Tecendo caminhos na relação entre as atividades Lúdicas e as praticas educativas
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1. O MUNDO SURDO INFANTIL
Janaína Pereira Claudio
Celina Nair Xavier Neta
2. Resumo
Este artigo tem por finalidade apresentar reflexões sobre a criança surda e o seu
espaço nos diversos ambientes em que ela circula. O espaço familiar, onde se constitui
como individuo; o espaço escolar, onde encontra (ou não) seus pares e constrói
significações sobre o mundo que a cerca e na comunidade surda, local de aceitação de
sua identidade e de contato com elementos culturais.
As pesquisas bibliográficas e as narrativas autobiográficas realizadas ao longo
do texto pretendem registrar as trajetórias e caminhos que compõem este “Mundo
Surdo Infantil” e principalmente evidenciar o discurso de como este universo é narrado
pela sociedade.
Além disso, há vários séculos os movimentos dos surdos lutam pelo respeito às
suas diferenças e pela equidade de acesso às oportunidades. Equidade esta, que se
efetivará na garantia de acesso à Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. O Ato
comunicativo assume entre os surdos um elemento multifacetado, a língua de sinais
informa e é fundamental para a manutenção e continuidade da comunidade surda.
A criança surda, que recebe informações pela Língua de Sinais recebe não só a
possibilidade de construir conceitos e de relacionar-se com o ambiente de forma
saudável, mas recebe também um “passe” que lhe permitirá entrar no “Mundo Surdo
Infantil” onde a aquisição do conhecimento se dá de forma dinâmica e onde o mundo é
visual.
Fazendo uma retrospectiva sobre a observação das escolas especiais para
surdos no Rio Grande do Sul: Voltamos no tempo e retomamos a condição de criança
surda. Revemos algumas situações, revisitamos os desafios e as dificuldades de
transpor para as famílias ouvintes, a experiência de aproximar o mundo do silêncio
infantil, relacionando a emoção e a razão de conviver nestas duas culturas diferentes.
Palavras-chave: infantil, surdo, família, educação.
2
3. Grupos de Trabalho - Inclusão: diferença e diversidade na escola.
O MUNDO SURDO INFANTIL
Janaina Pereira Claudio1
CPF: 820736940-04
Fundação de Articulação de
Desenvolvimento de Políticas
Públicas para Pessoas
Portadoras de Deficiência e de
Altas Habilidades no Rio Grande
do Sul – FADERS
E-mail: janainacp@hotmail.com
Celina Nair Xavier Neta2
Fundação de Articulação de
Desenvolvimento de Políticas
Públicas para Pessoas
Portadoras de Deficiência e de
Altas Habilidades no Rio Grande
do Sul – FADERS
E-mail: cecitche@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A infância por um longo período da história da humanidade ficou fora do foco das
preocupações, pois se pensava que as crianças não passavam de adultos em
miniatura, esta concepção é retratada em obras de arte do século XIII. Somente no
século XVIII as crianças começam a tomar a cena e passam a ser vistas sob uma nova
ótica.
1
Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo; Instrutora de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e Mestrado em
Educação pela UFRGS (andamento).
2
Professora de surdos, Intérprete de Libras, Graduanda de Psicologia e de Bacharelado em Tradução Letras Libras.
3
4. Os surdos não muito diferentes, também passaram por um período de
esquecimento e experimentam até hoje – de forma velada, ou não - situações de
exclusão e desvalorização. Quando se fala do surdo, fala-se sempre do individuo
adulto, do sujeito capaz de lutar por seus direitos, de reivindicar interpretes e de usar
tecnologia, mas e a criança surda? Volta à sua condição de esquecimento duplo,
primeiro por ser criança e em segundo por ser surda. São poucos os registros que
temos sobre o assunto, principalmente quando se trata de narrativas autobiográficas.
Portanto, este artigo aborda aspectos do universo infantil do surdo frente às mudanças
que ocorrem a nível familiar, educacional, social e cultural, ao longo do seu
desenvolvimento. Alterações que nessas áreas, afetam o desenvolvimento de toda e
qualquer criança, mas aqui enfatizaremos as crianças surdas. Que recebem e
percebem as alterações no meio e estão de certa forma mais sujeitas a fatores
positivos ou negativos dependendo do ambiente lingüístico a que estão expostas.
