O documento discute diferentes filosofias de jogo no futebol, com ênfase na importância da posse de bola versus o controle do jogo. Apesar da beleza associada à posse de bola, os dados sugerem que equipes que priorizam o controle do jogo, com linhas compactas e espaços ocupados, tendem a ter mais sucesso em nível competitivo alto. Equipes flexíveis que podem variar sua abordagem conforme o jogo também parecem ter vantagem.
1. Jorge Simão
Ter ou não ter a posse de bola?
O que mais interessa: jogar bem ou ganhar???
E o que significa jogar bem? Qual a importância do lado estético do jogo?
A subjetividade é incontornável nestas questões, que há muito
fazem parte da agenda dos académicos e estudiosos do jogo. A
verdade é que o futebol arrasta multidões aos estádios
prioritariamente para ver a sua equipa ganhar. Contudo, apesar
de prioritário este não será certamente o único motivo. Acredito
que as pessoas queiram desfrutar do jogo, vivenciar emoções
fortes, vibrar com as incidências decorrentes da incerteza do
resultado.
Usualmente a beleza do jogo está associada ao processo
ofensivo, ou seja, à qualidade da posse de bola. Isso é
indiscutível. Mas, por outro lado, não haverá também qualidade
passível de admiração durante o processo defensivo (já para
nem falar das transições...)?
Creio numa resposta sábia: sim e não!
Que adepto suspira por apreciar a sua equipa em processo
defensivo?
Porém, Jurgen Klopp, treinador do Borussia Dortmund, revelou numa recente entrevista que está longe de
ser adepto do estilo de jogo que Pep Guardiola imortalizou no Barcelona, essencialmente por faltar paixão.
Acrescenta: “...gosto do futebol à inglesa, em que está a chover, o campo está pesado, todos estão sujos…
exijo aos meus jogadores que corram mais 10 quilómetros que o adversário” e culmina com o exemplo da
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2. sua própria entrega: “Olhem para mim durante os jogos… eu festejo quando pressionamos, quando
recuperamos a posse de bola ou quando ganhamos um lançamento lateral. E digo yesssss!”
Afinal, aqui também há elementos que podem ser valorizados e que transmitem emoções fortes aos
adeptos.
No entanto, as equipas que ganharam a eternidade compartilhavam a vontade de ter a iniciativa de jogo, de
terem utilizado a posse de bola com talento e de terem mantido a sua identidade independentemente do
adversário que tinham pela frente.
O expoente máximo da utilização da posse de bola como identidade da equipa é a cultura blaugrana.
Relembro uma história que li algures: num exercício de manutenção de posse de bola, com utilização de 2
jokers, a equipa de Xavi andou atrás da bola durante um período de tempo considerável e não conseguiu
evitar sentir-se humilhado, quase pior do que quando perdia um jogo. Finalmente, quando a sua equipa
recuperou a posse de bola, o exercício acabou…!!! Cego, como quem perde momentaneamente o equilíbrio
emocional, “chutou” com agressividade uma bola para fora do campo… “Não aguento levar chocolate!!!”,
terá gritado.
Isto é simplesmente a consequência de sentir uma ideia com paixão: a cultura blaugrana ensinou-o a sentir
gozo quando em posse de bola e raiva na pressão ao adversário!
A tabela seguinte ilustra aquilo que são as diferentes filosofias de jogo dos treinadores de equipas de topo.
Nela estão os valores médios de posse de bola na edição de 2012/ 2013 da Champions League.
Borussia Dortmund foi finalista
da competição mas apresentase apenas como a 27ª equipa
com mais tempo em posse de
bola.
A filosofia do Barcelona é
imutável: foram goleados pelo
Bayern Munchen nas 1/2 Finais
(acumulado, 7-0) mas na
percentagem média final
apresentam valores de posse de bola claramente superiores a todas as outras equipas.
Salta à vista a variabilidade das conceções de jogo nas oito equipas que atingiram (pelo menos) os 1/4 Final
da competição. Para ganhar jogos a este nível será então decisivo preparar as equipas para dominar o jogo,
significando isto ter mais posse do que o adversário e circular a bola no meio-campo ofensivo
demonstrando supremacia territorial?
Com base nestes dados, claramente, um rotundo... não!
