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A pesquisa científica tem como objetivo contribuir para o
desenvolvimento da ciência. Na área da saúde a pesquisa
atua para desvendar novos métodos na prevenção da doença,
recuperação e reabilitação da saúde. Considerando a vulne-
rabilidade biopsicosocial de crianças e adolescentes, a pes-
quisa desenvolvida com estes sujeitos envolve questões éticas
próprias, que devem ser respeitadas.
A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde carac-
teriza a pesquisa envolvendo seres humanos como aquela
que individual ou coletivamente, envolva o ser humano, de
forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele,
incluindo o manejo de informações ou materiais 1
. A pesquisa
também pode abranger pessoas que não têm condições para
decidir sobre sua participação neste tipo de atividade: porta-
dores de problemas mentais, idosos, gestantes, indivíduos
hospitalizados, presidiários, estudantes, militares e, espe-
cialmente, fetos, recém-nascidos, crianças e adolescentes,
aqui destacados por serem objeto desse artigo.
As últimas décadas do século XX foram marcadas por ine-
gáveis avanços para a infância brasileira, conquistas que se
deram inclusive no campo legal, com a criação do Estatuto
Maria Aparecida Munhoz
Gaiva
enfermeira, professora doutora da
Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), coordenadora do
Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital Universitário Júlio Muller/
UFMT, Mato Grosso, Brasil
Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
Maria Aparecida Munhoz Gaiva
Resumo Considerando a vulnerabilidade biopsicossocial das crianças, a pesquisa empreendida
com estes sujeitos envolve questões éticas próprias que devem ser respeitadas. Este ensaio tem
como objetivo estimular o debate das questões metodológicas e éticas da pesquisa com crianças,
a partir do levantamento da conceituação teórica e da regulamentação em pesquisa envolvendo
seres humanos, disponíveis na literatura atual. Trata-se de um breve resgate histórico da ética em
pesquisa, enfocando a criança e os cuidados que os pesquisadores devem tomar para atender
aos princípios éticos na pesquisa com essa população. O presente ensaio é uma contribuição para
construir um olhar mais ético nas pesquisas desenvolvidas com crianças, na área da saúde, uma
vez que este tipo de investigação é, na atualidade, uma área complexa que levanta mais questões
acerca dos aspectos metodológicos e éticos, do que propriamente respostas.
Palavras chave: Pesquisa. Criança. Ética em pesquisa. Bioética.
Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
136 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
da Criança e do Adolescente (ECA) 2
. Cresce
a aceitação de que a criança é cidadão de
direitos e a infância assume definitivamente
seu papel perante a sociedade.
No passado as crianças eram tomadas mais
como objetos do que como sujeitos de estu-
dos, reflexos da perspectiva de desenvolvimen-
to que considerava a criança como incapaz de
ver e descrever seu próprio mundo, além das
dificuldades inerentes da pesquisa com esse
grupo etário. Atualmente os pesquisadores
estão reconhecendo a importância de consi-
derar a criança como participante de suas
investigações, sejam elas em ambiente clínico
ou não, principalmente em estudos que traba-
lhem com a perspectiva da criança, uma fonte
rica de dados e que merece ser mais bem
explorada.
Este ensaio tem como objetivo estimular o
debate das questões éticas da pesquisa envol-
vendo crianças, a partir de levantamento das
conceituações teóricas e da regulamentação
em pesquisa envolvendo seres humanos, dis-
poníveis na literatura. Trata-se, de breve resga-
te histórico da ética em pesquisa, enfocando a
criança, que aponta os cuidados que os pesqui-
sadores devem tomar para atender aos princí-
pios éticos nas pesquisas realizadas com elas.
A preocupação ética na pesquisa
envolvendo seres humanos
Historicamente, a investigação científica teve
seus primórdios há mais de quatro séculos,
considerando-se, inclusive, que alguns princí-
pios éticos como a beneficência, confidenciali-
dade e não maleficência já eram relevantes para
a prática médica desde o tempo de Hipócrates.
No entanto, a pesquisa envolvendo seres huma-
nos de forma metodologicamente planejada é
bem mais recente, data do século passado.
Foi somente em 1947 que o mundo teve a
primeira normatização sobre pesquisa cientí-
fica em seres humanos, por meio do Código de
Nuremberg (Universal Code of Research Ethics).
Ele surge a partir da conscientização da
humanidade acerca das atrocidades cometidas
nos campos de concentração nazistas na II
Guerra Mundial 3
. O código tem em seu bojo
a preocupação com a experimentação huma-
na, ou seja, define diretrizes e regras de con-
duta nos processos que envolvem seres huma-
nos, no sentido de se alcançar resultados a
partir de teorias que não possam ser compro-
vadas por outros meios.
Em virtude do pequeno alcance do código, já
que os abusos continuavam existindo, a
Assembleia da Associação Médica Mundial
(AMM), em 1964, proclama a Declaração de
Helsinque, um elenco de normas éticas sobre
pesquisa em seres humanos, tanto para pes-
quisas clínicas como não clínicas 4
. Nas déca-
das seguintes a questão ética continua a mere-
cer atenção de órgãos e instituições da área da
saúde. Assim, em 1991, a Assembleia da
AMM elabora o documento Diretrizes Inter-
nacionais para a Revisão Ética de Estudos Epi-
demiológicos 3
.
O Brasil participou como signatário de todas
essas resoluções que recomendavam a criação
de sistemas internos em cada país, capazes de
137
efetivar o controle dos métodos e procedimen-
tos de pesquisa. Em 1988, o Conselho Nacio-
nal de Saúde (CNS) elaborou a primeira
resolução destinada a regulamentar a pesquisa
com seres humanos no país, voltada naquele
momento para a área de novos medicamen-
tos. Em 1996, este documento foi revisto e
passou a regulamentar as pesquisas com seres
humanos em todas as áreas, por meio da
Resolução CNS 196/96 1
.
A principal característica da Resolução 196 é
a preocupação com a dignidade da pessoa
humana, manifestada por intermédio dos
princípios fundamentais da autonomia, bene-
ficência, não maleficência, justiça e equida-
de. Esta perspectiva, prima pela defesa dos
interesses dos sujeitos da pesquisa, promo-
vendo o respeito pela pessoa humana e sua
dignidade.
A criança mereceu por longo tempo da his-
tória muito pouca atenção por parte dos
pesquisadores. Até mesmo os animais mere-
ceram inicialmente mais atenção nas pes-
quisas do que elas. A criação da primeira
sociedade de defesa dos animais frente a
crueldades nas experiências científicas ocor-
reu em 1845, na França, antes da institui-
ção da The American Society for the Preven-
tion of Cruelty to Children, nos Estados Uni-
dos (EUA), criada em 1847. Esta última
traçou seus princípios tomando por base as
diretrizes da primeira, destinadas à defesa
dos animais.
