O documento relata uma representação ao Ministério Público Federal contra a prefeitura de Sorocaba por divulgar informações falsas sobre a eficácia do "tratamento precoce" contra a Covid-19 sem lastro científico. A prefeitura anunciou que um estudo preliminar mostrou que a ivermectina e azitromicina curaram 99% dos pacientes, porém especialistas afirmam que o estudo não segue métodos científicos. A disseminação de informações falsas sobre tratamento em meio à pandemia pode levar
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
PROCURADORIA REGIONAL
ASSUNTO: COVID-19 – PUBLICAÇÃO OFICIAL SOBRE SUPOSTA
EFICÁCIA DE APLICAÇÃO DO TRATAMENTO PRECOCE EM SITE
OFICIAL DO PODER PÚBLICO
RAUL MARCELO DE SOUZA, brasileiro, casado,
advogado, titular da cédula de identidade RG nº 30 351
354 23 e inscrito no CPF sob o nº 288 123 258 23, com
endereço profissional na Rua Cesário Motta, nº 339,
Centro, Sorocaba, SÂMIA DE SOUZA BOMFIM, brasileira,
solteira, deputada federal pelo Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), titular da cédula de identidade RG nº
30577301-X, com endereço no Gabinete 623 - Anexo IV -
Câmara dos Deputados, Telefone: (61) 3215-5623, MÔNICA
CRISTINA SEIXAS BONFIM, brasileira, solteira, deputada
estadual no Estado de São Paulo pelo Partido Socialismo
e Liberdade (PSOL), titular do RG nº 40. 533. 741. 3,
com endereço no gabinete 2107/2º andar, Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo, vem respeitosamente
perante V. Exa. oferecer REPRESENTAÇÃO PARA INSTAURAÇÃO
DE INQUÉRITO CIVIL E/OU PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, em face de:
2. PREFEITURA MUNICIPAL DE SOROCABA, pessoa
jurídica de direito público, inscrita sob o CNPJ nº
46.634.044/0001-74, com sede na Av. Engº Carlos Reinaldo
Mendes, nº 3041, Alto da Boa Vista, Paço Municipal – 6º
andar, por seu representante legal:
RODRIGO MAGANHATO, brasileiro, casado,
prefeito municipal de Sorocaba, inscrito no CPF nº 273
624 018 92, com endereço profissional na Av. Eng. Carlos
Reinaldo Mendes, nº 3041, Alto da Boa Vista, Paço
Municipal – 6º andar, pelos seguintes fundamentos
fáticos e jurídicos:
PRELIMINARMENTE
O autor e as autoras optaram por realizar
a denuncia no Ministério Público Federal, tendo em vista
a repercussão nacional do fato narrado e o potencial
danoso às medidas de prevenção em curso em território
nacional, considerando que o fato que ensejou a denúncia
extrapolou os limites do município em razão da internet.
Ademais, o direito à saúde é de
responsabilidade compartilhada entre os entes
federativos.
3. I- CONTEXTO FÁTICO
1. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
com sede em Genebra, na Suíça, declarou que o surto do
novo CORONAVÍRUS (2019-nCoV) constitui uma Emergência
de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).
2. No dia 11 de março, a Organização
Mundial de Saúde classificou como pandemia a
disseminação da contaminação pela COVID-19. Foi
declarada Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional (ESPIN), materializada na Portaria nº 188/2020
do Ministro de Estado da Saúde.
3. A prefeitura do Município de Sorocaba,
Estado de São Paulo, pelo seu prefeito Rodrigo
Maganhato, anunciou no último dia 18 de março, o
protocolo de tratamento precoce contra a COVID-19,
disponibilizando na rede pública medicamentos como
ivermectina e azitromicina, drogas estas sem qualquer
comprovação científica de eficácia no combate à doença.