A reflexão a que nos propomos fazer é um convite para educadores, familiares e
interessados em questões como as influências culturais e sociais; os preconceitos e
convivência e a relação entre a família e escola, frente à diversidade.
Examinando estes aspectos pretendemos passear no mundo da criança surda e
potencializar seu universo, para que se torne um adulto consciente e ativo na
sociedade.
AS INFLUENCIAS CULTURAIS E SOCIAIS
O acesso ao mundo surdo infantil se dá por meio da comunicação em sua língua
materna: LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Particularmente, a família ouvinte é o
grupo social dado à criança surda, que não tendo escolha, passa a receber a influência
e o conhecimento do mundo dos sons. Pertencer a uma família ouvinte significa um
processo de inclusão, cujo resultado dependerá de uma base de conhecimento escolar,
educacional, estimulação social, valores e fluência na língua, a escolhida para a
comunicação.
A família é o núcleo inicial e a base do desenvolvimento da criança (OSÓRIO,
1996). De acordo com Márcia Goldfeld (1997), é a família que dá o significado das
4
5. coisas e do mundo para a criança quando esta se encontra no início do
desenvolvimento lingüístico. É partindo desses primeiros significados que a criança vê e
participa do mundo em que vive.
As famílias ouvintes que recebem em seu meio crianças surdas, experimentam uma
fase de luto onde sentimentos de medo, frustração e culpa imperam. De acordo com
Karin Strobel (2008, p. 50), quando o médico apresenta o diagnóstico de surdez, os
pais ficam “chocados” diante da diversidade deste novo elemento familiar. As
expectativas de cura tomam o tempo e os esforços da família e estão presentes em
todos os encontros e reuniões familiares. Todo desgaste ocorre, na esperança da
normalização. Harlan Lane (1992, p. 21) explica que apesar da criança ter sido
submetida ao implante coclear, é pouco provável que sua comunicação seja
considerada fluente tanto no mundo ouvinte quanto no mundo surdo. Ou seja, aumenta
a possibilidade dela se desenvolver sem nenhum tipo de comunicação concreta, seja
falada ou gestual. A escola e a sociedade exercem, portanto, um papel determinante na
medida em que oportunizam que a criança surda seja socializada, dentro da cultura de
sua comunidade, com foco primário no seu idioma. Mesmo porque onde há surdos, há
Língua de Sinais, este fato foi comprovado durante os anos em que a Língua de Sinais
foi marginalizada e que independentemente das proibições ou autoritarismos, os surdos
continuavam a praticar sua língua às escondidas.
Quando um dos professores se virava para escrever no quadro-negro,
tínhamos o hábito de trocar informações em língua de sinais, persuadidos de
que ele não nos escutava, já que não nos via. Ora no começo, ele se voltava
todas as vezes, era estranho, não compreendíamos imediatamente por quê.
Com o passar do tempo, dei-me conta de que ao falar com as mãos, sem
saber emitíamos ruídos com a boca. Cuidamos então de não mais emitir
nenhum som e, desde aquele dia trocamos nossas lições o mais
tranqüilamente possível. (LABORIT,1994, p. 84)
A relação que se estabelece entre o educando surdo e o educador surdo,
estimula não só o aprendizado, mas a construção de uma identidade mais segura.
Como resultado, por outro lado, aumenta a aceitação da criança no grupo familiar
ouvinte e, através dele, é feito um movimento de mudanças que influem na realidade
social e cultural da sociedade. Karin Strobel (2006, p. 250) questiona “como uma
criança surda poderá desenvolver uma língua se não houver uma identificação com o
5
6. surdo adulto? Como o sujeito surdo poderá fazer uma identificação com relação à sua
identidade surda no futuro, se ele não conviver com outros surdos que façam uso da
língua de sinais?”.