A partir do final do século XIX vários outros
países começaram a despertar para a proble-
mática da pesquisa envolvendo crianças. Foi
assim que em 1901 a Prússia proibiu a pes-
quisa em crianças, com objetivos outros que
não diagnóstico, terapêutica ou imunização.
A Alemanha também proibiu em 1931, a
participação de menores (crianças) em pesqui-
sas, em situações que evidenciassem riscos
associados.
O Código Universal de Ética em Pesquisa, ins-
tituído em 1947 pelo Tribunal de Nurem-
berg, não faz referência explicita a partici-
pação de crianças 3
. Por outro lado, a Decla-
ração de Helsinque permite a participação das
crianças, desde que seus responsáveis legais
consintam 4
.
O envolvimento da criança em pesquisas foi
alvo de outras discussões e regulamentações
específicas, inclusive no Brasil, onde a Reso-
lução 196/96 também estabeleceu que deve
ser obtido o consentimento dos indivíduos
menores de 18 anos, quando existirem condi-
ções de compreensão, além do consentimento
de seu representante legal 1
.
Ainda nesse sentido, o Ministério da Justiça,
por meio do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (Conanda), esta-
beleceu em 1995 os Direitos da Criança e do
Adolescente Hospitalizados, por meio da
Resolução Conanda 041/95, que privilegia a
questão da participação dos mesmos nas pes-
quisas, prevendo no seu artigo 12, o direito de
não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnós-
ticas e terapêuticas, sem o consentimento infor-
mado de seus pais ou responsáveis e o seu pró-
prio, quando tiver discernimento para tal 5
.
Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
138 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
Para operacionalizar os preceitos legais a
Resolução 196/96 prevê que todas as pesqui-
sas envolvendo seres humanos sejam aprova-
das por um Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP), que tem, até mesmo, o poder de inter-
romper a investigação em execução; além do
papel de aprimorar a qualidade da pesquisa.
Para tal, o CNS estabelece que todas as insti-
tuições que realizam pesquisa envolvendo
seres humanos devam ter um CEP.
Os comitês de ética em pesquisa foram um
grande avanço para a sociedade brasileira,
uma vez que possibilitaram que pesquisadores
e instituições obtivessem o respaldo institu-
cional para a realização de pesquisas, além de
ser um espaço de reflexão e decisão para as
questões éticas e metodológicas das investiga-
ções 6
.
Ao discutir ética em pesquisa devem-se con-
siderar quatro princípios éticos básicos como
eixos norteadores dos projetos: respeito pela
pessoa, beneficência, não maleficência e jus-
tiça 1, 3
. De forma sintética se pode dizer que
o respeito pela pessoa deve atender/primar
pelo respeito a sua autonomia para deliberar
sobre suas escolhas, além de proteger contra
danos ou abusos as pessoas com autonomia
diminuída (dependentes/vulneráveis). A
beneficência refere-se à obrigação ética de
maximizar benefícios e a não maleficência
minimizar danos ou prejuízos, ou seja, a
pesquisa tem que salvaguardar o bem-estar
dos participantes. O princípio da justiça na
pesquisa exige a distribuição equânime tanto
dos ônus como dos benefícios da participação
na pesquisa 3
.
A ética na pesquisa envolvendo
crianças
As crianças são atores sociais e, como tais,
são também produtores de dados para estu-
dos/pesquisas. No entanto, apresentam carac-
terísticas em seu desenvolvimento que as tor-
nam vulneráveis nos aspectos bio-psico-so-
cial. Assim sendo, sua participação em pes-
quisa deve ser vista de forma cuidadosa pelos
pesquisadores. Por outro lado, deve-se consi-
derar que pesquisas para testes de medica-
mentos, vacinas e meios diagnósticos realiza-
dos em adultos, que apresentam resultados
válidos e seguros, nem sempre são da mesma
forma válidos ou apresentam os mesmos
resultados em crianças, sendo que muitos
desses medicamentos nunca foram testados
em clientela infantil.
Apesar do conhecimento dos aspectos éticos
próprios à aplicação da pesquisa envolvendo
crianças, muitas vezes, elas ainda não são res-
peitadas pelos pesquisadores 7
. Considerando
a regulamentação nacional e internacional
acerca da pesquisa envolvendo seres humanos,
algumas resoluções específicas ao grupo infan-
til e as exigências dos CEP para a análise de
propostas de pesquisas, discutir-se-á a seguir
alguns cuidados éticos que os pesquisadores
devem tomar ao elaborar e executar um pro-
jeto de pesquisa envolvendo crianças.
Relevância
O primeiro aspecto a destacar é que o tema da
pesquisa deve ter relevância considerável, com
benefícios para a população que ultrapasse os
139
riscos aos quais as crianças seriam submeti-
das. Para isso, o pesquisador deve respeitar os
princípios de não maleficência e beneficência.
É importante salientar que aquelas pesquisas
que preveem benefícios mínimos para as
crianças mereceriam maior rigor avaliativo
para sua realização quanto ao aspecto ético,
pois estariam tirando muito e oferecendo
pouco retorno ao segmento estudado.
Risco
Os riscos da pesquisa para a criança também
merecem a atenção cuidadosa do pesquisador,
bem como dos comitês ou comissões de ética.
Alguns comitês de ética em pesquisa têm tido
o cuidado em só autorizar pesquisas em crian-
ças com risco mínimo, ou seja, o mesmo grau
de risco encontrado em seu cotidiano. Por
outro lado, diversos pesquisadores argumentam
que a definição de risco mínimo como igual ou
nenhum risco, tem levado a um excesso de pro-
teção à criança e pode privá-la de investigações
necessárias em algumas áreas, dentre elas a psi-
quiatria da infância e adolescência 8
. Em decor-
rência, muitos investigadores têm defendido a
necessidade de novas definições de risco míni-
mo, com a preocupação de não inviabilizar a
pesquisa envolvendo esse grupo populacional.
É importante salientar que todas as pesquisas
envolvendo crianças precisam ser analisadas
de forma que os riscos e benefícios sejam mais
bem considerados, em defesa da proteção da
criança/sujeito. Se a análise dos riscos envol-
vidos em qualquer pesquisa com seres huma-
nos é de fundamental importância na deter-
minação de sua validade ética, a condição de
especial e acentuada vulnerabilidade da crian-
ça torna tal ponderação essencial.