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3. Atente-se à tabela 2:
Surpresa: o FC Porto foi a 2ª
equipa da Champions com mais
tempo em posse de bola. Vítor
Pereira repetia frequentemente
que o “seu” Porto era uma
equipa de posse e circulação.
Aqui está a prova!
Mas significa isso sucesso, neste
nível de competição?
Das 10 equipas com mais tempo de posse de bola na competição, apenas 4 atingiram o patamar dos 1/4
Final… Elucidativo, não?
Seguindo esta linha de raciocínio, uma conclusão lógica é a de que, neste patamar competitivo, a noção de
controlo do jogo assume predominância em detrimento do domínio do jogo.
A minha ideia é a de que um jogo controlado implica jogar com um bloco compacto (independentemente se
alto, médio ou baixo, o importante são as linhas juntas), com os espaços ocupados, sem desequilíbrios
defensivos e sem que o adversário consiga chegar às zonas vitais com possibilidade de finalizar. Implica o
recurso às faltas para diminuir a intensidade do jogo e para reorganizar as nossas linhas em situações de
transições rápidas em profundidade do adversário. Implica atacar com um único objetivo. Posse de bola
com critério e objetividade!
Resumidamente: controlar o jogo é gerir os seus ritmos. Acelerar quando nos convém ou baixar a
velocidade com que os acontecimentos vão sucedendo quando sentimos ser necessário!
Atente-se à tabela 3, que apresenta os valores da posse de bola dos três primeiros classificados na
Bundesliga.
O facto do Borussia Dortmund
revelar ser uma equipa
dominadora na competição
interna
(2º classificado, 2ª
equipa na posse de bola) e mais
controladora na Champions (2º
classificado, 27ª equipa na posse
de bola) será fruto do acaso? Será falta de identidade? Ou de qualidade? Ou de ousadia?
Não é curioso verificar também que o Schalke 04 apresenta valores exatamente semelhantes na
Champions (Oitavos Final) e no Campeonato Nacional (4ª classificado), com 52,3%?
A tabela seguinte, referente ao campeonato espanhol, também nos dá uma significativa visão da relativa
importância de dominar os jogos, da posse de bola e do valor do ataque posicional.
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4. A 2ª equipa com maior percentagem
de posse de bola do campeonato
espanhol, Rayo Vallecano, acabou
em 8º lugar!
O 2º classificado, o Real Madrid de
Mourinho, apresenta valores de
posse de bola que o situam apenas
no 4º lugar da tabela comparativa,
mas com valores muito idênticos aos apresentados nos jogos da Champions.
Estes dados do Real Madrid adquirem ainda maior interesse se os compararmos com os do Dortmund.
Julgo ser pacífico afirmar que valores de posse de bola semelhantes nas duas competições (Campeonato
Nacional e Champions League) são sinal de fidelidade à conceção e filosofia de jogo do treinador. É a sua
identidade!
Porém, valores muito divergentes entre as duas competições:
i) significarão falta de identidade, de personalidade, de capacidade de afirmação da equipa e do seu
treinador?
ii) ou, por outro lado, não serão eles reveladores de astúcia e de versatilidade na preparação estratégica
para ganhar cada um dos jogos?
iii) não será uma equipa mais rica se possuir esta capacidade adaptativa, mesmo que aos olhos do comum
adepto isso signifique perca de identidade?
Independentemente da filosofia de cada treinador,
da cultura de cada clube ou da paixão dos seus
adeptos, o que fazer com a bola a partir do
momento da recuperação tem de ser
criteriosamente definido.
Assim, para uma posse de bola com qualidade é
exigido:
✓ Bom jogo posicional
✓ Boa leitura de jogo
✓ Capacidade de utilizar indistintamente os 2 pés
✓ Bom 1º toque (qualidade da receção, orientada,
sem “matar a bola”)
✓ Qualidade de passe
Como se consegue isto? Todos os jogadores
devem usufruir da segurança de que em
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5. determinada posição há um jogador, uma figura
geométrica que lhes permita antecipar a ação.
O que se segue são propostas de exercícios que
visam a criação de situações propícias para os
jogadores adquirirem os comportamentos desejados
na posse e circulação de bola.
Manipulando as condições estruturais dos exercícios
de treino - principalmente o espaço, o tempo e o
número - consegue-se adaptar os exercícios
apresentados para diferentes níveis competitivos e
diferentes escalões etários.
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