Este documento é uma biografia da poetisa portuguesa Florbela Espanca que resume sua vida e obra. A biografia descreve sua origem humilde, o nascimento fora do casamento, a infância feliz e precoce dedicação à escrita. Também aborda seu casamento, dificuldades financeiras e período mais produtivo dedicado à poesia, quando publicou seus primeiros poemas em revistas da época. A biografia fornece detalhes importantes sobre a vida e carreira literária dessa importante precursora do feminismo em Portugal
5. SUMÁRIO
Biografia de Florbela Espanca………………... Pág.9
Alessandra Dossena………………………… Pág.27
Alfredo de Sousa Pereira……………………… Pág.30
Ana Cristina Costa Siqueira…………………... Pág.32
André Pereira…………………………………. Pág.35
Ana Dias………………………………………. Pág.37
Arlete Trentini dos Santos…………………….. Pág.39
Benedita Azevedo…………………………….. Pág.41
Carlos Alberto Cunha Liberal………………… Pág.43
Carmen Hussein………………………………. Pág.45
Ceres Marylise………………………………... Pág.48
Conceição Oliveira……………………………. Pág.50
Cristiano Regis………………………………... Pág.52
Daniel de Cullá………………………………... Pág.55
Delmar Maia Gonçalves………………………. Pág.59
Eloisa Helena Cavalcanti Barroso…………….. Pág.61
Francisco Grácio Gonçalves………………….. Pág.66
Gisela Torquato Cosme……………………….. Pág.70
Gislaine Lima…………………………………. Pág.72
6. Izabelle Valladares……………………………. Pág.75
J. C. Bridon…………………………………… Pág.85
Janice França………………………………….. Pág.89
José Donizetti…………………………………. Pág.91
José João Cruz Filho………………………….. Pág.99
Letícia Adriana Santos………………………... Pág.101
Maira Mendonça……………………………… Pág.103
Marcelo Gomes Jorge Feres…………………... Pág.106
Maria do Socorro Cavalcanti…………………. Pág.116
Maria Luiza Vargas Ramos…………………… Pág.118
Martha Tavares Pezzini……………………….. Pág.121
Moema Tavares……………………………….. Pág.123
Múcio Góes…………………………………… Pág.126
Renata Carone Sbórgia……………………….. Pág.128
Roberto Ferrari………………………………... Pág.131
Roosevelt Vieira Leite………………………... Pág.134
Roseli Hübler…………………………………. Pág.138
Rovana Chaves………………………………... Pág.141
Sandra Ferrari Radich………………………… Pág.144
Sérgio Borsoi Júnior………………………….. Pág.145
Sol Figueiredo………………………………… Pág.148
Stela Oliveira………………………………….. Pág.150
Valéria Schmitt……………………………….. Pág.154
Valquíria Guillemin…………………………... Pág.158
7. Antologia Florbela Espanca e Convidados
9
BIOGRAFIA DE FLORBELA ESPANCA
Quando se fala na Literatura Portuguesa do início do
século XX, é impossível não citar o nome da poetisa Flor-
bela Espanca, nascida no dia 8 de Dezembro de 1894 em
Vila Viçosa na região do Alentejo em Portugal. Precursora
do movimento feminista em Portugal, para muitos, nascida
fora de seu tempo. Fatos e acontecimentos importantes de-
vem ser abordados aqui para melhor conhecimento e enten-
dimento do que foi e o que cercou a vida de Florbela, desde
antes do seu nascimento, durante sua vida, até o dia de sua
morte.
Seus bisavós paternos foram Mariana Rosa e Manuel
Pires, oriundos da província de Beira; a filha deste casal
chamava-se Joana Fortunata Pires Garção e nasceu no
Monte do Forinho, na aldeia da Senhora da Orada do con-
selho de Borba e mais tarde foi servir no Convento de Santa
Cruz de Vila Viçosa. Conheceu e casou com um sapateiro
de nome José Maria Espanca, e com ele teve 2 filhos: João
Maria Espanca ( pai de Florbela) e José de Jesus da Rocha
Espanca.
João Maria Espanca, nasceu dia 1 de Fevereiro de
1866 na localidade da freguesia de Orada. Em 1886, aos
vinte anos de idade, sapateiro como o próprio pai, poste-
riormente torna-se antiquário, o que o leva a viajar muito
pelas redondezas. Numa dessas viagens, conhece e se apaí-
xona por Mariana do Carmo Inglesa, natural de Vila Viço-
sa. Aos 21 anos, mais precisamente no dia 31 de Março de
1887, casa-se com Mariana na Igreja de São Bartolomeu de
8. Antologia Florbela Espanca e Convidados
10
Vila Viçosa. Popular na cidade desde jovem, João Maria
Espanca evolui como antiquário e negociante, além de pin-
tar e desenhar. Também se vê fascinado pela recente inven-
ção da fotografia, e abre na localidade uma casa fotográfica
onde também continua vendendo antiguidades.
No casamento, o casal não consegue ter filhos devido
a infertilidade de Mariana, o que frustra João Maria Espan-
ca. Não se conformando com a impossibilidade de ser pai,
convence sua esposa de um costume medieval e pouco
popular na época: quando a esposa não era fértil, era
permitido ao marido fazer um filho fora de casa, com uma
mulher de origem humilde, que o permitisse levá-lo para
sua casa quando nascesse. Essa mulher seria Antónia da
Conceição Lobo, que fora confiada na infância a uma mu-
lher de apelido Lobo, que a cria em ambiente de grande
miséria e lhe dá o apelido. Antónia nunca conheceu sua
própria mãe (também Antónia). Quando cresce, vai servir
na casa de Diogo Borba, chefe da Estação dos Correios, que
morava na Rua da Corredoura nº 45 (depois passou a cha-
mar-se Rua Florbela Espanca)
Com o consentimento de Mariana, João Maria Espan-
ca, que morava na mesma rua apenas quatro casas a frente,
procura a bonita Antónia, que era muito disputada para este
fim. A gravidez transcorre normalmente numa casa (hoje
demolida) que João Maria Espanca tinha na Rua do Ange-
rino em Vila Viçosa, onde viveram seus pais e avós , e no
dia 8 de Dezembro de 1894, um sábado, às 2 da manhã,
Antónia da Conceição Lobo dá a luz uma menina, no que,
de imediato, alguém lhe diz :
- É uma menina, é uma flor!
9. Antologia Florbela Espanca e Convidados
11
E Antónia respondeu:
- Flor se chamará!!!!!
Logo depois, Mariana, que tinha assistido ao parto,
toma o bebê nos braços e vai ao quarto de João Maria
Espanca anunciar que ele finalmente era pai. Imediatamen-
te, a menina é colocada num rico berço de pau santo, todo
trabalhado, do século XVIII, conseguido pelo pai.
Em 20 de Junho de 1895, Florbela foi batizada em
Vila Viçosa, na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Con-
ceição, com o nome de Flor Bela Lobo, filha natural de
Antónia da Conceição Lobo e pai incógnito. Flor Bela foi
amamentada por sua própria mãe, na casa de seu pai e de
sua esposa Mariana. Mais tarde, escreveria em carta sobre
essa época :
“- Nasci num berço de rendas rodeada de afetos,
cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da
vida que não conhecia...”
No dia 10 de Março de 1897, nasce em Vila Viçosa,
Apeles Espanca, irmão de Flor Bela, e fruto da mesma liga-
ção entre João Maria Espanca e Antónia da Conceição Lo-
bo e também batizado como filho natural de Antónia e pai
incógnito. Ao contrário da irmã, Apeles passa a morar com
a mãe até os 5 anos, depois disso, vai para casa do pai.
Logo que começa a escrever, em 1899, a menina, en-
tão batizada Flor Bela Lobo, passa a assinar Florbela
d’Alma Conceição Espanca, e durante sua vida, alternou as-
sinaturas como Flor, ou Florbela, ou ainda Bela. Na sua
infância, desfrutou da vida no campo, passeios com seu pai,
e foi aí que descobriu e tomou contato com sua tão querida
charneca alentejana:
10. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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“ – Na charneca, o luar inundava tudo, os rosmani-
nhos e os alecrins, as estevas e as urzes, (...) Às vezes, era
tão branco, tão imaterial, duma tão pura religiosidade,
que a planície alagada fazia lembrar uma grande toalha
de altar onde tivessem espalhado hóstias.”
Desde cedo, Florbela dedicou-se aos estudos e já dava
sinais de sua precocidade e genialidade poética. Aos 8 anos,
mais precisamente a 11 de Novembro de 1903, escreve sua
primeira poesia conhecida, “A vida e a morte” e no dia
seguinte, dia 12, escreve um soneto. Quando completou 11
anos, já tinha escrito 12 cartas e postais. Mais tarde, em
1930, ela própria escreveria sobre tais feitos:
“- Aos oito anos já fazia versos, já tinha insônias e
já as coisas da vida me davam vontade de chorar. Tive
sempre essa mesma sensibilidade doentia, esta profunda e
dolorosa sensibilidade que um nada martiriza, esta mesma
ternura apaixonada pelos bichos inocentes e simples (...) .
Quando matava as moscas para alimentar as andorinhas,
já o triste problema da injustiça da sorte me atormentava.
Porquê sacrificar as moscas em benefício das aves? Não
compreendia; se ambas tinham asas!...”
Por outro prisma, se da mesma forma que muito cedo
já dava sinais de genialidade, também já demonstrava os
primeiros sintomas de sua doença, a neurose. Em carta ao
pai datada de 20 de Junho de 1907, ou seja, aos 12 anos de
idade, ela relatou :
“- Com respeito à minha saúde, ando doente com
enormes dores de cabeça e fadiga (...)”
11. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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Por volta de Junho/Setembro de 1907, escreve sua
primeira experiência em prosa : o conto Mamã. Passa a
escrever também postais com poesias falando de amor
Em primeiro de Fevereiro de 1908, sofre sua primeira
grande perda na vida: aos 29 anos, morre em Vila Viçosa,
no Hospital da Misericórdia, sua mãe Antónia da Concei-
ção Lobo. No atestado de óbito, coincidentemente ou não, a
causa oficial da morte foi neurose, a mesma que acompa-
nharia a poetisa por toda sua vida. Após o luto pela mãe,
Florbela continuou a dedicar-se aos estudos nos anos se-
guintes.
Em 1912, começa a namorar oficialmente Alberto
Moutinho, que conhecera desde 1904 quando foram colegas
na 4ª classe da escola secundarista. Romperam durante um
breve período e reataram o namoro logo depois. Com o
desejo de casar-se, Florbela, por ser menor, é emancipada
para que possa realizar seu desejo, e assim, no dia em que
completa 19 anos, a 8 de Dezembro de 1913, uma segunda-
feira, Florbela se casa pela primeira vez no civil com
Alberto de Jesus Silva Moutinho. Em Janeiro de 1914 vão
morar em Redondo, na Serra da Ossa e formam uma espé-
cie de colégio semi-interno onde passam a dar aulas, ele de
Ciências e ela de Francês, Inglês, Geografia e História.
Florbela e o marido passam por grandes dificuldades eco-
nômicas nessa época.
O ano de 1915 foi de grande importância na biografia
da poetisa. Foi quando ela iniciou a produção de um cader-
no onde passava a limpo alguns de seus escritos que havia
feito entre 21-11-1915 a 30-4-1917. Foram ao todo 144
poesias e 3 contos. Batizou esse caderno de TROCANDO
OLHARES e dedicou a seu marido Alberto Moutinho:
12. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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“- É só teu o meu livro; guarda-o bem;
Nele floresce o nosso casto amor
Nascido nesse dia em que o destino
Uniu o teu olhar à minha dor! “
Florbela Moutinho
Devidas as dificuldades econômicas que passam, o
casal resolve ir morar com o pai de Florbela em Évora, e
passam a dar aulas no colégio Nossa Senhora da Conceição.
Entre o final de 1915 e inicio de 1916, a poetisa entra
talvez no período poético mais produtivo de sua vida, quan-
do chega a escrever muitas poesias diariamente, e produz
extensos contos em poucos dias. Decidida e mergulhada
profundamente na poesia, começa a procurar pessoas que
possam ajuda-la a publicar suas poesias em jornais e revis-
tas.
No dia 22 de Março, uma revista da época chamada
Modas e Bordados, publica seu soneto “Crisântemos”, mas
com muitas alterações sem permissão da poetisa. Este fato
se repetiria muitas outras vezes ao longo da vida da poetisa
em outras produções suas, coisa que a desagradava
bastante. Em Abril de 1916, volta a morar no Redondo e
continua sua galopante produção poética. A mesma revista,
no dia 26 de Abril de 1916, publica outra poesia de
Florbela: “Cantando”- composta de dois conjuntos de
quadras - e novamente introduz alterações no original sem
permissão da autora.
Vale ressaltar, apenas por curiosidade e enriqueci-
mento de informações sobre a vida da poetisa, o seguinte
fato: no final de maio de 1916, tem a ideia de escrever um
futuro livro chamado Alma de Portugal, no qual fariam par-
13. Antologia Florbela Espanca e Convidados
15
te as poesias “No meu Alentejo”, “O fado”, “Paisagem”,
“Às mães de Portugal”. Este livro seria dividido em duas
partes – Na Paz e Na Guerra - mas acabou por desistir da
ideia.
Apesar da insatisfação e aborrecimentos devido as al-
terações em suas obras impostas pela revista Modas e
Bordados, Florbela acaba por tornar-se íntima da sub-dire-
tora da revista, Júlia Alves, e esta torna-se a maior confi-
dente da poetiza, fato este comprovado nas inúmeras cartas
e correspondências que ambas trocaram durante anos. Nes-
sa relação de estreita proximidade, um detalhe a ser coloca-
do aqui: ambas nunca se conheceram pessoalmente!