4. Nesse sentido, a Prefeitura do
Município de Sorocaba expediu a Nota Técnica SES nº
04/2020 (Doc. anexo)), contendo a sua “versão 7”,
formulada aos 19/03/2021, com as seguintes alterações:
- Inclusão do protocolo de tratamento precoce, baseado
nos medicamentos disponíveis na rede; - Inclusão de
“Medicamentos disponíveis na rede para prescrição de
4. tratamento precoce”; - Inclusão do “Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido de Adesão/Recusa ao
Tratamento Precoce para COVID-19/Síndrome Gripal”
5. Na data de 14 de abril de 2021, a
prefeitura de Sorocaba por meio de seus órgãos oficiais
das redes sociais trouxe ao conhecimento público a
seguinte informação:
1
1
http://noticias.sorocaba.sp.gov.br/levantamento-preliminar-aponta-excelentes-resultados-entre-pacientes-
monitorados-com-sintomas-da-covid-19-que-fizeram-tratamento-precoce-em-sorocaba/
5. 2
6. Nas publicações oficiais colacionadas
em epígrafe, a prefeitura anuncia a suposta cura para a
SARS-CoV-2 (coronavírus) aplicando o chamado “Tratamento
Precoce” na rede básica de saúde do município.
7. Atribui-se a um estudo que qualifica
como “preliminar” da Secretaria de Saúde do Município,
concluiu que:
123 pacientes com sintomas da doença, após
10 dias do início do tratamento com os
medicamentos Azitromicina e ou
Ivermectina. Desses, 122 apresentam-se
curados em domicílio, após o período de
transmissibilidade. Um paciente, que tinha
tomado apenas um comprimido das
2
Instagram Oficial da Prefeitura de Sorocaba
6. medicações, veio a óbito e já era um caso
moderado quando procurou a unidade de
saúde e iniciou o tratamento.
No questionário do levantamento
preliminar, continham informações sobre os
medicamentos que usou; fatores de risco;
melhora clínica com o tratamento;
necessidade de internação ou não e busca
por serviço de urgência. O levantamento
preliminar apresentou uma taxa de
letalidade de 0,81% entre os pacientes
monitorados. Atualmente, o índice de
letalidade é de 2,7% na cidade de Sorocaba,
abaixo da taxa estadual, que é de 3,2%.
Até o momento, 1.113 pacientes optaram
pelo tratamento precoce na cidade.
8. O anúncio oficial ainda traz
manifestações do secretário de saúde do município e
ainda do prefeito de Sorocaba, senão, vejamos:
“Os dados são preliminares, mas observamos
uma melhora e a recuperação dos pacientes,
que têm relatado, pelo telemonitoramento,
que não apresentam sintomas graves ou
complicações. Estamos tendo sucesso e vamos
continuar acompanhando os pacientes e
observando as estatísticas”, diz o
7. secretário da Saúde, Dr. Vinicius
Rodrigues. (grifo nosso)
“Essa ação faz parte do conjunto de medidas
que a Prefeitura adotou contra a Covid,
junto com a ampliação de leitos, a
reorganização da rede assistencial, a
campanha de vacinação, as barreiras
sanitárias, os feriados emergenciais, entre
outras no enfretamento da pandemia”,
completa o prefeito Rodrigo Manga. (grifo
nosso)
9. Por outro lado, se sabe que não há
tratamento precoce ao Covid-19 por meio de manejo de
fármacos, como ivermectina, dipirona, azitromicina,
cloroquina e outros que compõe a cesta de medicamentos
do “Kit Tratamento Precoce” que possa prevenir o
contágio e muito menos curar pessoa infectado pelo
Covid-19.
10. A presente afirmação é corroborada por
incontáveis centros de pesquisas, associações médicas,
organismos internacionais e porta vozes de comunidades
cientificas espraiadas pelo globo.
11. Aliás, nos últimos meses a imprensa
brasileira tem noticiado casos de pessoas que se
recorreram aos chamados medicamentos do “Kit Covid-19”,
8. vezes por automedicação e outras por prescrição médica,
que resultaram em óbitos, por problemas em razão do seu
uso inadequado ao buscar-se a cura para a Covid-19.