A educação de surdos pode acontecer em diferentes espaços entre eles: a
educação realizada na família através de professores particulares e, conforme a lei,
sendo validada, posteriormente, através das avaliações do EJA (Programa para
Educação de Jovens e Adultos); - a educação realizada em escolas especiais para
surdos, através de professores especializados e a construção do conhecimento, sendo
feita na língua materna LIBRAS, que foi oficializada em abril de 2002; - a educação
realizada em escolas de ouvintes, por professores não especializados, que
desconhecem LIBRAS e usam a língua Portuguesa como instrumento de comunicação;
- a educação realizada em classes especiais para surdos, dentro de escolas ouvintes; -
a educação realizada, através da tutoria de modelos clínicos onde o perfil de paciente
se mistura com o do educando. A partir desta perspectiva, podemos ter diversas
alternativas pedagógicas. Infelizmente, são raros os professores habilitados para o
trabalho nas escolas de surdos, sendo as crianças expostas a uma miscelânea de
teorias e práticas pedagógicas apoiadas na falta de fluência lingüística do professor
ouvinte, este cenário pouco contribui no esclarecimento de suas dúvidas e da avaliação
do seu real conhecimento.
Considerando estes diferentes espaços educacionais podemos avaliar a
diversidade cultural a que o povo surdo é submetido. Segundo Quadros (1997, p. 26):
Ainda hoje estão sendo desenvolvidos o oralismo e o bimodalismo nas escolas
brasileiras; porém, há algo que está aflorando nas comunidades de surdos e
isto tem afetado os educadores de surdos. As comunidades surdas estão
despertando e percebendo que foram muito prejudicados com as propostas de
ensino desenvolvidas até então e estão percebendo a importância e o valor de
sua língua, isto é a LIBRAS.
Para entender o termo “povo surdo”, a autora Karin Strobel esclarece (2008, p.
31):
Quando pronunciamos “povo surdo”, estamos nos referindo aos sujeitos
surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma
origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de
evolução lingüística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer
outros laços.
6
7. Para alguns cidadãos do povo surdo, as decisões sobre sua educação são
tomadas pelos pais, pela escola especializada, com o apoio da comunidade surda local
e valorizando a comunicação por LIBRAS, para outros são os pais, a clínica, com o
apoio da comunidade ouvinte, valorizando a fala e a audição, através do uso do
implante coclear.
PRECONCEITOS E CONVIVÊNCIA
A pesquisa sobre as influências sociais e culturais, nas últimas décadas tem
gerado conceitos e teorias, a partir de diferentes termos. Dentre os termos, para as
quais, houve um estudo aprofundado, por parte dos pesquisadores, está a palavra:
ESTEREÓTIPO. Estereótipo é a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa
ou situação. Assim, dependendo as influências sociais e culturais recebidas pelo surdo
em uma sociedade ouvinte, ele pode se ver como estereótipo, desta sociedade, um
cidadão inferior ou dado como invisível para comunidade ouvinte.
Ao serem considerados inferiores, os indivíduos surdos ganham das pessoas
ouvintes uma série de caracterizações como: deficientes, anormais, problemáticos,
coitados, seres patológicos, desviantes, etc. Os ouvintes lhes imputam tais
caracterizações porque só conseguem pensar o sujeito surdo como um sujeito que, por
ser incapaz de ouvir, é incapaz de qualquer realização que não seja simplória.
Na descrição, de Gladis Perlin (2005, p. 55):
O estereótipo faz com que as pessoas se oponham, ás vezes
disfarçadamente, e evitem construção da identidade surda cuja representação
é o estereótipo da sua composição distorcida e inadequada.
O preconceito e a geração de um perfil estereotipado podem surgir dentro da
família. Uma das formas que mais influência este comportamento é o não uso de
LIBRAS para a comunicação, dentro do núcleo familiar, transferindo para a escola este
nível de comunicação.
7
8. Nesse ponto, a escola, a educação e a família são interligadas e se configuram
como fatores fundamentais para o desenvolvimento de processos essenciais que
culminarão na formação cultural e social do individuo.
Gladis Perlin (2006, p. 139) apresenta outra definição para o conceito de
diferença aliada a surdez:
Diferença: Por diferença entendemos o ser surdo com sua alteridade. Por
exemplo, se perguntarmos: Porque os surdos querem escolas de Surdos? A
resposta identifica a caminhada para a diferença: “para tornarem-se sujeitos de
sua história”, saírem da exclusão, construírem sua identidade em presença do
outro surdo, para terem direito à presença cultural própria.
A falta de uma comunicação adequada estimula o desenvolvimento de idéias
pré-concebidas.
Assim, o preconceito se estabelece quando a criança surda tem uma imagem
social fraca, inferior, já por tradição chamada, erroneamente de: mudinho, surdo-mudo,
doente, mental, louco, retardado, deficiente auditivo.