Consentimento
Um aspecto ético que se faz importante des-
tacar é o consentimento. A origem da noção
de consentimento, como atualmente assumi-
do pela ciência médica, encontra-se, na verda-
de, na área jurídica, surgindo pela primeira
vez em 1914, nos EUA, associado ao caso
Schloendorff versus Society of New York Hospi-
tal. Se essa exigência surge primeiramente na
prática clínica, é na experimentação humana
que, efetivamente, a necessidade fundamental
do consentimento se acentua, dissemina e
internacionaliza 9
.
Historicamente o consentimento foi se con-
substanciando, oficializado inicialmente no
Código de Nuremberg e tornando-se, a partir da
Declaração de Helsinque, uma exigência de
fato, que implicava em tomar o termo por
escrito dos sujeitos. Durante as décadas seguin-
tes a prática de solicitar o consentimento
começa lentamente a se impor. Gradativamen-
te, os pesquisadores foram tomando consciên-
cia da necessidade de obtê-lo, o que o torna
hoje uma prática generalizadamente aceita.
Na medicina hipocrática o consentimento
era sustentado no princípio da beneficência,
e não a partir do princípio da autonomia,
como na medicina atual. Uma reflexão bio-
ética sobre os códigos deontológicos médicos
mostra que até meados do século XX, os
códigos reafirmam a relação assimétrica
entre médicos e pacientes, estes últimos con-
Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
140 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
siderados incapazes para tomar decisões,
cabendo exclusivamente ao profissional o
poder decisório 10
.
O consentimento em pesquisa é uma exigên-
cia moral a ser observada por investigadores, já
que decorre do reconhecimento do outro/sujei-
to, como pessoa capaz de autodeterminação. A
obrigatoriedade moral em respeitar a autono-
mia do outro é também um requisito legal, um
direito individual que a sociedade protege 9
.
O consentimento em pesquisa refere-se a um
processo no qual o sujeito envolvido direta ou
indiretamente na investigação recebe orienta-
ção detalhada sobre os procedimentos a serem
desenvolvidos pelo pesquisador. Visto como um
instrumento que formaliza o processo pelo qual
o sujeito é informado amplamente sobre a
investigação, cabe ao pesquisador antes de
obtê-lo tomar alguns cuidados, especialmente
quando se trata de crianças. Nesses casos é
essencial lembrar que por serem tuteladas legal-
mente são seus pais ou responsáveis que devem
anuir com sua participação na pesquisa:
Antes de solicitar o consentimento deve
fornecer informações em linguagem clara e
adequada à idade da criança para que possa
compreender os objetivos, métodos e divul-
gação dos resultados da pesquisa;
Os benefícios previstos para os participan-
tes ou para terceiros; os riscos ou descon-
fortos previstos associados a sua participa-
ção; o sigilo dos registros em que o partici-
pante estiver identificado;
As responsabilidades do pesquisador em
prestar atendimento de saúde ou outros
encaminhamentos que se fizerem necessá-
rios; garantia de que será fornecido trata-
mento gratuito para danos específicos liga-
dos a pesquisa;
Que o indivíduo/criança é livre para recu-
sar-se a participar e livre para abandonar a
pesquisa no momento que desejar sem
penalidades ou perda dos benefícios previs-
tos.
Para que o consentimento seja espontâneo e
legítimo, o indivíduo convidado a participar da
pesquisa precisa ter a compreensão clara acer-
ca da mesma e a oportunidade de decidir livre-
mente sobre a sua participação. Nesse sentido,
o processo para a obtenção do consentimento
deve envolver confiança, respeito, diálogo,
paciência e persistência na relação pesquisa-
dor-sujeito sem influência de outras pessoas 6
.
Um aspecto importante a ser lembrado é que
o consentimento só deverá ser assinado quan-
do o sujeito tiver conhecimento adequado
acerca da pesquisa e total oportunidade de
sanar suas dúvidas, excluindo a possibilidade
de intimidação. Assim sendo, para que a
obtenção do consentimento seja eficaz, há que
se garantir o esclarecimento dos sujeitos para
que possa ter uma verdadeira decisão 11
.
Se o conceito de vulnerabilidade pode ser
definido como uma incapacidade substancial
para proteger os próprios interesses, devido a
impedimentos tais como falta de capacidade
para fornecer consentimento 3
, torna-se nítido
que os indivíduos sem autonomia plena, os
ditos vulneráveis, entre eles as crianças, mere-
cem abordagem especial. Alguns autores 3, 6, 7
chegam a argumentar que as crianças só
141
devem ser envolvidas em pesquisa quando o
propósito é obter conhecimento relevante
sobre suas necessidades de saúde, evitando
assim que sejam envolvidas em investigações
que possam ser realizadas em adultos, ou seja,
indivíduos com plena autonomia. A Resolu-
ção 196 no item III. 3.j reafirma esse aspecto
e reitera que o direito dos indivíduos vulnerá-
veis deve ser assegurado, garantindo proteção
à sua vulnerabilidade 1
.
Apesar da maioria dos códigos legais transfe-
rir para a família a decisão sobre a participa-
ção ou não em pesquisa dos menores de idade,
reafirma-se aqui que além do consentimento
dos pais ou representantes legais é importante
ter também o assentimento da própria crian-
ça. Diversos autores 6, 7, 12
defendem essa posi-
ção, recomendando que o consentimento da
criança seja incentivado e obtido, dando-lhe a
oportunidade, conforme sua capacidade cog-
nitiva, de discernir o que lhe pode causar mal.
Para isso, o pesquisador deve oferecer explica-
ções contextualizadas sobre o estudo de acor-
do com a fase de desenvolvimento da criança
e sua cultura 12
. É isso que garante a validade
moral e ética da pesquisa 6, 7, 12
. Assim, sempre
que possível é importante obter o consenti-
mento do responsável e da própria criança.
Por outro lado, a recusa da criança em dar seu
consentimento para participar da pesquisa
deve ser sempre respeitada.
Em pesquisas com crianças em situação de
risco pessoal e social (vítima de violência
doméstica, abandono, negligência, dentre
outras), o pesquisador pode enfrentar dificul-
dades para obter o consentimento, pois os
pais ou responsáveis podem não autorizar a
participação da criança na investigação. Con-
siderando que as pesquisas com crianças em
situações de risco podem ser um meio para
dar voz a esses sujeitos que estão expostos aos
riscos, cabe ao pesquisador buscar alternativas
para obter a autorização para a realização do
estudo. O Conselho Federal de Psicologia,
por meio da Resolução CFP 16/00, que dis-
põe sobre a realização de pesquisas em Psico-
logia com seres humanos, em seu artigo 7º
afirma que os pesquisadores não aceitarão o
Consentimento Livre e Esclarecido de pais
que não tenham contato sistemático e nem
conheçam bem os filhos; que não tenham
condições cognitivas para avaliar as
consequências da participação da criança na
pesquisa e, que tenham abusado, negligencia-
do, ou sido coniventes com o abuso ou negli-
gência de seus filhos 13
. No entanto, essas
situações não isentam o pesquisador de obter
o consentimento de representantes legais ou
por intermédio do conselho tutelar, conforme
prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Resolução 196 1,2
.
