Ação contra Bolsonaro por atos que colocam em risco a saúde pública
1. 14/04/2020
Número: 1022148-07.2020.4.01.3400
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL
Órgão julgador: 21ª Vara Federal Cível da SJDF
Última distribuição : 14/04/2020
Valor da causa: R$ 100.000,00
Assuntos: Vigilância Sanitária e Epidemiológica
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Justiça Federal da 1ª Região
PJe - Processo Judicial Eletrônico
Partes Procurador/Terceiro vinculado
PARTIDO DOS TRABALHADORES (AUTOR) ANGELO LONGO FERRARO (ADVOGADO)
EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO (ADVOGADO)
GLEISI HELENA HOFFMANN (ADVOGADO)
LUIZ PAULO TEIXEIRA FERREIRA (ADVOGADO)
MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES (ADVOGADO)
JAIR MESSIAS BOLSONARO (RÉU)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da
Assinatura
Documento Tipo
21818
6404
14/04/2020 21:07 Petição inicial Petição inicial
21818
6406
14/04/2020 21:07 Acao Civil Publica - Bolsonaro COVID-19 Inicial
21818
6407
14/04/2020 21:07 ESTATUTO 2017 REGISTRADO CARTÓRIO (1) Documento de Identificação
21818
6409
14/04/2020 21:07 DOC. 01 - OMS afirma que COVID-19 e agora
caracterizada como pandemia
Documento Comprobatório
21818
6410
14/04/2020 21:07 DOC. 02 - PORTARIA Nº 188, DE 3 DE FEVEREIRO
DE 2020 - PORTARIA Nº 188, DE 3 DE FEVEREIRO
DE 2020 -
Documento Comprobatório
21818
6411
14/04/2020 21:07 DOC. 03 - Erramos um mes apos campanha para
nao parar, Milao tem 4,4 mil mortos
Documento Comprobatório
21818
6412
14/04/2020 21:07 DOC. 04 - Em carta, presidente Trump pede para
americanos ficarem em casa por coronavirus
Documento Comprobatório
21818
6413
14/04/2020 21:07 DOC. 05 - Bolsonaro tem contato direto com ao
menos 272 pessoas durante ato, mostra video
Documento Comprobatório
21818
6415
14/04/2020 21:07 DOC. 06 - No Distrito Federal, Bolsonaro vai a
mercado aglomerado de pessoas _ Poder360
Documento Comprobatório
21818
6416
14/04/2020 21:07 DOC. 07 - Bolsonaro vai a hospital, farmacia e predio
de Brasilia e cumprimenta apoiadores
Documento Comprobatório
21818
6417
14/04/2020 21:07 DOC. 08 - Queda no isolamento acelerou mortes em
SP de forma vertiginosa, diz David Uip
Documento Comprobatório
21818
6418
14/04/2020 21:07 DOC. 09 - Bolsonaro diz que coronavirus esta
começando a ir embora _ VEJA
Documento Comprobatório
2. Acao Civil Publica - Bolsonaro COVID-19
Num. 218186404 - Pág. 1Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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Número do documento: 20041420561960300000214403461
3. 1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA/DF
PARTIDO DOS TRABALHADORES, partido político com
Estatuto regularmente registrado no Tribunal Superior Eleitoral, pessoa jurídica de
direito privado inscrita no CNPJ/ME sob o n. 00.676.262/0001-70, representado por
seu Diretório Nacional, com sede Setor Comercial Sul, Quadra 02, Bloco C, n. 256,
Ed. Toufic, 1º andar, Brasília/DF, vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, por seus representantes devidamente constituídos que esta subscrevem,
com fundamento no art. 1º, IV, da Lei n. 7.347/1985, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de tutela de urgência
em face do Senhor Presidente da República Federativa do Brasil JAIR MESSIAS
BOLSONARO, brasileiro, casado, inscrito no CPF/ME sob o n. 453.178.287-91 e
portador da cédula de identidade n. 3.032.827 SSP/DF, a ser citado no Palácio da
Alvorada, SPP Zona Cívico-Administrativa, Brasília/DF, CEP 70.150-000, o que
faz pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.
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4. 2
I. DA COMPETÊNCIA DESTE FORO
A presente Ação Civil Pública, proposta por partido político
devidamente inscrito perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), possui por objeto
atos praticados pelo Senhor Presidente da República que atentam contra a saúde e a
vida dos brasileiros. Sendo tal remédio constitucional disciplinado pela Lei n.
7.347/1985, veja-se como se dispõe quanto à competência para seu julgamento:
Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do
local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência
funcional para processar e julgar a causa.
No caso, considerando-se que a origem dos atos impugnados
remete à União, o foro é necessariamente a Justiça Federal, em consonância com a
definição expressa no art. 109, I, da Constituição da República.
Vale lembrar, ainda, que o Presidente da República não goza
de prerrogativa de foro em Ação Civil Pública, cuja competência originária é, em
regra, a primeira instância. Segundo a jurisprudência pacífica da Suprema Corte:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AJUIZAMENTO CONTRA O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA. HIPÓTESE NÃO
PREVISTA NO ROL TAXATIVO INSCRITO NO ART.
102, I, DA CONSTITUIÇÃO. INCOMPETÊNCIA
ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PRECEDENTES. O Supremo Tribunal Federal não dispõe
de competência para processar e julgar, originariamente, ação
civil pública ajuizada, com fundamento na Lei nº 7.347/85,
contra o Presidente da República. É que a definição da
competência institucional da Suprema Corte está sujeita a um
regime de direito estrito, que exclui, do âmbito de suas
atribuições jurisdicionais originárias, por efeito da
taxatividade do rol inscrito no art. 102, inciso I, da
Constituição, o processo e o julgamento de causas - como a
ação civil pública fundada na Lei nº 7.347/85 - que não se
acham previstas no próprio texto constitucional (STF. Pet n.
3.434-1/DF, relator Ministro Celso de Mello, j. 30/06/2005).
Assim, certa a competência originária deste d. Juízo federal
para julgamento do feito, nada resta a impedir seu regular processamento nesta vara.
Num. 218186406 - Pág. 2Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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5. 3
II. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
O Brasil enfrenta neste momento, possivelmente, uma das
páginas mais dramáticas da nossa história. Problemas conjunturais, históricos e
estruturais são potencializados pelo ainda imponderável avanço do contágio da
população pelo novo coronavírus, que, sem distinção de credo e classe, ameaça a
saúde de todos e desafia de forma inédita o sistema de saúde pública do país.
Como se sabe, no fim de 2019 noticiou-se a descoberta de uma
mutação do coronavírus na região da China, que vinha se disseminando de forma
acelerada e causando graves síndromes respiratórias e relevante número de mortes.
Tratava-se do que viria a ser a denominada COVID-19.
