2. Ainda nos dias de hoje temos ordens religiosas inteiramente divorciadas do
mundo, em completo isolamento, com a justificativa de que seus membros
“vivem para Deus”, e assim trabalham para retirar de si qualquer resquício
de paixões e vícios. Ficam em meditação, trabalhos manuais, orações, jejuns,
cantos e silêncio, isolados da convivência social. Segundo essas ordens
religiosas, as mais diversas, seus adeptos candidatam-se ao reino dos céus
pelo virtuosismo que demonstram, mortificando o corpo, não se
contaminando com as impurezas humanas e, assim, alcançando pureza
espiritual. Perguntamos: será que esse é o caminho para sublimação
espiritual e conquista da felicidade após a morte? Será que o isolamento da
vida social é sinônimo de autoconhecimento em plenitude?
3. Para ilustrar o tema, fomos buscar no livro “Contos e Apólogos”, o conto A
Divina Visão, pelo Espírito Irmão X. Com a palavra o autor: Muitos anos
orara certa devota, implorando uma visão do Senhor. Mortificava-se.
Aflitivas penitências alquebraram-lhe o corpo e a alma. Exercitava não
somente rigorosos jejuns. Confiava-se a difícil adestramento espiritual e
entesourara no íntimo preciosas virtudes cristãs. Em verdade, a adoração
impelira-a ao afastamento do mundo. Vivia segregada, quase sozinha. Mas, a
humildade pura lhe constituía cristalina fonte de piedade. A oração
convertera-se-lhe na vida em luz acesa. Renunciara às posses humanas. Mal
se alimentava. Da janela ampla de seu alto aposento, convertido em
genuflexório, fitava a amplidão azul, entre preces e evocações. Muitas vezes
notava que largo rumor de vozes vinha de baixo, da via pública.
4. Não se detinha, porém, nas tricas dos homens. Aprazia-lhe cultivar a fé sem
mácula, faminta de integração com o Divino Amor. Em muitas ocasiões,
olhos lavados em lágrimas, inquiria, súplice, ao Alto: - Mestre, quando virás?
Findo o colóquio sublime, voltava aos afazeres domésticos. Sabia consagrar-
se ao bem das pessoas que lhe eram queridas. Carinhosamente distribuía a
água e o pão à mesa. Em seguida, entregava-se a edificante leitura de páginas
seráficas (relativo aos Serafins). Mentalizava o exemplo dos santos e pedia-
lhes força para conduzir a própria alma ao Divino Amigo. Milhares de dias
alongaram-lhe a expectação. Rugas enormes marcavam-lhe, agora, o rosto. A
cabeleira, dantes basta e negra, começava e encanecer. De olhos pousados no
firmamento, meditava sempre, aguardando a visita Celestial.
5. Certa manhã ensolarada, sopitando a emoção, viu que um ponto luminoso se
formara no espaço, crescendo... crescendo... até que se transformou na
excelsa figura do Benfeitor Eterno. O inesquecível amado como que lhe
vinha ao encontro. Que preciosa mercê lhe faria o Salvador? Arrebatá-la-ia
ao paraíso? Enriquecê-la-ía com o milagre de santas revelações? Estática,
balbuciando comovedora súplica, reparou, no entanto, que o Mestre passou
junto dela, como se lhe não percebesse a presença. Entre o desapontamento e
a admiração, viu que Jesus parara mais adiante, na intimidade com os
pedestres distraídos. Incontinente, contando a custo o coração no peito,
desceu até à rua e, deslumbrada, abeirou-se dele e rogou, genuflexa; -
Senhor, digna-te receber-me por escrava fiel! Mostra-me a tua vontade!
Manda e obedecerei!
6. O Embaixador Divino afagou-lhe os cabelos e respondeu: - Ajuda-me aqui e
agora! Passará, dentro em pouco, pobre menino recém-nascido. Não tem pai
que o ame na Terra e nem lar que o reconforte. Na aparência, é um rebento
infeliz de apagada mulher. Entretanto, é valioso trabalhador do Reino de
Deus, cujo futuro nos cabe prevenir. Ajudemo-lo, bem como a tantos outros
irmãos necessitados, aos quais devemos amparar com nosso amor e
dedicação. Logo após, por mais se esforçasse, ela nada mais viu. O Mestre
como que se fundira na neblina esvoaçante. De alma renovada, porém,
aguardou o momento de servir. E, quando infortunada mãe apareceu,
abraçando um anjinho enfermo, a serva do Cristo socorreu-a, de pronto, com
alimentação adequada e roupa agasalhante. Desde então, a devota
transformada não mais esperou por Jesus, imóvel e zelosa, na janela de seu
alto aposento.
7. Depois da prece curta, descia para o trabalho à multidão desconhecida, na
execução de tarefas aparentemente sem importância, fosse para lavar a ferida
de um transeunte, para socorrer uma criancinha doente, ou para levar uma
palavra de ânimo ou consolo.
Reflexão:
O ser humano, por natureza, é um ser relacional, assim, a vida social é-lhe
natural, pois com os outros ele tem a possibilidade de realizar aprendizados e
de se desenvolver, enquanto que, sozinho, isolado, ele não encontrará
oportunidades de desenvolver seu potencial divino, seja no campo intelectual
quanto no campo afetivo. O homem, inquestionavelmente, é um ser gregário,
organizado pela emoção para a vida em sociedade.