Numa das inúmeras cartas que escreveu a Júlia Alves,
a poetisa começa a dar indícios que seu primeiro casamento
poderia estar passando por momentos de turbulência, como
pode-se notar no trecho abaixo, escrito no dia 1 de Julho de
1916:
“ (... ) Acho o casamento uma coisa revoltante! E
isto por uma única razão mas que para mim é tudo (...)
Essa razão é a posse, essa suprema e grande lei da
Natureza que, no entanto, revolta tudo quanto eu tenho de
delicado e bom no íntimo da minha alma. Ganha-se um
amigo muitas vezes, é certo; um amigo que as vezes é o
nosso supremo amparo, mas em compensação quantas re-
voltas, quantas mágoas, quantas desilusões! Quantas!..!”
Em grande parte de sua vida, notamos uma gangorra
de sentimentos de alegria com profunda tristeza, misturados
e efervescentes quase que simultaneamente, no seu dia a
dia. Para entendermos isso, basta analisar trechos de duas
cartas escritas pela poetisa à sua já citada confidente Júlia
14. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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Alves. Na primeira delas, datada de 12 de agosto de 1916,
descreve sua felicidade ao tomar conhecimento da critica
positiva do famoso Raul Proença à algumas de suas poesias
extraídas de Trocando Olhares e incluídas em outro cader-
no de nome Primeiros Passos. Essa compilação poética,
conseguiu fazer chegar as mãos do critico por intermédio de
seu pai.
“- Ele disse-me muitas coisas e, entre elas , este
final de carta que dirigiu ao irmão :
“ Quanto a filha do Sr. Espanca (...) tem bastan-
e talento e promete. As composições que me enviou não são
só versos, são também poesia na sua maior parte. Creio
que dará alguma coisa (...).”
“- Ora , isto é animador, não achas?”
Apenas 24 horas depois de relatar essa alegria, no dia
13 de agosto de 1916, tornou a escrever a Júlia, caracteri-
zando a variação dos sentimentos :
“- Eu não sou feliz mas nem ao menos te sei dizer
porquê.”
Continuam a ser publicadas na revista Modas e Bor-
dados algumas poesias de Florbela, mas todas, sem exce-
ção, foram com alterações no original sem a prévia auto-
rização da poetisa, e no dia 23 de agosto de 1916, foi pu-
blicada a última poesia nesta revisa -“ O teu olhar”- talvez
por Florbela ter chegado ao limite de aceitação deste fato.
A fase altamente criativa da poetisa, parece adorme-
cer e entra num hiato de seis meses sem escrever absolu-
tamente nada. Está em Évora e atua como explicadora de
Francês, Geografia e Historia do Curso Geral dos Liceus,
15. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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novamente no Colégio de Nossa Senhora da Conceição. E
aqui, mais ainda, deixa explicito o provável fim de seu
casamento em nova confissão a Júlia Alves no dia 21 de
Outubro de 1916 :
“- O meu coração anda a solta, tão grande, tão am-
bicioso, tem sempre frio, está sempre só... Ninguém sabe
andar com ele!”
Em Abril de 1917, decide voltar a escrever, e o faz
num momento em que se encontrava doente e de cama. Pro-
duz os sonetos “Errante” e “Só” no dia 23, e “Cegueira
bendita” no dia 24. Seu estado de espirito esta caracterizado
nas palavras seguintes:
“ (...) de há um certo tempo para cá tenho sentido
sobre mim o peso dum mau olhado que me tem feito
padecer tudo quanto humanamente se pode sofrer sem
descrer do céu e da terra.”
Seis dias depois, termina o caderno Trocando Olhares
com a poesia “Noivado estranho”. Está doente e com 22
anos.
Outro fato deveras marcante na vida da sonetista e
poetisa portuguesa, deu-se quando ela e seu marido foram
viver em Lisboa. Lá, no dia 9 de Outubro de 1917, resolveu
matricular-se na Faculdade de Direito, se tornando a pri-
meira mulher a ingressar neste curso naquela localidade.
Algumas pessoas próximas a ela nunca entenderam a razão
pela qual resolver estudar Direito, já que deixava clara sua
vontade e vocação para Letras.
Inúmeros fatos e acontecimentos ocorridos durante a
vida de Florbela, me chamaram bastante atenção, e alguns,
até espanto e perplexidade. Um deles é o que passo a narrar
16. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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agora. Em vida, Florbela sofreu dois abortos involuntários,
o primeiro deles ocorrido em Março de 1918, quando ainda
vivia em Lisboa. Mas bem antes desta data, em 17 de maio
de 1916, escreveu o soneto Filhos, que extraio e reproduzo
o trecho abaixo:
“- Filhos! Na su’alma casta
A nossa alma revive...
Eu sofro pelas saudades
Dos filhos que nunca tive!..”
Teria a poetisa intuído o que estava por vir em sua vi-
da? Ou seria apenas uma mera coincidência escrever um
soneto sobre filhos que nunca teria, e tempos depois, isso se
tornar realidade? Se cabe aqui minha opinião particular,
fico com a primeira opção pois acho que pessoas acima da
média, geniais e ímpares, como o caso de Florbela Espanca,
podem intuir sim, ou ao menos prever o que está reservado
para si, de uma forma mediúnica e visionária.
Opiniões e discussões sobre esse tema, podem ser as
mais variadas possíveis, mas fato é que existem relatos ab-
solutamente seguros das datas em que a poetisa escreveu o
referido soneto e a data exata de seu primeiro aborto.
Nesta época, devido a esse desgosto causado pelo
aborto involuntário, a poetisa tem os primeiros indícios de
neurose. Durante o tratamento de recuperação das conse-
quências desse aborto, vai para Quelfes, perto de Olhão.
Médicos suspeitam que Florbela teria os ovários infectados,
possivelmente que a impediriam de levar adiante uma gra-
videz.
17. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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Em 25 de Setembro de 1918, não se entendendo mais
com Alberto Moutinho, decide voltar sozinha para Lisboa e
matricula-se no segundo ano da Faculdade de Direito. Está
praticamente separada do marido e já nesta época, não vol-
taria mais a revê-lo, caracterizando o fim de seu primeiro
casamento como escreve ao próprio Alberto Moutinho em
carta datada de 13 de Setembro de 1918 :
“- Estou cansada. Estou resignada. Já quase tudo
me é indiferente. Eu espero mas, como já te disse, não
discursos mas resoluções. Poupa-me a mais mágoas, que
é uma obra de caridade (...)”
Em Junho de 1919, seu primeiro livro – LIVRO DE
MÁGOAS – é publicado e lançado. Raul Proença foi quem
compilou e editou.
Em Janeiro de 1920, conhece António Guimarães,
que futuramente viria a ser seu segundo marido. Apaixona-
se por ele e decidem viver juntos. Movida por essa nova
paixão, Florbela volta-se mais uma vez para a poesia e
começa a produzir outro caderno chamado Claustro das
Quimeras, o qual dedica a António Guimarães:
“- Àquele que é na vida toda a minha vida, àquele
que é na amargurada noite da minh’alma a deslumbra-
dora luz que tudo ilumina e aquece, ao meu único amor
de verdade, maior que todos os amores de quimera e
ilusão que tão cedo passaram...”
Bela
Aqui, outra vez aparecem com força a tal gangorra de
oscilações de sentimentos. Ao mesmo tempo que fazia juras
de amor a António Guimarães e confessava ter encontrado
o amor verdadeiro, por outro lado deixava claro ainda suas
18. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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incertezas quanto a veracidade desse amor. No dia 30 de
Abril de 1920, no mesmo mês que declarou seu amor,
escreve o soneto “A vida” – que mais tarde alteraria para
“Inconstância” – o qual termina com os seguintes versos :
“(...) E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo
Que há de partir também.... nem eu sei quando (...)”
Não importava alterar o nome do soneto de “A Vida”
para “Inconstância”, pois no fundo têm o mesmo sentido e
significado: nada mais inconstante do que a vida, principal-
mente a vida de Florbela Espanca.
Apesar de morar com António Guimarães, Florbela
ainda era oficialmente casada com Alberto Moutinho, e
este, só durante uma viagem que fez a Lisboa em Junho de
1920, ficou sabendo da atual situação da esposa e decide
propor o divórcio sem contestações, o que aconteceu em
Abril de 1921. Em 29 Junho do mesmo ano, Florbela casa-
se no civil com António Guimarães.
Em Janeiro de 1923, publica seu segundo livro, o
LIVRO DE SÓROR SAUDADE, nascido do caderno
Claustro das Quimeras.
Em Novembro de 1923, sofre o segundo aborto
involuntário. É nítido o problema da maternidade na poe-
tisa. Tinha muitas dificuldades para engravidar e quando
conseguia, não levava adiante devido a não conseguir se
alimentar direito – tinha vômitos frequentes - sendo obriga-
da a ficar deitada e ocasionando um estado de grande debi-
lidade física, o que culminava em aborto. Novamente preci-
sando se tratar das consequências deste novo aborto, muda-
se de Lisboa para Gonça, perto de Guimarães e decreta o
19. Antologia Florbela Espanca e Convidados
21
fim de seu segundo casamento, já abalado antes mesmo do
segundo aborto pelas agressões físicas que sofria do atual
marido, fato este contestado pela família de António Gui-
marães.
Talvez a conjunção desses fatos – a mudança radical
em sua vida, segundo aborto involuntário, fim de seu se-
gundo casamento, o que causou o afastamento da poetisa de
seu pai e irmão e restante de sua família, e sua doença – le-
varam Florbela a um hiato criativo de 4 anos sem produzir
nenhum soneto novo.
Em 15 de Outubro de 1925, Florbela casa-se pela ter-
ceira vez no civil em sua vida, dessa vez com o Dr. Mário
Pereira Lage, seu médico particular, e em 29 de Outubro no
religioso.
Em Dezembro 1925, morre sua madrasta Mariana, já
divorciada de seu pai. Deixou para Florbela tudo o que ti-
nha em testamento. Apesar da “Mãe Mariana” a ter criado
com todo amor e carinho e ter vivido apenas para ela, a
poetisa deixou transparecer não ter sofrido muito com essa
perda, visto que durante a longa enfermidade de Mariana,
Florbela a visitou poucas vezes, e deixou registrado essa
falta de dedicação para com sua madrasta:
“ (...) nos últimos anos da sua vida não fui para ela
o que deveria ter sido, não quis a vida nem a triste sorte
dela.”
Em 1927,começa a produzir um livro de contos que
se chamaria O Dominó preto.
Mas a maior tragédia da vida da poetisa estava para
acontecer no dia 6 de Junho de 1927: a morte por suicídio
de seu irmão Apeles Espanca, jogando-se com seu avião –
20. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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era aluno piloto aviador – no rio Tejo. Seu corpo jamais
apareceu. Devo citar aqui sobre esse episódio que, antes
mesmo do ocorrido, mas precisamente em Janeiro de 1926,
Apeles havia confidenciado a irmã seu desejo de suicídio,
devido a morte de sua noiva, o que causou-lhe profundo
desgosto e depressão.
A morte de seu irmão foi, sem duvida, o divisor de
águas da vida da poetisa; nunca mais se recuperou, nunca
mais sorriu, jamais deixou de vestir o luto, começava ali a
descida vertiginosa de sua vida rumo ao fim. Em 13 de
agosto de 1927, escreve carta ao pai :
“- É verdade, meu pai, o nosso rapaz, o nosso queri-
do pequenino, morreu. Parece um pesadelo mas não é.
Morreu. Parece que morreu tudo, que ele não deixou cá
ficar nada, parece que levou tudo. A gente é muito forte,
já que não endoidece nem morre depois dum pavor assim.
Eu cá estou ainda, vivo, ando, falo, depois das horas de
martírio como não pode haver outras nesse mundo. (...)
Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da
minha alma. Perdemos muito, pai, perdemos muitíssimo.
É uma sombra de luto que nunca poderá deixar-nos.”
No final daquele ano, reuniu contos para o livro
Mascaras do Destino, que só iria ser publicado após a
morte da poetisa. Este livro, dedicou ao irmão:
“ A meu irmão, ao meu querido morto “
Em Junho de 1928, seu casamento com Mário Lage
começa a definhar. A poetisa recebe outro duro golpe, mais
um casamento fracassado, mais uma derrota em sua vida já
tão sofrida. Sua doença avança como avança ladeira abaixo
sua vida.
21. Antologia Florbela Espanca e Convidados
23
Dia 11 de Janeiro de 1930 inicia a produção de seu
diário, que seria publicado em 1981,com o titulo Diário do
Último Ano. Nesta altura, já consciente de sua doença e
avanço da mesma, confidencia em escritos todo sentimento
que a corrói por dentro :
“- Eu não sou uma mulher como as outras (...) estou
magra como um junco, sem forças (...) ninguém sabe o
que me mata a pouco e pouco. A alma talvez; (...) Passo a
maior parte da vida na cama na chaise-lounge da minha
salinha de estar, onde tenho os meus livros, as minhas
flores e o meu cão: a cela de Sóror Saudade. Sou uma
inválida, uma exilada na vida (...)”
“ (...) sou uma alma que se não sente bem onde está,
que tem saudades... sei lá de quê!”
“(...) sou uma céptica que crê em tudo, uma
desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita,
sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a
transbordar de ternura(...)”