Da mesma forma a sociedade continua, apesar de todos os esforços, a utilizar o
termo “Linguagem de Sinais”, é preciso esclarecer que a linguagem é mais genérica;
serve para se comunicar assim como sinais de trânsito, música, sorriso, olhar, etc. Por
outro lado a Língua de Sinais, sendo considerada a língua como o sistema lingüístico
dos seres humanos, ela é mais específica (línguas naturais e humanas) e não apenas
comunica, mas expressa o pensamento. Por isso, no momento em que a terminologia
passa a ser empregada de forma adequada a Língua Brasileira de Sinais, é definida
como uma língua natural usada pela maioria dos surdos do Brasil e assume seu status
perante a sociedade. A Língua de Sinais é uma língua visual e gestual, diferente de
todos os idiomas já conhecidos que são orais e auditivos. É uma língua que é
pronunciada pelo corpo e percebida pela visão.
A voz do surdo são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam.
Pensar sobre surdez requer penetrar no "mundo dos surdos" e "ouvir" as mãos
que, com alguns movimentos, nos dizem o que fazer para tornar possível o
contato entre os mundos envolvidos, requer conhecer a "língua de sinais".
Permita-se "ouvir" essas mãos, pois somente assim será possível mostrar aos
surdos como eles podem ouvir o silêncio da palavra escrita. 3
3
www.criancasurdafeliz.hpg.ig.com.br
8
TECNOLOGIA PARA SURDO
1.RELÓGIOS COM VIBRAÇÃO 2.CAMPAINHA LUMINOSA3.TDD 4.CELULAR1.2.3. http://www.feneis.com.br/tecnologias/produtos.shtmll
4. http://www.baraodemaua.br/jornal/2005/abril/images/celular.jpg
5.CLOSED - CAPTION
9. A comunicação no mundo infantil surdo, sem LIBRAS, induz a uma perspectiva
de destruição, onde a sobrevivência como povos, culturas, direitos e costumes ficam
ameaçados diante da possibilidade de invasão de um outro povo, pois o surdo sente-se
um estrangeiro, quando em contato com a comunidade ouvinte. Ser minoria dentro da
maioria, ser brasileiro, mas, não se comunicar pelo português, estar sempre no limiar
entre o mundo e outro é viver em constante dicotomia em dualismo perpétuo.
Os costumes surdos para os ouvintes são pouco conhecidos, pois não são publicados e
anunciados cotidianamente pelos meios de comunicação. Mesmo quando os ouvintes
pensam na forma de ser do “surdo”, esse pensamento, é permeado de diferença o que
impossibilita a compreensão de igualdade, influenciando seu comportamento social e
sua capacidade de integrar-se a outra cultura. Leland McCleary (2003, p. 2) expressa
claramente a incompreensão do ouvinte em relação ao surdo quando afirma:
[...] diga para um ouvinte: ‘Eu tenho orgulho de usar a língua de sinais
brasileira’. Qual pode ser a reação dele? Ele pode pensar, ‘Sim claro! Os
gestos são muito bonitos e expressivos’ Mas não é por isso que você tem
orgulho! Você tem orgulho porque quando você usa a língua de sinais, você
pode ser surdo e feliz ao mesmo tempo.
Karin Strobel (2008, p. 33) alega que tem orgulho de ser surdo e reflete:
Os povos surdos não são obrigados a ter a normalidade. A máscara não
esconde o ser que é o surdo, o ser surdo que é humano... Quando a sociedade
deixa o surdo ser ele mesmo, carece tirar as máscaras e assim chega o
momento de o povo surdo enfrentar a prática ouvintista, resgatar-se e
transformar-se no que é de direito: partes de nós mesmos, de termos orgulho
de ser surdo!
A discriminação do surdo no mundo infantil vem através da dificuldade de
comunicação com a comunidade ouvinte, representada pela família para criança. A não
aceitação da sua condição pode levar o sujeito surdo a incorrer em diversos enganos
sobre si mesmo e seu papel na sociedade. Karin Strobel (2008, p. 80) adverte que:
Quando o sujeito surdo não se aceita na cultura surda, ele percebe como parte
da cultura hegemônica, isto é, da cultura da maioria que é ouvinte. E aí estes
sujeitos não se reconhecem como cultura diferente isto é, o jeito de ser surdo,
de se perceber diferentes do ouvinte e com isto pode acontecer conflitos ou
dificuldades de aceitação de sua identidade surda.