12. No entanto, Sr. Procurador de Justiça,
a prefeitura de Sorocaba, anuncia de maneira efusiva
suposta eficácia do famigerado “Tratamento Precoce” em
99% dos casos onde se fez o uso da prescrição do Kit
Covid-19 na rede básica do município.
13. A notícia oficial que segundo a
prefeitura deflui-se de “estudo preliminar” considerou
um universo de 123 pessoas infectadas pela doença, que
ingeriram azitromicina e ivermectina, sendo que após 10
dias após de uso, apresentaram-se “curados” em
domicilio. O chamado “estudo preliminar” publicado,
ainda ressalta que: “Um paciente, que tinha tomado
apenas um comprimido das medicações, veio a óbito e já
era um caso moderado quando procurou a unidade de saúde
e iniciou o tratamento” assevera o documento oficial.
14. Diante deste quadro factual a presente
representação pretende além de noticiar fato grave, com
elementos de prova anexas e colacionadas de forma
inequívoca, também desenvolver argumentação a seguir que
demonstram claramente cometimento de crimes variados,
desde a esfera cível, administrativa e criminal do
agente político, prefeito de Sorocaba.
9. II – DA EVENTUAL FRAUDE NA PUBLICAÇÃO DE ESTUDO
CIENTÍFICO
15. Está demonstrado preliminarmente que a
prefeitura de Sorocaba, anunciou a cura para a Covid-19
sem fundamentação técnica-cientifica exigida para tal
afirmação oficial e científica.
16. Imperioso para enfrentamento da
matéria é pontuar exigências fundamentais para a
realização de pesquisas cientificas contidas no site da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –
FAPESP -, vejamos apenas algumas delas:
Condições para a realização do projeto de
pesquisa
Aprovação de Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP), devidamente reconhecido
pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa - CONEP por meio de parecer
escrito.
Aprovação também do CONEP nas hipóteses
previstas no capítulo VIII, item 4.c, da
Resolução nº 196/96:
Resolução nº 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde3
3
https://fapesp.br/4478/autorizacoes-exigidas-por-lei-para-a-execucao-de-atividades-de-pesquisa-cientifica-e-
tecnologica
10. 17. Nesse sentido, considera-se que a
prefeitura de Sorocaba, não é centro de excelência
cientifica e não ostenta absolutamente nenhuma
habilitação, para a iniciação de estudos que devem ser
ancorados em indispensáveis habilidades metodológicas-
cientificas, próprias de centros de pesquisas para
investigar e concluir interpretações acerca de manejo
de fármacos, ainda mais no tocante a cura para a Covid-
19.
18. Destarte, a manifestação da
infectologista Naihma Salum Fontana, em entrevista a
emissora TV TEM, Globo, sobre o “estudo preliminar”
anunciado pelo prefeito de Sorocaba, sobre a suposta
cura do Covid-19, com a ingestão de ivermectina, remédio
prescrito para exterminar piolho, sarnas e vermes.
Assim, ilustra-se:
4
4
https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2021/04/14/especialistas-criticam-prefeitura-de-sorocaba-
por-apontar-99percent-de-eficacia-do-kit-covid-em-estudo-com-123-pacientes.ghtml
11. 19. Segundo a FIOCRUZ, ouvida pela
emissora de TV, a conclusão da prefeitura sobre o uso
de ivermectina e azitromicina no manejo do “tratamento
precoce” ao Covid-19, não passa de observação, visto que
não há trabalho de pesquisa com lastro em métodos
científicos aceitos, como ilustra-se abaixo:
5
20. Ou seja, está evidente que o prefeito
de Sorocaba, utilizou-se de estrutura da administração
pública, como tribuna de suas convicções ideológicas
negacionistas, ao passo que se apure de forma minuciosa
o fato, poderemos concluir a ocorrência de uma série de
possíveis condutas delituosas, inclusive de eventual
conduta fraudulenta ao anunciar “estudo preliminar” de
natureza cientifica sobre a suposta cura de doença que
causou o óbito de 358.718 óbitos no Brasil.