“ Nada me chega, nada me convence, nada me
enche (...) A morte, talvez... esse infinito, esse total e
profundo repouso(...)”
“ (...) tenho imensa pena de lhe não poder dizer,
com verdade, que sou feliz!”
“ A morte pode vir quando quiser: trago as mãos
cheias de rosas e o coração em festa: posso partir
contente!”
Mesmo doente, inicia a produção de seu terceiro livro
de poesias: CHARNECA EM FLOR. Este era, no momen-
to, seu único motivo de transmitir algum desejo e anseio de
22. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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alegria, ver seu livro publicado – coisa que jamais conse-
guiria em vida. Foi publicado postumamente em 1931.
Creio eu que a esta altura, ninguém melhor do que ela
própria, sabia do desfecho trágico que estava por vir, já que
seu estado de saúde e mental era irreversível. O que poderia
reservar mais além na vida de Florbela Espanca? Fora tudo
que foi citado aqui, talvez o fato de sua morte ter aconte-
cido exatamente a 8 de Dezembro, mesma data de seu ani-
versário. O suicídio iminente, desejado e planejado, inclusi-
ve em duas tentativas anteriores e sem sucesso, dessa vez
chegou sem tréguas: dia 8 de Dezembro de 1930, aos 36
anos de idade, ao ingerir doses excessivas de barbitúricos.
Como último escrito da poetisa, no dia 2 de Dezembro,
exatos seis dias antes de sua morte, deixou registrado em
seu diário :
“- E não haver gestos novos e palavras novas!”
Há de se registrar aqui a relação da poetisa com o dia
8 de Dezembro: nasceu, casou e suicidou-se nesta data, dia
de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Vila Viçosa,
onde nasceu; foi batizada na Igreja de Nossa Senhora da
Conceição e lecionou no Colégio Nossa Senhora da Con-
ceição.
Florbela Espanca, a poetisa incompreendida, nascida
fora de seu tempo, de alma inquieta, amargurada, trágica e
sofrida, primeira mulher a ingressar na Faculdade de Direi-
to em Lisboa, precursora do movimento feminista em Por-
tugal, três casamentos desfeitos, dois abortos involuntários,
que não teve mãe nem jamais conseguiu ser mãe, que nun-
ca alcançou a felicidade plena em vida nem a realização
profissional como poetisa e escritora. A poetisa das violetas
23. Antologia Florbela Espanca e Convidados
25
escrevia o que sua alma dizia . Sua obra por muitas vezes
passeava pela sensualidade tendendo ao erotismo, o que
caracterizava seu infinito desejo de amar numa espécie de
diário confecional e íntimo onde os mais profundos sen-
timentos são abordados de forma genial e ímpar. Florbela
Espanca, a poetisa, a mulher... duas personalidades numa
alma só!
MARCOS ASSUMPÇÃO é cantor, compositor, escritor e
instrumentista. Ao longo de sua carreira, gravou o cd A
FLOR DE FLORBELA, onde musicou 17 sonetos de
Florbela Espanca e escreveu o livro DOIS OLHARES
SOBRE FLORBELA ESPANCA.
www.marcosassumpcao.com.br
m.a.produartes@terra.com.br
25. Antologia Florbela Espanca e Convidados
27
ALESSANDRA DOSSENA
Alessandra Dossena é curitibana, administradora de empre-
sas e atua na iniciativa privada. Porém, os livros e a magia
das palavras sempre foram uma paixão. Autora de contos e
poesias, também escreve romances e literatura fantástica.
Em 2012, iniciou sua carreira de escritora publicando seu
primeiro livro, a coletânea de poesias intitulada Sonhando
& Poetizando e em novembro de 2013 lançou seu segundo
livro: “O diário de Lirityl, um livro de contos direcionado
para o público infanto-juvenil.
BORBOLETAS E RENDAS
Final de tarde ensolarada, céu carmim
Borboletas pousavam nos jasmins
E a lua chegando
Para encantar com seu brilho
O formidável jardim...
Nas suas asas clores alvas, delicadas
Movimentavam-se agitadas
Girando, brincando
Para repousar com destreza
Nas pétalas perfumadas...
26. Antologia Florbela Espanca e Convidados
28
Formosas companheiras, as borboletas
Inventavam mais de mil facetas
Examinando, observando
Perceberam então certo ar de leveza
Lá bem perto das violetas...
Encontraram mais beleza, eternizada
Nas folhas que o vento balançava
Planando, pairando
Um pedaço do vestido da mocinha
Linda composição rendada...
SER MULHER
Ser mulher é respirar doçura
Transmitir fé e mansidão
É gesticular brandura
Carregar o mundo no coração
Ser mulher é caminhar ao vento
Com paciência desfazer bagagens
Adiantar-se e prever o tempo
Arriscar sem precisar de camuflagens
27. Antologia Florbela Espanca e Convidados
29
Ser mulher é presentear sorrisos
E ganhar forças para a batalha
Pisar no chão e, se for preciso
Firmemente se tornar muralha
Ser mulher é gritar sem medo
Acalentar, cuidar e compartilhar
É sutilmente guardar segredo
Dores e risos saber disfarçar
Ser mulher é expressão da alma
Essência marcada por finos traços
É impulsionar um olhar que acalma
Contido em singelos e ternos abraços
Ser mulher é ser indefinível
Uma obra divina de esplendor
Algo surreal e tão incrível
Como arte final do seu criador
28. Antologia Florbela Espanca e Convidados
30
ALFREDO DE SOUSA PEREIRA
Alfredo de Sousa Pereira (Alsoupe), nasceu a 1 de Março
de 1940 em Riachos, Torres Novas, onde concluiu o Curso
Geral dos Liceus. Aos 21 anos foi para Moçambique, onde
trabalhou como funcionário público (Beira, L, Marques,
Xai-Xai e Gurúè) de 1961 a 1975. Em 2012 editou um livro
de poesias intitulado “Os Caminhos do Poeta”.
AMOR MEU
Amor meu, tão furtivo, me fugiste,
Deixando baralhada a minha mente,
Dizendo não me amar, tão de repente,
Deixando-me tão só, sofrido e triste,
Se ness’outro lar p’ra onde partiste,
Não recordas o amor que por mim sentes
Ou sem qualquer pudor a todos mentes,
Não esqueças esta dor que em mim existe.
E se vires que eu posso merecer
Algum amor, do pouco que restou
E qu’inda possas ter p’ra me oferecer,
Pede à Virgem que, eu sei, também amou,
Que te ensine a me olhar e em mim ver
A paixão que, por ti, em mim ficou.
29. Antologia Florbela Espanca e Convidados
31
AMOR SEM ESPERANÇA
Amor, eu que de ti perdi a esperança;
Amor, eu que de ti já não sei mais;
Amor, esta canseira que me cansa,
Me obriga a desejar-te, bela Anais.
Amor, que me destina o meu Destino?
Amor, o que será do meu Futuro?
Amor, por quem eu vou perdendo o tino,
Me torna o coração inda mais duro.
Amor que toda a vida chorarei;
Amor que já não chora mais por mim;
Amor a quem, de mim, eu tudo dei
Sem me preocupar de qual o fim.
Amar-te sempre, Amor, eu jurarei,
Já que o Amor me fez amar-te assim.
30. Antologia Florbela Espanca e Convidados
32
ANA CRISTINA COSTA SIQUEIRA
Nascida em 1958, é natural de Juiz de Fora (MG). Veio pa-
ra o Espírito Santo em 1977, desembarcando com a família
na antiga rodoviária de Vitória, imediações do Parque Mos-
coso, em dia claro, de céu muito azul. A família Siqueira se
estabeleceu em Vila Velha. Ana graduou-se em Letras, ini-
ciando na Universidade suas publicações literárias. Autora
de “Poema deitado no seu peito, um jogo de amarelinha”
(Scortecci Editora, 2012), participa das antologias do Selo
Editorial Rebra/Scortecci e de edições bilíngues/ Intercâm-
bios Culturais (Universidade Federal da Paraíba e outros
países; Edições Mandala, na Itália).
POÉTICA DO AMOR EM QUALQUER ESTAÇÃO
O sentido do amor é atemporal, anti-horário:
entre o silêncio e o nada, todas as palavras.
Entre o tempo que se congela e a manhã que nasce,
procuro em teu couro humano a cor que me deste quando
esquálido:
a arte de amar é sentir a quem amamos no pó das estrelas
e nas ácidas manhãs, em suas flores pardas.
Deitada em seu peito-rocha, meu coração ressoa, estridente,
como o canto da araponga - misturemos-nos às seivas da
primavera,
ao aroma dos mercados, aos amores insanos.
31. Antologia Florbela Espanca e Convidados
33
Sejamos loucos e sós, os amantes,
e hão de repicar os sinos para um dia branco, de boda.
Que nossas línguas estranhas se procurem
com a fome de insaciáveis lobos, e se misturem, dóceis,
ao milagroso óleo das estrelas que curam, no céu da boca,
onde tantas bocas e céus desfolhem na pele os segredos
nossos.
Despojados de tudo e de nós mesmos, repousemos,
enquanto matamos o que, em nós, venha a ser o outro,
e o outro, de semelhante forma, em si próprio nos mata,
na dor de sermos tanto, e de sermos sós; amordaçados em
nós,
e de sermos nada.
DESDOBRAMENTOS
Presa de ti - teu calcanhar de Aquiles -, quase tua irmã, e
tua amada,
já não serei como a novilha nem a terra prometida – a que
te pode esperar.
Tampouco hás de ter o teu tempo de Jacó, em tempo hábil,
e nem tua lavoura há de ser a ira - vinha para os meus pés e
minha dança:
Penso em ti como aquele que me afaga (as curvas, o seio, o
céu da boca).
32. Antologia Florbela Espanca e Convidados
34
És um istmo entre mim e o meu outro eu, sem nenhuma
grandeza de espírito,
ou paixão que o valha - enquanto cresces na sede, a sede de
Tântalo,
transformo-te, em vão, na coisa amada; leio-te nas
“Bufólicas” de Hislt,
reconhecendo-me, sendo a sombra feminina de um bufão.
Sei das motosserras delimitando espaços; como um cervo
acuado,
percorro em círculos esta terra que ninguém pisa,
feita folhagens e umidade restadas de um medo obsessivo.
Hei de escrever até que minhas pupilas se dilatem
e a pele se cubra do brilho das romãs, para que a terra seja
enfim pisada,
e seja teto, e se converta em genuíno amor.
Misa criolla, de Mercedes, soa como um hino.
Sejamos inconfidentes, meu amor,
para que eu transforme a vontade de amar em vontade de
versos,
para que a dor não se transforme em desatino,
e as luas ciganas, tecidas nas arenas,
sejam cantadas nestes ramos em terras além das andaluzas.
Escrevo-te, via e-mail, palavras de romã,
que teci sob fios de navalha,
enquanto cordeiro.
Declaro que as ovelhas balem famintas,
e que o inverno é como um tempo de missa.
Um boi há de alimentar os que têm fome, e em momento
algum
dividi-los:
O boi que salgaste, em tua terra desolada, não dividirias
comigo?
33. Antologia Florbela Espanca e Convidados
35
ANDRÉ PEREIRA
(Não enviou biografia)
POR AÍ
Não tenho teto
Venho descalço
Trago à caneta como enxada,
papel como solo.
Planto em poucas palavras,
variados momentos da vida.
Colhendo o melhor de mim,
vou distribuindo.
Às vezes encontro por aí
Sorrisos nos olhos,
de almas saciadas.
Alimentadas
34. Antologia Florbela Espanca e Convidados
36
LÁGRIMAS DE AFETO
Escrevi poemas de amor
Para o mar
Na areia do deserto
Vento passou
Levou os versos
Com passar do tempo
Espalhou a céu aberto
O sol não acreditou,
foi ver de perto à chuva.
Emocionada chorou
Molhando todos de afeto
35. Antologia Florbela Espanca e Convidados
37
ANA DIAS
Ana Maria de Oliveira Dias nasceu a 12 de Fevereiro de
1952, na República de Moçambique. É professora do 3º
Ciclo e Secundário. Tem vindo a participar em várias Anto-
logias nacionais. Tem vários livros publicados, desde Con-
tos Infanto-Juvenis e outros, crítica literária, poesia, prosa-
poética.
BENÇÃO AO MEU SOBRINHO
Vai, que a vida é breve
Parte, e não olhes para trás
Leva a alma bem leve
Olha pelo que farás
Nas tuas mãos vai a vida
Que tens por condão
Trata-as de sorte merecida
E elas te agradecerão
O amor faz-se de muitas artes
Escolhe-as a primor
Em tudo põe piedade,
Firmeza, fé e amor
Que a maior felicidade
Está em unir as partes
[Vale Vite, 26/04/2014, (23h:07’) ]
36. Antologia Florbela Espanca e Convidados
38
SONETO “IN MEMORIAM”
Se a dimensão do meu sofrer
Transparecesse no meu olhar
Quererias, sem te deter,
Acabar com o meu penar
Amo a sombra dos teus passos,
Amo os gestos que deixas no ar
Na ânsia dos teus abraços,
Sofro, mas vivo a sonhar
Que um dia possas, então,
Minimizar meu sofrimento,
Acalentar minhas esperanças
E em todas estas andanças,
Busco, sem cessar, lenimento,
Que atenue a minha paixão.
[Vale Vite 22/04/2014, (20h:02’)]
37. Antologia Florbela Espanca e Convidados
39
ARLETE TRENTINI DOS SANTOS
Arlete Trentini dos Santos, nascida em terras catarinenses
no ano de 1952. Casada com o poeta Bridon desde 1969.