Divulgação dos resultados
Outro aspecto que merece ser abordado aqui
é a divulgação dos resultados da pesquisa.
Essa questão já foi lembrada na Declaração de
Helsinque que, em sua última edição, aprova-
da em 1996, afirmava que relatos de experi-
mentação fora dos princípios desta declaração
não devem ser aceitos para publicação 4
. A
Declaração de Helsinque foi revisada posterior-
mente e na última destas, foram feitas duas
notas de esclarecimento aos parágrafos 29 e
Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
142 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
30, colocando em risco avanços importantes
com referência às diretrizes éticas para a pes-
quisa com seres humanos do mundo todo 15
.
Na realidade brasileira, a Resolução CNS
196/96 exige que os protocolos de pesquisa
sejam aprovados por um comitê ou comissão
de ética em pesquisa e estabelece que indepen-
dentemente dos achados, favoráveis ou não,
os resultados das pesquisas com seres huma-
nos devem ser tornados públicos. É de res-
ponsabilidade do investigador prever procedi-
mentos para assegurar a confidencialidade e a
privacidade dos pesquisados. A Resolução
prevê ainda que em caso de interrupção ou
não publicação dos resultados o pesquisador
deve justificar ao comitê de ética que aprovou
o projeto 1
. Cabe ao pesquisador, no momento
que solicitar o consentimento para a partici-
pação dos sujeitos na investigação obter a
autorização para a divulgação dos resultados.
Como a devolução dos resultados da pesquisa
deve ser preocupação dos pesquisadores os
investimentos para sua efetivação devem ser
feitos desde a elaboração do projeto. Os resul-
tados devem ser divulgados não apenas aos
participantes, mas também à comunidade a
qual pertencem. A apresentação dos resulta-
dos da pesquisa não deve ser apenas um
momento de repasse de informações, mas um
espaço para reflexões, questionamentos e dis-
cussões, de forma a explicitar adequadamente
os achados 14
.
Face a toda regulamentação ética acerca da
pesquisa envolvendo seres humanos, observa-
se que as revistas científicas internacionais e
nacionais têm como exigência de aceite para
análise e posterior publicação de estudos e
pesquisas, projetos que tenham sido aprova-
dos por comissões ou comitês de ética institu-
cionais. Além disso, a maioria delas faz refe-
rência ao cumprimento das recomendações da
Declaração de Helsinque e da Resolução 196
pelo pesquisador responsável. A divulgação
dos resultados de uma pesquisa pela publica-
ção de artigos científicos ou outros meios
exerce papel fundamental para disseminar
novos conhecimentos científicos, bem como a
defesa dos princípios éticos. Nesse sentido, as
revistas científicas podem ser consideradas
elementos de fundamental importância.
Confidencialidade
Na pesquisa com crianças, o sigilo das infor-
mações, a garantia do anonimato e a proteção
da identidade também merece o cuidado do
pesquisador. Esse cuidado, além de respeitar a
questão ética e legal, ainda facilita uma rela-
ção mais espontânea e descontraída entre pes-
quisado e pesquisador. É preciso ressaltar que
existe diferença entre anonimato e confiden-
cialidade: no anonimato o pesquisador é inca-
paz de estabelecer uma ligação entre os acha-
dos e o sujeito a que eles se referem; na con-
fidencialidade, embora o pesquisador possa
estabelecer a ligação entre dados e sujeito,
assume o compromisso de não revelá-los.
Em relação à privacidade e confidencialidade
das informações, os adolescentes são particu-
larmente preocupados com ela e o pesquisador
precisa oferecer a garantia de que as informa-
ções fornecidas por ele não serão divulgadas,
143
principalmente para a família ou escola, desde
que não impliquem em risco de vida ou neces-
sidade de intervenção da família para a preser-
vação da integridade física e psíquica do pró-
prio adolescente 16
. Cabe também ao pesquisa-
dor negociar com a criança quais informações
obtidas com o estudo poderão ser divulgadas.
Considerando que o sigilo e a confidencialida-
de fazem parte da abordagem profissional,
respaldados nos códigos de ética profissional,
bem como no ECA, é dever de todos os pro-
fissionais e pesquisadores zelar pela proteção
integral da criança. No entanto, em situações
de risco social ou pessoal o pesquisador pode
encontrar-se diante de um dilema ético: man-
ter o sigilo acordado antes de iniciar a pesqui-
sa ou denunciar os riscos que envolvem os
pesquisados, percebidos a partir das informa-
ções obtidas pelo estudo?
Levando em conta a Bioética Principialista,
Silva, Lisboa e Koller 12
consideram que a que-
bra de confidencialidade pode ser admitida em
três circunstâncias que não atentam contra a
prática eticamente correta: quando o princípio
da não maleficência corre o risco de ser infrin-
gido, vale dizer, quando existe a possibilidade
de um dano grave envolvendo o sujeito de pes-
quisa; quando a quebra de confidencialidade
resultar em benefício real para o pesquisado
(princípio da beneficência); quando for o últi-
mo recurso, após terem sido esgotados todos
os argumentos ou abordagens de persuasão
(respeito ao princípio da autonomia).
Diante da exigência de quebra do sigilo em
situação de pesquisa, cabe ao investigador
informar a criança participante do estudo da
necessidade de quebra do acordo inicial e lan-
çar mão de estratégias de sensibilização para
que o pesquisado tome a iniciativa de revelar
o problema e dialogar com a família 16
. É
dever ético do pesquisador como profissional
ou cidadão nos casos que indiquem risco de
vida ou situações que necessitem de interven-
ção de outros âmbitos, estar instrumentaliza-
do para tomar medidas interventivas, seja
revelando à família o problema, seja denun-
ciando e encaminhando o caso às autoridades
competentes, de forma a reduzir o dano e
garantir a proteção à criança.
Ao pensar nas questões éticas que envolvem
uma investigação com criança, o pesquisador,
antes de tudo, deve considerar e aceitar que a
criança, assim como o adulto, tem sua digni-
dade, capacidade e grau de autonomia 6
. Por
fim, é indispensável ressaltar que a preocupa-
ção ética não deve estar presente somente na
fase de elaboração do projeto, mas deve per-
mear todo processo da investigação e divulga-
ção de resultados.
