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libro de actas
Xiii congreso
internacional
IBERCOM
libro de actas
aAs implicacións entre os axentes da comunicación, a pesquisa e a trans-
ferencia social de resultados no ámbito da formación, para a solución a
problemas ou como iniciativas novas de seu, lévannos cara a necesidade
de establecer unha sorte de estado xeral dos obxectos contemporáneos
de investigación, das experiencias de traballo en curso que aínda non
contan coa súa propia tradición e de certas tendencias no pensamento
comunicacional contemporáneo.
O exercicio do saber como forma de poder, a reconfiguración da esfera
pública como lugar para a diferenza, a interculturalidade e a construción
da igualdade constitúense en retos para este encontro de investigadores
e investigadoras da ampla xeografía iberoamericana.
Santiago de Compostela, a cidade símbolo da viaxe como transfor-
mación, é refe-rencia nos estudos americanistas, e a Facultade de Cien-
ciasdaComunicación,sededoCongreso,acolleu,entreoutroseventos,o
II Congreso Iberoamericano de Xornalismo Dixital (2003), o VII Congreso
Lusocom (2006), o Congreso Fundacional da AE-IC (2008) ou o Encontro
Real-Code, Comunicación e Desenvolvemento (2011).
Asemade, o Departamento de Ciencias da Comunicación da Universi-
dade de Santiago de Compostela ten acumulada unha longa experi-
encia na organización de cursos de doutoramento con universidades
iberoamericanas, como a Nacional deTamaulipas, de México, ou aTécni-
ca Particular de Loja, de Ecuador. Do mesmo xeito, na Universidade de
Santiago de Compostela sitúase o Centro Interdisciplinario de Estudios
Americanistas Gumersindo Busto, tamén cunha fonda traxectoria de
pesquisa sobre as relacións con Iberoamérica.
A celebración do IBERCOM 2013 en Galicia da man da AGACOM, para
alén de darlle unha maior visibilidade á investigación en Comuni-
cación en Galicia e de materializar o encontro entre académicos, in-
vestigadoreseinvestigadoras,vaicrearcondiciónsparaacooperación
entreámbitosdisciplinares, universidadesepaíses diferentes, convo-
cados en torno a Comunicación, cultura e esferas de poder.
XiiicongresointernacionalIBERCOM
COMUNICACIÓN,CULTURAYESFERASDEPODER
29,30 e 31 de maio facultade de ciencias da comunicación
universidade de santiago de compostela
29,30 e 31 de maio facultade de ciencias da comunicación
universidade de santiago de compostela
Libro de Actas. XIII Congreso Internacional Ibercom / Margarita Ledo Andión, Maria
Inmacolata Vassallo de Lopes. Santiago de Compostela: IBERCOM, AssIBERCOM,
AGACOM, 2013. 3866 p.
ISBN: 978-84-695-7564-2
1.XIII Congreso Internacional Ibercom- 2. Comunicación- 3. Cultura- 4. Esferas de
poder.
Editoras:
Margarita Ledo Andión e Maria Inmacolata Vassallo de Lopes
Editores técnicos:
Xosé Pereira Fariña, Carlos Toural Bran
Edita:
AssIBERCOM / AGACOM
ISBN:
978-84-695-7564-2
Colaboran:
XIII Congreso Internacional IBERCOM
Comunicación, Cultura e Esferas de Poder
Santiago de Compostela, 29, 30 e 31 de maio de 2013
Comité organizador
Margarita Ledo Andión (Universidade de Santiago de Compostela)
Presidenta
Xosé López García (Universidade de Santiago de Compostela)
Secretario
Xosé Ramón Pousa (Universidade de Santiago de Compostela)
Secretaría Técnica
Vogais
Ana Isabel Rodríguez (Universidade de Santiago de Compostela)
Emma Torres Romay (Universidade de Vigo)
Amanda Paz (Universidade de Santiago de Compostela)
María Salgueiro (Universidade de Santiago de Compostela)
Francisco Campos Freire (Universidade de Santiago de Compostela)
Xosé Soengas (Universidade de Santiago de Compostela)
Xosé Pereira (Universidade de Santiago de Compostela)
Juan Manuel Corbacho Valencia (Universidade de Vigo)
Carmen Costa (Universidade de A Coruña)
Silvia Garía Mirón (Universidade de Vigo)
José Videla (Universidade de A Coruña)
Xosé Rúas Araújo (Universidade de Vigo)
Valentín Alejandro Martínez (Universidade de A Coruña)
Marcelo Martínez Hermida (Universidade de Santiago de Compostela)
Mónica Valderrama (Universidade de Vigo)
Miguel Túñez López (Universidade de Santiago de Compostela)
Marta Pérez Pereiro ((Universidade de Santiago de Compostela)
Comité Científico
António Holdlfeld, Presidente INTERCOM (Brasil)
Carlos Arroyo, Vice-Presidente AssIBERCOM (Bolivia)
César Siqueira Bolaño, Presidente ALAIC
Clemencia Rodríguez (Colombia)
Emma Torres, UVigo (Galicia)
Enrique Bustamante, Vicepresidente AE-IC, AssIBERCOM (España)
Enrique Sánchez, AssIBERCOM (México)
Francisco Sierra, Vicepresidente CONFIBERCOM
Gabriel Kaplún, Universidad de la República (Uruguay)
Gustavo Cimadevilla, AssIBERCOM (Arxentina)
Immacolata Vassallo, Presidenta AssIBERCOM (Brasil)
Ingrid Steinbach, AssIBERCOM (Bolivia)
José Marques de Melo, Presidente de SOCICOM (Brasil)
Kaarle Nordesnstreng, U. Tampere (Finlandia)
Lucia Castellón, AssIBERCOM (Chile)
Luis Humberto Marcos, Secretario Xeral AssIBERCOM (Portugal)
Margarida M. Krohling Kunsch, Vicepresidenta AssIBERCOM (Brasil)
Margarita Ledo Andión, Vicepresidenta AssIBERCOM, Presidenta
AGACOM (Galicia)
Miquel de Moragas, Presidente AE-IC
Moisés de Lemos Martins, Pres. CONFIBERCOM, Pres. de SOPCOM
(Portugal)
Rosa Franquet Calvet, Presidenta Societat Catalana de Comunicació
(Catalunya)
Ulla Carlsson, Presidenta NORDICOM
Xosé López García, Secretario AGACOM (Galicia)
Xosé Soengas Pérez, USC (Galicia)
Santiago de Compostela, 2013
2304
O USO DA INTERNET PELOS MOVIMENTOS INDÍGENAS DO ALTO RIO
NEGRO
Isis Valle Rodrigues da Costa1
Resumo
O objetivo deste artigo é identificar como os movimentos indígenas da região do rio
Negro, noroeste da Amazônia brasileira, principalmente os baniwas, se apropriam da internet
como um instrumento político. Buscamos verificar como as tecnologias de informação e
comunicação influenciam as relações de poder entre as sociedades indígenas e a sociedade
nacional.
Os movimentos indígenas constituem fenômenos sociais e políticos que visam, dentre
outras coisas, a inserção dos índios nas políticas públicas. Por esse motivo, adotamos como
método de abordagem as três chaves de análise de políticas setoriais sistematizadas por Bruno
Jobert e Pierre Muller: a relação global-setorial, o referencial e os mediadores. Nosso método
de procedimento se constituiu em conversas e entrevistas com novas lideranças indígenas e na
observação não participativa da utilização da internet por elas.
Diferentes etnias indígenas da bacia do rio Negro tentam ativamente diminuir as
disparidades sociais entre suas comunidades e a sociedade nacional e mudar a imagem
estereotipada do índio construída através dos séculos por agentes externos. Atualmente, as
novas lideranças indígenas promovem a imagem do índio como sujeito de direitos. A internet
se torna assim uma ferramenta central e indispensável, que facilita a articulação interna dos
movimentos e a parceria com organizações não governamentais e outros tipos de apoiadores e
financiadores, o acesso a programas do governo federal, a elaboração de projetos para a
captação de recursos e a (re)construção da imagem do índio no imaginário nacional e
internacional. ONGs, agências de desenvolvimento e novas lideranças indígenas juntam
esforços para a elaboração de um novo projeto sociocultural indígena, fundamentado no
ambientalismo, no etnodesenvolvimento e no desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: baniwa, movimentos indígenas, organizações indígenas, internet, inclusão
digital
1. Introdução
Neste artigo, analisamos a apropriação que os movimentos indígenas da região do rio
Negro fazem da internet, principalmente as novas lideranças da etnia Baniwa. Buscamos
verificar qual o interesse dos membros desses movimentos pela rede mundial de
computadores e como ela se insere nas relações de poder entre sociedades indígenas e a
1
Graduada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB) - Brasil. Licenciada em Comunicação,
Informática e Multimídia e mestre em Comunicação Digital: condução de projetos e vigilância tecnológica e em
Indústrias Criativas: web, mídia e artes pela Université Paris 8 - França. Pesquisadora na área de inclusão digital
indígena.
2305
sociedade nacional e afeta o contato interétnico. O movimento indígena é um dos assuntos
centrais nos trabalhos de vários autores que pesquisam a questão indígena no Brasil. No
entanto, ainda são raros os estudos sob uma perspectiva comunicacional. Neste artigo, nos
propomos então a identificar em que se constitui o movimento indígena do Alto Rio Negro,
quais são suas demandas e como os indígenas se apropriam da internet para defender seus
interesses políticos e sociais.