Mãe de 4 filhos e avó de 5 netinhos. Na vida é aprendiz de
tudo. No campo literário já recebeu prêmios e comendas.
Colunista do Jornal Sem Fronteiras. Membro da SEG -
Sociedade Escritores Gaspar.
E-MAIL: arletesan@terra.com.br
MÁSCARAS...
E as máscaras caem, como folhas de outono...
Não duvide.
Não há duvida, uma pessoa é capaz
De ter mil mascaras nesta vida.
Como uma cobra que perde a pele
O humano troca de máscaras
Mas quase nunca é capaz
De se mostrar por inteiro
E pode até dizer, que é muito verdadeiro.
Tem faces que até seduz
Tem um brilho que reluz
Consegue emocionar
Num choro minguado e infantil
Querendo mostrar ao mundo, a inocência juvenil
38. Antologia Florbela Espanca e Convidados
40
Mas se esperares mais um pouco
Verás, outra mascara cair...
Já não o reconhecemos, não sabemos quem é,
Nem ele mais se conhece...
Até que um dia tristemente, sua face enrugará
Depois verá claramente onde era o seu lugar...
As máscaras findaram...
Chega o homem, ao ponto crucial
Hoje é o grande dia, do julgamento final.
De cara lavada, e sem a alma mascarada.
Pede a Deus que o reconheça, que se compadeça...
Jogadas ao chão, viu as máscaras que conhecia.
Máscaras da vaidade,da falsidade,da ignorância,da
intolerância,da caridade,da bondade,da amizade, da
religiosidade...
Cerrou os olhos e falou:
- Senhor!
Não me resta mais nenhuma máscara.
Este aqui sou eu...
39. Antologia Florbela Espanca e Convidados
41
BENEDITA AZEVEDO
Benedita Azevedo, filha de Euzébio Alberto da Silva e Ro-
senda Matos da Silva, graduada em Letras, pós-graduada
em Linguística, escritora, poeta e haicaísta. Recebeu vários
prêmios e comendas, inclusive, o 1º lugar no 17º Encontro
Brasileiro de Haicai / 2005, o 1º lugar, na V Edição do
Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas, Santos,
SP/2011. Publicou 19 livros individuais, 01 em parceria
com Demétrio Sena; organizou 17 antologias e tem partici-
pações em jornais, revista, sites e mais de 60 antologias.
www.beneditaazevedo.com
LEMBRANÇAS
Logo ao chegar em nosso sítio, aquela
nossa vontade enorme de acertar,
dava – nos a coragem de lutar
E ali plantar co’amor rosa amarela.
No lago uma tilápia a pular,
A gata a espreitar sobre a janela,
e tu cheio de graça e de olho nela
Sorrias, gargalhavas a chamar.
Chamavas e eu vinha te atender,
Sorrias a rolar da linda gata,
Com o olhar preso ao lago a se torcer.
Trazia uma sardinha e te abraçava,
então, tal qual criança a gargalhar
A gata na janela alimentavas.
40. Antologia Florbela Espanca e Convidados
42
EU SEI
Que o tempo já se passou
E marcas em mim deixou
Mas, continuo a te amar;
Lado a lado envelhecemos
Conseguindo o que queremos
Um em outro se apoiar.
Quando olho teu cabelo
Branquinho, faço um apelo
Pra sempre comigo estás;
Num passo mesmo mais lento
A caminhar contra o vento
Amar-te-ei, tu me amarás.
E quando o inverno chegar
Quero em ti me aconchegar
Ouvindo teu coração;
Tuas mãos em meus cabelos
Sem quaisquer outros apelos
Ri ou chorar de emoção.
41. Antologia Florbela Espanca e Convidados
43
CARLOS ALBERTO CUNHA LIBERAL
Carlos A. C. Liberal é natural de Luanda. “Não gosto de
biografias; as biografias não me dizem nada; Gosto que o
leitor me descubra sempre de novo". O gosto da arte lite-
rária é desde os anos juvenis; luso-angolano, formou-se em
Direito e no Turismo e habituou-se à paixão pela literatura
e arte, onde tem ganho vários concursos a nível de contos e
poemas, mas faz romance e dramaturgia. É assíduo apaí-
xonado por Luanda e Rio de Janeiro, mas passa a mais do
seu tempo na cidade do porto onde reside com a família.
OH QUITANDEIRA DESCALÇA
Ares pérfidos da poeira vazam pelos cantos
na domingueira rua da marginal em luanda
o cheiro a peixe deixa a saudade de voltar
assim procuro a quitanda
Oh quitandeira descalça
que apregoas o silvo da prelada batina
tuas saias são flores sem missanga
tuas ladras esquentam o pão da sobrevivência
andas, andas pelas ruas do muceque
escaldas o peixe com batata doce
Oh filhos de sobras nos lábios
deitas te assim a pensar na quitanda
andas, andas pelas ruas da cidade
escondes as lágrimas sem rima
espias as notas nos seios
se assim sacias as sobras da kianda
42. Antologia Florbela Espanca e Convidados
44
Oh quitandeira descalça
se se te encontras a beira da estrada
alguém por perdição não será desgraça
mesmo pela graça das tuas bonanças o desterro da terra
oiçam o desterro da terra
dos vermes inundaram o país ciúme
a vergonhosa campanha de abolir a fama
foi íntimo de lamúrias, nas vaidades de infame
açoitou o povo de enganos
açoitou o alimento de veneno
vilão que nasce vilão sempre vilão será
ainda que das pedras se cubra de musgo
um dia a sua mentira desvendará
foram muitas colheitas, e anos perdidos
sinos destronados, igrejas vazias
a rebiques uns ouvia, outros acudia
oiçam o desterro da terra
ainda vindouros serão de cobiça
desfrutar alheia vertigem da maldade
cair no ridículo das penas quebradas
sair do enfermo da moléstia
sucumbir ao sarcástico da avareza
oiçam o desterro da terra
quantos abutres se compõem uma manada
quanta caça se faz uma caçada
além de melancolia, fica a nostalgia
de nada ter ganho, nada a criar para o ganho
oiçam o desterro da terra
se ouvir satisfaz a trombeta do avenir
se ouvir faz a gorjeta do lucro
se tudo assim se acabou de se prostituir
43. Antologia Florbela Espanca e Convidados
45
CARMEN HUSSEIN
Poeta e professora universitária de Psicologia. É Mestre e
Doutora e tem um estágio de pós-doutorado nesta área no
IPUSP. Publicou vários livros e artigos em revistas neste te-
ma. Recebeu 5 distinções internacionais pela sua vida profi-
ssional. Tem afinidade com a poesia. Publicou cerca de
1000 poesias. Ganhou vários prêmios, condecorações, con-
cursos nacionais e alguns internacionais. Tem 90 Antolo-
gias sendo que 25 delas estão divulgadas no exterior em
português, espanhol, francês e holandês. Tem ainda 19 li-
vros de Poesias, sendo que 5 deles divulgados no exterior
em português, espanhol, inglês e alemão.
O site é www.carmenluciahussein.com.br.
ETERNIDADE
Os que se amam
Não se separam
Estão ligados pelo amor
Pela afinidade da alma
Pelo pensamento
Pelos interesses
E pelo respeito às diferenças na forma de ser
44. Antologia Florbela Espanca e Convidados
46
Os que se amam
Não se separam
Estão ligados pelo amor
Na vida
Mesmo com a distância
No espaço e no tempo
Estão entrelaçadas suas almas
Os que se amam
Não se separam
Estão ligados pelo amor
Não é só o corpo
Que está próximo e unido
No espaço e no tempo
Estão ligados pelo amor
Os que se amam
Não se separam
Estão ligados pelo amor
Não há passado, nem presente nem futuro
É a eternidade no tempo
Estão ligados pelo amor
Infinito e eterno.
45. Antologia Florbela Espanca e Convidados
47
O OPERÁRIO
Ele erguia casas aqui
Apartamentos lá
Igrejas, etc.
Onde havia apenas chão
Operário
Trabalho árduo
Com pá e com cimento
Com suor e com cimento
Constrói
Põe tijolo sobre tijolo
Pinta a casa
Trabalha com dedicação
E empenho
Faz-se um grande silêncio
Dentro do seu coração
E um sorriso ilumina a sua face
A imagem de seus filhos pequenos e família
Que dão energia e força
Para esse trabalho árduo.
46. Antologia Florbela Espanca e Convidados
48
CERES MARYLISE
Ceres Marylise Rebouças de Souza é grapiúna, da terra de
Jorge Amado, nascida no sul da Bahia, de mar e muitos
rios, clima ameno, mata atlântica onde chove bastante, na
cidade de Ubaitaba. Reside em Itabuna, na mesma região.
Recentemente premiada com o troféu Cecília Meireles e
Carlos Drummond de Andrade em Itabira – MG, no próxi-
mo mês de agosto será condecorada com medalha e diplo-
ma Pablo Neruda em Santiago do Chile e receberá a co-
menda Luís Vaz de Camões do Núcleo de Letras e Artes de
Lisboa e Real Gabinete Internacional no Gabinete Portu-
guês de Leitura em Salvador, capital da Bahia.
E-mail: ceres.marylise@gmail.com
SEMPRE ESTÁS AQUI
A distância,
A saudade,
Que importa?
Sempre vens
Quando te evoco
Docemente,
Nas noites frias
E longas de inverno,
Talvez, no amanhecer
De um verão,
Talvez, no outono
Numa tarde triste
Ou na primeira flor
De primavera.
47. Antologia Florbela Espanca e Convidados
49
CLAMOR
Estamos órfãos
de razão
e de justiça.
Há um clamor
pela volta
da consciência
porque
já não existe
complacência
para os dedos
sinistros
que assinaram
a impunidade
em forma
de sentença.
48. Antologia Florbela Espanca e Convidados
50
CONCEIÇÃO OLIVEIRA
Conceição Maia Rocha de Oliveira nasceu em Aveiro,
Portugal. Formou-se pela Escola do Magistério Primário
(Aveiro). Estudou na Alliance Française: Diplôme Pratique
e Diplôme de Langue Française. Frequentou Línguas e
Literaturas Modernas - Universidade de Coimbra. É licen-
ciada em Português e Francês (Ensino) pela Universidade
de Aveiro. Exerceu docência nos vários graus de ensino,
durante 38 anos. Aposentada da docência, dedica-se à escri-
ta; Dois livros publicados e participação em várias Coletâ-
neas e Antologias – Poesia e Prosa, entre Portugal, Suíça e
Brasil.
O TEMPO É BREVE…
No calor que me desperta a nudez
Arde fogo e roubo de Prometeu
Vem comigo, corramos ao campo
O desafio é grande a juntar ao meu
Mares a navegar em lua cheia
Pedem que sigamos a corrente,
Guardada por mim na tua teia
Languidez natural, eloquente
Soltemos afrontas, amarras de solidão
49. Antologia Florbela Espanca e Convidados
51
Sob o infinito de sóis brilhando
Qu’a seara madura vai espreitando
Na leda noite que o vento agita
Seremos cupidos sem género
D’um tempo apelativo, efémero
Juventude? A morte precogita…
ESPERA…
Oh bendita e serena madrugada
Quando te espreito o canto semeado
Entre dores, minha alma sufragada
Em poemas de timbre desacomodado
Novo dia na mesma pauta a crescer
Aquieto-me entre sedas e lençóis
Contida a respiração do meu sofrer
Sangrarão colcheias, fusas e bemóis
Entristecida a manhã no vão cismar
Arrastará a tarde da saudade
Morre a noite escura, presente o luar,
Meus solilóquios me falam que é tarde
Nesta cama me grudo, na ansiedade
Em te esperando… meu coração arde!
50. Antologia Florbela Espanca e Convidados
52
CRISTIANO REGIS
Cristiniano Francisco Regis (Cristiano Regis) nascido em
07/07/1958 na fazenda campinas no Município de Ma-
manguape no estado da paraíba e escritor poeta contista,
escreveu o livro o PE de mulungu publicado em 2013
participou da antologia de camões e seus convidados com o
poema espelho.
ESCONDE-ME
Eu quero me esconder de tudo ou talvez de nada.
Eu quero me esconder do medo, da dor, da falta de humor.
Eu quero me esconde de que?
Eu quero me esconder dos rostos aflitos por causa da
insensatez dos
homens. Eu quero me esconder das mães chorando a perda
dos seus filhos
por falta de sensibilidade humana.
51. Antologia Florbela Espanca e Convidados
53
Eu quero me esconder do perverso desejo do poder
Eu quero me esconder da arrogância, da ganância, da
maldade, da incoerência, da intolerância.
Eu quero me esconder do sorriso insano no rosto da
multidão
Eu quero me esconder do grito por socorro.
Eu quero me esconder do choro da criança abandonada
Eu quero me esconder das vidas seca que vagueiam em
direção nenhuma, onde
a tristeza profunda impede o sorriso e faz florescer lágrimas
Eu quero me esconder da falta de oportunidade, da
desigualdade que coloca enormes lacunas entre os homens.
Eu quero me esconde de tudo que dilacera o coração, de
tudo que aflige a alma, de tudo que apaga o sorriso no rosto
da criança.
Eu quero me esconder das coisas fáceis que são difíceis de
entender
Eu quero me esconder das perguntas sem respostas.
Eu quero me esconder de tudo e de nada!
52. Antologia Florbela Espanca e Convidados
54
ME DEIXA TE ABRAÇAR
Eu quero abraçar a vida em toda sua plenitude
na magnificência que faz pulsar o coração.