Comentários finais
A pesquisa envolvendo crianças é uma área
complexa que impõe questionamento mais
aprofundado acerca das questões metodológi-
cas e éticas. Espera-se que as discussões aqui
apresentadas possam oferecer subsídios aos
profissionais que desenvolvem investigações
com a população infantil, estimulando-os a
dar continuidade a este debate a fim de encon-
trar alternativas para os problemas e conflitos
éticos do cotidiano da pesquisa.
Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
144 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos
Assim como toda e qualquer investigação, a
pesquisa envolvendo crianças deve respeitar e
primar pelos princípios éticos, assegurando os
direitos e deveres dos sujeitos envolvidos. O
desenvolvimento da humanidade impõe a pre-
sença continua da ética na pesquisa, na busca
de práticas capazes de promover a dignidade
humana e a qualidade de vida de nossas crian-
ças. Para isso, exige-se cada vez mais uma ati-
tude de responsabilidade e competência ética e
moral dos pesquisadores, sujeitos conscientes
que não podem estar submetidos às demandas
do progresso e do domínio tecnocientífico.
Por fim, entendemos que o avanço na área de
pesquisa com crianças só será possível se pauta-
do em princípios e valores éticos; que busquem
esclarecer o que normativamente deve ou não
deve ser feito, o que pode ou não ser feito dian-
te das possibilidades da investigação científica.
Resumen
Investigación con niños: aspectos éticos
Considerando la vulnerabilidad bio-psico-social de los niños, la investigación emprendida con
estos sujetos involucra cuestiones propias que deben ser respectadas. Este trabajo tiene como
objetivo estimular el debate de las cuestiones metodológicas y éticas de la investigacion con
niños, a partir de encuesta de la teoría y de la reglamentación en investigación involucrando seres
humanos disponibles en la literatura. Se trata de un breve rescaldo histórico de la ética de la
investigación, enfocando el niño y los cuidados que los investigadores deben tomar para atender
a los principios éticos en la investigación. El presente trabajo es una contribución para una visión
más ética en la investigación involucrando niños, en la área de salud, una vez que este tipo de
investigación en la actualidad es una área compleja que suscita más cuestiones do que presenta
respuestas adecuadas.
Palabras-clave: Investigación. Niño. Ética en investigación. Bioética.
Abstract
Research involving children: ethical aspects
Considering the bio-psycho-social children vulnerability the research developed with these
subjects involves peculiar ethical questions that should be respected. This paper aim as
encouraging the methodological and ethical research questions debate, through theoretical
conception and regulation in research involving human beings, available on contemporary
literature it’s about a brief historical rescue of ethic in research, focusing the child and the care
145
that research should take in order to obey the ethical research principles. The present paper is a
contribution to the building of a more ethical look to the children researches in health area, once
this kind of research nowadays is a complex area that comes up with more questions about the
ethical and methodological aspects, than properly answers.
Key words: Research. Child. Ethic, Research. Bioethics.
Referências
Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes1.
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Recebido: 25.6.2008 Aprovado: 17.3.2009 Aprovação final: 21.4.2009
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  • 1. 135 A pesquisa científica tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento da ciência. Na área da saúde a pesquisa atua para desvendar novos métodos na prevenção da doença, recuperação e reabilitação da saúde. Considerando a vulne- rabilidade biopsicosocial de crianças e adolescentes, a pes- quisa desenvolvida com estes sujeitos envolve questões éticas próprias, que devem ser respeitadas. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde carac- teriza a pesquisa envolvendo seres humanos como aquela que individual ou coletivamente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais 1 . A pesquisa também pode abranger pessoas que não têm condições para decidir sobre sua participação neste tipo de atividade: porta- dores de problemas mentais, idosos, gestantes, indivíduos hospitalizados, presidiários, estudantes, militares e, espe- cialmente, fetos, recém-nascidos, crianças e adolescentes, aqui destacados por serem objeto desse artigo. As últimas décadas do século XX foram marcadas por ine- gáveis avanços para a infância brasileira, conquistas que se deram inclusive no campo legal, com a criação do Estatuto Maria Aparecida Munhoz Gaiva enfermeira, professora doutora da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller/ UFMT, Mato Grosso, Brasil Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos Maria Aparecida Munhoz Gaiva Resumo Considerando a vulnerabilidade biopsicossocial das crianças, a pesquisa empreendida com estes sujeitos envolve questões éticas próprias que devem ser respeitadas. Este ensaio tem como objetivo estimular o debate das questões metodológicas e éticas da pesquisa com crianças, a partir do levantamento da conceituação teórica e da regulamentação em pesquisa envolvendo seres humanos, disponíveis na literatura atual. Trata-se de um breve resgate histórico da ética em pesquisa, enfocando a criança e os cuidados que os pesquisadores devem tomar para atender aos princípios éticos na pesquisa com essa população. O presente ensaio é uma contribuição para construir um olhar mais ético nas pesquisas desenvolvidas com crianças, na área da saúde, uma vez que este tipo de investigação é, na atualidade, uma área complexa que levanta mais questões acerca dos aspectos metodológicos e éticos, do que propriamente respostas. Palavras chave: Pesquisa. Criança. Ética em pesquisa. Bioética. Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 2. 136 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos da Criança e do Adolescente (ECA) 2 . Cresce a aceitação de que a criança é cidadão de direitos e a infância assume definitivamente seu papel perante a sociedade. No passado as crianças eram tomadas mais como objetos do que como sujeitos de estu- dos, reflexos da perspectiva de desenvolvimen- to que considerava a criança como incapaz de ver e descrever seu próprio mundo, além das dificuldades inerentes da pesquisa com esse grupo etário. Atualmente os pesquisadores estão reconhecendo a importância de consi- derar a criança como participante de suas investigações, sejam elas em ambiente clínico ou não, principalmente em estudos que traba- lhem com a perspectiva da criança, uma fonte rica de dados e que merece ser mais bem explorada. Este ensaio tem como objetivo estimular o debate das questões éticas da pesquisa envol- vendo crianças, a partir de levantamento das conceituações teóricas e da regulamentação em pesquisa envolvendo seres humanos, dis- poníveis na literatura. Trata-se, de breve resga- te histórico da ética em pesquisa, enfocando a criança, que aponta os cuidados que os pesqui- sadores