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Anelo

Só aos sábios o reveles
Pois o vulgo zomba logo:
Quero louvar o vivente
Que aspira à morte no fogo
              Na noite – em que te geraram,
              Em que geraste – sentiste,
              Se calma a luz que alumiava,
              Um desconforto bem triste.
Não sofres ficar nas trevas
Onde a sombra se condensa.
E te fascina o desejo
De comunhão mais intensa.
              Não te detêm as distâncias,
              Ó mariposa! E nas tardes,
              Ávida de luz e chama,
              Voa para a luz em que ardes.

“Morre e transmuta-te”: enquanto
Não cumpres esse destino,
És sobre a terra sombria
Qual sombrio peregrino.
              Como vem da cana o sumo
              Que os paladares adoça,
              Flua assim da minha pena,
              Flua o amor o quanto possa.
                              Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
                                               Tradução de Manuel Bandeira
Ode ao Tejo e à Memória de Álvaro de Campos                                 À Memória de Fernando Pessoa
                                                                   Se eu pudesse fazer com que viesses
E aqui estou eu,
                                                                   Todos os dias, como antigamente,
ausente diante desta mesa -
                                                                   Falar-me nessa lúcida visão
e ali fora o Tejo.
                                                                   — Estranha, sensualíssima, mordente;
Entrei sem lhe dar um só olhar.
                                                                   Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
                                                                   Meu pobre e grande e genial artista,
 Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça,
                                                                   O que tem sido a vida — esta boémia
 e saudá-lo deste canto da praça:
                                                                   Coberta de farrapos e de estrelas
quot;Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!quot;
                                                                   Tristíssima, pedante, e contrafeita,
 Não, não olhei.
                                                                   Desde que estes meus olhos numa névoa
 Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado
                                                                   De lágrimas te viram num caixão;
 me lembrei que estavas aí, Tejo.
                                                                   Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
 Passei e não te vi.
                                                                   Voltávamos à mesma:
 Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
                                                                   Tu, lá onde
                                                                   Os astros e as divinas madrugadas
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em
                                                                   Noivam na luz eterna de um sorriso;
que Fernando Pessoa se sentava,
                                                                   E eu, por aqui, vadio da descrença
contigo e os outros invisíveis à sua volta,
                                                                   Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
inventando vidas que não queria ter.
                                                                   Isto por cá vai indo como dantes;
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.
                                                                   O mesmo arremelgado idiotismo
                                                                   Nuns senhores que tu já conhecias
Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
                                                                   — Autênticos patifes bem falantes. . .
 tudo indiferença e falta de resposta.
                                                                   E a mesma intriga; as horas, os minutos,
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória,
                                                                   As noites sempre iguais, os mesmos dias,
e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,
                                                                   Tudo igual! Acordando e adormecendo
 Tejo que não és da minha infância,
                                                                   Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
 mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável,
                                                                   O mesmo ar e em tudo a mesma posição
 majestade sem par nos monumentos dos homens,
                                                                   De condenados, hirtos, a viver
 imagem muito minha do eterno,
                                                                   — Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
 porque és real e tens forma, vida, ímpeto,
 porque tens vida, sobretudo,                                      Poetas, escutai-me: transformemos
 meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado...                  A nossa natural angústia de pensar
 Eu que me esqueci de te olhar!                                    — Num cântico de sonho!, e junto dele,
                                                                   Do camarada raro que lembramos,
           Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)                      Fiquemos uns momentos a cantar!
                                                                                   António Botto (1897-1959)

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  • 1. Anelo Só aos sábios o reveles Pois o vulgo zomba logo: Quero louvar o vivente Que aspira à morte no fogo Na noite – em que te geraram, Em que geraste – sentiste, Se calma a luz que alumiava, Um desconforto bem triste. Não sofres ficar nas trevas Onde a sombra se condensa. E te fascina o desejo De comunhão mais intensa. Não te detêm as distâncias, Ó mariposa! E nas tardes, Ávida de luz e chama, Voa para a luz em que ardes. “Morre e transmuta-te”: enquanto Não cumpres esse destino, És sobre a terra sombria Qual sombrio peregrino. Como vem da cana o sumo Que os paladares adoça, Flua assim da minha pena, Flua o amor o quanto possa. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) Tradução de Manuel Bandeira
  • 2. Ode ao Tejo e à Memória de Álvaro de Campos À Memória de Fernando Pessoa Se eu pudesse fazer com que viesses E aqui estou eu, Todos os dias, como antigamente, ausente diante desta mesa - Falar-me nessa lúcida visão e ali fora o Tejo. — Estranha, sensualíssima, mordente; Entrei sem lhe dar um só olhar. Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses, Meu pobre e grande e genial artista, Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça, O que tem sido a vida — esta boémia e saudá-lo deste canto da praça: Coberta de farrapos e de estrelas quot;Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!quot; Tristíssima, pedante, e contrafeita, Não, não olhei. Desde que estes meus olhos numa névoa Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado De lágrimas te viram num caixão; me lembrei que estavas aí, Tejo. Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses, Passei e não te vi. Voltávamos à mesma: Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo! Tu, lá onde Os astros e as divinas madrugadas Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em Noivam na luz eterna de um sorriso; que Fernando Pessoa se sentava, E eu, por aqui, vadio da descrença contigo e os outros invisíveis à sua volta, Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . . inventando vidas que não queria ter. Isto por cá vai indo como dantes; Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo. O mesmo arremelgado idiotismo Nuns senhores que tu já conhecias Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo, — Autênticos patifes bem falantes. . . tudo indiferença e falta de resposta. E a mesma intriga; as horas, os minutos, Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória, As noites sempre iguais, os mesmos dias, e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados, Tudo igual! Acordando e adormecendo Tejo que não és da minha infância, Na mesma cor, do mesmo lado, sempre mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável, O mesmo ar e em tudo a mesma posição majestade sem par nos monumentos dos homens, De condenados, hirtos, a viver imagem muito minha do eterno, — Sem estímulo, sem fé, sem convicção... porque és real e tens forma, vida, ímpeto, porque tens vida, sobretudo, Poetas, escutai-me: transformemos meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado... A nossa natural angústia de pensar Eu que me esqueci de te olhar! — Num cântico de sonho!, e junto dele, Do camarada raro que lembramos, Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) Fiquemos uns momentos a cantar! António Botto (1897-1959)