Eu quero abraçar a vida no vai e vem das ondas,
no embalo do berço que faz a criança dormir.
Eu quero abraçar a vida no soprar do vento
sobre a copa das arvores.
Eu quero abraçar a vida a cada manha que se apresenta
vencendo a escuridão da noite trazendo o sol com toda sua
energia.
Penetrando ate nos lugares mais inóspitos
para que a vida surja a cada manha.
Eu quero abraçar a vida a cada dia
pela oportunidade de se contemplar a magnitude do arco-
íris e
o exuberante vôo do beija-flor.
Eu quero abraçar a vida pôr todas as lições valiosas
que ela nos dá a cada dia.
Eu quero abraçar a vida no som acalentador de uma
cachoeira,
no esplendor de uma noite estrelada,
no brilha da lua que inspira os poetas,
no canto dos pássaros e na beleza dum bosque florido.
Eu quero abraçar a vida
eu quero abraçar você.
53. Antologia Florbela Espanca e Convidados
55
DANIEL DE CULLÁ
Daniel de Cullá. Poeta, escritor, pintor e fotógrafo, membro
fundador da revista literária Galo Tricolor. É membro da
Associação Colegial de Escritores de Espanha. Na
actualidade participa em espectáculos que fundem poesia,
música e teatro.
Dirige a revista de Arte e Cultura ROBESPIERRE.
COSTELINHAS DOS MEUS OLHOS
Na rua de Vitoria, em Burgos
no sítio e lugar
do amável e cativante bairro Gamonal
que não admite curas nem forças da ordem
onde estão a ter brigas
por um "nos tire, senhor prefeito prepotente
o viciado Bulevar"
de um buraco quente
temos apanhado uns ferros
em forma de grelha com que fomos a asar costeletas
de cordeiro, marca "Ribera do Duero"
54. Antologia Florbela Espanca e Convidados
56
numa adega em Villasur de Herreiros
a poucos quilómetros da capital
escolhendo-me eles e elas a mim, Valentín,
como mestre asador;
as pus a asar, e
ao sacar da grelha
logo chegaram as garotas e os garotos
em euforia e, entre as garotas uma
houve que foi a que com mais empenho me escolher
e a quem eu,
ao ir a pôr as costeletas, três
na sua torta de azeite de Ibeas de Juarros
foi-se-me a mão
num consentir
caindo as três no seu seio quente
e em vez de me repreender
começou a cantar:
- Valentín, tu que tens o nome do meu santo
queimas-me e abrasas-me
como se cantava
no antigo castelhano
dizendo-lhe eu:
- Costelinhas dos meus olhos.
55. Antologia Florbela Espanca e Convidados
57
ALÇA A LANÇA, NÉSCIO
Vangloriava-se um soldado
De que lhe tinha falado o rei
E perguntado por que lhe tinha dito
Respondeu que lhe disse:
-“Alça a lança, néscio”.
Soldado que tinha por flor
A dos embusteiros
Dando euros por cêntimos
Enganando o colega
E fazendo trafulhices
Fazendo-lhes ver
O que não é.
Por outro lado
Recitava-lhes versos
Pois o mesmo nomeava-se
“Jogral de três ao quarto”
Recitando como um ilusionista
Sacando o poema do chapéu
Depois de lhe dar a volta
Com um beijo.
56. Antologia Florbela Espanca e Convidados
58
Disse-lhes
Voltando para trás
A camisa que fazia um mês
Que levava posta
Um padre que comia num restaurante
Com o menu do peregrino
Uns pombos à brasa.
Outro peregrino
Pedia-lhe
Que aceitasse entrar a meias
E pagaria a sua
Que assim sair-lhes-ia mais barato.
O padre recusou
“São agarrados como um maçarico”
(Assim pensou o peregrino).
O caminhante comeu um pão
Que encontrou no caminho
Dizendo ao padre
Após ter comido:
-Tão bem tenha eu comido eu ao cheiro
Como vós ao sabor.
57. Antologia Florbela Espanca e Convidados
59
DELMAR MAIA GONÇALVES
Delmar Maia Gonçalves nasceu a 5 de Julho de 1969, em
Quelimane/Moçambique. É Presidente do Círculo de Escri-
tores Moçambicanos na Diáspora.
Publicou os livros “Moçambique Novo, o Enigma”, “Mo-
çambiquizando”, “Afrozambeziando Ninfas e Deusas”,
“Mestiço de Corpo Inteiro”, “Entre dois rios com mar-
gens” e “Mares de Olhares em Mestiçagens de Poesia”.
LÍRIOS
Colhi Lírios
no teu campo
que é meu
Mas não
me cansei
de evocar
Rosas perfumadas.
58. Antologia Florbela Espanca e Convidados
60
TU E EU
Tu e Eu
unos agora somos!
Já não sou
um ser à parte
Já não sou
um ser à margem de tudo
Para ti
ascendo qual névoa verde esperançosa
E juntos Tu e Eu
sobre o interminável oceano
haveremos de pairar
até que a vida, doce vida
apadrinhe o dia no encontro
com a noite
e adormeça a noite no
reencontro com o dia!
59. Antologia Florbela Espanca e Convidados
61
ELOISA HELENA CAVALCANTI BARROSO
Nasceu no Rio de Janeiro em 17 de agosto de 1958. For-
mada em Biblioteconomia e Teatro. É membro de algumas
Academias no Brasil e no exterior. Seu primeiro livro rece-
beu o “Prêmio Claudio Souza” de melhor dramaturgia, or-
ganização da Literarte – Petrópolis (2012). Recebeu o
Prêmio Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Nacio-
nal Prêmio Buriti 2013 com o conto “Tia Madinha”, com
publicação inclusive.
INCONFESSÁVEL SEGREDO
A tia, uma senhora de cinquenta anos está sentada
num banco de um parque. Espera a única sobrinha, filha de
seu irmão: Clara. Enquanto espera apanha uma folha grande
caída ao chão e começa a se acariciar. Com a folha na mão
direita fica para lá e para cá em movimentos em torno do
outro braço. Como um ballet imaginário ou uma orquestra
que ela coordena.
Uma jovem de 26 anos se aproxima.
Clara – Você queria falar comigo. Pois bem estou
aqui.
60. Antologia Florbela Espanca e Convidados
62
(a jovem senta ao lado da tia, parece incomodada).
Esther – Você está tão bonita Clara, parece muito
com sua mãe!
Clara - Tia, eu agradeço a gentileza, mas não tenho
muito tempo. Eu não sei por que marcou esse encontro
nesse parque?
Esther - O Parque Lage me pareceu ideal para ter
essa conversa, às vezes a gente precisa de um lugar assim
para se abrir de verdade.
Clara- Não estou entendendo nada, assim me assusta.
Aconteceu alguma coisa?
Esther - Eu estou sendo chantageada já tem algum
tempo.
Clara - Chantagem? Você disse chantagem?
Esther - Sim, chantagem.
Clara - Que tipo de chantagem é essa? A senhora
mora sozinha, nunca se casou. Que tipo de chantagem é
essa?
A tia se levanta, talvez para fugir do olhar firme da
sobrinha e fala num lampejo.
Esther - É sobre a morte da sua mãe!
Clara – Como assim? Mamãe morreu do coração.
Continuo sem entender.
A tia volta-se para ela e sentando-se novamente diz
num tom calmo quase irreal.
61. Antologia Florbela Espanca e Convidados
63
Esther - Não querida. A história é outra. Sua mãe se
matou.
Clara fica pálida. Na verdade, ela nunca soube por
que sentia certa rejeição por essa tia, única irmã de seu pai.
E agora sentia medo, não deveria ter ido aquele encontro.
Respirou fundo e falou para terminar o assunto.
Clara - Não é verdade. O Dr. Talles foi até lá e
atestou que foi do coração!
Esther – Eu pedi para ele fazer isso. Implorei. Sua
mãe tinha dívidas por causa da Galeria. Ela gostava tanto
daquele espaço, das telas das esculturas...
Clara- Dívidas? A Galeria sempre foi muito bem que
eu saiba. Você era assistente da mamãe, tanto que depois
que ela morreu tomou conta de tudo... Bem eu espero.
Esther – Sim eu sempre cuidei de tudo muito bem,
mas pouco antes da sua mãe morrer houve um rombo nas
finanças da Galeria, feita por um contador de confiança, o
Moacir. Ele sumiu com o dinheiro. Nós estávamos tentando
abafar o caso, você sabe no mundo das artes essas coisas
não podem vazar.
Clara- E daí?
Esther - Sua mãe ficou muito abalada, abalada de-
mais. Ela confiava cegamente naquele rapaz e demorou a
aceitar o acontecido. Lembro que ela chorava bastante e
dizia que não devíamos denuncia-lo. Ela sabia que o preço
seria fechar a Galeria. No dia que ela morreu ela me ligou,
pedia para ir até sua casa, pois tinha tido uma ideia para
salvar a Galeria.
62. Antologia Florbela Espanca e Convidados
64
Clara- Lembro-me de ter ouvido que você foi visitar
minha mãe e a empregada disse que você gritou do quarto
dizendo que mamãe estava morta.
Esther – Então, assim que entrei, a Zulmira disse que
ela estava no quarto. Quando entrei no quarto, eu a vi dei-
tada na cama com o braço esquerdo estirado para fora. Senti
que ela estava fria e pressenti que estava morta. Foi quando
vi a carta. Estava entre seus dedos da mão direita junto à
colcha da cama.
Clara - Que carta?
Esther - Chamei o Dr. Salles e mostrei o conteúdo da
carta. Ela pedia para ele atestar que tinha sido morte
natural, só assim receberíamos o seguro e esse dinheiro sal-
varia a Galeria. A princípio ele não queria fazer isso, mas
eu insisti muito, ele conhecia a família da sua mãe há
muitos anos. Assim foi feito, mas após esses anos e por
coincidência após a morte do Dr. Salles, começaram as
chantagens. Alguém sabe e ameaça contar tudo a segura-
dora e a todos. Eu resolvi contar a você.
Clara – Eu não estou acreditando muito nessa his-
tória, alguma coisa não se encaixa. Cadê a carta?
Esther – Eu queimei.
Clara- Você o quê? Você é louca! Você me chama
pra esse lugar, me enche de mentiras. Não existe carta,
nunca houve rombo nenhum na Galeria. Minha mãe não se
mataria. Você sabe disso! O que você quer dinheiro? Você
não precisa. O que você quer?
63. Antologia Florbela Espanca e Convidados
65
Esther - Estamos correndo risco, pode haver a denún-
cia. Eu estou com medo.
Clara - Eu não sou psiquiatra, que é do que você pre-
cisa. Olha, eu quero sair daqui, preciso respirar. Tudo o que
você falou eu quero esquecer. Eu ainda não entendi, mas
louco a gente não entende, né?
(Clara sai chorando)
Esther - Você não acredita? (gritou Esther)
Clara escutou, mas não olhou para trás, queria sair
logo daquele parque.
Esther - A verdade... A verdade é aquela que a gente
consegue ver, querida sobrinha!
Clara estava longe e já não podia escutar mais.
FIM
64. Antologia Florbela Espanca e Convidados
66
FRANCISCO GRÁCIO GONÇALVES
Francisco Grácio Gonçalves ou Lefteris Kablianis (pseudó-
nimo) nasceu em Atenas. Desde cedo sentiu fascínio pelas
letras e pela história, áreas que começou a desenvolver
desde muito novo. Expandiu os seus estudos em vários
domínios – a egiptologia, a história antiga, as ciências da
educação, a língua e cultura portuguesas e o ensino do por-
tuguês para estrangeiros. Desde o lançamento da sua pri-
meira obra poética “O Beijo do Silêncio” tem participado
em várias publicações literárias, em prosa e em poesia. É
também autor e colaborador em obras e artigos científico-
pedagógicos e literários.
TAMBÉM CHOVE EM PARIS
Ainda me lembro bem do dia em que a vi pela
primeira vez. Dava aulas apenas há três anos e tinha 24
anos. Fiquei fascinado por aquele porte altivo, seguro e
decidido. Era alta, morena, rosto redondo, cabelo escuro
comprido e olhos cor de amêndoa…belíssima.
As mesas da sala de professores eram redondas.
Existiam seis, e eu estava sentado numa, mesmo junto ao
bar, sozinho. Ela sentou-se na extremidade oposta, mas
fitou-me de soslaio. Levantou-se e dirigiu-se ao bar, olhou-
me fixamente e perguntou:
- És novo aqui? Dás aulas de quê?
- Sim sou. Dou Ciência Política e História.
65. Antologia Florbela Espanca e Convidados
67
- Tens ar disso - disse com ar altivo e arrogante – Sou
a Catarina, dou Língua Portuguesa, Latim e Grego. E tu
como te chamas?
- José Carlos. Gosto em conhecê-la – disse eu,
tentando ser simpático.
- Ohhhhh não! Não me trates por você, trata-me por
tu, sou um pouco mais velha, mas não tanto assim…
- Ok, tudo bem. Senta-te aqui – disse eu já mais
descontraído.
Conversamos o dia inteiro. Entre aulas e outros traba-
lhos arranjámos sempre um tempinho para nos conhecer-
mos melhor. Aos poucos apresentou-me à comunidade es-
colar e em poucas semanas já conhecia praticamente todas
as pessoas da Universidade Educacional e Cultural de
Lisboa.
Já no meio do segundo período, eu, e a Catarina, tí-
nhamo-nos tornado nos melhores amigos e a nossa cum-
plicidade era já evidente para todos. Reconheço que ela me
ajudou imenso e a tantos níveis que não sei explicar, ainda
hoje não sei… O que sei é aprendi tanto enquanto pessoa e
enquanto Ser humano que por mais anos que viva a minha
gratidão não será nunca suficiente para lhe agradecer.