8. O seu insulamento, a pretexto de servir a Deus, constitui uma violência à lei
natural, caracterizando-se por uma fuga injustificável às responsabilidades
do dia a dia. Tratando desse tema, Allan Kardec, ao tratar da encarnação
como necessária para o Espírito realizar seu progresso intelectual e moral,
afirma:
“O progresso intelectual é realizado pela atividade que é obrigado a
desenvolver nos seus trabalhos. O progresso moral, pela necessidade das
relações mútuas entre os homens. A vida social é a pedra de toque das boas e
das más qualidades”. Sem a vida social, sem o relacionamento com outros
Espíritos encarnados, como haveremos de nos desenvolver? Não é possível
explorar a natureza, criar técnicas e ampliar conhecimentos vivendo
isoladamente, sem contato com outro ser vivente.
9. O trabalho ficará restrito ao necessário para a sobrevivência e o progresso se
arrastará indefinidamente, o que não condiz com a grandeza e perfeição de
Deus. Do ponto de vista moral, somente provaremos nossas virtudes e
combateremos nossos vícios na relação com os outros. As qualidades morais
que enobrecem o caráter não surgem sem esforços e sem as provas
necessárias que somente podem acontecer na vida social, vivendo com os
outros. Sabemos que a oração é o ato de louvar e agradecer a Deus e aos
Espíritos superiores. A oração sincera, sentida, além de gerar ondas que
atravessam o Universo pode ser recebida nos mais diferentes planos
espirituais. O que impulsiona a oração é o sentimento sincero, é o desejo
firme daquilo que nos move a orar. Não existe oração sem sentimento.
10. Além disto, a oração fecunda predispõe aquele que a utiliza a agir no sentido
de melhorar-se, de evoluir seu estado, afim de obter aquilo que deseja. É o
sentido pleno do pedi e obtereis, movimentar-se para atingi-lo. Todos nós
conhecemos pessoas que dedicam sua vida à devoção a Deus e a Jesus, nosso
Mestre e guia maior que se constitui no caminho, na verdade e na vida. Mas
é preciso observar que a fé, por mais fervorosa que seja, não será capaz de
substituir as obras na evolução e na iluminação do ser. Passar a vida em
adoração ou louvação é perder a oportunidade de exercitar o que a vida nos
impõe, a experiência na doação de si mesmo e na construção de um mundo
melhor. Aqueles que se retiram da vida no intuito de purificar o coração e o
espírito, impedindo que o contato com o mundo possa maculá-lo, enganam-
se quanto ao caminho da elevação.
11. Jesus, nosso guia maior, exemplificou com o contato com as pessoas,
vivendo entre todos: ricos e pobres; doentes e sãos; poderosos e pequenos,
aproveitando as oportunidades para levar a todos sua verdade e seu exemplo
de fé. Falava de um Pai compassivo, amoroso, misericordioso, justo, e que
trabalha incessantemente para manutenção do Universo. Assim, a devoção de
Jesus não deve fazer com que o devoto ou o candidato à elevação afaste-se
da luta. A devoção a Jesus requer a construção de um mundo melhor; requer
a doação de si para amenizar dores e sofrimentos; fechar feridas e chagas;
harmonizar e reequilibrar o que está em desequilíbrio. Amor requer ação;
amor em ação é o que chamamos caridade.
12. Muitas pessoas que se dedicam à religião, não importando qual seja, pois,
todas têm o mesmo objetivo moral de elevar o homem, preocupam-se em
não fazer o mal, em manter-se ligados em oração com Jesus ou com Deus.
Oram sempre que podem; comparecem à casa religiosa com frequência;
praticam, muitas vezes, abstinência e jejuns, como recomendado por
algumas seitas, mas vivem voltados para si mesmos, buscando iluminar-se
apenas pelo contato com a espiritualidade superior. A Lei de Deus,
entretanto, é uma lei de justiça e de caridade. É imutável e se aplica a todas
as criaturas. Ninguém há de se tornar santo por manter-se ligado em oração
com a divindade, dando graças, louvores, e pedindo a oportunidade de
iluminação. Cada qual deverá seguir o seu próprio caminho, vivendo suas
provas e expiações, aprendendo e crescendo com o exercício da vida.
13. A oração, para aquele que vive, será sempre um instrumento de apoio e de
iluminação dos seres que ajuda a suportar as condições e adversidades que
lhes são próprias. Mas ela em si nada fará, se não houver o mérito da ação e
da lição aprendida. Louvar, agradecer e pedir são práticas habituais de todos
nós. Mas a elas devemos acrescentar servir, doar de si, trabalhar, viver,
experimentar. Muitas são as dores desse mundo de provas e de expiações, e o
devoto que deseja habilitar-se à elevação, deve estar pronto para agir. Esta é
a maior das orações, o exemplo do serviço. Dependendo dos nossos
sentimentos sinceros de servir, seremos instrumento da misericórdia do Pai
para com aquele que sofre, e que nos bate à porta ou que cruza nosso
caminho. O poder do exemplo de Jesus está aí há mais de dois mil anos a nos
convidar.
14. Do mesmo jeito que elevamos os pensamentos para pedir, Ele também nos
convida ao trabalho fraterno produtivo, construtivo de um mundo melhor.
Convida-nos à reforma interior; a aquisição de valores e ao trabalho que
engrandece e ensina. Convida-nos a abandonar os velhos hábitos e costumes
e a viver no poder de Seu amor, deixando nascer um homem novo, sincero,
verdadeiro, que luta para combater suas fraquezas e suas imperfeições. Não
devemos aguardar que Jesus venha até nós; não devemos invocar a
companhia dos Espíritos superiores, ao contrário, devemos atender ao seu
convite e trilhar o caminho do serviço ao próximo e da humildade. O devoto
de Jesus deve aprender com a dedicação e a caridade, tornando-se um
médium do Cristo, e, aí então, candidatar-se à elevação e a pureza. Só os
puros verão a Deus.
15. Muita Paz!
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levar as pessoas a uma reflexão sobre a vida, buscando pela compreensão das
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