Os baniwas brasileiros habitam a Terra Indígena (TI) do Alto Rio Negro, no extremo
noroeste do Brasil, na fronteira com a Colômbia e Venezuela. Localiza-se alí o município de
São Gabriel da Cachoeira, terceiro maior do Brasil em extensão territorial e o primeiro em
concentração de população indígena. De um total de 37.300 habitantes, 29.017 pessoas se
declararam indígenas no Censo 2010, mais de 77% da população. No restante do Brasil, os
indígenas são povos minoritários dentro do Estado nacional, representando menos de 0,44%
da população do País.
Observamos que, de maneira geral, os movimentos indígenas do Brasil visam
melhorar as condições de vida de seus povos e entendem que isso depende, em alto grau, da
imagem que é construída do índio. Perante uma sociedade que sempre o colocou ou na
posição de selvagem ou de incapaz, as novas lideranças indígenas2
promovem atualmente a
imagem do índio como sujeito de direitos. A visibilidade e o acesso à informação
possibilitados pela internet se tornam elementos essenciais nessa (re)construção da imagem
indígena.
Este artigo se divide em oito partes. Após a introdução, exporemos a metodologia
selecionada para fazer a nossa análise, as três chaves de análise das políticas setoriais. Na
terceira parte, nos atemos à primeira chave, a relação global-setorial, abordando as
disparidades que existem entre indígenas e a sociedade nacional brasileira. Na quarta parte, o
foco são a segunda e a terceira chaves, o referencial indígena e a mediação da questão
indígena respectivamente, que englobam as perspectivas sociais do índio no Brasil. Na quinta
parte, expomos a importância da comunicação no estabelecimento de um movimento indígena
no Brasil para, em seguida, na sexta parte, explicar o modo de atuação das organizações
indígenas contemporâneas. É na sétima parte que detalhamos como a internet é apropriada
pelos movimentos indígenas rio negrinos, principalmente pelos baniwas, relacionando o uso
dessa tecnologia com as atividades e objetivos das organizações indígenas. Na última parte,
concluímos nossa análise com base nos elementos apresentados durante todo o artigo.
2. Metodologia
Pelo fato de os movimentos indígenas serem fenômenos sociais e políticos que buscam
posicionar os índios como cidadãos do Estado brasileiro, adotamos sinteticamente como
método de abordagem as três chaves de análise de políticas setoriais sistematizadas por Bruno
Jobert e Pierre Muller, a saber: a) a relação global-setorial: a relação entre um dado setor e a
2
O líder baniwa Gersem Luciano (2006) utiliza o termo lideranças não-tradicionais ou novas lideranças para
designar as lideranças cujos papéis e critérios de escolha perpassam pela capacidade de mediar o contato com o
mundo não-indígena, dentre os quais o conhecimento da língua portuguesa e o nível educacional. As novas
lideranças se somam às lideranças indígenas tradicionais, exercidas por anciões que herdam cosmologicamente
a responsabilidade de manter a ordem e coesão interna dessas sociedades.
2306
sociedade global; b) o referencial: a imagem que os atores envolvidos fazem do assunto; e c)
os mediadores: os atores que se encarregam da construção do referencial.
Uma política setorial é uma tentativa de redução de desajustes sociais, no nosso caso,
os desajustes entre a população brasileira indígena e a não indígena. A necessidade de uma
política voltada para os povos indígenas no Brasil é evidenciada na primeira década do século
XX com a exposição internacional dos massacres a que esses povos estavam submetidos e
culmina na criação, em 1910, do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído pela
Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967.
Nosso método de procedimento se constituiu em observação não participativa da
utilização da internet por lideranças indígenas da região e conversas e entrevistas com essas
lideranças. A pesquisa de campo foi realizada em abril e maio de 2011 na sede do município
de São Gabriel da Cachoeira e na Escola Indígena Baniwa Coripaco Pamáali (EIBC), situada
na terra indígena Alto Rio Negro. A EIBC é uma das únicas quatro escolas do município de
São Gabriel da Cachoeira a oferecerem o ensino médio e atende alunos de comunidades
baniwas e coripaco de toda a extensão do rio Içana.
3. A relação global-setorial: disparidades entre indígenas e sociedade nacional brasileira
A relação entre povos indígenas e sociedade global no Brasil é conturbada desde os
tempos coloniais. Séculos de perseguição e exploração resultaram numa expressiva
diminuição das populações originárias e numa enorme disparidade entre as condições de vida
desses povos e da sociedade nacional. Enquanto, no Censo 2010, apenas 817.963 dos
190.755.799 residentes do Brasil (menos de 0,44%) se declararam indígenas, estima-se que
existiam até seis milhões de índios no Brasil em 1500.
Os índios constituem uma minoria marginalizada no Brasil. Em 2010, a proporção de
índios com certidão de nascimento – primeiro documento a conferir identidade ao cidadão e
que estabelece seu relacionamento formal com o Estado – está bem abaixo da média da
população nacional. São 67,8% de índios com registro civil contra 98,4% de não índios que
têm o documento. Com relação à renda, enquanto 37% dos não-indígenas com dez anos ou
mais não têm rendimento, essa proporção sobe para 52,9% entre os indígenas na mesma faixa
etária. O índice de analfabetismo na população de 15 anos ou mais, de 9,6% no País, salta
para 23,3% na população indígena em geral (em português ou no idioma indígena) e chega a
32,3% entre os que vivem em terras próprias. O IBGE explica essa disparidade pela carência
de escolas nas TIs.
As poucas escolas indígenas existentes no Brasil operam em situação de extrema
precariedade. De acordo com o Censo Escolar Indígena de 2005, realizado pelo Ministério da
Educação, dos 2.323 estabelecimentos de educação escolar indígena, apenas 741 (31,9%)
estão ligadas à rede elétrica pública. Algumas possuem gerador, outras placas solares, mas a
maioria, 1.175 escolas (50,6%), não conta com qualquer forma de abastecimento de energia.
Apenas 137 estabelecimentos de ensino indígena (5,9%) estão ligadas à rede pública de
abastecimento de água e apenas 16 (0,7%) têm esgoto ligado à rede pública.
A falta de infraestruturas básicas nas terras indígenas, como rede elétrica e estradas,
faz com que a implementação de locais de acesso à internet seja extremamente complicada.
Um levantamento parcial realizado pelo antropólogo Nicodème de Renesse em 2010 apontou
2307
a existência de 111 pontos de acesso à internet em aldeias indígenas, a maioria instalada após
2007, principalmente em escolas e organizações comunitárias3
. Essas aldeias se localizam em
682 TIs diferentes, que ocupam cerca de 13% do território nacional4
. Ou seja, grosso modo,
podemos considerar que 13% do território nacional (112.870.218 hectares) é coberto por
apenas 111 pontos de acesso à internet, que deveriam servir a mais de 500 mil pessoas5
. Esses
pontos começaram a ser instalados em 2003 pelo programa de inclusão digital Governo
Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) do governo federal, portanto oito
anos após a chegada da internet comercial no Brasil, em 1995. O Gesac oferece gratuitamente
acesso à internet principalmente via satélite, o que permite alcançar regiões remotas, como as
terras indígenas.
4. Referencial e mediação indígena: as perspectivas sociais do índio no Brasil
O referencial é a representação que se faz do setor em questão e de seu lugar e papel
na sociedade. Portanto, o referencial indígena é a imagem social do índio. O baniwa Gersem
Luciano (2006a) agrupa as múltiplas imagens do índio brasileiro em três perspectivas sociais
distintas: a romântica, a do bárbaro, e a cidadã. Na primeira, criada logo no início da
colonização por cronistas, romancistas e intelectuais, o índio é ligado à natureza, protetor das
florestas, incapaz de compreender as regras e valores do mundo branco. Por isso, precisa ser
tutelado, incapaz que é de proteger-se, sustentar-se, desenvolver-se e sobreviver. Daí a criação
do SPI e posteriormente da Funai. Na segunda perspectiva, os índios são um entrave ao
desenvolvimento do País, justificando práticas de massacre desde a Colônia até os tempos
atuais.
A terceira perspectiva é o resultado de uma gradual mudança de paradigmas quanto às
minorias étnicas e sociais que vem ocorrendo globalmente nas últimas décadas e refere-se a
uma cidadania diferenciada, baseada em direitos específicos. No início do século XXI, os
discursos em torno da ampliação da cidadania estão em popularidade no Brasil tanto no
âmbito da sociedade civil quanto do governo. Já no cenário internacional, os assuntos em
voga são os direitos humanos e o ambientalismo. A visão cidadã dos índios que vem sendo
propagada e defendida pelos movimentos indígenas é apropriada de entidades do terceiro
setor ligadas às causas das minorias étnicas, do meio ambiente e do desenvolvimento
sustentável. Principalmente essas duas últimas causas tocam um número cada vez maior de
pessoas no mundo, ampliando a voz dos indígenas.
As reivindicações das organizações indígenas são então duplas. Ao mesmo tempo que
reclamam participação política, social e econômica na sociedade sem intermédio tutelar,
3
Chegar ao número exato é difícil devido a baixa especificidade dos registros disponibilizados no site do Gesac:
<http://www.gesac.gov.br/administracao-de-pontos/localizacao-dos-pontos-de-presenca-em-operacao>. Renesse
(2011) aponta também a extrema fragmentação dos programas e agentes, registros ambíguos e a falta de um
acompanhamento do histórico das implantações, o que não permite saber se um determinado Ponto foi aprovado
ou instado.