De origem incerta e lesividade ainda não decifrada, o vírus se
espalhou rapidamente aos outros países, causando tensão mundial e obrigando os
Estados nacionais à tomada de medidas urgentes para seu enfrentamento.
Nada obstante, em pouco tempo o contágio atingiu os cinco
continentes e a maioria dos países do planeta, até que, em 11/03/2020, a COVID-
19 foi classificada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1
.
Antes disso, em 30/01/2020 a OMS já declarara Emergência
de Saúde Pública de Importância Internacional – movimento que, sob forte pressão
interna e global, foi acompanhado pelo Ministério da Saúde brasileiro mediante a
publicação da Portaria n. 188/2020, de 04/02/2020, que declarou Emergência de
Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) no país2
.
Dada sua altíssima capacidade de transmissão, a comunidade
científica aponta, desde o primeiro instante, que a principal arma de confronto à
proliferação do novo coronavírus é a adoção de providências estatais de quarentena
1
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6120:oms-afirma-
que-covid-19-e-agora-caracterizada-como-pandemia&Itemid=812
2
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388
Num. 218186406 - Pág. 3Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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6. 4
e distanciamento social da população, reduzindo momentaneamente ao máximo
possível a circulação das pessoas e impedindo toda sorte de aglomeração.
No Brasil, grande parte dos governos estaduais e municipais
declarou estado de calamidade pública e passou, a partir da primeira metade de
março, a implementar medidas de restrição ao comércio e a atividades que gerem
amplo contato social, como eventos abertos, espetáculos, partidas de futebol etc.
Inúmeros atos normativos foram editados a determinar, na
vigência do estado emergencial, o controle da entrada de estrangeiros no país, a
suspensão de atividades e fechamento de estabelecimentos abertos ao público,
ressalvados os reputados essenciais – como supermercados, farmácias, clínicas etc.
Apesar de todos os esforços da sociedade, em sua maioria
consciente da gravidade da pandemia e favorável às políticas de isolamento, o
contágio viral vem mostrando força preocupante no território brasileiro. Dados
oficiais do Ministério da Saúde indicam uma curva acentuada na evolução dos casos
notificados e de mortes no país em decorrência da COVID-19. Confira-se3
:
3
Dados atualizados em tempo real: https://covid.saude.gov.br (acesso em 09/04/2020).
Num. 218186406 - Pág. 4Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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7. 5
Tais números são preocupantes por duas razões principais.
Primeiro, especialistas indicam que se trata, na verdade, de cenário subestimado, na
medida em que há elevada subnotificação motivada pela baixa disponibilização de
testes gratuitos pela rede de saúde, bem como alta parcela assintomática da população.
Em segundo lugar, o ritmo exponencial desenhado pela curva
é fator de máximo alerta, uma vez que pode propiciar verdadeiro colapso do sistema
de saúde. Nessa hipótese dramática que se roga não presenciar, os leitos hospitalares
disponíveis no país não seriam suficientes a atender a todos os adoentados, de modo
que muitos brasileiros padeceriam sem qualquer cobertura médica.
Trata-se do tragicamente vivido por nações de alta renda per
capita e elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como Itália, Espanha
e, mais recentemente, os Estados Unidos. A par da demonstrada incapacidade de
seus leitos, já se somam dezenas de milhares de mortos, com todas as imagináveis
sequelas psicossociais que acompanharão tais sociedades por gerações.
Todo esse retrato vem a enfatizar a dimensão do atual quadro
enfrentado pela humanidade, o que redobra a imprescindibilidade de os governos
nacionais assumirem seu inerente papel na minimização dos danos e na proteção à
saúde da população. Afinal, mais do que nunca, os esforços públicos devem estar
concentrados na tutela do mais imperioso valor da sociedade, qual seja a vida.
Num. 218186406 - Pág. 5Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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8. 6
É nessa moldura que se constitui, enfim, a presente propositura
judicial. Conforme amplamente noticiado, a todos os problemas vividos no país que
preocupam e dilaceram as famílias brasileiras, junta-se a atuação temerária de sua mais
alta autoridade: o ora demandado Senhor Presidente da República.
Como se abordará a seguir, a lamentável conduta presidencial
vem se caracterizando desde o início da crise por desdenhar dos efeitos da pandemia,
descoordenar a atuação de Estados e Municípios, criar atritos com nações amigas e, no
que é mais atinente aos autos, contrariar as orientações da OMS e de seu Ministério
da Saúde, instando a população a também descumpri-las – inclusive fazendo uso de
canais oficiais para tanto, como pronunciamentos em cadeia de rádio e TV.
Num instante em que a principal política de combate ao vírus
é, como pacificamente defendido pelos especialistas, a informação e conscientização
da sociedade, de modo a dissuadir comportamentos que favoreçam o contágio, as
ações patrocinadas pelo demandado com irresponsável uso da máquina pública
confundem e desinformam a população, ampliando a exposição dos brasileiros à
pandemia e sendo causa direta de centenas ou milhares de mortes.
É imperativa, pois, a imediata intervenção do Poder Judiciário,
dentro das prerrogativas delimitadas na Constituição da República, para impedir que
o chefe do Poder Executivo federal prossiga na manifesta e consciente prática de atos
atentatórios à saúde, à dignidade e à vida do povo que lhe cumpria proteger.
III. DO CABIMENTO E LEGITIMIDADE
A Ação Civil Pública é, sabidamente, instrumento com o qual
a Constituição Federal guarnece a sociedade civil a fim de questionar atos e condutas
praticados por autoridades que se revelem lesivos ao interesse público, de modo a
impedir a materialização de danos em desfavor da coletividade.
Num. 218186406 - Pág. 6Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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9. 7
Trata-se de valioso escudo constitucional a proteger a
coletividade de abusos perpetrados por quem deveria, antes de tudo, zelar pela
legalidade e pela Constituição Federal. Como define o art. 1º da Lei n. 7.347/1985:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais
e patrimoniais causados: [...]
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
É certo que a Ação Civil Pública ingressa no mundo jurídico
como ferramenta à mão da sociedade, por suas organizações representativas, a fim
de conter judicialmente atos potencialmente danosos praticados pelos ora ocupantes
de cargos públicos, de sorte a oferecer mais um espaço institucional para a tutela dos
interesses coletivos. Vale ler, sobre isso, Maria Sylvia Zanella di Pietro4
:
Constitui pressuposto da ação civil pública o dano ou a
ameaça de dano a interesse difuso ou coletivo, abrangidos por
essa expressão o dano ao patrimônio público e social,
entendida a expressão no seu sentido mais amplo, de modo a
abranger o dano material e o dano moral. Com a expressão
interesse difuso ou coletivo, constante do artigo 129, III, da
Constituição, foram abrangidos os interesses públicos
concernentes a grupos indeterminados de pessoas (interesse
difuso) ou a toda a sociedade (interesse geral); a expressão
interesse coletivo não está empregada, aí, em sentido restrito,
para designar o interesse de uma coletividade de pessoas
determinada, como ocorre com o mandado de segurança
coletivo, mas em sentido amplo, como sinônimo de interesse
público ou geral. Abrange, especialmente, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, ao patrimônio histórico ou cultural,
à ordem econômica, à ordem urbanística ou a qualquer
interesse que possa enquadrar-se como difuso ou coletivo.
