O Cardeal Odilo Pedro Scherer defende a identidade católica da PUC-SP e seu papel na sociedade. Ele afirma que uma universidade católica não existe apenas para defender a Igreja, mas para servir a verdade e o bem do homem. Ela contribui para mostrar que há valores inegociáveis como a busca da verdade e o respeito pela dignidade humana. Uma universidade católica tem uma função social importante como contribuição para o pluralismo e a liberdade de pensamento em uma sociedade democrática.
1. Identidade e pluralismo: a missão da PUC
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
A Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) esteve em evidência na imprensa nos últimos
dias, em função da recente nomeação da professora Anna Maria Marques Cintra como Reitora
da instituição; quero, pois, esclarecer o papel e a preocupação da Igreja Católica, presente na
gestão de uma universidade.
Antes, porém, reitero que a nomeação está de acordo com a norma da Universidade. Escolhi a
Reitora entre os candidatos da lista tríplice organizada e encaminhada a mim pelo Conselho
Superior da Universidade (CONSUN), como estabelece o estatuto da PUC-SP.
Há quem considere que a PUC-SP cumpriria melhor o seu papel sendo uma universidade laica,
desvinculada da Igreja. Isso, porém, não seria coerente com a natureza de nossa universidade
católica que, além de tudo, também é “pontifícia”.
Não cabem equívocos, nesse sentido, e não dissimulo meu empenho para evidenciar e
fortalecer na PUC-SP a sua identidade católica. Assim fazendo, não busco simplesmente que
ela esteja alinhada com os valores cristãos, mas que dê sua contribuição específica, como
instituição católica, à sociedade paulista e brasileira.
Uma universidade católica não existe apenas para defender a Igreja. O seu fim primário é o
serviço à verdade e ao bem do homem. E para nós, católicos, esse afã não coloca em risco a
nossa fé: na visão cristã, é plenamente harmônica a relação entre fé e razão. “Religião do
Logos, o Cristianismo não relega a fé para o âmbito do irracional – afirma Bento XVI –, mas
atribui a origem e o sentido da realidade à única Razão criadora”.
A unidade entre fé e razão é um elemento essencial do pensamento cristão, que não está
fechado em si mesmo. A fé, ao contrário de ser limite, é luz, que amplia a visão e as
perspectivas para uma análise serena e positiva dos acontecimentos sociais e para uma
compreensão mais profunda do mundo e do fenômeno humano.
Para um pesquisador cristão, a coerência com a sua fé não o faz sobrepor ao seu trabalho
critérios alheios à ciência; sua própria fé leva-o ao amor à verdade e ao respeito pela dignidade
da pessoa humana. Num contexto relativista, como o atual, uma universidade católica
contribui para mostrar que há valores inegociáveis, como a busca da verdade, o valor da vida
humana em todas as suas etapas e a dignidade da mulher.
A Universidade Católica, diz ainda o Papa, está chamada “a não limitar a aprendizagem à
funcionalidade de um êxito econômico, mas a ampliar a sua ação em vista de projetos em que
o dom da inteligência investiga e desenvolve as dádivas do mundo criado, superando uma
visão apenas produtivista e utilitarista da existência”.
Essa especial missão não a faz ser superior às outras universidades, mas deve levá-la a uma
atitude de serviço, de diálogo e de abertura às outras instituições educativas, num autêntico
espírito universitário.
Reconheço que, no meio acadêmico contemporâneo, a maneira cristã de ver o mundo e o ser
humano não é compartilhada por todos. No entanto, isso não desqualifica a sua contribuição
para a pluralidade da cultura; antes, explicita ainda mais a sua relevância para a construção de
uma sociedade aberta, na qual possa haver um confronto entre dados de fato e valores. Karl
Popper observa que uma sociedade aberta necessita de valores, que ela própria não está em
condições de produzir para si mas, muitas vezes, vai buscar no cristianismo.
2. Por isso, mesmo, num mundo que parece esquecer-se de Deus, uma universidade católica tem
uma importante função social, também como contribuição para o pluralismo e a liberdade de
pensamento. E isso não parece irrelevante para o convívio democrático!
SP 05.12.2012