4
Dados de 2012 do Instituto Socioambiental (ISA).
5
Das 817.963 pessoas que se declaram indígenas no Censo de 2010, 502.783 residem em zona rural, que
compreende as TIs.
2308
demandam o direito de continuar perpetuando seus modos de vida mesmo tendo acesso a
outras culturas, tecnologias e valores, num processo de autoafirmação identitária6
.
ONGs e outras instituições do terceiro setor ocupam cada vez mais um espaço antes
reservado à Funai, aumentando sua influência no assunto e se tornando os principais
mediadores do setor indígena na atualidade. Com a legitimidade que lhe conferem os
movimentos indígenas ao se apropriarem de seus discursos, o terceiro setor trabalha a imagem
que a sociedade faz de si mesma com relação ao humanismo e ao ambientalismo e,
consequentemente, dos povos indígenas.
As instituições do terceiro setor têm crescido muito nos últimos anos por atuarem
simultaneamente com os governos locais e com o movimento ambientalista internacional,
obtendo assim, ao mesmo tempo, recursos, condições de atuação e legitimidade. Sob o
discurso  de  “inserir”  o  índio  nas  políticas  públicas,  conquistam  a  simpatia  dos  movimentos  
indígenas. Os recursos vêm de fontes diversas, como empresas privadas, organizações
religiosas, países com políticas internacionais ou ambientalistas e investimentos públicos
realizados na forma de editais. Institui-se assim um mercado de projetos para o acesso a esses
recursos.
5. Comunicação e movimento indígena
O índio cidadão, articulado politicamente, só começa a se desenhar quando ele passa a
se comunicar sobre a sua condição de índio. A grande extensão territorial e a enorme
quantidade de línguas indígenas dificulta até mesmo o nível de comunicação mais básico, o
interpessoal, entre indígenas de diferentes etnias. Essa situação só começa a mudar a partir da
década de 1970, quando o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) organiza as primeiras
Assembleias Indígenas. O Cimi custeia passagens de avião, hospedagem e alimentação, com o
objetivo de ensinar os índios sobre as determinações do Estatuto do Índio e estimular a troca
de experiências entre os diversos povos em busca de alternativas viáveis para a superação da
condição de exclusão dos índios.
O Estatuto do Índio o declara relativamente incapaz ao mesmo tempo que estabelece a
ocupação   e   o   usufruto   exclusivo   de   “parques”,   “reservas”   e   “colônias   agrícolas”. As
reivindicações indígenas são então todas elevadas às categorias de comunidade e de terra
indígena, visto que afirmar a condição de índio é a única coisa que lhes permite garantir um
pedaço de terra e um mínimo de assistência. Assim,  os  referidos  “índios”  se  apropriam  dos  
termos do Estatuto, os reinterpretando num contradiscurso de legitimação política. As
situações enfrentadas isoladamente por cada grupo passam a ser entendidas como problemas
comuns a todos os povos, cuja solução depende de ações coletivas.
Desses encontros, nascem os líderes emblemáticos, que possuem conhecimentos
suficientes do mundo branco por terem estudado em internatos salesianos, onde aprenderam o
português e os modos da cultura branca, mas mantiveram seus conhecimentos da língua, dos
costumes e do universo político de seus próprios povos. Para o antropólogo Bruce Albert
6
Nesse processo, os índios reassumem as identidades e costumes que foram forçados a esconder e negar como
estratégia de sobrevivência perante as pressões políticas, econômicas e religiosas a que foram submetidos ao
longo dos séculos.
2309
(1997), essa é a uma associação ótima entre capital simbólico (expressividade cultural) e
competência interétnica, o que lhes confere grande visibilidade midiática.
Com a Constituição de 1988, que garante aos índios a faculdade de defender seus
direitos e interesses, há uma proliferação de organizações indígenas no Brasil, impulsionadas
pela atuação dos líderes emblemáticos e a crescente internacionalização e midiatização da
questão indígena. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), uma das
mais antigas e maiores associações indígenas no Brasil, é criada em 1987, num contexto
marcado pelo Projeto Calha Norte – programa de desenvolvimento e defesa militar da região
amazônica – e pelo avanço da exploração mineral. As novas lideranças indígenas da região
lutam pela demarcação das terras da região em área contínua.
Após a conquista da demarcação das terras indígenas Alto Rio Negro, Médio Rio
Negro I e II, Apapóris e Téa7
, em 1998, a Federação e as organizações que ela reúne se
voltam para a proteção e fiscalização das terras. Em parceria com o ISA ampliam a sua
atuação para englobar a melhoria dos serviços e a implementação de projetos de
autossuficiência econômica, por meio do Programa Regional de Desenvolvimento Indígena
Sustentável. O interlocutor deixa de ser apenas um Estado tutelar, clientelista e onipotente,
abrangendo também agências financiadoras nacionais e internacionais, governamentais ou
não. Um termo de parceria é assinado entre a Foirn e a organização de cooperação austríaca
Horizon 3000 para a alocação de recursos para a estruturação da Federação e o
desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis na região.
Em 2012, a Foirn articula politicamente 89 associações indígenas da região do rio
Negro, representando mais de 750 aldeias, onde vivem mais de 35 mil índios, pertencentes a
23 grupos étnicos, o que representa cerca de 10% da população indígena do Brasil.
6. O mercado de projetos
A afirmação identitária, que nasce política nos movimentos indígenas, se torna fator de
legitimação para o acesso ao mercado de projetos. As novas lideranças indígenas constituem-
se como os principais interlocutores dos projetos indígenas de etnodesenvolvimento, entre
suas comunidades e as agências de desenvolvimento. A bandeira política é associada a
práticas econômicas, de educação e saúde na tentativa de tentar responder, mesmo que
parcialmente, a demandas de melhorias concretas das condições de vida das populações
indígenas. A maioria dos projetos envolvem a delimitação e vigilância territorial, a
autossustentação das comunidades, a proteção ambiental, a educação e a saúde.
A distribuição de financiamentos é precária e desigual, dependente do que o
antropólogo  Bruce  Albert  (1997)  denomina  “cota  entitária”  variável  dos  grupos  indígenas,  ou  
de seus líderes,   ou   seja  o   “grau   de   indianidade”   desses   perante   o   imaginário   culturalista   e  
ecologista dos financiadores e da sociedade global. Ao mesmo tempo, o mercado de projetos
de etnodesenvovimento é um meio de garantir visibilidade e legitimidade às organizações
indígenas e aos povos que elas representam, recuperando a imagem do índio ligado à
7
Atualmente, a Foirn luta pela demarcação da TI do Baixo Rio Negro, onde há a resistência de agências
turísticas, patrões dos piaçabais e comerciantes.
2310
natureza, protetor da floresta e, por isso, importante ator no desenvolvimento sustentável
mundial.
O mercado de projetos possibilita a implementação de meios de comunicação nas
terras indígenas do rio Negro para a utilização dos índios. O projeto da Foirn para a instalação
da radiofonia na região na década de 1980 é aprovado pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e pelo Ministério das Comunicações sob a justificativa de
demarcação e fiscalização das terras indígenas, processo iniciado nesse período. Entretanto,
nem todas as comunidades são beneficiadas, pois é preciso pagar a cada novo aparelho, não só
pelo equipamento, mas também pela licença anual à Anatel. A prioridade segue um critério
geográfico e político: os aparelhos são enviados pela Foirn às comunidades mais centrais,
localizadas nos entroncamentos de rios, sedes de organizações de base8
ou polos base de
saúde9
.
Atualmente, a radiofonia é o meio de comunicação mais importante no Alto Rio
Negro, e mesmo assim só está presente em somente cerca de 140 das mais de 700
comunidades dessa Terra Indígena. A maior parte dos aparelhos se encontra na sede das
organizações indígenas de base ou nos polos bases de saúde, estando disponível para a
população em geral por apenas cerca de três horas por dia.
7. Movimentos indígenas rio negrinos e internet
A internet chega às terras indígenas do rio Negro como um complemento da
radiofonia. E assim como acontece com a radiofonia, são as novas lideranças indígenas que
se mobilizam para instalá-la na região e se apropriam dela como instrumento político e social.
Em uma articulação da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) com a Foirn e o ISA,
a Escola Pamáali é uma das primeiras localidades indígenas a receberem um ponto de acesso
à internet no Brasil, em 2003, concomitantemente às sedes da Federação e do Instituto,
localizadas na cidade de São Gabriel da Cachoeira. O próprio ponto de conexão do Gesac é
uma conquista e inclusive um choque no meio político, nas palavras do baniwa André
Fernando, na época, presidente da OIBI:
Ninguém conseguiu fazer isso antes da gente, nem prefeito, nem
qualquer outra instituição no município de São Gabriel. A prefeitura
até hoje não colocou nenhum nas comunidades, as comunidades que
têm Gesac não foi a prefeitura que se mobilizou para colocar.