Permanecemos tão próximos que passamos a visitar-
nos um ao outro nas nossas casas. Durante 8 anos fomos os
melhores amigos até decidirmos viajar até Paris, numa
viagem inesquecível que jamais esquecerei.
Viajamos acompanhados de colegas da Universidade.
A viagem foi organizada pelo Departamento de História,
pelo que estava extremamente bem definida e com um cir-
66. Antologia Florbela Espanca e Convidados
68
cuito muito bom, mas muito intenso. Incluía o Museu do
Louvre, a Torre Eiffel, os Champs Elysées, o Arco do
Triunfo, a Catedral de Notre Dame, Madeleine, Place de la
Concorde, Sacré – Coeur, Place de la Bastille, Château
Versailles, Les Invalides, um passeio no Bateau Mouche e
também por Pigalle para visitar o Moulin Rouge. Foram
dez dias verdadeiramente incomparáveis. Eu já conhecia
Paris, e já lá tinha ido imensas vezes, ela não. Fui o seu
cicerone.
No terceiro dia acordámos com chuva em Paris. Ao
pequeno-almoço, decidimos não ir com os colegas da Uni-
versidade a Madeleine. Como o hotel era muito central, op-
támos por dar uma volta por ali perto e fazer umas compras.
Já a meio da manhã a chuva intensificou-se bastante,
pelo que procuramos um abrigo numa rua sem saída e
coberta de graffitis.
- Estás toda molhada – disse eu a tremer
- Tu também. Abraça-me, assim ficamos com menos
frio.
Aquele abraço foi o início da nossa fusão. Naquela al-
tura, os nossos corpos libertaram-se. Procurámos um pape-
lão grande para colocar no chão e fizemos amor intensa-
mente ali mesmo. Depois do clímax, ela encostou a cabeça
ao meu tronco e ali ficou durante mais de quinze minutos
enquanto eu pensava…Chove aqui dentro. Lá fora não sei.
A água escorre-lhe pelo rosto, desliza até ao queixo cami-
nhando ao pescoço, capitula para o peito e rompe o tronco
em movimentos variáveis rumo ao abdómen que a trava até
entrar nas pernas. Morre depois nos pés. No fundo revigo-
ra-lhe a alma num balanço ardente de comoção que tam-
67. Antologia Florbela Espanca e Convidados
69
bém é uma etapa diferente. No fim, apenas sorri de felicida-
de, de tudo…
Ela levantou-se de repente e num movimento brusco
vestiu-se rapidamente.
- Não deveríamos ter feito isto José Carlos. Sabes que
sou casada e tenho um filho!
- Sim, sei…Mas andamos a evitar há tanto tempo… E
a atração foi mais forte…
- Isso não é desculpa para nada. Não te quero ver
mais – disse -me com um ar decidido.
A partir daquele momento nunca mais conheci a Ca-
tarina que conhecera até então… A viagem decorreu nor-
malmente e sem qualquer tipo de sobressaltos até ao seu
fim. E eu e a Catarina nunca mais falámos.
Meses depois, eu decidi sair da Universidade porque
tive uma proposta de trabalho no exterior muito aliciante.
Decidi dizer-lhe. Já não lhe falava desde a nossa viagem.
Ela não quis falar comigo. E assim ficámos. Parti para Os-
lo, onde estou até hoje e apesar das minhas tentativas de lhe
falar, poucas vezes consegui e quando tal foi possível, obti-
ve apenas palavras de desprezo, frias e sem conteúdo, que
não me fizeram desistir, apenas conformar.
A Catarina será sempre uma peça fundamental, neste
meu percurso de vida. Gostaria que não se tivesse desligado
de mim, e me tivesse amado como eu a amei. Mas com-
preendo-a e por isso lhe tenho ainda esta devoção que
nunca conseguirei arrancar de mim. Será sempre um Eu de
mim que não se apartará nunca.
68. Antologia Florbela Espanca e Convidados
70
GISELA TORQUATO COSME
Gisela Torquato Cosme nasceu em Luanda no ano de 1982
aonde permaneceu até aos 6 anos de idade.
No ano de 2007 licenciou-se em Sociologia pela Univer-
sidade de Évora. Atualmente exerce funções na área infantil
e social. Escreve poemas, contos infantis, escrita motiva-
cional e notas bíblicas.
Sou tua
Quando tu és meu
Somos um
Somos nós
Quando o somos no amor
Sem dúvidas,
Sem medos, enganos
Ou lágrimas de profunda dor
Somos o amor
Quando somos eu e tu!
(02-06-10)
69. Antologia Florbela Espanca e Convidados
71
Descontrolei-me
Quando aceitei morrer
Para o amor.
Não há nada que me faça
Sentir melhor
Pensar em ti
É doença… é dor?
É sonho… traz calor?
Aceito amar-te até ao fim
Em sacrifício descontrolado
Como um sonho
Que me foi renegado
Aceito amar-te distante
Quase rejeitada na vida
Sem sorrir, sem voar
Sem florir, sem amar outro alguém.
(18-12-05)
70. Antologia Florbela Espanca e Convidados
72
GISLAINE LIMA
Gislaine Lima, educadora, alfabetizadora, residente em São
Paulo - SP, casada, 29, sem filhos, apaixonada pelos alunos
e pelos livros. Participações: 4ª Antologia Poética da
ALAF, Antologia Palavras Sem Fronteiras – III – Brasil/
Argentina, (Ed. Literarte). Antologias “Recanto das Poe-
sias”, “Meus Rabiscos de Poesias” e “Meus Segredos de
Amor” (Ed. PerSe). Coletânea “Melhores Contistas 2013”
(Ed. Mágico de OZ). Antologia do “Céu ao Inferno” (Ed.
Narvas). Recebeu o Prêmio Literarte de Cultura 2013 e
Prêmio Luso-brasileiro de Contistas 2013.
CASCATA DE EMOÇÕES...
Você chegou de repente, sem avisar
Tocou meu coração do jeito certo
Atiçou meu querer adormecido
Deixando-o aqui tão desperto...
71. Antologia Florbela Espanca e Convidados
73
Veio decidido, com vontades...
Como o rompante da cachoeira
Não me deu escolha... Que maldade!
Tomou-me divinamente inteira.
Vem... Inunda-me com tua luxúria,
Vem... Molha-me com tua paixão,
Seremos unos no querer...
Espiados pela lua, na escuridão!
Sim... Eu me rendo a você
Tal qual água mansa em corredeira
Fluindo incessante e por igual
Paixão, linda, forte e verdadeira!
72. Antologia Florbela Espanca e Convidados
74
IMENSIDÃO AZUL...
No infinito de minhas emoções lhe vi
No além-mar e imensidão azul lhe senti...
Mesmo à distância de você me compadeci
E daquele dia em diante por você eu vivi.
Sou mulher sonhadora, menina-razão...
Aquela que enxerga com o coração
Vontade de carinho lhe dar...
Desejo ardente de querer e amar.
Eu vejo você sem máscara alguma
Enxergo a essência pura e cristalina
Com suas nuanças de azul e paixão
Um homem à altura de tanta emoção.
Você é mistério, prazer, e luxúria
É inteligência e arte, beleza e amor
É o meu menino, meu anjo e senhor...
Busco e lhe encontro no infinito do céu
Na imensidão das estrelas... Só sua luz!
E você sempre está pronto pra mim
Sinônimo de meu paraíso azul...
Só meu ainda que por um minuto pequeno
Mas é meu seu olhar e seu amor sereno.
E do paraíso tão lindo de azul
Reluz sua alma e meu coração
Em laços somente de cumplicidade...
É paixão!
E assim como as ondas do mar cor de anil
Encontro em você mais do que esperei...
Aquele que vi e pra sempre amarei!
73. Antologia Florbela Espanca e Convidados
75
IZABELLE VALLADARES
Izabelle Valladares, nascida em 13 de maio de 1975, auto-
ra de diversos livros, escreve de forma simples, com ênfase
no regionalismo e com forte tendência à realidade de finais
infelizes. Gosta que seus textos sejam borbulhantes para a
nossa inteligência e estimulante ao espírito. Autora dos ro-
mances: “A cúpula das vaidades”, “O regresso de Atlân-
tida”, “Ecstasy”, “A colecionadora de espíritos”, do livro de
humor “Quem disse que só fazemos amor? Volumes 1 e 2”,
dos livros infantis “Heitor Flexter, o menino herói”; “A
Viagem Mágica de Bia e Dora”; “A Viagem da Chuva”,
“Crônicas de Tartan”, além de que participou de dezenas de
antologias e as organizou.
METÁFORAS
O vento sacudia as cortinas.
Pedro Delmar olhava pela vidraça o enlaçar das pa-
lhas e dos restos de dejetos que insistiam em entrelaçar-se
sob o comando do vento, jogando tudo o que estava a um
palmo do chão na mesma direção, formando uma espécie
de redemoinho nas esquinas. Assim Pedro Delmar via sua
vida, sempre ventando em alguma direção. As vidraças es-
tremeciam como muitas mulheres estremeceram em seus
braços. Tantas que, de algumas, nem do nome ele lembra-
va! Imagens, aromas e amores. Amores? Acreditava que
não tinha amado nenhuma. Se amou, não se lembrava.
74. Antologia Florbela Espanca e Convidados
76
Memórias existiam apenas de algumas tórridas pai-
xões. Aliás, seria injusto dizer que não se lembrava. Lem-
brava-se de uma delas, a Florbela, talvez por estar tão re-
cente... Terminaram há poucas semanas. Grande parte de
suas roupas ainda se encontrava espremida junto às roupas
de Florbela, como, um dia, seus corpos também se espre-
meram até se confundirem em uma só silhueta.
Espreitava no pequeno basculante o vai e vem do
vento que lhe lembrava a vida. Sentiu os pés aquecidos de
Eloisa tocarem suas costas nuas. Olhou-a na cama, ainda
inebriada pela manhã de amor, com olhos quentes e vibran-
tes. Lembrou-se do dia em que se conheceram, quando cru-
zaram olhares em meio a uma esquina da Rua das
Laranjeiras. O pacato marido de Florbela, que morava há
poucos quarteirões da mesma esquina, rendeu-se ao novo
encanto e a paixão tomou conta do momento, dos atos e dos
pensamentos.
Recebeu um telefonema ao final do expediente, um
dia cheio, é verdade, mas não tão cheio que não pudesse ter
um espaço para galanteios e devaneios, assim pensava Pe-
dro Delmar.
A voz do outro lado dizia:
- Tenho que falar-te.
- Algo sério?
- Sim, sério por demais.
- Urgente?
- Sim. Quero falar sobre nossa casa. - dizia Eloisa.
- Nossa? - perguntou o surpreso Pedro Delmar.
75. Antologia Florbela Espanca e Convidados
77
Nunca um dissílabo havia tomado tanta dissonância e
discrepância ao ser ouvido.
Ela já tinha organizado tudo, em três semanas que se
conheceram. E lá estava ele, pronto para ingressar em um
novo lar, deixar a sombra do que fora a calmaria dos anos
com Florbela em sua vida e embarcar nas revoltas águas da
luz que envolviam a paixão por Eloisa.
- Foram tuas palavras. - dizia a jovem mulher, quase
que enlaçando-o no corredor.
Pedro sabia do seu poder de oratória. Era isso que o
fazia um brilhante poeta, o dom da palavra.
Ela continuava os elogios...
- Tens a poesia no olhar, olhas com os olhos da alma.
Ele retrucava:
- Isso é apenas uma impressão do teu olhar.
- Até teu nome soa poeticamente... Del mar.. Del mar,
Pedro del mar, pedra do mar, terra firme em meio às águas,
refúgio, salvação.
Era tudo o que Pedro queria ouvir.
Fazia anos que Florbela sequer ouvia seu bom-dia!
Tempo para suas palavras após o amor era algo que não lhe
cabia pela manhã. Tinha que trabalhar. Suas palavras foram
perdendo o encanto aos seus ouvidos e, aos poucos, foram
se perdendo em sua maldita boca, que calou-se, e somente
as palavras duras do cotidiano faziam parte de suas vidas.
Os galanteios saíram de moda. Florbela, deixou de ser a
amante, para deixar sobrepujar a esposa, a imaculada dona
76. Antologia Florbela Espanca e Convidados
78
do lar, objeto que nunca fora o sonho de consumo de
Delmar.
E lá estava ele, enroscado por alguém que amava jus-
tamente a sua palavra, a sua gramática, a sua semântica.
Delmar aprofundava-se cada vez mais em seu vocabulário,
causando uma métrica indefinida de paixão, orgasmos, le-
tras, palavras, suor e verbo. Do verbo se fez carne e na
carne as palavras ganharam sentido. Em poucos dias, o
dissílabo assustador, que é um pronome possessivo, ”Nos-
sa” tomou realmente posse da vida de Delmar, que mudou-
se para o casario, ainda sem coragem, é fato, de levar suas
roupas e sua preciosa biblioteca, pois orgulhava-se com fre-
quência de possuir verdadeiras raridades.