Haja vista sua natural predestinação à defesa dos cidadãos
contra arbitrariedades oriundas dos ocupantes temporários das funções públicas, é
inerente a esse instituto o formalismo moderado e instrumental, de modo que a
pretensão apesentada pelo Autor – que neste exercício milita, ademais, em nome da
coletividade – não finde obstada por entraves de natureza meramente procedimental.
4
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas. 2014. p. 894.
Num. 218186406 - Pág. 7Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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10. 8
Isto é, o julgamento desse remédio constitucional exige que
prevaleça o apego à questão de mérito levada aos autos, de sorte que toda propositura
permita a apreciação da efetiva lesividade do ato impugnado, e as formas não militem
em favor da autoridade cujo eventual abuso é objeto de discussão.
No caso, a legitimidade ativa do Autor, partido político com
Estatuto devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral, encontra escora no
art. 5º, V, da Lei n. 7.347/1985, uma vez inequívoca sua natureza associativa e sua
vocação institucional à defesa de interesses difusos e coletivos.
A esse respeito, é preciso o escólio de Hugo Nigro Mazzilli5
:
Podem partidos políticos ajuizar ações civis públicas?
Segundo a Constituição, os partidos políticos têm
personalidade jurídica na forma da lei civil. Embora definidos
em lei especial, sua natureza é associativa; assim, não só́
podem ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade e
mandados de segurança coletivos, como também ações civis
públicas ou coletivas, desde que em defesa dos interesses
transindividuais de seus membros ou em defesa das próprias
finalidades institucionais.
Não se exige pertinência temática dos partidos políticos para a
propositura de ação civil pública ou coletiva, em razão de sua
larga abrangência programática.
Diga-se que, notadamente à luz do teor da Carta de 1988 – cujo
epíteto “Cidadã” qualifica verdadeira ressignificação da ordem jurídica quanto ao
alcance das ferramentas democráticas –, não haveria de se aventar suposta
ilegitimidade ativa do Autor para o manejo de Ação Civil Pública, dada sua eminente
natureza associativa e a expressa previsão legal autorizadora da sua demanda.
Entender pela ilegitimidade ativa do partido político findaria
em consagrar um olhar excessivamente restrito e desarmônico ao texto constitucional,
porquanto desarmaria a população, por suas legítimas entidades representativas,
diante da ameaça de atos que, se praticados pela autoridade de ocasião, assumiriam o
condão de causar lesões permanentes e profundas à coletividade.
5
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: 2014, Saraiva, p. 357.
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11. 9
A jurisprudência pátria há de confirmar a prevalência da força
democratizante do instituto, de nítido verniz constitucional, consoante precedente:
Ação civil pública. Legitimidade ativa. Partido politico.
Defesa de interesses transindividuais de seus membros ou
das próprias finalidades institucionais. Cabimento.
Indeferimento da petição inicial afastada. Recurso provido
para esse fim. (TJSP. Apelação n. 1075410-82.2016.8.26.0100,
10ª Câmara de Direito Privado, relator Desembargador
Araldo Telles j. 06/06/2017) – grifou-se.
No caso, o que o Autor pretende é obter provimento de
natureza cominatória a fim de que o Presidente da República abstenha-se de praticar
atos que contrariem as orientações técnicas da OMS e do Ministério da Saúde quanto
à defesa da população em face do avanço do novo coronavírus.
Ainda que, remotamente, em homenagem ao princípio da
eventualidade, entendesse-se obstada a presente demanda em virtude de óbice formal,
consistente na suposta ilegitimidade ativa do partido político, vale afirmar que mesmo
assim a instrumentalidade das formas haveria de amparar sua pretensão, até por
eminência do princípio da não afastabilidade da jurisdição.
Em outras palavras, o formalismo não poderia fustigar o direito
à petição, integrante do rol de garantias individuais, conforme art. 5º, XXXV:
Art. 5º [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
É, pois, justamente do que se trata: buscar no Poder Judiciário
– mediante o remédio constitucional assegurador dos interesses difusos e confrontador
dos atos das autoridades que atentem contra a moralidade pública – proteção em face
da ameaça ao direito subjetivo da população – que, in casu, materializa-se naquilo que
lhe há de mais sagrado: a saúde, a dignidade humana e a vida.
Por assim ser, aguarda-se que a presente Ação Civil Pública seja
recebida, uma vez preenchidos os requisitos quanto à natureza associativa do Autor e
de sua vocação estatutária à proteção de direitos difusos, bem como quanto à
Num. 218186406 - Pág. 9Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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12. 10
lesividade do ato alvejado, de modo que se proceda ao exame de mérito da situação a
seguir exposta e se apreciem os pedidos cominatórios ao fim deduzidos.
IV. DOS ATOS ATENTATÓRIOS À SAÚDE PÚBLICA E À VIDA
Como afirmado, em que pese a apreensão mundial quanto aos
ainda inestimáveis efeitos da pandemia e as claras recomendações da OMS sobre a
urgência de medidas que evitem o contágio, notadamente o isolamento social, o que
se tem visto do chefe de Estado brasileiro é a deliberada confrontação com quaisquer
orientações de origem técnica e o incessante encorajamento da população a ignorá-las.
Ao redor do mundo, todos os governos que desdenharam da
virulência da COVID-19 estão assistindo a horríveis tragédias sobre seus povos. Dois
exemplos merecem citação: a Itália e os Estados Unidos da América6
.
No primeiro caso, diante das notícias da gravidade do vírus
descoberto na China e da aproximação da pandemia à Europa continental, enquanto
diversos países de pronto restringiam a circulação de pessoas e impunham medidas de
quarentena, o governo italiano tardou a manifestar reação.
O ocorrido na província de Milão serve de triste caricatura:
quando o coronavírus já mostrava força na região da Lombardia, suas autoridades
apoiaram a campanha “Milão não para”, baseada em vídeo publicitário que exaltava os
"milagres" diários feitos por seus habitantes, seus “ritmos impensáveis” e “resultados
importantes”, concluindo que “a cada dia, não temos medo, Milão não para”.
Um mês depois, a Itália saltou dos 650 casos confirmados e 17
mortes, em 28/02/2020, para cruéis 86 mil casos e mais de 9 mil mortes em
28/03/2020, de acordo com os números compilados pela OMS. Em 10/04/2020, tal
índice já subia para mais de 143 mil casos e 18 mil mortes.