devem tomar para atender aos princí- pios éticos nas pesquisas realizadas com elas. A preocupação ética na pesquisa envolvendo seres humanos Historicamente, a investigação científica teve seus primórdios há mais de quatro séculos, considerando-se, inclusive, que alguns princí- pios éticos como a beneficência, confidenciali- dade e não maleficência já eram relevantes para a prática médica desde o tempo de Hipócrates. No entanto, a pesquisa envolvendo seres huma- nos de forma metodologicamente planejada é bem mais recente, data do século passado. Foi somente em 1947 que o mundo teve a primeira normatização sobre pesquisa cientí- fica em seres humanos, por meio do Código de Nuremberg (Universal Code of Research Ethics). Ele surge a partir da conscientização da humanidade acerca das atrocidades cometidas nos campos de concentração nazistas na II Guerra Mundial 3 . O código tem em seu bojo a preocupação com a experimentação huma- na, ou seja, define diretrizes e regras de con- duta nos processos que envolvem seres huma- nos, no sentido de se alcançar resultados a partir de teorias que não possam ser compro- vadas por outros meios. Em virtude do pequeno alcance do código, já que os abusos continuavam existindo, a Assembleia da Associação Médica Mundial (AMM), em 1964, proclama a Declaração de Helsinque, um elenco de normas éticas sobre pesquisa em seres humanos, tanto para pes- quisas clínicas como não clínicas 4 . Nas déca- das seguintes a questão ética continua a mere- cer atenção de órgãos e instituições da área da saúde. Assim, em 1991, a Assembleia da AMM elabora o documento Diretrizes Inter- nacionais para a Revisão Ética de Estudos Epi- demiológicos 3 . O Brasil participou como signatário de todas essas resoluções que recomendavam a criação de sistemas internos em cada país, capazes de
  • 3. 137 efetivar o controle dos métodos e procedimen- tos de pesquisa. Em 1988, o Conselho Nacio- nal de Saúde (CNS) elaborou a primeira resolução destinada a regulamentar a pesquisa com seres humanos no país, voltada naquele momento para a área de novos medicamen- tos. Em 1996, este documento foi revisto e passou a regulamentar as pesquisas com seres humanos em todas as áreas, por meio da Resolução CNS 196/96 1 . A principal característica da Resolução 196 é a preocupação com a dignidade da pessoa humana, manifestada por intermédio dos princípios fundamentais da autonomia, bene- ficência, não maleficência, justiça e equida- de. Esta perspectiva, prima pela defesa dos interesses dos sujeitos da pesquisa, promo- vendo o respeito pela pessoa humana e sua dignidade. A criança mereceu por longo tempo da his- tória muito pouca atenção por parte dos pesquisadores. Até mesmo os animais mere- ceram inicialmente mais atenção nas pes- quisas do que elas. A criação da primeira sociedade de defesa dos animais frente a crueldades nas experiências científicas ocor- reu em 1845, na França, antes da institui- ção da The American Society for the Preven- tion of Cruelty to Children, nos Estados Uni- dos (EUA), criada em 1847. Esta última traçou seus princípios tomando por base as diretrizes da primeira, destinadas à defesa dos animais. A partir do final do século XIX vários outros países começaram a despertar para a proble- mática da pesquisa envolvendo crianças. Foi assim que em 1901 a Prússia proibiu a pes- quisa em crianças, com objetivos outros que não diagnóstico, terapêutica ou imunização. A Alemanha também proibiu em 1931, a participação de menores (crianças) em pesqui- sas, em situações que evidenciassem riscos associados. O Código Universal de Ética em Pesquisa, ins- tituído em 1947 pelo Tribunal de Nurem- berg, não faz referência explicita a partici- pação de crianças 3 . Por outro lado, a Decla- ração de Helsinque permite a participação das crianças, desde que seus responsáveis legais consintam 4 . O envolvimento da criança em pesquisas foi alvo de outras discussões e regulamentações específicas, inclusive no Brasil, onde a Reso- lução 196/96 também estabeleceu que deve ser obtido o consentimento dos indivíduos menores de 18 anos, quando existirem condi- ções de compreensão, além do consentimento de seu representante legal 1 . Ainda nesse sentido, o Ministério da Justiça, por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), esta- beleceu em 1995 os Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados, por meio da Resolução Conanda 041/95, que privilegia a questão da participação dos mesmos nas pes- quisas, prevendo no seu artigo 12, o direito de não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnós- ticas e terapêuticas, sem o consentimento infor- mado de seus pais ou responsáveis e o seu pró- prio, quando tiver discernimento para tal 5 . Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 4. 138 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos Para operacionalizar os preceitos legais a Resolução 196/96 prevê que todas as pesqui- sas envolvendo seres humanos sejam aprova- das por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), que tem, até mesmo, o poder de inter- romper a investigação em execução; além do papel de aprimorar a qualidade da pesquisa. Para tal, o CNS estabelece que todas as insti- tuições que realizam pesquisa envolvendo seres humanos devam ter um CEP. Os comitês de ética em pesquisa foram um grande avanço para a sociedade brasileira, uma vez que possibilitaram que pesquisadores e instituições obtivessem o respaldo institu- cional para a realização de pesquisas, além de ser um espaço de reflexão e decisão para as questões éticas e metodológicas das investiga- ções 6 . Ao discutir ética em pesquisa devem-se con- siderar quatro princípios éticos básicos como eixos norteadores dos projetos: respeito pela pessoa, beneficência, não maleficência e jus- tiça 1, 3 . De forma sintética se pode dizer que o respeito pela pessoa deve atender/primar pelo respeito a sua autonomia para deliberar sobre suas escolhas, além de proteger contra danos ou abusos as pessoas com autonomia diminuída (dependentes/vulneráveis). A beneficência refere-se à obrigação ética de maximizar benefícios e a não maleficência minimizar danos ou prejuízos, ou seja, a pesquisa tem que salvaguardar o bem-estar dos participantes. O princípio da justiça na pesquisa exige a distribuição equânime tanto dos ônus como dos benefícios da participação na pesquisa 3 . A ética na pesquisa envolvendo crianças As crianças são atores sociais e, como tais, são também produtores de dados para estu- dos/pesquisas. No entanto, apresentam carac- terísticas em seu desenvolvimento que as tor- nam vulneráveis nos aspectos bio-psico-so- cial. Assim sendo, sua participação em pes- quisa deve ser vista de forma cuidadosa pelos pesquisadores. Por outro lado, deve-se consi- derar que pesquisas para testes de medica- mentos, vacinas e meios diagnósticos realiza- dos em adultos, que apresentam resultados válidos e seguros, nem sempre são da mesma forma válidos ou apresentam os mesmos resultados em crianças, sendo que muitos desses medicamentos nunca foram testados em clientela infantil. Apesar do conhecimento dos aspectos éticos próprios à aplicação da pesquisa envolvendo crianças, muitas vezes, elas ainda não são res- peitadas pelos pesquisadores 7 . Considerando a regulamentação nacional e internacional acerca da pesquisa envolvendo seres humanos, algumas resoluções específicas ao grupo infan- til e as exigências dos CEP para a análise de propostas de pesquisas, discutir-se-á a seguir alguns cuidados éticos que os pesquisadores devem tomar ao elaborar e executar um pro- jeto de pesquisa envolvendo crianças. Relevância O primeiro aspecto a destacar é que o tema da pesquisa deve ter relevância considerável, com benefícios para a população que ultrapasse os