5
https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2021/04/14/especialistas-criticam-prefeitura-de-sorocaba-
por-apontar-99percent-de-eficacia-do-kit-covid-em-estudo-com-123-pacientes.ghtml
12. III- DISSEMINAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA EM MEIO A PANDEMIA`
21. A divulgação de informação oficial de
que o “tratamento precoce” tem eficácia de 99% nos casos
de infecção por Covid-19 no município de Sorocaba, sem
o devido lastro cientifico e é evidente que a prefeitura
de Sorocaba, não tem competência em nenhum aspecto para
asseverar tal informação, algo, que está reservado
apenas aos centros de pesquisas e a comunidade
cientifica habilitada para tanto, nos leva a concluir
que a informação é falsa.
22. À primeira vista, não é possível aferir
os efeitos devastadores da divulgação desta informação
com as credenciais oficiais de uma prefeitura de
município com mais de meio milhão de habitantes,
contudo, é possível prever que milhares de pessoas em
Sorocaba e na Região que tiveram acesso a afirmação
falaciosa travestida de “estudo cientifico” semeia a
desinformação em maio ao momento mais severo da pandemia
de Covid-10.
23. Neste caso, a desinformação lastreada
pela notícia falsa, levará pessoas a erro e
automedicação, que poderá causar sequelas e mortes, ou
seja, dano irreparável ao direito à vida e ao direito à
saúde intrínsecos na Constituição Federal de 88.
13. 24. Salta aos olhos que essa notícia de
suposta cura ao Covid-19 ancorada em “estudo”
potencialmente fraudulento, acontecer em um momento que
se bate todos os recordes de mortes por Covid-19 e ainda
a evasão de 1,5 milhão de brasileiros e brasileiras à
aplicação da 2 dose da vacina contra Covid-19, como
demonstrado amplamente na imprensa.6 Como vemos:
IV – DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
25. A probidade administrativa consiste no
dever de o funcionário servir a Administração com
honestidade, procedendo no exercício das suas funções,
sem a prevalência de seus interesses pessoais.
6
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/04/13/segunda-dose-da-vacina-esta-atrasada-para-15-
milhao-de-brasileiros-diz-ministerio-da-saude.ghtml
14. 26. Nesse sentido, ilustra-se o
ensinamento do constitucionalista DA SILVA, acerca da
probidade administrativa, preceitua que:
A probidade administrativa é uma forma de
moralidade administrativa que mereceu
consideração especial da Constituição, que pune
o ímprobo com a suspensão de direitos políticos
(art. 37, §4º). A probidade administrativa
consiste no dever de o ‘funcionário servir a
Administração com honestidade, procedendo no
exercício das suas funções, sem aproveitar os
poderes ou facilidades delas decorrentes em
proveito pessoal ou de outrem a quem queira
favorecer’. O desrespeito a esse dever é que
caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-
se de uma imoralidade administrativa qualificada.
A improbidade administrativa é uma imoralidade
qualificada pelo dano ao erário e correspondente
vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). (2005, p.
669).
27. Vê-se, que a publicação da prefeitura
se caracteriza por motivação pessoal do prefeito de
Sorocaba e do secretário de saúde que se utilizaram de
meios da estrutura da administração pública para militar
em favor do negacionismo, negando a ciência.
15. 28. Por esses indícios se faz necessária,
a investigação de violação aos princípios que devem
reger a administração pública, como: o da boa-fé,
honestidade, impessoalidade, motivação de interesse
público e notadamente o da moralidade pública.
IV- DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
29. O direito penal prescreve que os
crimes contra a saúde pública são de incolumidade
pública, no caso em tela, o bem jurídico protegido é a
incolumidade pública, particularmente em relação à saúde
pública, visto que a publicação oficial da prefeitura
de Sorocaba, induz a população a erro sobre possível
tratamento precoce curativo do Covid, desestimulando
medidas de prevenção e sugerindo de forma sutil o
descarte da vacina como medida preventiva realmente
eficaz.