6
Todos os dados em referência estão centralizados em portal eletrônico da OMS disponível em
https://who.sprinklr.com
Num. 218186406 - Pág. 10Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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13. 11
O gráfico a seguir, desenhado de acordo com dados oficiais da
OMS, sinaliza a data em que foi divulgada a campanha “Milão não para” e a evolução
do contágio, evidenciando-se suas consequências funestas para a sociedade italiana:
Tamanho foi o reconhecimento mundial do erro cometido pelas
autoridades italianas que o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, em pronunciamento de
26/03/2020, desculpou-se publicamente por haver apoiado a campanha7
.
O caso norte-americano, por sua vez, chama a atenção pela
violentíssima expansão do vírus, que logo fez deste o país com maior número de
casos no planeta: em 10/04/2020, são 425.889 contaminações e 14.665 mortes.
Também se considera que as autoridades americanas, em
especial o presidente Donald Trump, falharam ao menosprezar a gravidade da
COVID-19 e desestimular a adesão popular ao isolamento. Os pronunciamentos de
Trump, em tradução livre, ilustram bem como foram as primeiras reações:
o 22/01/2020: “É apenas uma pessoa que veio da China,
e [o vírus] está sob controle. Vai ficar tudo bem” (em
entrevista ao canal CNBC);
o 26/02/2020: “Isso é como uma gripe. [...] [Os casos
estão] caindo substancialmente, não aumentando”;
7
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/03/26/interna_mundo,840540
/erramos-um-mes-apos-campanha-para-nao-parar-milao-tem-4-4-mil-mort.shtml
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14. 12
o 02/03/2020: “[Eu] acho que você falou que [a gripe
comum causa] de 26-27 mil até 60 mil morte por ano.
São muitas mortes. Aqui [sobre o novo coronavírus]
estamos falando de uma faixa muito menor (em
entrevista concedida na Casa Branca);
o 06/03/2020: “Nós temos números muito baixos em
comparação com os principais países do mundo. Nossos
números são mais baixos do que quase todos”;
o 06/03/2020: “A Mídia Fake News e seu parceiro, o
Partido Democrata, estão fazendo tudo em seu
semiconsiderável poder (que costumava ser maior!) para
inflamar a situação do coronavírus, muito além do que
os fatos justificam” (no Twitter);
o 07/03/2020: “Não, não estou nem um pouco preocupado
[com o coronavírus]” (em entrevista no hotel Mar-a-Lago).
Apesar das declarações, o coronavírus se mostrou insubmisso
à palavra presidencial e produziu, nos dias subsequentes, a mais íngreme curva até o
momento observada no mundo. Conforme os dados da OMS:
Num. 218186406 - Pág. 12Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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15. 13
O alarme da situação obrigou Trump a se render e emitir carta
à população, em 27/03/2020, intitulada “Diretrizes de Coronavírus do Presidente
Trump”, em que, entre outras recomendações, pede que os americanos fiquem em
casa e evitem reuniões com mais de dez pessoas.
É notório que os discursos de Trump não obedecem a um
absoluto senso de coerência, de modo que habitualmente ele volta a reproduzir o
desdém ao poder destrutivo do vírus. Porém, a providência da carta e a mudança
súbita de discurso dão conta do assombro a que já se assiste nos EUA8
.
Buscou-se expor esses dois cenários para evidenciar como a
palavra das autoridades, para além dos atos administrativos propriamente ditos,
pode influenciar na potencialização da disseminação do vírus.
Tanto na Itália quanto nos EUA, a pouca importância dada
por seus governantes ao perigo da COVID-19 refletiu-se na baixa conscientização
popular quanto à necessidade da adesão ao distanciamento social, acarretando alta
exposição ao contágio e favorecimento da rápida expansão da doença.
O fato é que, nada obstante os fragorosos alertas emitidos por
toda a comunidade global acerca da necessidade do isolamento como principal arma
de combate ao coronavírus, assim como os dramáticos exemplos já vivenciados por
outras nações que tardaram a coordenar essa política, no Brasil a atuação do Senhor
Presidente marca-se, como aduzido, por promover confusão e desinformação.
Se é possível dizer que o prefeito de Milão teria o “direito de
errar”, uma vez que em fevereiro não se podia medir ao claro a dimensão da crise, o
mesmo não se diga do Presidente brasileiro – que, já adentrando abril e diante de uma
catástrofe mundial, segue minimizando a COVID-19 e encorajando a população a
frustrar as medidas recomendadas pelos técnicos de seu próprio Ministério da Saúde.
8
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,em-carta-presidente-trump-pede-para-
americanos-ficarem-em-casa-por-coronavirus,70003250163
Num. 218186406 - Pág. 13Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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16. 14
A tormentosa ação presidencial fica mais escancarada quando
se resgatam os episódios subsequentes a seu retorno ao Brasil de viagem oficial aos
Estados Unidos, na segunda semana de março – quando os casos confirmados em
brasileiros somavam poucas dezenas e em americanos ultrapassavam os 1.100.
Como foi mundialmente noticiado, a comitiva presidencial
pousou em solo nacional com, no mínimo, 23 membros que viriam a ter diagnóstico
positivo para COVID-19, inclusive pessoas do círculo de mais próximo convívio do
demandado. Até aí, porém, era mera fatalidade.
O caso assumiu contorno criminoso, contudo, alguns dias
depois, em 15/03/2020, quando o Presidente, tendo manifestado sintomas virais e
enquanto aguardava o resultado de seu exame para a doença, participou de nefasto
ato convocado com seu apoio contra membros dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Conforme o protocolo da OMS, incorporado no Brasil
mediante a Portaria n. 356 do Ministério da Saúde, de 11/03/2020 – anterior, pois,
aos fatos narrados –, pacientes com suspeitas de COVID-19 devem permanecer em
isolamento até ao menos a confirmação de seu teste negativo. Assim se prevê:
Art. 2º Para o enfrentamento da emergência de saúde pública
de importância nacional e internacional, decorrente do
coronavírus (COVID-19), poderão ser adotadas as medidas de
saúde para resposta à emergência de saúde pública previstas
no art. 3º da Lei nº 13.979, de 2020.
Art. 3º A medida de isolamento objetiva a separação de
pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação
clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da
infecção e transmissão local. [...]
Art. 5º O descumprimento das medidas de isolamento e
quarentena previstas nesta Portaria acarretará a
responsabilização, nos termos previstos em lei.
Ou seja: sabendo que era caso suspeito e que necessitava se
manter recluso, o Senhor Presidente saiu à rua e participou de aglomeração em
frente ao Palácio da Alvorada, expondo todos aqueles indivíduos – inclusive
pessoas de grupos de risco – a eventual contágio do novo coronavírus.