  • 5. 139 riscos aos quais as crianças seriam submeti- das. Para isso, o pesquisador deve respeitar os princípios de não maleficência e beneficência. É importante salientar que aquelas pesquisas que preveem benefícios mínimos para as crianças mereceriam maior rigor avaliativo para sua realização quanto ao aspecto ético, pois estariam tirando muito e oferecendo pouco retorno ao segmento estudado. Risco Os riscos da pesquisa para a criança também merecem a atenção cuidadosa do pesquisador, bem como dos comitês ou comissões de ética. Alguns comitês de ética em pesquisa têm tido o cuidado em só autorizar pesquisas em crian- ças com risco mínimo, ou seja, o mesmo grau de risco encontrado em seu cotidiano. Por outro lado, diversos pesquisadores argumentam que a definição de risco mínimo como igual ou nenhum risco, tem levado a um excesso de pro- teção à criança e pode privá-la de investigações necessárias em algumas áreas, dentre elas a psi- quiatria da infância e adolescência 8 . Em decor- rência, muitos investigadores têm defendido a necessidade de novas definições de risco míni- mo, com a preocupação de não inviabilizar a pesquisa envolvendo esse grupo populacional. É importante salientar que todas as pesquisas envolvendo crianças precisam ser analisadas de forma que os riscos e benefícios sejam mais bem considerados, em defesa da proteção da criança/sujeito. Se a análise dos riscos envol- vidos em qualquer pesquisa com seres huma- nos é de fundamental importância na deter- minação de sua validade ética, a condição de especial e acentuada vulnerabilidade da crian- ça torna tal ponderação essencial. Consentimento Um aspecto ético que se faz importante des- tacar é o consentimento. A origem da noção de consentimento, como atualmente assumi- do pela ciência médica, encontra-se, na verda- de, na área jurídica, surgindo pela primeira vez em 1914, nos EUA, associado ao caso Schloendorff versus Society of New York Hospi- tal. Se essa exigência surge primeiramente na prática clínica, é na experimentação humana que, efetivamente, a necessidade fundamental do consentimento se acentua, dissemina e internacionaliza 9 . Historicamente o consentimento foi se con- substanciando, oficializado inicialmente no Código de Nuremberg e tornando-se, a partir da Declaração de Helsinque, uma exigência de fato, que implicava em tomar o termo por escrito dos sujeitos. Durante as décadas seguin- tes a prática de solicitar o consentimento começa lentamente a se impor. Gradativamen- te, os pesquisadores foram tomando consciên- cia da necessidade de obtê-lo, o que o torna hoje uma prática generalizadamente aceita. Na medicina hipocrática o consentimento era sustentado no princípio da beneficência, e não a partir do princípio da autonomia, como na medicina atual. Uma reflexão bio- ética sobre os códigos deontológicos médicos mostra que até meados do século XX, os códigos reafirmam a relação assimétrica entre médicos e pacientes, estes últimos con- Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 6. 140 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos siderados incapazes para tomar decisões, cabendo exclusivamente ao profissional o poder decisório 10 . O consentimento em pesquisa é uma exigên- cia moral a ser observada por investigadores, já que decorre do reconhecimento do outro/sujei- to, como pessoa capaz de autodeterminação. A obrigatoriedade moral em respeitar a autono- mia do outro é também um requisito legal, um direito individual que a sociedade protege 9 . O consentimento em pesquisa refere-se a um processo no qual o sujeito envolvido direta ou indiretamente na investigação recebe orienta- ção detalhada sobre os procedimentos a serem desenvolvidos pelo pesquisador. Visto como um instrumento que formaliza o processo pelo qual o sujeito é informado amplamente sobre a investigação, cabe ao pesquisador antes de obtê-lo tomar alguns cuidados, especialmente quando se trata de crianças. Nesses casos é essencial lembrar que por serem tuteladas legal- mente são seus pais ou responsáveis que devem anuir com sua participação na pesquisa: Antes de solicitar o consentimento deve fornecer informações em linguagem clara e adequada à idade da criança para que possa compreender os objetivos, métodos e divul- gação dos resultados da pesquisa; Os benefícios previstos para os participan- tes ou para terceiros; os riscos ou descon- fortos previstos associados a sua participa- ção; o sigilo dos registros em que o partici- pante estiver identificado; As responsabilidades do pesquisador em prestar atendimento de saúde ou outros encaminhamentos que se fizerem necessá- rios; garantia de que será fornecido trata- mento gratuito para danos específicos liga- dos a pesquisa; Que o indivíduo/criança é livre para recu- sar-se a participar e livre para abandonar a pesquisa no momento que desejar sem penalidades ou perda dos benefícios previs- tos. Para que o consentimento seja espontâneo e legítimo, o indivíduo convidado a participar da pesquisa precisa ter a compreensão clara acer- ca da mesma e a oportunidade de decidir livre- mente sobre a sua participação. Nesse sentido, o processo para a obtenção do consentimento deve envolver confiança, respeito, diálogo, paciência e persistência na relação pesquisa- dor-sujeito sem influência de outras pessoas 6 . Um aspecto importante a ser lembrado é que o consentimento só deverá ser assinado quan- do o sujeito tiver conhecimento adequado acerca da pesquisa e total oportunidade de sanar suas dúvidas, excluindo a possibilidade de intimidação. Assim sendo, para que a obtenção do consentimento seja eficaz, há que se garantir o esclarecimento dos sujeitos para que possa ter uma verdadeira decisão 11 . Se o conceito de vulnerabilidade pode ser definido como uma incapacidade substancial para proteger os próprios interesses, devido a impedimentos tais como falta de capacidade para fornecer consentimento 3 , torna-se nítido que os indivíduos sem autonomia plena, os ditos vulneráveis, entre eles as crianças, mere- cem abordagem especial. Alguns autores 3, 6, 7 chegam a argumentar que as crianças só