30. A incolumidade pública, guarda relação
com a preservação do bem estar de uma coletividade,
busca-se a proteção da integridade física e a saúde de
todos aqueles que eventualmente são afetados pela
conduta aqui descrita, senão, vejamos alguns possíveis
crimes:
“Art. 282 do CP - Exercer, ainda que a
título gratuito, a profissão de médico,
dentista ou farmacêutico, sem
16. autorização legal ou excedendo-lhe os
limites”
Infração de medida sanitária preventiva
Art. 268 - Infringir determinação do
poder público, destinada a impedir
introdução ou propagação de doença
contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e
multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de
um terço, se o agente é funcionário da
saúde pública ou exerce a profissão de
médico, farmacêutico, dentista ou
enfermeiro.
“Art. 283. “Inculcar ou anunciar cura por
meio secreto ou infalível”.
“Art. 171 - Obter, para si ou para
outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou
qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e
multa, de quinhentos mil réis a dez
contos de réis.”21 de set. de 2018”
17. 31. Desse modo, é urgente a investigação
da conduta oficial praticada pelo chefe do poder
executivo de Sorocaba, no que tange a tipificação de
crimes contra a saúde pública.
32. Para os efeitos desta representação,
interessa-nos mais diretamente a necessidade de
resguardar o direito coletivo, difuso, da população à
saúde e à vida, estabelecidos no art. 106 e no art. 5º,
caput, da Constituição Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.
18. 33. Para salvaguardar estes direitos,
torna-se imprescindível impedir que o prefeito de
Sorocaba e o secretário de saúde continuem a realizar
atos oficiais que induzam pessoas a erro, que podem ser
fatais com o resultado de morte, ora por automedicação,
ora por descuido com a únicas medidas preventivas
reconhecidas pela ciência – isolamento social,
higienização adequada, uso de máscara e em especial a
vacinação, esta medida profilática, que realmente evita
mortes por Covid-19.
V- DA INEFICÁCIA DE TRATAMENTO PRECOCE E PREVENTIVO
(“KIT COVID”). RISCO DE DANOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO.
34. Apesar do esforço internacional com
vistas à vacinação da população global (considerando que
a vacina é a medida profilática mais eficaz no combate
à disseminação do novo-coronavírus), com adoção de
medidas de isolamento social e higienização para
contenção do contágio (tais como proibição de
aglomeração e utilização de álcool etílico 70%), um
outro “método”, supostamente eficaz para impedir a
doença causada pelo novo coronavírus, ganhou rápida
força: o popularmente chamado “Kit Covid”.
35. Referido “Kit Covid”, cuja composição
é mais ou menos igual, a depender da localidade, nada
mais é do que um apanhado de medicamentos
comprovadamente ineficazes para o tratamento da Covid-
19. 19. Ao contrário, uma relação de medicamentos que sequer
são destinados ao combate de vírus, mas sim de bactérias
e vermes – seres de natureza muito distintas.
36. O “Kit Covid” é, normalmente, composto
pelos medicamentos Azitromicina, Cloroquina,
Hidroxicloroquina e Ivermectina, além de vitaminas. Tais
fármacos são destinados a tipos específicos de
tratamento, nenhum deles relacionados ao novo-
coronavírus. Por meio das bulas elaboradas pelos
fabricantes de referidos medicamentos, conforme
disponibilizado no site da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA7, podemos identificar a
que se propõe o uso de cada um deles. Senão vejamos.