Por Eloisa, ele deixava tudo para trás. Dizia ela que
viriam com o olho grande da Florbela junto, que certamente
ela já teria queimado tudo. Mas, Delmar conhecia Florbela,
mais que a ele mesmo. Pelo menos, era assim que ele acha-
va que acontecia. Criado em um lar matriarcal por essência,
sua mãe sempre se posicionava como a frágil mulher su-
bestimada pela sociedade e dominada pelo marido. Mas, ao
fechar das portas, ela era a alfa em seu lar, era quem ditava
as ordens, onde o dinheiro seria usado e onde não seria. A
palmatória educacional vinha dali também, e, assim, Del-
mar acreditava conhecer as mulheres. E lá estava ele, afun-
dado nas doces palavras de Eloisa, que amava sua poesia.
Eloisa estava no auge dos 30 anos, com o calor natu-
ral da fêmea desta idade, com ancas aquecidas por desejos
torrenciais e sede pelo sexo.
Delmar vivia aquele momento com devoção quase
santa.
77. Antologia Florbela Espanca e Convidados
79
- Vens para encher minha cama com tuas estrofes,
inebriar meu corpo com as toscas linhas de tuas mãos, ex-
plorar teu vocabulário entre minhas coxas que te esperam...
E, assim, os dias de Pedro Delmar iam sendo preen-
chidos. Entretanto, Eloisa era mulher de garra, não queria
seu homem dividido. Incomodava-se com a Florbela viven-
do a poucos quarteirões com as roupas de seu homem, com
o nome do mesmo. Não aguentou, explodiu:
- Vais buscar tuas coisas hoje ou busco eu!
Intimou-o!
Pedro queria mais um tempo. Precisava preparar Flor-
bela para o reencontro. Os amigos diziam que havia enlou-
quecido, que entre tramas e desafetos, desejara a morte de
Pedro, como se esta já tivesse acontecido. Dizia aos mais
chegados não sentir falta do defunto.
Pedro Delmar lamentava-se por este sentimento. De-
sejara mil vezes que tivessem se tornado amigos. Mas,
como ser amigo de quem o traiu? Pelo menos, ele tinha esta
consciência.
Esperou na porta de sua antiga casa. Viu quando Flor-
bela chegou apressada, abrindo a porta, quase como se esti-
esse escondendo-se da sociedade.
Estava triste, cabisbaixa. Ele não sabia se aquele seria
o melhor momento.
Bateu à porta de madeira escura manchada de sol e
chuva, que lhe davam um ar multicor que desagradava Flor-
bela, que sempre lembrava a Pedro que precisavam pintá-la.
78. Antologia Florbela Espanca e Convidados
80
Pedro tentou afastar seu pensamento de seus proble-
mas cotidianos com Florbela. Seu peito se enchera de Eloí-
sa e era com este preenchimento que seu cérebro deveria
funcionar até afastar-se por completo de Florbela.
Bateu mais uma vez, sem retorno. Sabia que ela esta-
va no interior da casa, pois a havia visto entrando.
Olhou pela janela dos fundos. Viu-a com suas roupas
na mesa, olhando-as, chorando, velando-as, como se vela
um defunto. Ao seu lado, uma garrafa de gin, bebida pre-
ferida de Pedro. Pegou o copo e sugou o líquido como um
bebê se deleita no leite materno. Arremessou o copo na
parede quando este pareceu vazio demais. Porém, vazio era
seu coração, vazio de vida, vazio de Pedro, vazio das pala-
vras de Pedro, vazio do poético homem que veio como
onda del mar invadir sua vida e torná-la náufraga de sua
própria existência. Virou a garrafa em seus lábios, como se
fosse possível tragá-la por completo, ou como se fosse
possível que ela fosse tragada para dentro do frasco em um
movimento de imersão contrária.
Pedro decidiu ir embora, voltaria outra hora. Foi
quando Florbela o viu, inerte em sua janela.
Ele não poderia mais fugir.
- Que queres aqui, fantasma? Assombrar-me?
- Não sou um fantasma, Florbela. E sabes disso. Re-
solvi vir buscar minhas roupas. Por mim, confesso, teria
comprado novas. Mas, não quero que fique remoendo senti-
mentos com a minha presença em teu armário.
79. Antologia Florbela Espanca e Convidados
81
“O que ele sabia de sentimentos?” - pensou Florbela.
- “Um homem que nunca derramara uma lágrima sequer
por mulher alguma!”
- Não entendes de sentimento. Só entendes de poe-
sias! Das tuas infelizes poesias! - retrucou.
- Só entende de poesia quem tem sentimentos. – res-
pondeu. - Ou quem nunca foi feliz de fato, pois os poetas
mais felizes criaram suas poesias mais sublimes, em mo-
mentos de infelicidade.
- E o que fui eu em sua vida? Uma Frase? Um Epí-
grafo? Ou a sombra de um epitáfio maldito?
Pedro sentiu os olhos esquentarem como brasa. En-
tendia o que Florbela dizia. Queria abraçá-la, dizer o quanto
a prezava, mas que sua paixão era outra e precisava daquele
sentimento avassalador. Respondeu:
- Hoje és um ponto final.
A fúria aumentou, feriu, explodiu.
Florbela pegou a faca que estava na mesa e ameaçou
cortar as peças, mas, covardemente, desistiu, frente aos
olhos de Pedro.
Juntou tudo rapidamente em uma sacola, abriu a porta
da frente, sem olhar para a cara de Pedro, com um dos bra-
ços estendidos em direção à mesa da sala, mostrando ao ex-
defunto o caminho para a retirada de seus únicos bens.
Como um cão Viralata, que se acomoda a qualquer si-
tuação, pegou suas roupas e sentiu seus olhos vazarem.
Seus olhos estavam cheios de Florbela, tão cheios que não
cabiam nas órbitas, pareciam brasas.
80. Antologia Florbela Espanca e Convidados
82
Retirou-se.
Chegou em casa. Eloisa estava lá. Não gostou de vê-
lo entrar cabisbaixo, sem os livros.
- Não deu para trazer tudo, senti pena de Florbela.
- Como pena? Não sentes pena de mim, que tenho
que me envergonhar em cruzar com esta maldita diariamen-
te e fazê-la engolir que tu és meu? Sentes saudades dela não
é?
- Não, de forma alguma!
- Andaste chorando, Pedro?
- Nunca chorei e nunca irei chorar por mulher algu-
ma.
Pedro Delmar não entendia aquele sentimento de pos-
se que ultrapassava o respeito pela mulher que havia lhe
aturado tanto tempo. Ele estava confuso, inebriado por tan-
tos sentimentos contraditórios e direcionados somente para
seu interior, como um câncer consumindo seu eu.
Resolveu voltar no dia seguinte. Buscaria os livros e
realmente daria um ponto final.
Manhã clara, sol quente. O suor escorria por baixo do
chapéu, a única sombra por perto.
Estava experimentando um misto de sentimentos.
Pensou em sentar-se à beira da calçada e escrever. Tantos
sentimentos poderiam render-lhe um bom poema.
Mas, sua inquietação era para encontrar Florbela e, de
uma vez por todas, enterrar aquele olhar que lhe consumia
81. Antologia Florbela Espanca e Convidados
83
em brasas e deixava os seus olhos arderem como se fossem
dela.
Bateu à porta.
Os olhos estavam novamente em brasa.
Ela gritou do interior da casa.
- Entre!
Na pequena vitrola, ouvia a música de Edith Piaff, em
um som melodioso que se espalhava pela casa.
Lá estava ela, descalça, com um vestido solto, claro,
como Pedro nunca a havia visto vestindo.
Em uma das mãos o copo de gin.
Ele tentou pegar o copo, ela foi rápida.
Florbela riu da ingenuidade dele. Lembrou-se das
palavras do presbítero de sua igreja... Das trevas fez-se a
luz!
Era este o recado! Uma metáfora que serviria para
todos os dias. Só naquele momento de treva ela pôde
entender. E foi mesmo como se a luz ali se fizesse.
E das Trevas fez-se a luz.
Da luz, iluminou-se seu eu, da luz renasceu a Florbela
que tinha a alma perdida de sonhar Delmar, da luz nasceu
uma nova mulher, jovem, feliz, que estava apagada atrás de
tanta treva.
- Vim buscar meus livros! - repetiu.
Florbela olhou-o. Viu o vermelho de seus olhos no
escuro e não acreditou no que via.
82. Antologia Florbela Espanca e Convidados
84
Abriu violentamente a janela. Precisava entender a-
quilo, precisava de luminosidade para ver aquilo de perto.
Ele não estaria chorando.
Aproximou-se de Pedro, olhos marejados, olhos Del
mar, quentes, em brasa, ardentes.
Ela riu com vontade, com covardia. Ele chorava por
ela. Ali renascia Florbela.
Então Pedro, a pedra, chorava? Era isso mesmo?
Pedro abriu os braços para aninhá-la como se seu
abraço fosse capaz de perdoá-lo.
- Eu te amo Florbela.
Ela passou por ele ali, de braços abertos, passando pe-
la porta escancarada, deixando o rastro de quem fora,
abrindo a vida para quem realmente era.
No ar, deixou o cheiro de flor, o aroma das laranjei-
ras, adentrou pela casa.
Seus passos descalços ganharam a rua. Os olhos ma-
rejados de Pedro derramaram-se na soleira da porta desbo-
tada, irritantemente ardentes, transbordando Pedro nas cal-
çadas, como uma despedida de Florbela.
O vento anunciava uma chuva de verão, arrastando as
mágoas da rua, afastando os amores, ventando e entrela-
çando as vidas, levando pra longe a presença da flor da rua
das laranjeiras, levando pra sempre Florbela.
(Em homenagem aos poetas Florbela Espanca e Delmar Maia
Gonçalves, metaforicamente amantes na vida e na poesia,
verdadeiramente meus poetas preferidos!)
83. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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J. C. BRIDON
JÚLIO CESAR BRIDON DOS SANTOS. Tendo como
berço a cidade de Gaspar, em Santa Catarina, transformei,
através da prosa e dos versos, minha vida. Sou poeta e
escritor, adotando o nome artístico de JC BRIDON. Já pu-
bliquei 12 livros, sendo 2 em Frances e um bilíngue: inglês/
português. Viajei parte do mundo, visitando Estados Uni-
dos e Países da Europa, doando livros às Embaixadas Bra-
sileiras. De passatempo virou mania e de mania o começo
de um sonho. Sou assim, um poeta sonhador, que faz dos
seus versos um caminhar calmo e sereno.
PESADELOS
Chovia torrencialmente e eu ali, entrincheirado, com balas
de fuzil e metralhadores, espocando por todos os lados.
Parecia um pesadelo, ou melhor ERA um pesadelo.
Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo.
Eu estava no meio da mata densa, sem enxergar um palmo
à minha frente.
Muita coisa passava pela minha cabeça.
O que estava fazendo ali?
E o que estava acontecendo?
De repente, me dei conta de que estava em plena guerra, no
meio de um tremendo bombardeio, com homens lutando
para salvar a própria vida, como que buscando encontrar
uma forma de sair daquele inferno, o que parecia
praticamente quase impossível.
Alguém, ao meu lado, cutucou-me e perguntou se eu queria
dar um “tapa” e me estendeu um “cigarro amassado”.
84. Antologia Florbela Espanca e Convidados
86
Nem me dei conta do que se tratava e, sem pensar muito,
estendi a mão e apanhei o que ele me oferecia.
O barulho era ensurdecedor e, no lugar onde nos
encontrávamos vi pedaços do que antes eram seres
humanos, esmigalhados e estraçalhados pelas armas
poderosas que retiniam com uma força animal.
Não tinha tempo para pensar em nada, apenas queria fugir
dali, voltar pra minha casa, meus pais e irmãos que lá tinha
deixado, com a triste esperança de voltar.
Porém, com o passar dos dias e das intermináveis noites,
sentia que nunca mais os veria, tampouco conseguiria sair
daquele local que me enviaram, sem minha permissão.
Fui arrancado do lar, dos braços dos meus pais e irmãos e
ali me encontrava sem saber direito o porquê.
Não sei como ainda conseguia me lembrar dos meus pais,
tão distantes e que tanta falta me faziam.
Mas, o tal “cigarro”, envolto em papel barato, começava a
manter minha mente calma e a cada puxada, engolida e
trancada, dentro dos pulmões, pareciam trazer aqueles
momentos gostosos junto aos meus familiares e amigos.
Estava vivendo uma outra vida, uma vida dupla.
A guerra, as bombas, os amigos, sendo varridos como se
nada fossem, pareciam pertencer a outro mundo, num lugar
bem distante.
A luz da vida começou a penetrar em minha vida, em meu
coração e em minha alma.
Sentia-me livre!
Livre das tormentas, que instantes antes me atormentavam
e me deixavam quase maluco, agora pareciam apenas
lembranças de um passado longínquo.
Eu não sabia se ria, chorava, ou me entristecia com algo
que parecia ter mudado completamente meu destino.
85. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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E assim fui aos poucos me apegando cada vez àqueles
“cigarros”, que tanto bem pareciam me trazer, que apaguei
completamente da mente que a guerra era algo
inescrupuloso, vergonhoso e terrivelmente sem finalidade
alguma.
Hoje, encontro-me enclausurado numa Clínica para
dependentes químicos, sem viver a vida como ela merecia
ser vivida.
Meus pais, não consigo reconhecê-los muito bem, cada vez
que me visitam naquele lugar, que tenta ajudar, mas que
sabemos ser uma tarefa muito difícil.
A maioria que aqui estava não os encontro mais.
Num lugar assim todos, aos poucos, ficam sabendo o que
acontece com os demais e logo a notícia corria.
Te lembras do John?
Pois é! Não conseguiu se livrar e acabou com a vida,
diziam os amigos de agora.
De vez em quando me lembro dos passeios que, quando
criança e mesmo adolescente, fazia com meus pais e irmãos
e uma lágrima corre desenfreada pelo rosto sofrido e
amargurado.