9
10. A cultura surda está marcada não só pelo jeito de ser diferenciado ou pelo uso
de uma língua diferente, mas também pela busca por direitos, pelas lutas e por respeito
às diferenças. Há vários séculos, têm sido desta forma, reivindicações por intérpretes
nos lugares públicos e privados, nas faculdades, em palestras, nas escolas, em
consultórios médicos e outros, fundação de associações, manutenção das escolas para
surdos, a criação de classes especiais, a formação e habilitação de professores com
conhecimentos em LIBRAS, a ampliação do close caption na programação das
emissoras de televisão de canal aberto e fechado, legendas no cinema, principalmente
nos filmes nacionais, TDD (telefone para surdo), celular com mensagem de texto,
equipamentos domésticos (campainha luminosa, relógio vibratório e outros).
1. 1 Figura: TDD4
1.2 Figura: Relógio vibratório5
1.3 Figura: campainha luminosa6
A língua de sinais não significa apenas uma forma de comunicação utilizada
pelos surdos, mas é a construção do próprio mundo surdo. Unir o reconhecimento
político da comunidade surda e a prática dessa experiência visual seria uma forma de
alteridade.
Existe uma diversidade cultural deste grupo de surdos em relação aos familiares
ouvintes e crianças surdas, onde LIBRAS pode representar a ponte que liga estes dois
mundos.
Voltamos então ao inicio deste capítulo onde abordamos o conceito de
estereótipo, pois o que limita a inter-relação do ouvinte com o surdo, não é o
desconhecimento de uma língua ou das marcas culturais identitárias desta comunidade,
4
http://www.feneis.com.br/tecnologias/produtos.shtmll
5
http://www.feneis.com.br/tecnologias/produtos.shtmll
6
http://www.feneis.com.br/tecnologias/produtos.shtmll
10
11. mas sim como afirma Karin Strobel (2008, p. 85) as representações estereotipadas e
hegemônicas sobre a cultura surda.
RELAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E A ESCOLA, FRENTE AOS PROBLEMAS
De acordo com Helen Bee (2003, p. 2009) a criança em idade escolar apresenta
esquemas internos, regras ou estratégias para examinar o mundo e interagir com ele.
A criança nesta fase apresenta lógica dedutiva, indutiva e capacidade de
reversibilidade. Estes esquemas internos e abstratos são fundamentados em etapas
anteriores do desenvolvimento, onde informações lhe foram transmitidas, estimuladas e
elaboradas.
Como uma criança surda que não foi inserida em contexto lingüístico
previamente, chega até a escola? Ela também apresenta os constructos e esquemas
internos tais como as crianças ouvintes? Como a família - que na grande maioria das
vezes recorre a escola como última possibilidade de normalização - recebe as
informações que precisaria ter recebido anos antes? De que sendo seu filho(a) surdo(a)
precisará a partir de agora receber todas as informações via língua de sinais, uma
língua da qual nunca imaginou fazer uso. Como a escola acolhe estas famílias? Como
o educador media as relações entre uma família que desconhece a língua natural do
seu próprio filho?
A reflexão sobre estas questões apresenta que as relações entre surdos e
ouvintes no ambiente escolar vão muito além do simples processo ensino-
aprendizagem (processo este, que nada tem de simples, mas que diante das
circunstâncias que se apresentam, passam a ser o menor dos problemas a serem
superados). A escola em muitas situações administra questões que envolvem desde a
aceitação de um membro diferente no núcleo familiar, a construção de uma identidade
surda até a transmissão de valores que não remeta a forma particular de colonização a
que os surdos foram submetidos ao longo de sua história. Este embate aparece e
11
12. reaparece nas representações, nas práticas de significação e nos dispositivos
pedagógicos, fatores estes, que imprimem o currículo oculto da escola.
Nesse processo os olhares estereotipados por parte dos ouvintes influenciam a
criança surda em desenvolvimento, que mesmo estando em silencio subjetiva todo o
universo visual que a cerca e interioriza os aspectos negativos ou positivos de ser
surdo. Nesta perspectiva, os surdos que são vistos como sujeitos inferiores, primitivos e
incompletos, assumem esta condição e se formam enquanto sujeitos neste sentido, já
os que recebem a informação positiva da surdez e visualizam um horizonte promissor
se projetam e alcançam melhores resultados.