AZITROMICINA
Indicada no tratamento de infecções causadas por
bactérias sensíveis à azitromicina; em infecções
do trato respiratório inferior (brônquios e
pulmões) e superior (nariz, faringe laringe e
traqueia), incluindo sinusite (infecção nos seios
da face), faringite (inflamação da faringe) ou
amigdalite (inflamação das amígdalas); infecções
da pele e tecidos moles (músculos, tendões,
gordura); em otite média (infecção do ouvido
médio) aguda e nas doenças sexualmente
transmissíveis não complicadas nos genitais de
homens e mulheres, causadas pelas bactérias
7
https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/
20. Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae. É
também indicado no tratamento de cancro (lesão de
pele) devido à Haemophilus ducreyi (espécie de
bactéria).
CLOROQUINA
Destinado ao tratamento da malária e amebíase
hepática, além de indicado para o tratamento da
artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico
e lúpus discoide, na sarcaidose e nas doenças de
fotossensibilidade como a porfiria cutânea tardia
e as erupções polimórficas graves desencadeadas
pela luz.
HIDROXICLOROQUINA
O sulfato de hidroxicloroquina é indicado para o
tratamento de: afecções reumáticas e
dermatológicas (reumatismo e problemas de pele);
artrite reumatoide (inflamação crônica das
articulações); artrite reumatoide juvenil (em
crianças); lúpus eritematoso sistêmico (doença
multissistêmica); lúpus eritematoso discoide
(lúpus eritematoso da pele); condições
dermatológicas (problemas de pele) provocadas ou
agravadas pela luz solar; malária (doença causada
por protozoários); tratamento das crises agudas
e tratamento supressivo de malária por Plasmodium
vivax, P. ovale, P. malariae e cepas (linhagens)
sensíveis de P. falciparum (protozoários
21. causadores de malária); e tratamento radical da
malária provocada por cepas sensíveis de P.
falciparum.
IVERMECTINA
Indicado para o tratamento de várias condições
causadas por vermes ou parasitas. Estudos
demonstram que a ivermectina funciona no
tratamento das seguintes infecções:
Estrongiloidíase intestinal: causada por um
parasita denominado Strongyloides stercoralis.
Oncocercose: causada por um parasita denominado
Onchocerca volvulus. Filariose (elefantíase):
causada pelo parasita Wuchereria bancrofti.
Ascaridíase (lombriga): causada pelo parasita
Ascaris lumbricoides. Escabiose (sarna): causada
pelo ácaro Sarcoptes scabiei. Pediculose
(piolho): causada pelo ácaro Pediculus humanus
capitis.
37. Outrossim, não bastasse que o uso de
tais medicamentos fosse para tratar bactérias, parasitas
e doenças sem nenhuma relação com o novo coronavírus,
seu uso inadequado, associado ao extenso período de uso
(já que, supostamente, o “kit” possuiria caráter
preventivo), tem potencial para gerar dano de difícil
ou impossível reparação, inclusive risco de morte.
Dentre as alterações que tais fármacos podem causar no
organismo humano, destacamos:
22. AZITROMICINA
Foram relatadas alteração da função hepática
(funcionamento do fígado), hepatite (inflamação
do fígado), icterícia colestática (coloração
amarelada da pele e mucosas por acúmulo de
pigmentos biliares, devido à obstrução), necrose
hepática (morte de células do fígado) e
insuficiência hepática (falência do fígado),
algumas das quais resultaram em morte.
CLOROQUINA
Inchaço da face, pálpebras, lábios, língua,
laringe e extremidades, assim como dificuldade
para engolir ou respirar, ou rouquidão. A
cloroquina é um fármaco que apresenta estreita
margem de segurança e uma dose única de 30 mg/kg
pode ser fatal. Não se deve ingerir bebida
alcoólica, pois pode aumentar sua toxicidade no
fígado. A cloroquina pode interferir na resposta
imunológica de certas vacinas. Em caso de
superdosagem (igual ou acima de 1.500 mg do
medicamento de uma só vez), em poucas horas o
medicamento provoca graves danos ao coração,
queda de pressão sanguínea e até parada cardíaca.
Mesmo para adultos com mais de 60kg, a dose total
de cloroquina administrada em três dias deve ser
no máximo de 1.500 mg.