A Pamáali foi construída no território da comunidade Tukumã-Rupitá, sede da OIBI e
que também foi a primeira no rio Içana a ter um aparelho de radiofonia, por volta de
1994/1995, adquirido por meio do projeto Arte Baniwa10
. Responsável pela radiofonia na
época, Fernando conta que a necessidade de afirmação das novas lideranças é tanto voltada
para o mundo externo quanto o interno à sociedade indígena: “As   comunidades   não  
8
As organizações de base congregam um número determinado de aldeias dispostas em um trecho de rio e
efetuam uma intermediação entre o plano local e a Foirn.
9
Os polos base são unidades básicas de saúde que deveriam ser compostos por equipes multidisciplinares de
saúde indígena. Cada polo base cobre um grupo de comunidades.
10
O Arte Baniwa é um projeto para a produção e venda da tradicional cestaria de arumã desse povo, que fechou
parcerias com importantes empresas nacionais, como Pão de Açúcar e Tok&Stok.
2311
acreditavam [que a OIBI tinha conseguido o aparelho]. Achavam que nós [da diretoria da
OIBI]  éramos  muito  jovens,  que  a  gente  não  ia  conseguir  nada”.
Para André Fernando, eleito vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira em 2008,
tornando-se o primeiro vice-prefeito indígena do Brasil, a internet é uma ferramenta de
representação e divulgação do índio por ele mesmo, em oposição à imagem estigmatizada
propagada por agentes externos. As novas lideranças e os jovens indígenas são incentivados a
criar blogs e perfis nas redes sociais para propagar a cultura das diversas etnias do rio Negro
na internet. Em 2007, o professor Raimundo Benjamin, responsável pelo ponto Gesac da
EIBC, cria o blog da escola Pamáali11
, hoje principal meio de promoção do centro de ensino e
de todo o povo baniwa:  “pesquisou alguma coisa na... de baniwa, por exemplo no Google, já
aparece  blog  da  escola”.  Fernando  considera  que  “avançou  muito  em  uma  década.  Até  1996,  
1997, (...) ninguém falava dos baniwas, o Beto [Ricardo, diretor do ISA] mesmo puxava isso
no mundo   via   internet,   só   tinha   um   assunto   e   mal   contado   ainda”.   O   líder   relata   que   as  
lideranças  entenderam  que  “quanto  mais  você  fica  despercebido  ou  sem  ter  divulgação,  você  
nunca  vai  ser  reconhecido  e  respeitado  da  maneira  que  você  é”.
A conexão representa também a possibilidade de acessar e trocar informações que
podem ser úteis na luta política. A internet se torna então o principal meio de acesso a editais
e submissão de projetos a possíveis financiadores, além de meio de contato e prestação de
contas com os parceiros dos projetos de etnodesenvolvimento executados pelas organizações
indígenas. Antes da chegada do computador, os relatórios dos projetos eram escritos à mão ou
datilografados na máquina de escrever para serem entregues ao ISA e outros parceiros. Aos
poucos, os assessores do ISA foram ensinando os novos líderes a digitarem os relatórios no
computador quando eles iam à cidade.
Antes do acesso à internet, os projetos eram impressos, enviados pelo Correio e a
resposta demorava mais de seis meses para chegar. A submissão de projetos via internet
agiliza o processo, aumentando a captação de recursos. As parcerias também se tornam mais
estreitas. Benjamim lembra que os relatórios eram um recurso limitado na prestação de
contas: “os parceiros, financiadores de fora, assim, eles, assim, ficavam curiosos, querendo
saber   como   é   que   tava   a   escola,   o   que   tava   mesmo   acontecendo,   quem   são   os   alunos”.   O  
professor explica que, com o blog, eles passam a ver imagens e ter notícias atualizadas, o que
possibilita também que outros possíveis investidores se interessem pela escola.
Hoje a Pamáali é referência em ensino indígena no Brasil. O projeto de educação que
possibilita a criação da escola é financiado pela Rainforest Foundation, da Noruega,
apresentada à Foirn pela Horizon 3000. A EIBC funciona no sistema de internato – os alunos
intercalam etapas de dois meses na escola e dois meses em suas comunidades de origem. Em
2011, cada etapa letiva custa cerca de R$ 37 mil, somando salário dos professores, transporte
e alimentação de professores e alunos, combustível para o gerador de energia, material
didático. Um aluno da Pamáali custa quatro vezes mais que um aluno de uma escola de São
Paulo, principalmente devido à distância que eles têm que percorrer para chegar na escola.
Ao longo dos anos, o financiamento da Rainforest vai diminuindo. Atualmente, a
prefeitura de São Gabriel arca com o salário de professores e todos os demais gastos precisam
ser financiados por projetos da Associação do Conselho da Escola Pamáali (ACEP). Em
11
pamaali.wordpress.com
2312
2010, a empresa de cosméticos Natura, que conhece a escola por meio do projeto Arte
Baniwa, faz uma doação à instituição e em 2011 começa a financiar 60% dela por três anos. O
restante é coberto por outros projetos, como o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas
(PDPI), do governo brasileiro com financiamento de organismos de cooperação internacional
de países do G7. O PDPI não financia a Pamáali como escola, mas as estratégias de
desenvolvimento sustentável lá desenvolvidas. No começo, os gestores do PDPI hesitam em
beneficiar a escola, pois o projeto é voltado para comunidades. Na opinião da assessora do
ISA e assessora pedagógica da escola, Laíse Lopes Diniz, um dos fatores que os convenceu
foi a visibilidade alcançada com o  blog:  “a  visibilidade  que  a  Pamáali  fez  politicamente  é  uma  
possibilidade  de  recursos  e  apoios”.  
8. Conclusão
Verificamos neste artigo que o cerne da atuação dos movimentos indígenas brasileiros
é a (re)construção do referencial indígena de modo a reduzir as disparidades existentes entre
as condições de vida dos povos indígenas e a média da sociedade brasileira. No Alto Rio
Negro, região em que a demarcação das terras indígenas se encontra em estado bem
avançado, busca-se agora a construção de uma identidade que os permita participação
política, social e econômica sem a negação dos modos particulares de vida. Assim, a
cidadania reivindicada pelos povos indígenas só pode ser uma cidadania diferenciada. A
estratégia em curso atualmente é aproximar a terceira perspectiva social do índio, a do
cidadão, aos traços positivos da visão romântica do índio protetor da floresta. A assessora
pedagógica Laíse Lopes Diniz resume:
Quando você pega o quem é o Ray no blog dele, quem é Daniel12
no
blog dele, quem é a Pamáali no blog da Pamáali. É uma construção de
identidade. (...) Você tem uma imagem que você quer, é a imagem que
ele quer passar, a identidade que ele quer ter. É o ideal, não é o real,
mas é o ideal, e o ideal é o que a gente vende.
Nesse sentido, as novas lideranças indígenas adotam discursos em torno do
ambientalismo para legitimar projetos de autossuficiência econômica, colocando os povos
indígenas como importantes atores do desenvolvimento sustentável mundial. O mercado de
projetos permite aos índios uma independência cada vez maior da relação tutelar com o
Estado. Entretanto, essa nova configuração da questão indígena exige um esforço crescente de
mobilização de redes de apoio e da mídia, de forma a conseguir financiamentos e,
principalmente, manter um nível suficiente de pressão sobre o Governo federal para induzi-lo
a manter as conquistas territoriais do movimento indígena. Conquistas essas que, perante o
mundo branco, só se justificam pela alteridade étnica.
A internet facilita a articulação interna das 89 associações indígenas da região do rio
Negro, a parceria com organizações não governamentais e outros tipos de apoiadores e
financiadores, o acesso a programas do governo federal, a elaboração de projetos para a
12
Professor Raimundo Benjamin e seu primo Daniel Benjamin, que já foi professor da Pamáali e atualmente é
assessor pedagógico indígena do Médio Içana I e professor da escola da comunidade Tunuí-Cachoeira,
localizada na entrada do rio Içana.
2313
captação de recursos. A rede se torna assim uma ferramenta central e indispensável, que
amplia a voz dos índios e lhes permite (re)construir a sua própria imagem de índio.
REFERÊNCIAS
ALBERT, B. Territorialité, ethnopolitique et développement : à propos du mouvement indien
en Amazonie brésilienne. Cahiers des Amériques Latines, v. 23, Paris, 1997.
______. 2000. Organizações na Amazônia. Disponível em:
<http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/organizacoes-indigenas/na-
amazonia-brasileira>. Acesso em mar. 2012.
JOBERT, B.; MULLER, P. L’Etat  en  action.  Politiques  publiques  et   corporatismes. Paris:
Presses Universitaires de France, 1987.
LUCIANO, G. J. dos S. 2006a. Projeto é como branco trabalha; as lideranças que se virem
para aprender e nos ensinar: experiências dos povos indígenas do alto rio Negro. 2006. 155
f. Dissertação (Antropologia Social). Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília
(UnB), Brasília, 2006.
______. 2006b. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
PERES, S. D. 2003. Cultura, política e identidade na Amazônia: o associativismo indígena
no Baixo Rio Negro. Tese de Doutorado (Ciências Sociais). Departamento de Antropologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2003.
PINTO, A. A. 2010. Identidade/diversidade cultural no ciberespaço: práticas informacionais
e de inclusão digital nas comunidades indígenas, o caso dos Kariri-Xocó e Pankararu no
Brasil. 2010. 273 f. Tese (Ciência da Informação). Departamento de Ciência da Informação e
Documentação da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2010.
RAMOS, A. R. Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Wisconsin: The University of
Wisconsin Press, Madison, 1998.