Num. 218186406 - Pág. 14Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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17. 15
Veja-se das imagens a seguir, capturadas por Sérgio Lima
(AFP), que o demandado descumpriu todas as orientações sanitárias: instou e
compôs aglomeração, praticou amplo contato social e trocou cumprimentos:
Num. 218186406 - Pág. 15Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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18. 16
Ainda que o resultado de seu exame tenha sido supostamente
negativo para o novo coronavírus – o que nunca foi documentalmente provado –, o
mero fato de o demandado haver criado um risco de saúde pública e contrariado
os protocolos do Ministério da Saúde é bastante a caracterizar a lesividade de sua
conduta e a ensejar a responsabilização prevista no art. 5º da aludida Portaria.
Levantamento realizado pelo jornal “O Estado de São Paulo”,
com base em vídeos gravados durante o ato, estima que o Presidente cumprimentou
no mínimo 272 pessoas9
. Significa que, se apenas uma delas estivesse contaminada,
provavelmente o demandado teria carregado a doença para muitas outras.
Saliente-se, Excelência, não se tratar de simples “descuido” ou
gesto apenas inconsequente praticado pela autoridade máxima do país. A consciente
exposição de cidadãos brasileiros a uma pandemia cujos efeitos são, até o momento,
desconhecidos é ato tipificado no art. 132 do Código Penal:
Art. 132. Expor a risco a vida ou a saúde de outrem a perigo
direto ou iminente.
Pena: detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não configura
crime mais grave.
A péssima repercussão mundial do episódio, porém, não o
inibiu de persistir circulando por espaços públicos a promover aglomerações, sempre
com momentos de próximo contato físico para afagos e fotografias.
No domingo de 29/03/2020, quando o Brasil já somava mais
de 3,4 mil casos confirmados e 92 mortes, o demandado tomou a infeliz decisão de
visitar as cidades de Ceilândia/DF e Taguatinga/DF para realizar passeios em
supermercados e padarias – locais típicos de aglomeração.
9
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-tem-contato-direto-com-ao-menos-272-
pessoas-durante-ato-mostra-video,70003234397
Num. 218186406 - Pág. 16Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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19. 17
As imagens a seguir, extraídas de vídeos obtidos pelo portal
“Poder360”10
, retratam a aglomeração propiciada pela presença presidencial:
10
https://www.poder360.com.br/governo/no-distrito-federal-bolsonaro-vai-a-mercado-
aglomerado-de-pessoas/
Num. 218186406 - Pág. 17Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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20. 18
Em 09/04/2020, quando eram confirmados quase 14 mil
casos e 667 mortes entre brasileiros por COVID-19, o Senhor Presidente tornou a
circular pelas ruas de Brasília, levando aglomeração e riscos de contágio por onde
passava, conforme noticiado por seu filho em rede social:
Em 10/04/2020, data em que o Brasil bateu a marca de 800
mortos e quase 16 mil casos confirmados, Bolsonaro tornou a andar pelas ruas
brasilienses, visitando farmácias e padarias e atraindo apoiadores aglomerados.
Nessa ocasião, o grotesco ganhou cores de escárnio – quando
o Presidente, não contente em conscientemente violar as recomendações da OMS e
do Ministério da Saúde quanto ao contato social, cuidou de esfregar o nariz e
imediatamente em seguida cumprimentar uma senhora idosa.
A lamentável cena foi capturada pela TV Globo e pode ser
visualizada nas imagens a seguir, que ocorrem em linha contínua11
:
11
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/10/bolsonaro-vai-a-hospital-farmacia-e-predio-
de-brasilia-e-cumprimenta-apoiadores.ghtml
Num. 218186406 - Pág. 18Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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21. 19
Ainda que se alegue que tais passeios não são previamente
divulgados, de modo que ele não seria causador das aglomerações, não é preciso
dizer que qualquer visita presidencial, mesmo desavisada, propicia esse tipo de cena.
Num. 218186406 - Pág. 19Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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22. 20
Fato é que os aludidos passeios não decorrem da espontânea
disposição do demandado em exercer seu “direito de ir e vir”. São, isto sim, parte de
sua política irresponsável e negacionista face ao novo coronavírus, não bastassem
as terríveis experiências que outras nações vêm exibindo ao mundo.
Essa postura vil e criminosa se expressa de diversas formas:
falas minimizadoras da COVID-19, por si tratada como “gripezinha” ou
“resfriadinho”, inclusive em pronunciamentos em cadeia de rádio e TV – portanto,
com recursos públicos; clamores pelo fim das políticas de quarentena decretadas por
Estados e Municípios; compartilhamento de notícias falsas, sobretudo geradoras de
pânico na população quanto a fantasioso desabastecimento alimentar; etc.
Sua indecorosa atuação o obrigou a pateticamente rivalizar
com seu próprio Ministro de Estado da Saúde, anunciando de forma reiterada sua
possível e iminente demissão, unicamente por este liderar o corpo técnico que
defende, em linha com o protocolo internacional, as medidas de distanciamento.
Outro episódio indecente consistiu em seu apoio e incitação à
campanha “O Brasil não pode parar”, criada ao espelho da famigerada “Milão não
para”, cujo mote pedia o retorno dos brasileiros ao trabalho normal, ignorando a
existência de um vírus desconhecido e fatal no ambiente nacional.
A principal diferença entre a campanha brasileira e a italiana
é cronológica: a segunda já se revelara desastrosa, com pedido público de desculpas
do prefeito milanês, quando a primeira foi patrocinada pelo demandado.
A linha do tempo a seguir busca expor, de modo objetivo e
relacionando-a com o estágio do avanço do novo coronavírus no Brasil, a persistente
opção do demandado pela prática de atos atentatórios à saúde da população,
baseados na frustração das orientações e protocolos técnicos da OMS e do Ministério
da Saúde, cujas consequências acarretam padecimentos e mortes entre os brasileiros.
Num. 218186406 - Pág. 20Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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23. 21
10/03/2020
25 casos confirmados
nenhuma morte
“Obviamente temos, no momento, uma pequena crise, no
meu entender muito mais uma fantasia, a questão do
coronavírus, que não é isso tudo que a mídia propala ou
propaga pelo mundo todo.”
15/03/2020
121 casos confirmados
nenhuma morte
Mesmo sob suspeita de estar infectado, participa de
ato em frente ao Palácio da Alvorada, causando
aglomeração, distribuindo cumprimentos e posando
para fotografias.
16/03/2020
200 casos confirmados
nenhuma morte
Deixa de comparecer injustificadamente à
videoconferência com chefes de Estado da América
do Sul para discutir medidas conjuntas de
enfrentamento ao coronavírus.
“Se eu me contaminei, [...] isso é responsabilidade minha,
ninguém tem nada a ver com isso.”