Enquanto as informações do modelo clínico/médico da surdez, segundo Owen
Wrigley (1996), legitima práticas que vêm, ao longo da história reforçando, como
também criando uma realidade para as pessoas surdas dentro de uma concepção de
patologia: elas serão pessoas defeituosas, e necessitarão de ações normalizadoras e
reabilitadoras. Assim, segundo o autor, o respeito à surdez de um corpo observado,
onde a diferença e alteridade são negadas. Segue outro autor, na descrição, Karin
Strobel (2007, p. 25 – 26):
Por exemplo, estimular para que os sujeitos surdos aprendam a falar e a ouvir,
fazendo com que aparentem ser “ouvintes”, isto é, usarem identidade
mascarada de “ouvintes”, tendo a surdez fingida ou negada. Cito o exemplo do
famoso inventor do telefone, Alexander Graham Bell, cuja mãe estudos surdos
e sua esposa eram surdas. Segundo SAC KS (1990), elas tinham a identidade
da surdez negada.7
Para a família ouvinte, unir-se à criança surda plenamente é fundamental para
que sua inclusão garanta uma comunicação completa e integral, promovendo as bases
necessárias ao seu desenvolvimento sadio. Sabendo que a língua de sinais tem esse
importante papel no desenvolvimento cognitivo e social e permitindo que a aquisição de
conhecimento sobre o mundo circundante ocorra dentro dos aspectos culturais da
comunidade surda; a família e a sociedade não só, estarão permitindo à criança um
desenvolvimento de sua identificação com mundo surdo (um dos dois mundos aos
quais a criança pertence), mas também estarão dando livre acesso para que ela
transite entre os dois universos: o do visual (que lhe é próprio) e o dos ouvintes (ao qual
7
http://www.editora-arara-azul.com.br/estudos2.pdf
12
13. a família e a sociedade pertencem). Portanto a criança surda que utiliza a LIBRAS em
um ambiente onde é acolhida com afeto, seja na escola ou com os pais ouvintes, assim
como qualquer outra criança, com certeza, conseguirá desfrutar de sua infância de
forma protetiva e efetiva. A criança surda que tem tais aspectos assegurados é capaz
de construir seu mundo surdo infantil de forma sólida e posteriormente afirmar sua
identidade pessoal como sujeito protagonista da sua história.
COMENTÁRIOS FINAIS
No desenvolvimento desse trabalho fica visível a importância de apresentarmos
às crianças surdas a modelos bem sucedidos de usuários de língua de sinais e às
possibilidades de crescimento cultural e ganho cognitivo que a convivência na
comunidade surda podem proporcionar. A infância é um período crucial da vida, pois é
nela que estabelecemos confiança em nós mesmos e nos outros. É na infância que
aprendemos sobre limites e aspectos sociais, e aprendemos de que forma podemos e
devemos nos relacionar com o mundo. Na falta de modelos positivos, as crianças
assumem papeis que não condizem com a sua realidade e acabam convertendo sua
possível identidade surda em identidades flutuantes que não reconhecem sua real
condição e principalmente não valorizam a sua existência.
Na descrição, Rosa Silveira (2002, p. 20):
Aqui no Brasil, pelo direito de decidir como querem ser nomeados é a dos
“surdos”; tradicionalmente chamados de “surdos-mudos” (terminologia criticada
por evocar uma incapacidade identificada do ponto de vista “ouvintista”),
passaram depois, a partir do crescente prestígio da visão médica, a ser
chamados de “deficientes auditivos”, denominação também recusadas por
fazer referência a uma suposta falta, carência...e por entenderem – os surdos
– que tal condição física tem produzido, historicamente, o aparecimento de
uma cultura marcada em especial por línguas próprias – Línguas de Sinais –
numa visão positiva que justificaria a preferência pela denominação de
“surdos/as.
É possível afirmar que hoje os surdos são aceitos, mas, ao mesmo tempo, em
inúmeras circunstancias continuam sendo ignorados e não reconhecidos politicamente
por alguns grupos de ouvintes. As idéias políticas ouvintistas geram padrões
convencionais paternalistas, tais padrões são ainda muito presentes nas escolas e
13
14. estão à sombra de um discurso inclusivo de acesso igualitário à educação, que na
verdade não dá garantias à criança surda de um pleno contato com sua cultura e com a
sua língua, apenas garante que o aluno terá as mesmas informações que os demais.