______. O pluralismo brasileiro na berlinda. Etnográfica, Vol VIII (2), 2004, pp 165-183.
RENESSE RENESSE, N. Perspectivas indígenas sobre e na internet: ensaio regressivo sobre
o uso da comunicação em grupos ameríndios no Brasil. 2011. 144 f. Dissertação
(Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo (USP), São Paulo, 2011.
SOARES, R. M. 2012. Das Comunidades à federação: associações indígenas do Alto Rio
Negro. Dissertação (Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2012.
2314
WRIGHT, Robin M. Historia Indígena e do Indigenismo no Alto Rio Negro, Mercado das
Letras/Instituto Socioambiental – ISA, São Paulo, 2005.

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O uso da internet pelos movimentos indigenas do Alto Rio Negro

  • 1. libro de actas Xiii congreso internacional IBERCOM libro de actas aAs implicacións entre os axentes da comunicación, a pesquisa e a trans- ferencia social de resultados no ámbito da formación, para a solución a problemas ou como iniciativas novas de seu, lévannos cara a necesidade de establecer unha sorte de estado xeral dos obxectos contemporáneos de investigación, das experiencias de traballo en curso que aínda non contan coa súa propia tradición e de certas tendencias no pensamento comunicacional contemporáneo. O exercicio do saber como forma de poder, a reconfiguración da esfera pública como lugar para a diferenza, a interculturalidade e a construción da igualdade constitúense en retos para este encontro de investigadores e investigadoras da ampla xeografía iberoamericana. Santiago de Compostela, a cidade símbolo da viaxe como transfor- mación, é refe-rencia nos estudos americanistas, e a Facultade de Cien- ciasdaComunicación,sededoCongreso,acolleu,entreoutroseventos,o II Congreso Iberoamericano de Xornalismo Dixital (2003), o VII Congreso Lusocom (2006), o Congreso Fundacional da AE-IC (2008) ou o Encontro Real-Code, Comunicación e Desenvolvemento (2011). Asemade, o Departamento de Ciencias da Comunicación da Universi- dade de Santiago de Compostela ten acumulada unha longa experi- encia na organización de cursos de doutoramento con universidades iberoamericanas, como a Nacional deTamaulipas, de México, ou aTécni- ca Particular de Loja, de Ecuador. Do mesmo xeito, na Universidade de Santiago de Compostela sitúase o Centro Interdisciplinario de Estudios Americanistas Gumersindo Busto, tamén cunha fonda traxectoria de pesquisa sobre as relacións con Iberoamérica. A celebración do IBERCOM 2013 en Galicia da man da AGACOM, para alén de darlle unha maior visibilidade á investigación en Comuni- cación en Galicia e de materializar o encontro entre académicos, in- vestigadoreseinvestigadoras,vaicrearcondiciónsparaacooperación entreámbitosdisciplinares, universidadesepaíses diferentes, convo- cados en torno a Comunicación, cultura e esferas de poder. XiiicongresointernacionalIBERCOM COMUNICACIÓN,CULTURAYESFERASDEPODER 29,30 e 31 de maio facultade de ciencias da comunicación universidade de santiago de compostela 29,30 e 31 de maio facultade de ciencias da comunicación universidade de santiago de compostela
  • 2. Libro de Actas. XIII Congreso Internacional Ibercom / Margarita Ledo Andión, Maria Inmacolata Vassallo de Lopes. Santiago de Compostela: IBERCOM, AssIBERCOM, AGACOM, 2013. 3866 p. ISBN: 978-84-695-7564-2 1.XIII Congreso Internacional Ibercom- 2. Comunicación- 3. Cultura- 4. Esferas de poder. Editoras: Margarita Ledo Andión e Maria Inmacolata Vassallo de Lopes Editores técnicos: Xosé Pereira Fariña, Carlos Toural Bran Edita: AssIBERCOM / AGACOM ISBN: 978-84-695-7564-2 Colaboran:
  • 3. XIII Congreso Internacional IBERCOM Comunicación, Cultura e Esferas de Poder Santiago de Compostela, 29, 30 e 31 de maio de 2013 Comité organizador Margarita Ledo Andión (Universidade de Santiago de Compostela) Presidenta Xosé López García (Universidade de Santiago de Compostela) Secretario Xosé Ramón Pousa (Universidade de Santiago de Compostela) Secretaría Técnica Vogais Ana Isabel Rodríguez (Universidade de Santiago de Compostela) Emma Torres Romay (Universidade de Vigo) Amanda Paz (Universidade de Santiago de Compostela) María Salgueiro (Universidade de Santiago de Compostela) Francisco Campos Freire (Universidade de Santiago de Compostela) Xosé Soengas (Universidade de Santiago de Compostela) Xosé Pereira (Universidade de Santiago de Compostela) Juan Manuel Corbacho Valencia (Universidade de Vigo) Carmen Costa (Universidade de A Coruña) Silvia Garía Mirón (Universidade de Vigo) José Videla (Universidade de A Coruña) Xosé Rúas Araújo (Universidade de Vigo) Valentín Alejandro Martínez (Universidade de A Coruña) Marcelo Martínez Hermida (Universidade de Santiago de Compostela) Mónica Valderrama (Universidade de Vigo) Miguel Túñez López (Universidade de Santiago de Compostela) Marta Pérez Pereiro ((Universidade de Santiago de Compostela)
  • 4. Comité Científico António Holdlfeld, Presidente INTERCOM (Brasil) Carlos Arroyo, Vice-Presidente AssIBERCOM (Bolivia) César Siqueira Bolaño, Presidente ALAIC Clemencia Rodríguez (Colombia) Emma Torres, UVigo (Galicia) Enrique Bustamante, Vicepresidente AE-IC, AssIBERCOM (España) Enrique Sánchez, AssIBERCOM (México) Francisco Sierra, Vicepresidente CONFIBERCOM Gabriel Kaplún, Universidad de la República (Uruguay) Gustavo Cimadevilla, AssIBERCOM (Arxentina) Immacolata Vassallo, Presidenta AssIBERCOM (Brasil) Ingrid Steinbach, AssIBERCOM (Bolivia) José Marques de Melo, Presidente de SOCICOM (Brasil) Kaarle Nordesnstreng, U. Tampere (Finlandia) Lucia Castellón, AssIBERCOM (Chile) Luis Humberto Marcos, Secretario Xeral AssIBERCOM (Portugal) Margarida M. Krohling Kunsch, Vicepresidenta AssIBERCOM (Brasil) Margarita Ledo Andión, Vicepresidenta AssIBERCOM, Presidenta AGACOM (Galicia) Miquel de Moragas, Presidente AE-IC Moisés de Lemos Martins, Pres. CONFIBERCOM, Pres. de SOPCOM (Portugal) Rosa Franquet Calvet, Presidenta Societat Catalana de Comunicació (Catalunya) Ulla Carlsson, Presidenta NORDICOM Xosé López García, Secretario AGACOM (Galicia) Xosé Soengas Pérez, USC (Galicia)
  • 6. 2304 O USO DA INTERNET PELOS MOVIMENTOS INDÍGENAS DO ALTO RIO NEGRO Isis Valle Rodrigues da Costa1 Resumo O objetivo deste artigo é identificar como os movimentos indígenas da região do rio Negro, noroeste da Amazônia brasileira, principalmente os baniwas, se apropriam da internet como um instrumento político. Buscamos verificar como as tecnologias de informação e comunicação influenciam as relações de poder entre as sociedades indígenas e a sociedade nacional. Os movimentos indígenas constituem fenômenos sociais e políticos que visam, dentre outras coisas, a inserção dos índios nas políticas públicas. Por esse motivo, adotamos como método de abordagem as três chaves de análise de políticas setoriais sistematizadas por Bruno Jobert e Pierre Muller: a relação global-setorial, o referencial e os mediadores. Nosso método de procedimento se constituiu em conversas e entrevistas com novas lideranças indígenas e na observação não participativa da utilização da internet por elas. Diferentes etnias indígenas da bacia do rio Negro tentam ativamente diminuir as disparidades sociais entre suas comunidades e a sociedade nacional e mudar a imagem estereotipada do índio construída através dos séculos por agentes externos. Atualmente, as novas lideranças indígenas promovem a imagem do índio como sujeito de direitos. A internet se torna assim uma ferramenta central e indispensável, que facilita a articulação interna dos movimentos e a parceria com organizações não governamentais e outros tipos de apoiadores e financiadores, o acesso a programas do governo federal, a elaboração de projetos para a captação de recursos e a (re)construção da imagem do índio no imaginário nacional e internacional. ONGs, agências de desenvolvimento e novas lideranças indígenas juntam esforços para a elaboração de um novo projeto sociocultural indígena, fundamentado no ambientalismo, no etnodesenvolvimento e no desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: baniwa, movimentos indígenas, organizações indígenas, internet, inclusão digital 1. Introdução Neste artigo, analisamos a apropriação que os movimentos indígenas da região do rio Negro fazem da internet, principalmente as novas lideranças da etnia Baniwa. Buscamos verificar qual o interesse dos membros desses movimentos pela rede mundial de computadores e como ela se insere nas relações de poder entre sociedades indígenas e a 1 Graduada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB) - Brasil. Licenciada em Comunicação, Informática e Multimídia e mestre em Comunicação Digital: condução de projetos e vigilância tecnológica e em Indústrias Criativas: web, mídia e artes pela Université Paris 8 - França. Pesquisadora na área de inclusão digital indígena.