20/03/2020
428 casos confirmados
4 mortes
“Depois da facada não vai ser uma gripezinha que vai me
derrubar.” (durante coletiva)
“O que eu vejo no Brasil, não são todos, mas muita gente.
Para dar uma satisfação para o seu eleitorado, toma
providências absurdas. Como eu te falei agora há pouco.
Fechando shopping.” (durante entrevista a programa de
TV)
22/03/2020
904 casos confirmados
11 mortes
“A previsão é não chegar a essa quantidade de óbitos no
tocante ao coronavírus.” (durante entrevista, em
referência aos 791 mortos pela gripe H1N1, em 2009)
25/03/2020
2.201 casos confirmados
46 mortes
“O que estão fazendo no Brasil, alguns poucos governadores
e alguns poucos prefeitos, é um crime.” “Outros vírus
mataram muito mais do que esse e não teve essa comoção
toda.”
26/03/2020
2.433 casos confirmados
57 mortes
“Eu acho que não vai chegar a esse ponto [dos EUA]. Até
porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega
nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali. Ele sai,
mergulha e não acontece nada com ele” (em coletiva no
Palácio da Alvorada);
“Este vírus é igual uma chuva —fechou o tempo,
trovoada—, você vai se molhar, e vamos tocar o barco.”
(em live transmitida nas redes sociais)
Num. 218186406 - Pág. 21Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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24. 22
27/03/2020
2.433 casos confirmados
57 mortes
“Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a
vida.” (em entrevista a programa de TV)
29/03/2020
3.417 casos confirmados
92 mortes
A rede social “Twitter” apaga duas postagens de
Bolsonaro por descumprirem suas normas, mais
especificamente quanto à “negação das
recomendações de autoridades de saúde locais ou
globais para diminuir a possível exposição ao
COVID-19 com a intenção de influenciar as pessoas
a agir contra as orientações recomendadas”.
01/04/2020
4.579 casos confirmados
159 mortes
Em suas redes sociais, Bolsonaro publica vídeo falso
em que se alude a um suposto desabastecimento de
alimentos em Minas Gerais, decorrente das medidas
de quarentena. Algumas horas depois, reconhece a
mentira e apaga a mensagem.
08/04/2020
12.056 casos confirmados
553 mortes
“Os governadores, os prefeitos, que, no meu entender,
alguns tomaram medidas em desacordo com a população,
têm que refazer o seu programa e voltar a abrir o comércio.
Quem tem abaixo de 40 anos não tem que se preocupar. De
40 a 60, tem as suas preocupações. E acima dos 60, é
cuidado máximo.” (em entrevista a programa de TV)
10/04/2020
15.927 casos confirmados
800 mortes
“Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir.” (após
questionamento por circular em Brasília e causar
aglomeração)
12/04/2020
19.638 casos confirmados
1.056 mortes
“Veio agora esse vírus. É o que eu tenho dito há 40 dias. O
vírus e o desemprego. Quarenta dias depois, parece que está
começando a ir embora a questão do vírus, mas está
chegando e batendo forte o desemprego.” (em
teleconferência com lideranças religiosas)
Paralelamente a isso, Bolsonaro vem usando com elevada
frequência pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e TV para criticar as políticas
de quarentena e minimizar a gravidade da COVID-19 – ou seja: usando de canais
oficiais, que geram custos aos cofres da União, para contrariar as recomendações da
OMS e do Ministério da Saúde e levar desinformação à sociedade.
Num. 218186406 - Pág. 22Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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25. 23
Alguns exemplos merecem realce:
Em pronunciamento de 24/03/2020, pede a reabertura de
escolas e o retorno à “normalidade”, propondo que se mantenham isoladas apenas
as pessoas com mais de 60 anos – o que, de novo, contraria a posição da OMS:
Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o
conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de
comércio e o confinamento em massa. O que se passa no mundo tem
mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos. Então,
por que fechar escolas? [...]
O vírus chegou. Está sendo enfrentado por nós e brevemente passará.
Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O
sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à
normalidade. [...]
Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade.
Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se
contamine. Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o
vírus para os outros, em especial aos nossos queridos pais e avós.
Em pronunciamento de 31/03/2020, distorce discurso do
diretor-geral da OMS, que defendera a tomada de providências pelos Estados
nacionais em favor da população que, em virtude do necessário isolamento social,
enfrentariam dificuldades. Bolsonaro, em seu pronunciamento, dá a entender que o
diretor sugere o retorno dessas pessoas ao trabalho:
Me coloco no lugar das pessoas e entendo suas angústias. As medidas
protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e
coordenada. Nesse sentido, o senhor Tedros Adhanom, diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde, disse saber que muitas pessoas de fato
têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário. E que os
governos têm que levar essa população em conta.
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26. 24
Continua ainda: se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que
acontecerá com essas pessoas que tem que trabalhar todos os dias e que
têm que ganhar o pão de cada dia, todos os dias? Ele prossegue: então
cada país, baseado em sua situação, deveria responder a essa questão. O
diretor da OMS afirma ainda que, com relação a cada medida, temos que
ver o que significa para o indivíduo nas ruas.
Em pronunciamento de 08/04/2020, volta a relativizar a
importância do isolamento, fazendo crer que os mais pobres não poderiam aderir –
o que significa afirmar, na prática, que aos humildes não haveria como se defender
da contaminação, desestimulando a adoção do isolamento como política pública:
Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu
pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais
danosas que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à
fome, à miséria, enfim, à própria morte.
Tais fatos geram consequências graves em função do papel
cultural e naturalmente exercido pelo chefe de Estado, sobretudo em um país como
o Brasil, cujos quatro primeiros séculos de história foram monárquicos.
Por mais que o corpo técnico do governo siga em regra os
protocolos da OMS, prevalece a palavra presidencial, dado o seu forte significado
perante a população, que aí enxerga uma orientação em tese segura a obedecer.
Uma prova contundente dessa constatação surge graças a
trabalho desenvolvido pela startup “In Loco”, que, com base em tecnologia que
permite coletar dados de geolocalização de celulares de 60 milhões de brasileiros,
vem registrando diariamente em seu sítio eletrônico os índices de isolamento social12
.
12
Disponível em https://www.inloco.com.br/pt/
Num. 218186406 - Pág. 24Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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27. 25
No que se lê do gráfico elaborado pela startup, percebe-se que
a alternância de dias com mais e menos adesão ao isolamento, sendo possível
estabelecer correspondências com as declarações desestimuladoras do demandado:
O gráfico é muito preocupante na medida em que indica um
arrefecimento da adesão popular ao distanciamento social num momento em que
o Brasil ainda não está nem perto de atingir o pico de contaminações.
Em grande parte graças aos repudiáveis gestos e discursos
presidenciais, larga parcela dos cidadãos entende que o isolamento seria dispensável e
que a rotina deveria ser retomada. Já são perceptíveis nas grandes cidades um tráfego
maior do que verificado nas últimas semanas, com maior ocorrência de aglomerações.