23. HIDROXICLOROQUINA
Distúrbios de metabolismo e nutrição, distúrbios
psiquiátricos, distúrbios do sistema nervoso,
distúrbios oculares, distúrbios de audição e
labirinto, distúrbios gastrintestinais,
distúrbios hepatobiliares (v.g. alterações dos
testes de função do fígado), distúrbios de pele
e tecido subcutâneo.
IVERMECTINA
Na intoxicação acidental ou na exposição
significativa a quantidades desconhecidas, seja
por ingestão, inalação, injeção ou exposição de
áreas do corpo, os seguintes efeitos foram
relatados com maior frequência: lesões cutâneas
até urticária, inchaço, dor de cabeça, tontura,
falta de disposição, náusea, vômitos, dor
abdominal, diarreia, convulsões, alteração do
equilíbrio, falta de ar, alterações na
sensibilidade.
38. Conforme matéria jornalística de
enorme repercussão divulgada no Fantástico, em
28/03/2021, onde se ouviu cientistas e instituições de
pesquisas renomados (a exemplo do Conselho Federal de
Medicina, Conselho Federal de Farmácia, Associação
Médica Brasileira, Universidade Federal da Bahia,
Hospital das Clínicas e da “Coalização Covid-19”,
composta por profissionais do Hospital Israelita Albert
24. Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos
de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Beneficência
Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research
Institute – BCRI e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia
Intensiva -BRICNet), além dos efeitos colaterais, o uso
desses fármacos pode estar levando pacientes para a fila
de transplantes de órgãos, bem como responsável pela
morte de pessoas:
8
39. Os riscos e consequências negativas da
realização de tratamento precoce são uma realidade, pelo
que diversas notícias têm sido divulgadas para alertar
a população sobre os efeitos do uso de “Kit Covid”,
conforme chamadas abaixo em destaque:
8
Íntegra da matéria disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/03/28/venda-de-remedios-do-
chamado-kit-covid-dispara-e-medicos-alertam-para-efeitos-colaterais.ghtml.
25. 9
10
11
12
9
Íntegra da matéria disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/03/02/oms-cloroquina-nao-
funciona-contra-a-covid-19-e-pode-causar-efeitos-adversos.
10
Íntegra da matéria disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/23/coronavirus-chefes-de-utis-ligam-kit-covid-a-
maior-risco-de-morte-no-brasil.ghtml
11
Íntegra da matéria disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,apos-uso-de-kit-covid-
pacientes-vao-para-fila-de-transplante-ao-menos-3-morrem,70003656961
12
Íntegra da matéria disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,81-entidades-medicas-e-
cientificas-defendem-banimento-do-uso-de-medicamentos-do-kit-covid,70003657730. Acesso em 31/03/2021
12
Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2021/03/pacientes-entram-em-fila-de-
transplante-de-figado-apos-uso-de-kit-covid-diz-jornal-ckmm6h75m002w016uqvrqe2l1.html
26. 13
40. Neste sentido, a Organização Mundial da
Saúde - OMS já demonstrou a ineficácia de fármacos de
caráter pretensamente preventivo, tais como os que
compõe o “Kit Covid”14. Tal entendimento é corroborado
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA,
Associação Médica Brasileira – AMB e Sociedade
Brasileira de Infectologia – SBI, que afirmam
categoricamente inexistir tratamento precoce para o novo
coronavírus.151617.
41. Ou seja, estamos experimentando as
consequências de um tratamento inútil, cujo fama de
“precoce” criou uma ilusão de segurança que repercutiu
diretamente na forma de lidar com a pandemia, isto é,
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Íntegra da matéria disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2021/03/kit-covid-atrasa-ida-
a-hospital-e-resulta-em-danos-no-figado-e-agravamento-da-infeccao-pelo-coronavirus-alertam-especialistas-
ckmpa8onq007k016umoftrg8m.html.