  • 7. 2305 sociedade nacional e afeta o contato interétnico. O movimento indígena é um dos assuntos centrais nos trabalhos de vários autores que pesquisam a questão indígena no Brasil. No entanto, ainda são raros os estudos sob uma perspectiva comunicacional. Neste artigo, nos propomos então a identificar em que se constitui o movimento indígena do Alto Rio Negro, quais são suas demandas e como os indígenas se apropriam da internet para defender seus interesses políticos e sociais. Os baniwas brasileiros habitam a Terra Indígena (TI) do Alto Rio Negro, no extremo noroeste do Brasil, na fronteira com a Colômbia e Venezuela. Localiza-se alí o município de São Gabriel da Cachoeira, terceiro maior do Brasil em extensão territorial e o primeiro em concentração de população indígena. De um total de 37.300 habitantes, 29.017 pessoas se declararam indígenas no Censo 2010, mais de 77% da população. No restante do Brasil, os indígenas são povos minoritários dentro do Estado nacional, representando menos de 0,44% da população do País. Observamos que, de maneira geral, os movimentos indígenas do Brasil visam melhorar as condições de vida de seus povos e entendem que isso depende, em alto grau, da imagem que é construída do índio. Perante uma sociedade que sempre o colocou ou na posição de selvagem ou de incapaz, as novas lideranças indígenas2 promovem atualmente a imagem do índio como sujeito de direitos. A visibilidade e o acesso à informação possibilitados pela internet se tornam elementos essenciais nessa (re)construção da imagem indígena. Este artigo se divide em oito partes. Após a introdução, exporemos a metodologia selecionada para fazer a nossa análise, as três chaves de análise das políticas setoriais. Na terceira parte, nos atemos à primeira chave, a relação global-setorial, abordando as disparidades que existem entre indígenas e a sociedade nacional brasileira. Na quarta parte, o foco são a segunda e a terceira chaves, o referencial indígena e a mediação da questão indígena respectivamente, que englobam as perspectivas sociais do índio no Brasil. Na quinta parte, expomos a importância da comunicação no estabelecimento de um movimento indígena no Brasil para, em seguida, na sexta parte, explicar o modo de atuação das organizações indígenas contemporâneas. É na sétima parte que detalhamos como a internet é apropriada pelos movimentos indígenas rio negrinos, principalmente pelos baniwas, relacionando o uso dessa tecnologia com as atividades e objetivos das organizações indígenas. Na última parte, concluímos nossa análise com base nos elementos apresentados durante todo o artigo. 2. Metodologia Pelo fato de os movimentos indígenas serem fenômenos sociais e políticos que buscam posicionar os índios como cidadãos do Estado brasileiro, adotamos sinteticamente como método de abordagem as três chaves de análise de políticas setoriais sistematizadas por Bruno Jobert e Pierre Muller, a saber: a) a relação global-setorial: a relação entre um dado setor e a 2 O líder baniwa Gersem Luciano (2006) utiliza o termo lideranças não-tradicionais ou novas lideranças para designar as lideranças cujos papéis e critérios de escolha perpassam pela capacidade de mediar o contato com o mundo não-indígena, dentre os quais o conhecimento da língua portuguesa e o nível educacional. As novas lideranças se somam às lideranças indígenas tradicionais, exercidas por anciões que herdam cosmologicamente a responsabilidade de manter a ordem e coesão interna dessas sociedades.
  • 8. 2306 sociedade global; b) o referencial: a imagem que os atores envolvidos fazem do assunto; e c) os mediadores: os atores que se encarregam da construção do referencial. Uma política setorial é uma tentativa de redução de desajustes sociais, no nosso caso, os desajustes entre a população brasileira indígena e a não indígena. A necessidade de uma política voltada para os povos indígenas no Brasil é evidenciada na primeira década do século XX com a exposição internacional dos massacres a que esses povos estavam submetidos e culmina na criação, em 1910, do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967. Nosso método de procedimento se constituiu em observação não participativa da utilização da internet por lideranças indígenas da região e conversas e entrevistas com essas lideranças. A pesquisa de campo foi realizada em abril e maio de 2011 na sede do município de São Gabriel da Cachoeira e na Escola Indígena Baniwa Coripaco Pamáali (EIBC), situada na terra indígena Alto Rio Negro. A EIBC é uma das únicas quatro escolas do município de São Gabriel da Cachoeira a oferecerem o ensino médio e atende alunos de comunidades baniwas e coripaco de toda a extensão do rio Içana. 3. A relação global-setorial: disparidades entre indígenas e sociedade nacional brasileira A relação entre povos indígenas e sociedade global no Brasil é conturbada desde os tempos coloniais. Séculos de perseguição e exploração resultaram numa expressiva diminuição das populações originárias e numa enorme disparidade entre as condições de vida desses povos e da sociedade nacional. Enquanto, no Censo 2010, apenas 817.963 dos 190.755.799 residentes do Brasil (menos de 0,44%) se declararam indígenas, estima-se que existiam até seis milhões de índios no Brasil em 1500. Os índios constituem uma minoria marginalizada no Brasil. Em 2010, a proporção de índios com certidão de nascimento – primeiro documento a conferir identidade ao cidadão e que estabelece seu relacionamento formal com o Estado – está bem abaixo da média da população nacional. São 67,8% de índios com registro civil contra 98,4% de não índios que têm o documento. Com relação à renda, enquanto 37% dos não-indígenas com dez anos ou mais não têm rendimento, essa proporção sobe para 52,9% entre os indígenas na mesma faixa etária. O índice de analfabetismo na população de 15 anos ou mais, de 9,6% no País, salta para 23,3% na população indígena em geral (em português ou no idioma indígena) e chega a 32,3% entre os que vivem em terras próprias. O IBGE explica essa disparidade pela carência de escolas nas TIs. As poucas escolas indígenas existentes no Brasil operam em situação de extrema precariedade. De acordo com o Censo Escolar Indígena de 2005, realizado pelo Ministério da Educação, dos 2.323 estabelecimentos de educação escolar indígena, apenas 741 (31,9%) estão ligadas à rede elétrica pública. Algumas possuem gerador, outras placas solares, mas a maioria, 1.175 escolas (50,6%), não conta com qualquer forma de abastecimento de energia. Apenas 137 estabelecimentos de ensino indígena (5,9%) estão ligadas à rede pública de abastecimento de água e apenas 16 (0,7%) têm esgoto ligado à rede pública. A falta de infraestruturas básicas nas terras indígenas, como rede elétrica e estradas, faz com que a implementação de locais de acesso à internet seja extremamente complicada. Um levantamento parcial realizado pelo antropólogo Nicodème de Renesse em 2010 apontou
  • 9. 2307 a existência de 111 pontos de acesso à internet em aldeias indígenas, a maioria instalada após 2007, principalmente em escolas e organizações comunitárias3 . Essas aldeias se localizam em 682 TIs diferentes, que ocupam cerca de 13% do território nacional4 . Ou seja, grosso modo, podemos considerar que 13% do território nacional (112.870.218 hectares) é coberto por apenas 111 pontos de acesso à internet, que deveriam servir a mais de 500 mil pessoas5 . Esses pontos começaram a ser instalados em 2003 pelo programa de inclusão digital Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) do governo federal, portanto oito anos após a chegada da internet comercial no Brasil, em 1995. O Gesac oferece gratuitamente acesso à internet principalmente via satélite, o que permite alcançar regiões remotas, como as terras indígenas. 4. Referencial e mediação indígena: as perspectivas sociais do índio no Brasil O referencial é a representação que se faz do setor em questão e de seu lugar e papel na sociedade. Portanto, o referencial indígena é a imagem social do índio. O baniwa Gersem Luciano (2006a) agrupa as múltiplas imagens do índio brasileiro em três perspectivas sociais distintas: a romântica, a do bárbaro, e a cidadã. Na primeira, criada logo no início da colonização por cronistas, romancistas e intelectuais, o índio é ligado à natureza, protetor das florestas, incapaz de compreender as regras e valores do mundo branco. Por isso, precisa ser tutelado, incapaz que é de proteger-se, sustentar-se, desenvolver-se e sobreviver. Daí a criação do SPI e posteriormente da Funai. Na segunda perspectiva, os índios são um entrave ao desenvolvimento do País, justificando práticas de massacre desde a Colônia até os tempos atuais. A terceira perspectiva é o resultado de uma gradual mudança de paradigmas quanto às minorias étnicas e sociais que vem ocorrendo globalmente nas últimas décadas e refere-se a uma cidadania diferenciada, baseada em direitos específicos. No início do século XXI, os discursos em torno da ampliação da cidadania estão em popularidade no Brasil tanto no âmbito da sociedade civil quanto do governo. Já no cenário internacional, os assuntos em voga são os direitos humanos e o ambientalismo. A visão cidadã dos índios que vem sendo propagada e defendida pelos movimentos indígenas é apropriada de entidades do terceiro setor ligadas às causas das minorias étnicas, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Principalmente essas duas últimas causas tocam um número cada vez maior de pessoas no mundo, ampliando a voz dos indígenas. As reivindicações das organizações indígenas são então duplas. Ao mesmo tempo que reclamam participação política, social e econômica na sociedade sem intermédio tutelar, 3 Chegar ao número exato é difícil devido a baixa especificidade dos registros disponibilizados no site do Gesac: <http://www.gesac.gov.br/administracao-de-pontos/localizacao-dos-pontos-de-presenca-em-operacao>. Renesse (2011) aponta também a extrema fragmentação dos programas e agentes, registros ambíguos e a falta de um acompanhamento do histórico das implantações, o que não permite saber se um determinado Ponto foi aprovado ou instado. 4 Dados de 2012 do Instituto Socioambiental (ISA). 5 Das 817.963 pessoas que se declaram indígenas no Censo de 2010, 502.783 residem em zona rural, que compreende as TIs.