Esse indício tornou-se mais eloquente no fim de semana da
Páscoa, de 10/04 a 12/04: de acordo com a comissão de monitoramento do Estado
de São Paulo, e noticiado pela imprensa13
, houve queda vertiginosa do isolamento
social, que vem ficando muito abaixo da recomendável marca de 70%.
Para coroá-lo, também se noticiou que o Senhor Presidente,
em teleconferência com lideranças evangélicas, afirmou que “o vírus está
13
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/04/com-queda-de-13-no-
isolamento-social-sp-tem-152-mais-mortes-por-coronavirus-em-uma-semana.shtml
Num. 218186406 - Pág. 25Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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28. 26
começando a ir embora”14
– isto num momento em que nenhuma fonte científica
diverge quanto ao fato de o Brasil estar ainda distante de seu pico, com curva crescente
em ritmo acelerado de casos confirmados e mortes em decorrência da COVID-19.
Mais do que asseverar seu criminoso desdém com as vidas
brasileiras que são ceivadas, a cada dia, pela síndrome respiratória, a fala do Senhor
Presidente prenuncia a reiteração de práticas que desestimulem o distanciamento
social e sua pressão política pelo afrouxamento da quarentena nacional.
Isso pode produzir como consequência a dramática elevação
do pico de contágio, tornando a curva brasileira sensivelmente mais íngreme – o que,
no concreto, significa proporcionar uma maior quantidade de brasileiros sem
qualquer atendimento hospitalar, resultando em dor e morte.
Não é demais lembrar que, dado o aspecto exponencial do
contágio, cada indivíduo que siga as orientações do demandado e se encoraje a sair
às ruas estará elevando de forma veemente a exposição de toda a sociedade, em
especial daqueles que integram os grupos de risco, acentuando e prolongando o
estágio crítico da contaminação no território brasileiro.
Não por acaso, as declarações negacionistas do demandado
tornaram-se objeto de consternação na imprensa estrangeira. É o que se infere das
manchetes recentes dos principais periódicos do mundo, em tradução livre:
o The Economist (EUA)15
– 26/03/2020: BolsoNero:
Presidente do Brasil toca violino enquanto pânico se aproxima;
o Der Spiegel (Alemanha)16
– 26/03/2020: Bolsonaro: o
último negacionista;
14
https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-diz-que-coronavirus-esta-comecando-a-ir-embora/
15
https://www.economist.com/the-americas/2020/03/26/brazils-president-fiddles-as-a-pandemic-
looms
16
https://www.spiegel.de/politik/ausland/coronavirus-in-brasilien-jair-bolsonaro-der-letzte-
leugner-a-131d82f5-bf9c-4cdf-8640-2e2bf63f0621
Num. 218186406 - Pág. 26Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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29. 27
o Washington Post (EUA)17
– 29/03/2020: Bolsonaro está
pondo o Brasil em perigo. Ele deve sofrer impeachment;
o BBC (Reino Unido)18
– 29/03/2020: Coronavírus:
Bolsonaro do Brasil em negação e contra todos;
o The Guardian (Reino Unido)19
– 31/03/2020: A visão do
Guardian sobre Jair Bolsonaro: um perigo para os brasileiros;
o New York Times (EUA)20
– 01/04/2020: Bolsonaro,
isolado e provocador, nega ameaça do coronavírus ao Brasil;
o Le Monde (França)21
– 04/04/2020: Coronavírus: no Brasil,
Bolsonaro se isola cada vez mais da gestão da crise da saúde;
A periculosidade dos desmandos presidenciais também se
tornou alvo da censura da Human Rights Watch, em nota oficial de 10/04/2020
intitulada “Brasil: Bolsonaro atrapalha os esforços anti-COVID-19”22
:
O Presidente Jair Bolsonaro está colocando os brasileiros em
grave perigo ao incitá-los a não seguir o distanciamento social
e outras medidas para conter a transmissão da COVID-19,
implementadas por governadores no país inteiro e
recomendadas por seu próprio Ministério da Saúde, disse a
Human Rights Watch hoje. Ele também age de forma
irresponsável disseminando informações equivocadas sobre a
pandemia.
“Bolsonaro tem sabotado os esforços dos governadores e do
seu próprio Ministério da Saúde para conter a disseminação
da COVID-19, colocando em risco a vida e a saúde dos
brasileiros”, disse José Miguel Vivanco, diretor da Divisão das
Américas da Human Rights Watch. “Para evitar mortes com
essa pandemia, os líderes devem garantir que as pessoas
tenham acesso a informações precisas, baseadas em
evidências, e essenciais para proteger sua saúde. O presidente
Bolsonaro está fazendo tudo, menos isso.” [...]
17
https://www.washingtonpost.com/opinions/2020/03/29/bolsonaro-is-endangering-brazil-he-
must-be-impeached/
18
https://www.bbc.com/news/world-latin-america-52080830
19
https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/mar/31/the-guardian-view-on-jair-
bolsonaro-a-danger-to-brazilians
20
https://www.nytimes.com/2020/04/01/world/americas/brazil-bolsonaro-
coronavirus.html?searchResultPosition=2
21
https://www.lemonde.fr/international/article/2020/04/04/coronavirus-au-bresil-bolsonaro-de-
plus-en-plus-isole-face-a-sa-gestion-de-la-crise-sanitaire_6035562_3210.html
22
https://www.hrw.org/pt/news/2020/04/10/340694
Num. 218186406 - Pág. 27Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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30. 28
Apesar do risco potencialmente fatal para a saúde dos
brasileiros, desde o início da crise, Bolsonaro tem minimizado
a gravidade da COVID-19, chamando-a de “gripezinha” ou
“um resfriado”, e de uma “fantasia” criada pela imprensa. Ele
rotulou as medidas preventivas como “histéricas” e
repetidamente requereu aos governadores estaduais que
suspendessem as restrições de distanciamento social aplicadas
para impedir a propagação da doença. [...]
O presidente Bolsonaro tem repetidamente desconsiderado as
recomendações de distanciamento social e incentivado as
pessoas que não são “idosas” a fazerem o mesmo, colocando-
as em risco de contágio.
Ele conclamou as pessoas a participarem de uma manifestação
pró-governo no dia 15 de março e interagiu com os
manifestantes, inclusive apertando as suas mãos. Na época, ele
deveria estar em quarentena, já que vinte e quatro pessoas de
uma delegação oficial que viajou com ele para os Estados
Unidos haviam testado positivo para o vírus.
Por derradeiro, à vista do teor das declarações proferidas pelo
demandado, também merece destaque a iminência da edição de atos normativos que
as materializem em medidas que trilham na contramão dos protocolos sanitários.