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Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/10/15/estudo-liderado-pela-oms-
em-mais-de-30-paises-afirma-ineficacia-de-4-antivirais-contra-a-covid-19.ghtml
15
Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2021/01/22/interna_nacional,1231644/covid-
19-anvisa-volta-a-frisar-que-nao-existe-tratamento-alternativo.shtml
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Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/bem-viver/2021/01/19/interna_bem_viver,1230348/nao-
hatratamento-precoce-contra-a-covid-19-diz-presidente-da-amb.shtml. Acessado em: 20 de janeiro de 2021.
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https://infectologia.org.br/2021/01/19/tratamento-precoce-para-covid-19/
27. já que existiria um meio “preventivo” aos efeitos da
doença, as medidas de isolamento social e uso de máscara
passariam a um “plano secundário”, já que o tal
“tratamento precoce” ou tornaria a pessoa imune ou seria
suficiente para minar os efeitos da doença. Ledo engano.
42. Outrossim, a promoção de tratamento
precoce (“Kit Covid”) por agentes públicos, considerando
ausência de fundamentação científica e os riscos
inerentes ao uso de medicação inadequada, viola a
garantia ao direito da saúde, já que tal “tratamento” é
dispensado sem adequada regulamentação, fiscalização e
controle. Conforme estabelecido pela Constituição
Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as
ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre
sua regulamentação, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e,
28. também, por pessoa física ou jurídica de
direito privado.
43. Daí porque, o incentivo à utilização de
“Kit Covid”, tratamento preventivo sem qualquer
respaldo, especialmente de estudos e pesquisas
cientificas e entidades e profissionais renomados, além
de contribuir para a disseminação do novo coronavírus e
agravamento da crise sanitária, também viola os
princípios da legalidade, moralidade e eficiência, aos
quais estão submetidos a Administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art.
37 da CRFB.
44. Ademais, o incentivo ao “tratamento
preventivo” mais das vezes implica na aquisição e
distribuição de medicamentos do “Kit Covid” pela rede
pública de saúde, bem como o estímulo à realização desse
“tratamento precoce” leva a que a população levianamente
seja induzida a preterir medidas de isolamento social e
higienização em favor desse método ineficaz e enganoso.
Neste cenário de confusão, ganha o vírus, pois têm à sua
disposição um ambiente mais propício à disseminação.
Portanto, há também indícios de improbidade
administrativa, tal como previsto na Lei nº 8.429, de 2
de junho 1992 (Lei da Improbidade Administrativa), a
exemplo de prejuízo ao erário e violação aos princípios
da Administração Pública.
29. 45. Portanto, de rigor, s.m.j, a recepção
e processamento da presente denúncia, para fins de
instauração de inquérito civil ou, entendendo esta Ilma.
Promotoria existirem elementos suficientes, o
ajuizamento de ação civil pública.
46.DOS PEDIDOS
47. Por todo o exposto, requerem digne-se
esta Ilma. Promotoria de Justiça:
a) Determinar a instauração de inquérito civil para
averiguar o uso da administração pública para
veicular notícia sem amparo na verdade e na ciência,
ao publicizar suposta “cura” para o Covid-19 por meio
do famigerado “tratamento precoce”, notadamente, a
uma possível fraude em relação ao “estudo preliminar”
de natureza cientifica e eventuais repercussões; a)
no desarme da população ao uso de métodos
recomendados pelas autoridades sanitárias; bem como
a disseminação falsa quanto aos efeitos supostamente
positivo do “Kit Covid”; b) causando evasão da
população à aplicação da 2º dose da vacina, que
poderá trazer consequências fatais ao patrimônio
público quanto da vida, além de outras condutas
tipificas como crime nas mais diversas searas; e
30. b) Havendo elementos suficientes, ajuizar ação civil
pública em face de quem for identificado como
responsável pela adoção de tais condutas
potencialmente criminosas;
Termos em que pede deferimento.
São Paulo, 15 de abril de 2021.
Raul Marcelo
OAB/SP 342 246
SAMIA BOMFIM
Deputada Federal
Mônica Cristina Seixas
Deputada Estadual