  • 10. 2308 demandam o direito de continuar perpetuando seus modos de vida mesmo tendo acesso a outras culturas, tecnologias e valores, num processo de autoafirmação identitária6 . ONGs e outras instituições do terceiro setor ocupam cada vez mais um espaço antes reservado à Funai, aumentando sua influência no assunto e se tornando os principais mediadores do setor indígena na atualidade. Com a legitimidade que lhe conferem os movimentos indígenas ao se apropriarem de seus discursos, o terceiro setor trabalha a imagem que a sociedade faz de si mesma com relação ao humanismo e ao ambientalismo e, consequentemente, dos povos indígenas. As instituições do terceiro setor têm crescido muito nos últimos anos por atuarem simultaneamente com os governos locais e com o movimento ambientalista internacional, obtendo assim, ao mesmo tempo, recursos, condições de atuação e legitimidade. Sob o discurso  de  “inserir”  o  índio  nas  políticas  públicas,  conquistam  a  simpatia  dos  movimentos   indígenas. Os recursos vêm de fontes diversas, como empresas privadas, organizações religiosas, países com políticas internacionais ou ambientalistas e investimentos públicos realizados na forma de editais. Institui-se assim um mercado de projetos para o acesso a esses recursos. 5. Comunicação e movimento indígena O índio cidadão, articulado politicamente, só começa a se desenhar quando ele passa a se comunicar sobre a sua condição de índio. A grande extensão territorial e a enorme quantidade de línguas indígenas dificulta até mesmo o nível de comunicação mais básico, o interpessoal, entre indígenas de diferentes etnias. Essa situação só começa a mudar a partir da década de 1970, quando o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) organiza as primeiras Assembleias Indígenas. O Cimi custeia passagens de avião, hospedagem e alimentação, com o objetivo de ensinar os índios sobre as determinações do Estatuto do Índio e estimular a troca de experiências entre os diversos povos em busca de alternativas viáveis para a superação da condição de exclusão dos índios. O Estatuto do Índio o declara relativamente incapaz ao mesmo tempo que estabelece a ocupação   e   o   usufruto   exclusivo   de   “parques”,   “reservas”   e   “colônias   agrícolas”. As reivindicações indígenas são então todas elevadas às categorias de comunidade e de terra indígena, visto que afirmar a condição de índio é a única coisa que lhes permite garantir um pedaço de terra e um mínimo de assistência. Assim,  os  referidos  “índios”  se  apropriam  dos   termos do Estatuto, os reinterpretando num contradiscurso de legitimação política. As situações enfrentadas isoladamente por cada grupo passam a ser entendidas como problemas comuns a todos os povos, cuja solução depende de ações coletivas. Desses encontros, nascem os líderes emblemáticos, que possuem conhecimentos suficientes do mundo branco por terem estudado em internatos salesianos, onde aprenderam o português e os modos da cultura branca, mas mantiveram seus conhecimentos da língua, dos costumes e do universo político de seus próprios povos. Para o antropólogo Bruce Albert 6 Nesse processo, os índios reassumem as identidades e costumes que foram forçados a esconder e negar como estratégia de sobrevivência perante as pressões políticas, econômicas e religiosas a que foram submetidos ao longo dos séculos.
  • 11. 2309 (1997), essa é a uma associação ótima entre capital simbólico (expressividade cultural) e competência interétnica, o que lhes confere grande visibilidade midiática. Com a Constituição de 1988, que garante aos índios a faculdade de defender seus direitos e interesses, há uma proliferação de organizações indígenas no Brasil, impulsionadas pela atuação dos líderes emblemáticos e a crescente internacionalização e midiatização da questão indígena. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), uma das mais antigas e maiores associações indígenas no Brasil, é criada em 1987, num contexto marcado pelo Projeto Calha Norte – programa de desenvolvimento e defesa militar da região amazônica – e pelo avanço da exploração mineral. As novas lideranças indígenas da região lutam pela demarcação das terras da região em área contínua. Após a conquista da demarcação das terras indígenas Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I e II, Apapóris e Téa7 , em 1998, a Federação e as organizações que ela reúne se voltam para a proteção e fiscalização das terras. Em parceria com o ISA ampliam a sua atuação para englobar a melhoria dos serviços e a implementação de projetos de autossuficiência econômica, por meio do Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável. O interlocutor deixa de ser apenas um Estado tutelar, clientelista e onipotente, abrangendo também agências financiadoras nacionais e internacionais, governamentais ou não. Um termo de parceria é assinado entre a Foirn e a organização de cooperação austríaca Horizon 3000 para a alocação de recursos para a estruturação da Federação e o desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis na região. Em 2012, a Foirn articula politicamente 89 associações indígenas da região do rio Negro, representando mais de 750 aldeias, onde vivem mais de 35 mil índios, pertencentes a 23 grupos étnicos, o que representa cerca de 10% da população indígena do Brasil. 6. O mercado de projetos A afirmação identitária, que nasce política nos movimentos indígenas, se torna fator de legitimação para o acesso ao mercado de projetos. As novas lideranças indígenas constituem- se como os principais interlocutores dos projetos indígenas de etnodesenvolvimento, entre suas comunidades e as agências de desenvolvimento. A bandeira política é associada a práticas econômicas, de educação e saúde na tentativa de tentar responder, mesmo que parcialmente, a demandas de melhorias concretas das condições de vida das populações indígenas. A maioria dos projetos envolvem a delimitação e vigilância territorial, a autossustentação das comunidades, a proteção ambiental, a educação e a saúde. A distribuição de financiamentos é precária e desigual, dependente do que o antropólogo  Bruce  Albert  (1997)  denomina  “cota  entitária”  variável  dos  grupos  indígenas,  ou   de seus líderes,   ou   seja  o   “grau   de   indianidade”   desses   perante   o   imaginário   culturalista   e   ecologista dos financiadores e da sociedade global. Ao mesmo tempo, o mercado de projetos de etnodesenvovimento é um meio de garantir visibilidade e legitimidade às organizações indígenas e aos povos que elas representam, recuperando a imagem do índio ligado à 7 Atualmente, a Foirn luta pela demarcação da TI do Baixo Rio Negro, onde há a resistência de agências turísticas, patrões dos piaçabais e comerciantes.
  • 12. 2310 natureza, protetor da floresta e, por isso, importante ator no desenvolvimento sustentável mundial. O mercado de projetos possibilita a implementação de meios de comunicação nas terras indígenas do rio Negro para a utilização dos índios. O projeto da Foirn para a instalação da radiofonia na região na década de 1980 é aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pelo Ministério das Comunicações sob a justificativa de demarcação e fiscalização das terras indígenas, processo iniciado nesse período. Entretanto, nem todas as comunidades são beneficiadas, pois é preciso pagar a cada novo aparelho, não só pelo equipamento, mas também pela licença anual à Anatel. A prioridade segue um critério geográfico e político: os aparelhos são enviados pela Foirn às comunidades mais centrais, localizadas nos entroncamentos de rios, sedes de organizações de base8 ou polos base de saúde9 . Atualmente, a radiofonia é o meio de comunicação mais importante no Alto Rio Negro, e mesmo assim só está presente em somente cerca de 140 das mais de 700 comunidades dessa Terra Indígena. A maior parte dos aparelhos se encontra na sede das organizações indígenas de base ou nos polos bases de saúde, estando disponível para a população em geral por apenas cerca de três horas por dia. 7. Movimentos indígenas rio negrinos e internet A internet chega às terras indígenas do rio Negro como um complemento da radiofonia. E assim como acontece com a radiofonia, são as novas lideranças indígenas que se mobilizam para instalá-la na região e se apropriam dela como instrumento político e social. Em uma articulação da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) com a Foirn e o ISA, a Escola Pamáali é uma das primeiras localidades indígenas a receberem um ponto de acesso à internet no Brasil, em 2003, concomitantemente às sedes da Federação e do Instituto, localizadas na cidade de São Gabriel da Cachoeira. O próprio ponto de conexão do Gesac é uma conquista e inclusive um choque no meio político, nas palavras do baniwa André Fernando, na época, presidente da OIBI: Ninguém conseguiu fazer isso antes da gente, nem prefeito, nem qualquer outra instituição no município de São Gabriel. A prefeitura até hoje não colocou nenhum nas comunidades, as comunidades que têm Gesac não foi a prefeitura que se mobilizou para colocar. A Pamáali foi construída no território da comunidade Tukumã-Rupitá, sede da OIBI e que também foi a primeira no rio Içana a ter um aparelho de radiofonia, por volta de 1994/1995, adquirido por meio do projeto Arte Baniwa10 . Responsável pela radiofonia na época, Fernando conta que a necessidade de afirmação das novas lideranças é tanto voltada para o mundo externo quanto o interno à sociedade indígena: “As   comunidades   não   8 As organizações de base congregam um número determinado de aldeias dispostas em um trecho de rio e efetuam uma intermediação entre o plano local e a Foirn. 9 Os polos base são unidades básicas de saúde que deveriam ser compostos por equipes multidisciplinares de saúde indígena. Cada polo base cobre um grupo de comunidades. 10 O Arte Baniwa é um projeto para a produção e venda da tradicional cestaria de arumã desse povo, que fechou parcerias com importantes empresas nacionais, como Pão de Açúcar e Tok&Stok.