Vale lembrar que, em 25/03/2020, o Senhor Presidente editou
o Decreto n. 10.292/2020 para ampliar o rol de atividades que não poderiam ser
suspensas no período do estado de emergência sanitária, incluindo lotéricas e igrejas
– ambientes notoriamente geradores de aglomerações.
Não se pretende adentrar nesse mérito, até porque tal decreto
já foi parcialmente suspenso por decisão judicial proferida nos autos da Ação Civil
Pública n. 5002814-73.2020.4.02.5118, proposta pelo Ministério Público Federal.
O que se busca demonstrar é que o demandado dá sucessivas
mostras de completa falta de comprometimento e rebeldia com as orientações
exaradas pelos órgãos nacionais e internacionais de saúde, num período histórico
sem precedente que ameaça a paz de todas as famílias brasileiras.
Fosse apenas uma “excentricidade” sem maior resultado, não
haveria com o que se preocupar ou buscar neste d. Juízo.
Ocorre que o mundo atravessa uma avassaladora crise cujos
desdobramentos são imponderáveis: não se sabe medir até quando serão necessárias
Num. 218186406 - Pág. 28Assinado eletronicamente por: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - 14/04/2020 20:56:19
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31. 29
as medidas de distanciamento e quarentena; não se sabe ao certo quais os efeitos
causados pelo vírus no organismo humano; não há perspectiva concreta de quando
será disponibilizada uma vacina ou tratamento seguro para combate à COVID-19.
Dentro dessa conjuntura alarmante, a persistência do Senhor
Presidente da República em sua conduta atentatória à saúde pública e à vida da
população, mais do que se marginalizar ao direito – e, portanto, consistir em atos
ilegais – expõe a população brasileira a risco de danos permanentes naquele que é
seu bem mais sagrado: sua vida e de seus familiares.
Tais atos se resumem em gerar aglomerações, violar orientações
como distanciamento e uso de máscara, emitir posicionamentos públicos contrários aos
protocolos sanitários, fazer uso de canais oficiais para dissuadir o cumprimento desses
protocolos, editar atos normativos em discordância com os tais etc.
Nesse sentido, sendo papel do Poder Judiciário exercer o
controle da legalidade dos atos administrativos stricto e lato sensu, em harmonia com
o sistema de freios e contrapesos, o provimento jurisdicional a fim de conter a
delinquência presidencial é medida de rigor que cumprirá, quando menos, o
impagável papel de salvar as vidas ameaçadas por tal descompostura.
V. DA TUTELA DE URGÊNCIA
Sendo certo que se aplicam subsidiariamente à Ação Civil
Pública os dispositivos da lei processual comum, conforme o art. 19 da Lei n.
7.347/1985, estão presentes os requisitos reclamadores da concessão de tutela em
caráter provisório, com fulcro no art. 300 do Código de Processo Civil:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Em primeiro lugar, o fumus boni iuris se confirma na flagrante
desconformidade ao direito de atos de autoridade que, contrariando normas e
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protocolos técnicos, gerem riscos à coletividade, notadamente em se tratando de
tema da maior sensibilidade que é a saúde pública.
Como demonstrado, a incessante conduta presidencial a negar
ou minimizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus põe a saúde da população
em risco porquanto gere confusão e dissuada a adesão popular às medidas de
distanciamento social – até aqui pacificamente indicadas pela comunidade científica.
Sendo certo que a proteção à saúde é imperativo constitucional
(art. 196, caput), bem como a proteção à vida (art. 5º, caput), os atos que atentem contra
os quais não são suportados pela liberdade de expressão – afinal, não cabem
subjetivismos em face dos conhecimentos exarados pela ciência.
De seu turno, o periculum in mora manifesta-se na alarmante
curva de contágio brasileira, que desenha uma rota altamente desafiadora ao sistema
de saúde pública do país e põe em xeque a capacidade de seus leitos hospitalares.
Nesse quadro, é urgente que se conceda medida imediata a fim de
se determinar que o demandado se abstenha de praticar atos em desacordo com os
protocolos sanitários, notadamente da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do
Ministério da Saúde e em especial: (i) realizar passeios públicos sem seguir orientações
como uso de luvas e máscara e sem garantir o distanciamento mínimo recomendado
pelas normas sanitárias, (ii) proferir discursos em cadeia de rádio e TV que contrariem
os protocolos, (iii) publicar mensagens em redes sociais que contrariem os protocolos e
(iv) editar atos normativos em desacordo com os protocolos.
Neste momento agudo que se atravessa, cada pequeno ato
presidencial que vilipendie as normas de saúde pública e desestimule o distanciamento
social da população causa mortes diretas, as quais são impossíveis precificar sob
critérios jurídicos, considerando-se a supremacia do bem vida.
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33. 31
VI. CONCLUSÃO E PEDIDOS
Diante de todo o exposto, postula-se, respeitosamente:
a) Em liminar, a concessão de medida em caráter de
urgência para se determinar que o Senhor Presidente da
República se abstenha de (i) realizar passeios públicos
sem seguir orientações como uso de luvas e máscara e
sem garantir o distanciamento mínimo recomendado
pelas normas sanitárias, (ii) proferir discursos em
cadeia de rádio e TV que contrariem os protocolos
sanitários, (iii) publicar mensagens em redes sociais
que contrariem os protocolos e (iv) editar atos
normativos em desacordo com os protocolos, bem
como outras providências que este d. Juízo entender
pertinentes a fim de proteger a saúde pública, sob pena
de cometimento de crime de responsabilidade tipificado
no art. 12 da Lei n. 1.079/1950 e de aplicação de multa
prevista no art. 11 da Lei n. 7.347/1985;
b) A citação do demandado para, querendo, apresentar
contestação no prazo legal;
c) A intimação do eminente representante do Ministério
Público Federal, nos termos do art. 5º, §1º, da Lei n.
7.347/1985, para agir custus legis;
d) Ao final, o julgamento de procedência da presente Ação
Civil Pública, confirmando-se a tutela concedida em
caráter antecipatório, para que, na vigência do
Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional,
o demandado se abstenha de praticar aqueles atos que se
confrontem com os protocolos sanitários.
Protesta-se, ademais, pela pertinente produção probatória por
todos os meios admitidos em direito, ainda que a maior parte da matéria fática seja de
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notório conhecimento e prescinda de subsídio documental. Por fim, pugna-se pela
concessão de prazo para a juntada de instrumento de procuração.
Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Termos em que pede deferimento.
Brasília, 13 de abril de 2020.
Paulo Teixeira
OAB/SP 156.333
Gleisi Hoffmann
OAB/PR 19.297
Eugênio José Guilherme de Aragão
OAB/DF 4.935
Angelo Longo Ferraro
OAB/DF 37.922
Miguel Filipi Pimentel Novaes
OAB/DF 57.469
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