Na descrição interessante, Harlan Lane (1992, p. 48):
“O paternalismo dos ouvintes começa com uma percepção
deformada porque sobrepõe a sua imagem de um mundo
conhecido dos ouvintes ao mundo desconhecido dos surdos:
igual modo, o paternalismo dos ouvintes encara a sua tarefa
como de <<civilizar>>: devolver os surdos à sociedade. E o
paternalismo dos ouvintes não consegue entender a estrutura e
os valores da sociedade surda.”
Curiosamente no campo de categorizações, apesar da luta constante da
comunidade surda pelo respeito e aceitação como grupo cultural, ainda há uma
dificuldade muito grande de desenvolvimento, e na inclusão dos surdos com base no
respeito a suas diferenças. A maioria das crianças surdas são filhos de pais ouvintes, e
o seu desenvolvimento, apresenta muitas dificuldades quando os pais relutam em
aceitar a surdez de seus filhos.
A escolha do tema deste artigo foi algo comovente, pois onde há
comunidade surda e cultura surda, há categorizações (louco, doente, mental, mudinho,
surdo-mudo, deficiente auditivo), portanto há diversidade e os questionamentos sobre a
normalidade e não-normalidade pairam como uma neblina encobrindo as possibilidades
de aproximação e distanciam as pessoas umas das outras.
As famílias são os elos entre as crianças e a sociedade, logo é essencial que os
membros ouvintes de um grupo familiar no qual há uma criança surda se re-estruture
para que esta criança receba não só o afeto necessário ao seu desenvolvimento
emocional, mas também a liberdade de ser criança e de ser surda. Feliz, simples e
orgulhosa aceitando-se como é.
A educação no mundo surdo infantil se desenvolve em forma de rede, onde
diferentes graus de influências se estabelecem a partir do maior ou menor grau de
conhecimento do mundo ouvinte sobre o mundo do silêncio. Esta aproximação entre o
som e o silêncio tem como regulador a família e como instrumento a língua materna da
criança surda, a LIBRAS.
14
15. Conviver com os surdos é um aprendizado, conhecer os surdos é despir-se da
discriminação e do preconceito. A aceitação que leva o verdadeiro amor. Se este for o
pensamento da família, assim a sociedade pensará. Se a família engajar-se nos
movimentos surdos e partilharem com orgulho da experiência de transitar entre dois
mundos logo a sociedade guardará seus rótulos em baús empoeirados, pois para nada
mais eles terão serventia.
A escola e a comunidade surda, portanto devem já iniciar uma reorganização no
sentido de procurar estabelecer alianças com as famílias para fortalecer o que garantirá
o pleno desenvolvimento das crianças surdas: uma infância vivida e respeitada.
Para finalizar citamos Paulo Freire (2002, p. 29) acreditando que a afetividade leva a
criança surda ao caminho do orgulho de ser surdo e acreditando principalmente no
engajamento dos pais, educadores e cuidadores destas crianças para que uma rede
protetiva se crie, não no intuito de limitar ou cercear, mas com a real intenção de
potencializar a infância e a alegria de ser criança.
Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não
é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação
imposta. Como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o
próximo, não o respeita.
15
16. REFERÊNCIAS
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FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva
sócio-interacionista. São Paulo, SP: Plexus, 1997.
LABORIT, Emmanuelle. O vôo da Gaivota. São Paulo: Ed. Best Seller,
1994.
LANE, Harlan. A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada.
Lisboa: Instituto Piaget, 2000.
McCLEARY, Leland. O orgulho de ser surdo. In: Encontro paulista entre intérpretes
e surdos. São Paulo: FENEIS-SP [Local: Faculdade Sant’Anna], 2003.
PERLIN, Gladis T. T. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre,
Mediação , 2005.
_________________A Cultura Surda e os Intérpretes de Língua de Sinais.
Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p.135-146, jun. 2006.
OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1996.
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Identidades Surdas. Estudos Surdos II / Ronice Müller de Quadros e Gladis Perlin
(Orgs).– Petrópolis, RJ : Arara Azul, 2007. http://www.editora-arara-azul.com.br/estudos2.pdf
___________________ As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed.
da UFSC, 2008.
16
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Press, 1996.
17