  • 13. 2311 acreditavam [que a OIBI tinha conseguido o aparelho]. Achavam que nós [da diretoria da OIBI]  éramos  muito  jovens,  que  a  gente  não  ia  conseguir  nada”. Para André Fernando, eleito vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira em 2008, tornando-se o primeiro vice-prefeito indígena do Brasil, a internet é uma ferramenta de representação e divulgação do índio por ele mesmo, em oposição à imagem estigmatizada propagada por agentes externos. As novas lideranças e os jovens indígenas são incentivados a criar blogs e perfis nas redes sociais para propagar a cultura das diversas etnias do rio Negro na internet. Em 2007, o professor Raimundo Benjamin, responsável pelo ponto Gesac da EIBC, cria o blog da escola Pamáali11 , hoje principal meio de promoção do centro de ensino e de todo o povo baniwa:  “pesquisou alguma coisa na... de baniwa, por exemplo no Google, já aparece  blog  da  escola”.  Fernando  considera  que  “avançou  muito  em  uma  década.  Até  1996,   1997, (...) ninguém falava dos baniwas, o Beto [Ricardo, diretor do ISA] mesmo puxava isso no mundo   via   internet,   só   tinha   um   assunto   e   mal   contado   ainda”.   O   líder   relata   que   as   lideranças  entenderam  que  “quanto  mais  você  fica  despercebido  ou  sem  ter  divulgação,  você   nunca  vai  ser  reconhecido  e  respeitado  da  maneira  que  você  é”. A conexão representa também a possibilidade de acessar e trocar informações que podem ser úteis na luta política. A internet se torna então o principal meio de acesso a editais e submissão de projetos a possíveis financiadores, além de meio de contato e prestação de contas com os parceiros dos projetos de etnodesenvolvimento executados pelas organizações indígenas. Antes da chegada do computador, os relatórios dos projetos eram escritos à mão ou datilografados na máquina de escrever para serem entregues ao ISA e outros parceiros. Aos poucos, os assessores do ISA foram ensinando os novos líderes a digitarem os relatórios no computador quando eles iam à cidade. Antes do acesso à internet, os projetos eram impressos, enviados pelo Correio e a resposta demorava mais de seis meses para chegar. A submissão de projetos via internet agiliza o processo, aumentando a captação de recursos. As parcerias também se tornam mais estreitas. Benjamim lembra que os relatórios eram um recurso limitado na prestação de contas: “os parceiros, financiadores de fora, assim, eles, assim, ficavam curiosos, querendo saber   como   é   que   tava   a   escola,   o   que   tava   mesmo   acontecendo,   quem   são   os   alunos”.   O   professor explica que, com o blog, eles passam a ver imagens e ter notícias atualizadas, o que possibilita também que outros possíveis investidores se interessem pela escola. Hoje a Pamáali é referência em ensino indígena no Brasil. O projeto de educação que possibilita a criação da escola é financiado pela Rainforest Foundation, da Noruega, apresentada à Foirn pela Horizon 3000. A EIBC funciona no sistema de internato – os alunos intercalam etapas de dois meses na escola e dois meses em suas comunidades de origem. Em 2011, cada etapa letiva custa cerca de R$ 37 mil, somando salário dos professores, transporte e alimentação de professores e alunos, combustível para o gerador de energia, material didático. Um aluno da Pamáali custa quatro vezes mais que um aluno de uma escola de São Paulo, principalmente devido à distância que eles têm que percorrer para chegar na escola. Ao longo dos anos, o financiamento da Rainforest vai diminuindo. Atualmente, a prefeitura de São Gabriel arca com o salário de professores e todos os demais gastos precisam ser financiados por projetos da Associação do Conselho da Escola Pamáali (ACEP). Em 11 pamaali.wordpress.com
  • 14. 2312 2010, a empresa de cosméticos Natura, que conhece a escola por meio do projeto Arte Baniwa, faz uma doação à instituição e em 2011 começa a financiar 60% dela por três anos. O restante é coberto por outros projetos, como o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), do governo brasileiro com financiamento de organismos de cooperação internacional de países do G7. O PDPI não financia a Pamáali como escola, mas as estratégias de desenvolvimento sustentável lá desenvolvidas. No começo, os gestores do PDPI hesitam em beneficiar a escola, pois o projeto é voltado para comunidades. Na opinião da assessora do ISA e assessora pedagógica da escola, Laíse Lopes Diniz, um dos fatores que os convenceu foi a visibilidade alcançada com o  blog:  “a  visibilidade  que  a  Pamáali  fez  politicamente  é  uma   possibilidade  de  recursos  e  apoios”.   8. Conclusão Verificamos neste artigo que o cerne da atuação dos movimentos indígenas brasileiros é a (re)construção do referencial indígena de modo a reduzir as disparidades existentes entre as condições de vida dos povos indígenas e a média da sociedade brasileira. No Alto Rio Negro, região em que a demarcação das terras indígenas se encontra em estado bem avançado, busca-se agora a construção de uma identidade que os permita participação política, social e econômica sem a negação dos modos particulares de vida. Assim, a cidadania reivindicada pelos povos indígenas só pode ser uma cidadania diferenciada. A estratégia em curso atualmente é aproximar a terceira perspectiva social do índio, a do cidadão, aos traços positivos da visão romântica do índio protetor da floresta. A assessora pedagógica Laíse Lopes Diniz resume: Quando você pega o quem é o Ray no blog dele, quem é Daniel12 no blog dele, quem é a Pamáali no blog da Pamáali. É uma construção de identidade. (...) Você tem uma imagem que você quer, é a imagem que ele quer passar, a identidade que ele quer ter. É o ideal, não é o real, mas é o ideal, e o ideal é o que a gente vende. Nesse sentido, as novas lideranças indígenas adotam discursos em torno do ambientalismo para legitimar projetos de autossuficiência econômica, colocando os povos indígenas como importantes atores do desenvolvimento sustentável mundial. O mercado de projetos permite aos índios uma independência cada vez maior da relação tutelar com o Estado. Entretanto, essa nova configuração da questão indígena exige um esforço crescente de mobilização de redes de apoio e da mídia, de forma a conseguir financiamentos e, principalmente, manter um nível suficiente de pressão sobre o Governo federal para induzi-lo a manter as conquistas territoriais do movimento indígena. Conquistas essas que, perante o mundo branco, só se justificam pela alteridade étnica. A internet facilita a articulação interna das 89 associações indígenas da região do rio Negro, a parceria com organizações não governamentais e outros tipos de apoiadores e financiadores, o acesso a programas do governo federal, a elaboração de projetos para a 12 Professor Raimundo Benjamin e seu primo Daniel Benjamin, que já foi professor da Pamáali e atualmente é assessor pedagógico indígena do Médio Içana I e professor da escola da comunidade Tunuí-Cachoeira, localizada na entrada do rio Içana.
  • 15. 2313 captação de recursos. A rede se torna assim uma ferramenta central e indispensável, que amplia a voz dos índios e lhes permite (re)construir a sua própria imagem de índio. REFERÊNCIAS ALBERT, B. Territorialité, ethnopolitique et développement : à propos du mouvement indien en Amazonie brésilienne. Cahiers des Amériques Latines, v. 23, Paris, 1997. ______. 2000. Organizações na Amazônia. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/organizacoes-indigenas/na- amazonia-brasileira>. Acesso em mar. 2012. JOBERT, B.; MULLER, P. L’Etat  en  action.  Politiques  publiques  et   corporatismes. Paris: Presses Universitaires de France, 1987. LUCIANO, G. J. dos S. 2006a. Projeto é como branco trabalha; as lideranças que se virem para aprender e nos ensinar: experiências dos povos indígenas do alto rio Negro. 2006. 155 f. Dissertação (Antropologia Social). Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2006. ______. 2006b. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, 2006. PERES, S. D. 2003. Cultura, política e identidade na Amazônia: o associativismo indígena no Baixo Rio Negro. Tese de Doutorado (Ciências Sociais). Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. PINTO, A. A. 2010. Identidade/diversidade cultural no ciberespaço: práticas informacionais e de inclusão digital nas comunidades indígenas, o caso dos Kariri-Xocó e Pankararu no Brasil. 2010. 273 f. Tese (Ciência da Informação). Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2010. RAMOS, A. R. Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, Madison, 1998. ______. O pluralismo brasileiro na berlinda. Etnográfica, Vol VIII (2), 2004, pp 165-183. RENESSE RENESSE, N. Perspectivas indígenas sobre e na internet: ensaio regressivo sobre o uso da comunicação em grupos ameríndios no Brasil. 2011. 144 f. Dissertação (Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2011. SOARES, R. M. 2012. Das Comunidades à federação: associações indígenas do Alto Rio Negro. Dissertação (Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2012.
  • 16. 2314 WRIGHT, Robin M. Historia Indígena e do Indigenismo no Alto Rio Negro, Mercado das Letras/Instituto Socioambiental – ISA, São Paulo, 2005.