem o eu em sua forma particular, gio ou desprestígio social, proporcionam atributos
culturalmente relativa (BERGER, 1985, p. 73). de qualificação ou desqualificação do eu.
O eu como produto social não se limita a como Dejours (1993) relata que, a partir de seus estu-
o indivíduo entende ou se identifica como sendo dos, foi possível mostrar que as pressões do trabalho,
ele mesmo, mas abrange o equipamento psicológi- que põem particularmente em causa o equilíbrio
co (emoções, por exemplo) amplo, que serve como psíquico e a saúde mental, provêm da organização
complemento. Disso tudo, deduz-se que o organis- do trabalho em contraposição aos constrangimen-
mo humano e o eu não podem ser compreendidos tos perigosos para a saúde somática, que se situa
fora do contexto social em que se formaram. A nas condições de trabalho, mais precisamente nas
instabilidade do organismo humano gera uma ne- condições físicas, químicas e biológicas, cujo alvo
cessidade de que o homem forneça a si mesmo um principal é o corpo.
ambiente estável para sua conduta. O trabalho também pode ser fonte de prazer e,
A humanidade e a socialidade do homem estão mesmo, mediador da saúde. Conforme Dejours
entrelaçadas, ou seja, ao se organizarem os fenôme- (1993), em sua luta contra o sofrimento, às vezes,
nos humanos está-se entrando no reino do social. o sujeito elabora soluções originais, que são favo-
Nesse reino, há uma ordem social que precede o de- ráveis tanto à produção quanto à saúde. Tal forma
senvolvimento individual orgânico. Essa ordem so- de sofrimento foi por ele denominada “sofrimento
cial é entendida por Berger (1985) como uma pro- criativo”. Quando, ao contrário, nessa luta contra
gressiva produção humana, existindo como produ- o sofrimento, o sujeito chega a soluções desfavo-
to da atividade humana. O ser humano, por sua vez, ráveis tanto à produção quanto à sua saúde, esse
tem de estar continuamente se exteriorizando na sofrimento caracteriza-se como “sofrimento pato-
atividade. As ações humanas tornadas habituais ad- gênico”.
quirem um caráter significativo para o indivíduo. Por intermédio do trabalho, o sujeito engaja-se
Afirma Berger (1985, p. 87): “A sociedade é um nas relações sociais, para onde transfere questões
produto humano. A sociedade é uma realidade ob- herdadas de seu passado e de sua história afetiva.
jetiva. O homem é um produto social.” Cada vez que o trabalhador encontra solução para
O sujeito aprende-se a si mesmo como essencial- os problemas que lhe são colocados (atividade de
mente identificado com a ação socialmente obje- concepção) e que obtém em troca reconhecimento
tivada. Depois da ação, acontece uma importante social de seu trabalho, é também o sujeito sofredor,
conseqüência, que é a reflexão do sujeito sobre ela. mobilizador de seu pensamento que recebe reco-
Enquanto apresentada como um processo dialé- nhecimento subjetivo à sua capacidade para conju-
tico, a identidade social facilita a incorporação de rar a angústia e dominar seu sofrimento.
normas do grupo social, implica uma participação Porém, o prazer obtido dessa gratificação tem
ativa do sujeito na construção da identidade gru- curta duração, ressurgindo o sofrimento, impelin-
pal e afeta o contexto histórico onde ocorrem essas do-o para outras situações de trabalho, novas apos-
relações concretas. Por sua vez, as estruturas socio- tas organizacionais e novos desafios simbólicos. Por
lógicas influenciam as representações que os indi- outro lado, sendo o reconhecimento a retribuição
víduos fazem de si enquanto representações do eu. fundamental da sublimação, isso significa que esta
Da mesma forma, o caráter inter-relacional entre representa um importante papel na conquista da
identidade pessoal e social pressupõe que não haja identidade. Identidade e reconhecimento social
identidade pessoal que não, ao mesmo tempo e da como condição de sublimação conferem à primeira
mesma forma, identidade social. Alguns espaços de uma função essencial na saúde mental.
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