Já não sou mais aquele jovem de outrora, que fora
arrancado dos braços da mãe e do pai, jogado num
camburão e levado à força para o lugar que outros
desejavam.
Assim, foi o começo de um fim que está prestes a terminar,
pois não aguento mais tanta solidão interior, tanta falta de
vergonha da parte dos senhores das guerras, que
exterminam os filhos dos outros, para o bem próprio.
Nada mais de guerras inexplicáveis, de mortes de inocentes
e de vidas ceifadas pela ausência da família, trocadas que
foram por drogas, para que jovens sonhadores possam
86. Antologia Florbela Espanca e Convidados
88
sobreviver nesse mundo infernal onde, a força dos
poderosos é mais forte do que qualquer outra coisa.
Menos de Deus, que ainda é o MAIS FORTE do que todos.
O POETA-ESCRITOR
O poeta-escritor possui um dom de olhar
as estrelas, o sol, a lua, enfim, a natureza em geral,
a vida que nela pulsa e tenta transformá-los
em versos que se eternizam.
O poeta é um navegador de palavras
que busca, através de seus versos,
encantar o mundo a sua volta,
como um barco navegando em oceanos sem fim.
Somos assim, uma espécie em extinção
que fala dos sentimentos, das alegrias e das tristezas,
de uma maneira diferente
por isso, somos seres diferentes.
Somos mais uma peça ambulante
neste mundo desigual
que tenta demonstrar seus sentimentos
nos versos que compõem.
87. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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JANICE FRANÇA
Nascida em 16/09/1963 na cidade de Sete Lagoas – MG.
Professora, pós-graduada em Metodologia do Ensino de
Geografia, escritora/poetisa, participa de diversos eventos
no universo literário, em âmbito nacional e internacional.
Por três anos a autora assinou a “Grafando a GEO” e a
“Cultura Kids”, colunas mensais na Revista Hobby, em
Sete Lagoas. Livros publicados: Quando a Alma Fala_ Poe-
sia; Versos, Imagens e Sentimentos._ Poesia; Alice _ Infan-
til; Versos Tão Meus... _ Poesia. Participa ainda em várias
antologias.
NOITE
Eis que “Morpheu” me abandona!
Longe dos embalos de seus braços
Resta-me a solidão da madrugada...
Noite escura, vazia...
Sem estrela, sem nada!
Assim como eu:
Tão intensa e tão fria!
Coitada da noite!
Precisa morrer
Para nascer o dia!!!
88. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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ABSORÇÃO
Triste lamento
Que em minha boca emudece.
Amargo sabor
Que meu horizonte escurece.
O desejo contido,
Há muito escondido,
Nega-me o prazer do beijo amado
E o tremor do toque apaixonado;
Sensações que falam da Terra
Têm o dom de elevar aos Céus...
Ah! O fogo ardente que queima
É sonho, não existe!
Absorta, miro a mulher no espelho:
“_ Mais uma vez fugiste!”
89. Antologia Florbela Espanca e Convidados
91
JOSÉ DONIZETTI
José Donizetti Nicolini Gonçales - Paulista, nasceu em São
Manuel – SP, em 04.05.1962 – Residente desde 1969 em
Osasco – SP. É associado LITERARTE. Membro da
Academia de Letras e Artes de Goiás, de Vitória – ES e do
Núcleo Acadêmico de Buenos Aires, Academia de Artes de
Cabo Frio - ARTPOP. Ainda da União dos Escritores e
Poeta de Barueri - “Operários das Letras” e do Maepo -
“movimentos de artistas e poetas de Osasco”, em São
Paulo.
ALMA INCANDESCENTE
Minha alma está incandescente,
Como estrela cadente
Que risca o céu,
Num rastro brilhante,
Em busca da tua.
Que igual a um diamante,
Reflete a luz do desejo
De uma alma amante
Como a minha.
Como dois astros luminosos
Bailando no universo,
Nos procurando,
Nos encontrando,
Num abraço flamejante.
90. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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ALÉM DA ALMA
A brisa passando pelo seu rosto
Com o calor do sol te aquecendo
Sou eu te fazendo um carinho
Em sua doce, macia e aveludada face
Num abraço apertadinho
Cheio de saudade
E com vontade você
Que é luz em meu caminho.
Fecho os olhos e te vejo
Sinto seu perfume no ar
E seu sabor em meu paladar
E o seu calor em me abraçar
Como a um veleiro no mar
Deixo-me por essa grata
Lembrança me levar
Nessa paixão a velejar.
Seus lábios tocando os meus
Meus lábios roçando os seus
Estamos nas mãos abençoadas
De nosso querido deus.
Pássaros e flores
Enfeitam essa visagem
Completando essa delicada imagem
De duas almas enamoradas
Eternamente apaixonadas
Bailando no universo
Cantando em prosa e verso
91. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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Esse amor infinito
Romance tão bonito
Além de nossas almas
Que navegam em águas calmas
Esse amor abençoado
A todo instante será renovado.
ALMA ILUMINADA
Minha alma está iluminada.
Meu coração explodindo
De tamanha alegria.
O meu corpo todo empolgado
A espera do seu abraço
Que levará embora
Toda e qualquer melancolia.
Sou todo sorrisos.
Estonteado pelos suspiros,
Por ter, a ti, me revelado
E saber que sou correspondido.
Espero estar a sua altura
Que com tanta doçura
Me encheste de orgulho
Por ter acesso a candura
De sua alma mais pura.
92. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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A L M A
Corpo de mulher,
Alma de menina,
Olhar de inocência,
Sorriso de experiência.
O que queres de mim,
Com alma madura
De um poeta
Que no esplendor
Já eternizou
Seu amor?
Seu olhar em minha alma.
Seu sorriso em minha mente.
O que queres que eu tente?
Que eu vista a armadura
De um poeta que
Com tanta candura,
Eternizou o seu amor
Com imensa doçura?
Que leveza de espírito!
Não existe a divisa
Que distingue a
Loucura.
Ó olhar!
Ó sorriso!
Quanta beleza!
Que alma
Mais pura!
93. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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ALMA PRESENTE
Sem importar
O quanto tempo
E nem a distância,
Sua presença
Envolve-me todo
Com terna constância.
Em tudo que vejo
Ou que toco
Me leva até você,
Mesmo uma leve brisa
Ou uma gostosa fragrância.
É como se no universo
Não houvesse nenhuma importância,
O intervalo de tempo
Decorrido e muito menos a distância.
Você está presente
No meu coração,
Ocupando carinhosamente,
Todo espaço do meu ser,
És a razão de tanta emoção,
És meu motivo de tanto querer.
94. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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ALMA SILENCIOSA
Não importa quanto tempo
Não importa a distância
Estarei sempre sedento
Da sua constância.
Podes ir e vir
Eternamente majestosa
Eis que há de ouvir
A minha alma silenciosa.
O mundo não há de se acabar
A menos que deixemos de rezar
Pelas coisas boas e virtuosas
Esquecer-se da beleza das rosas
Que ora nascem e ora morrem
Mas deixam seu perfume
No Ar que respiramos
Num aroma sem igual de costume
Por onde as brisas correm.
Num gesto simples e delicado
A flor deixa seu recado
De alegria e o legado
De um eterno apaixonado.
Venhas tu trazer-me a felicidade
Desse coração generoso
Cheio de reciprocidade
Devolvendo-me a juventude
95. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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Renovando minha mocidade.
Dar-te ei minha euforia
Duma alma cândida
E com meu coração em chamas
Poderei gritar ao mundo
Tu és bendita
A mim tu amas.
ALMA VIAJANTE
Vai minha alma
Em busca do meu sonho,
Ao encontro do teu amor,
Que pode estar escondido
Por de trás da lua brilhante,
Do sol flamejante
Ou de uma estrela
Mais distante.
Vai sem pestanejar,
Sem demorar,
Sem planejar!
É urgente este encontro de alma
Que se ama e se deseja.
96. Antologia Florbela Espanca e Convidados
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ALMA VITORIOSA
A minha alma
Paira calmamente,
Sobre o seu coração.
Vejo um rio de emoção
Que na tranquilidade
De quem sabe o que quer,
Caminha na direção
De alcançar seus objetivos
Com muita determinação.
Claro que o resultado
Trará uma grande realização!
Pois sua alma vitoriosa,
Que com muita simplicidade,
Conquista a própria felicidade,
Construída com a dignidade
De um sábio
Em busca da verdade.
97. Antologia Florbela Espanca e Convidados
99
JOSÉ JOÃO CRUZ FILHO
José João da Cruz Filho, brasileiro, nascido no estado do
Maranhão. Filho de José João da Cruz e Rosalina da Silva
Cruz. Participando de algumas Antologias nacionais: Anto-
logias da CBJE vol. 94/96/99/100 e Melhores poesias de
2.013. IV Antologia poética da ALAF. Coletânea Eldorado
Vol. XXIV. Internacionais: V Antologia de Poetas Lusó-
fonos e Convidados de Luis Vaz de Camões.
FLOR, BELA POESIA TRISTE
Fica comigo, deita-te em minha alma, mas se fores,
Leva-me dentro de ti, como te deixo dentro de mim,
O teu espaço terno, cheio dos meus tantos-te-querer
Refazendo meus dias nos sonhos que deixamos ficar.
Beija-me com o gosto da primeira vez, o primeiro beijo,
E leva-o contigo que o gosto de teus lábios guardarei,
Lá dentro do melhor pedaço de mim, como se fosse
A mais perfeita troca da beleza de nossas almas,
Espera amor, deixa que o tempo se esgote lentamente,
Saboreia docemente essa minha vontade de ser tua,
Porque a vida, amor, não deixa repetir esses momentos,
A vida é como se fosse um sonho e acordamos sempre.
Na verdade, acordamos sem sabermos onde estamos
Canta, amor, os hinos que só os amantes sabem cantar
Assim me fazes Flor, Bela poesia viva... imortal
98. Antologia Florbela Espanca e Convidados
100
A SAUDADE QUE TE TRAZ PRA MIM
Que a saudade diga, quantas vezes minha alma
Precise ouvir, que tu estás bem aqui, dentro de mim,
Que te ouço no silêncio da noite, que te respiro
Na brisa cálida das manhãs, me visto de ti...
E brinco de ser nós dois nos sonhos que me permites
Sonhar, como se vivê-los fosse viver contigo outra vez.
Me desnudo de qualquer outro pensamento que não seja
Pensar em ti, qualquer um outro se faria intruso,
Sem razão, sem espaço, e sem idade para existir.
Que minha alma se faça cativa da saudade
Que te traz através do tempo impondo submissão
Ao esquecimento, que cabisbaixo, te deixa ficar
Como se ele nem existisse pra mim...pra nós,
Para todos os momentos que ficaram repletos
De nós dois e que até agora se fazem vivos...
Tanto, que as lágrimas caem dos olhos, em alegria,
Enganadas pela saudade que toma tua forma,
Assim, minha alma exulta teu nome, e feliz grita
Para meu coração te amar ainda mais.
99. Antologia Florbela Espanca e Convidados
101
LETÍCIA ADRIANA SANTOS
Doutora, Mestre em Linguística e Graduada em Letras pela
Universidade Federal do Ceará. Professora adjunto da
Universidade Estadual do Ceará e Professora Titular do
Centro Universitário Estácio do Ceará. Atualmente é Dire-
tora do Centro de Humanidades da Universidade Estadual
do Ceará e Pró-Reitora de Pós- Graduação, Pesquisa e
Extensão da Estácio do Ceará. Editora Científica e Membro
dos Conselhos Editoriais das Revistas ANIMA, CORPVS e
JURÍDICA do Estácio do Ceará. Membro Efetivo, ocu-
pando a cadeira 22, da Academia Feminina de Letras do
Ceará-AFELCE.
QUISERA
Quisera eu ser poeta
Quisera eu saber
Amar em versos
E me apaixonar em rimas
Quisera eu poder viver tua sina
Quisera eu ...
100. Antologia Florbela Espanca e Convidados
102
VIDA
Tudo é demagogia
O homem
A lida
A vida
Tudo é nostalgia
A paixão
A excitação
O tesão
O amor
Tudo é fantasia
A rotina
A lida
A vida
101. Antologia Florbela Espanca e Convidados
103
MAIRA MENDONÇA
Maira Suzeth Mendonça de nome artístico „Suze-May“,
nasceu aos 22 de Agosto de 1990, nacional de Angola, na-
tural de Cabinda, filha de Adão João António e de Nazaré
da Silva Mendonça; solteira. Licenciada em administração
pública federal pelo Instituto Federal de seguros da Alema-
nha. Funcionária do BANCO MILLENNIUM ANGOLA,
como assistente comercial corporate. Membro da associa-
ção dos Angolanos Imbondeiro. Escritora de poesias; come-
çou a escrever poesias com apenas 12 anos de idade.
IMORTAL
Nem posso me esconder,
Nem posso me revelar,
Eu não posso nem confessar,
que eu estou a te amar.
Vives em minha fantasia,
é tão forte tipo magia.
Actuas no palco da minha ficção.
envolves totalmente meu coração.
102. Antologia Florbela Espanca e Convidados
104
Meu amor é maior que todas as medidas,
tem a grandeza do infinito.
Por ti eu morreria
pois nos encontraremos noutras vidas.
Amor da encarnação,
vive hoje em meu coração.
Minha alma gémea,
és meu macho, eu sou tua fêmea.
Amor imortal,
Sentimento divinal.
Quando tiver que morrer
enfrentarei a morte para contigo ficar.