  • 7. 141 devem ser envolvidas em pesquisa quando o propósito é obter conhecimento relevante sobre suas necessidades de saúde, evitando assim que sejam envolvidas em investigações que possam ser realizadas em adultos, ou seja, indivíduos com plena autonomia. A Resolu- ção 196 no item III. 3.j reafirma esse aspecto e reitera que o direito dos indivíduos vulnerá- veis deve ser assegurado, garantindo proteção à sua vulnerabilidade 1 . Apesar da maioria dos códigos legais transfe- rir para a família a decisão sobre a participa- ção ou não em pesquisa dos menores de idade, reafirma-se aqui que além do consentimento dos pais ou representantes legais é importante ter também o assentimento da própria crian- ça. Diversos autores 6, 7, 12 defendem essa posi- ção, recomendando que o consentimento da criança seja incentivado e obtido, dando-lhe a oportunidade, conforme sua capacidade cog- nitiva, de discernir o que lhe pode causar mal. Para isso, o pesquisador deve oferecer explica- ções contextualizadas sobre o estudo de acor- do com a fase de desenvolvimento da criança e sua cultura 12 . É isso que garante a validade moral e ética da pesquisa 6, 7, 12 . Assim, sempre que possível é importante obter o consenti- mento do responsável e da própria criança. Por outro lado, a recusa da criança em dar seu consentimento para participar da pesquisa deve ser sempre respeitada. Em pesquisas com crianças em situação de risco pessoal e social (vítima de violência doméstica, abandono, negligência, dentre outras), o pesquisador pode enfrentar dificul- dades para obter o consentimento, pois os pais ou responsáveis podem não autorizar a participação da criança na investigação. Con- siderando que as pesquisas com crianças em situações de risco podem ser um meio para dar voz a esses sujeitos que estão expostos aos riscos, cabe ao pesquisador buscar alternativas para obter a autorização para a realização do estudo. O Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução CFP 16/00, que dis- põe sobre a realização de pesquisas em Psico- logia com seres humanos, em seu artigo 7º afirma que os pesquisadores não aceitarão o Consentimento Livre e Esclarecido de pais que não tenham contato sistemático e nem conheçam bem os filhos; que não tenham condições cognitivas para avaliar as consequências da participação da criança na pesquisa e, que tenham abusado, negligencia- do, ou sido coniventes com o abuso ou negli- gência de seus filhos 13 . No entanto, essas situações não isentam o pesquisador de obter o consentimento de representantes legais ou por intermédio do conselho tutelar, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Resolução 196 1,2 . Divulgação dos resultados Outro aspecto que merece ser abordado aqui é a divulgação dos resultados da pesquisa. Essa questão já foi lembrada na Declaração de Helsinque que, em sua última edição, aprova- da em 1996, afirmava que relatos de experi- mentação fora dos princípios desta declaração não devem ser aceitos para publicação 4 . A Declaração de Helsinque foi revisada posterior- mente e na última destas, foram feitas duas notas de esclarecimento aos parágrafos 29 e Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 8. 142 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos 30, colocando em risco avanços importantes com referência às diretrizes éticas para a pes- quisa com seres humanos do mundo todo 15 . Na realidade brasileira, a Resolução CNS 196/96 exige que os protocolos de pesquisa sejam aprovados por um comitê ou comissão de ética em pesquisa e estabelece que indepen- dentemente dos achados, favoráveis ou não, os resultados das pesquisas com seres huma- nos devem ser tornados públicos. É de res- ponsabilidade do investigador prever procedi- mentos para assegurar a confidencialidade e a privacidade dos pesquisados. A Resolução prevê ainda que em caso de interrupção ou não publicação dos resultados o pesquisador deve justificar ao comitê de ética que aprovou o projeto 1 . Cabe ao pesquisador, no momento que solicitar o consentimento para a partici- pação dos sujeitos na investigação obter a autorização para a divulgação dos resultados. Como a devolução dos resultados da pesquisa deve ser preocupação dos pesquisadores os investimentos para sua efetivação devem ser feitos desde a elaboração do projeto. Os resul- tados devem ser divulgados não apenas aos participantes, mas também à comunidade a qual pertencem. A apresentação dos resulta- dos da pesquisa não deve ser apenas um momento de repasse de informações, mas um espaço para reflexões, questionamentos e dis- cussões, de forma a explicitar adequadamente os achados 14 . Face a toda regulamentação ética acerca da pesquisa envolvendo seres humanos, observa- se que as revistas científicas internacionais e nacionais têm como exigência de aceite para análise e posterior publicação de estudos e pesquisas, projetos que tenham sido aprova- dos por comissões ou comitês de ética institu- cionais. Além disso, a maioria delas faz refe- rência ao cumprimento das recomendações da Declaração de Helsinque e da Resolução 196 pelo pesquisador responsável. A divulgação dos resultados de uma pesquisa pela publica- ção de artigos científicos ou outros meios exerce papel fundamental para disseminar novos conhecimentos científicos, bem como a defesa dos princípios éticos. Nesse sentido, as revistas científicas podem ser consideradas elementos de fundamental importância. Confidencialidade Na pesquisa com crianças, o sigilo das infor- mações, a garantia do anonimato e a proteção da identidade também merece o cuidado do pesquisador. Esse cuidado, além de respeitar a questão ética e legal, ainda facilita uma rela- ção mais espontânea e descontraída entre pes- quisado e pesquisador. É preciso ressaltar que existe diferença entre anonimato e confiden- cialidade: no anonimato o pesquisador é inca- paz de estabelecer uma ligação entre os acha- dos e o sujeito a que eles se referem; na con- fidencialidade, embora o pesquisador possa estabelecer a ligação entre dados e sujeito, assume o compromisso de não revelá-los. Em relação à privacidade e confidencialidade das informações, os adolescentes são particu- larmente preocupados com ela e o pesquisador precisa oferecer a garantia de que as informa- ções fornecidas por ele não serão divulgadas,
  • 9. 143 principalmente para a família ou escola, desde que não impliquem em risco de vida ou neces- sidade de intervenção da família para a preser- vação da integridade física e psíquica do pró- prio adolescente 16 . Cabe também ao pesquisa- dor negociar com a criança quais informações obtidas com o estudo poderão ser divulgadas. Considerando que o sigilo e a confidencialida- de fazem parte da abordagem profissional, respaldados nos códigos de ética profissional, bem como no ECA, é dever de todos os pro- fissionais e pesquisadores zelar pela proteção integral da criança. No entanto, em situações de risco social ou pessoal o pesquisador pode encontrar-se diante de um dilema ético: man- ter o sigilo acordado antes de iniciar a pesqui- sa ou denunciar os riscos que envolvem os pesquisados, percebidos a partir das informa- ções obtidas pelo estudo? Levando em conta a Bioética Principialista, Silva, Lisboa e Koller 12 consideram que a que- bra de confidencialidade pode ser admitida em três circunstâncias que não atentam contra a prática eticamente correta: quando o princípio da não maleficência corre o risco de ser infrin- gido, vale dizer, quando existe a possibilidade de um dano grave envolvendo o sujeito de pes- quisa; quando a quebra de confidencialidade resultar em benefício real para o pesquisado (princípio da beneficência); quando for o últi- mo recurso, após terem sido esgotados todos os argumentos ou abordagens de persuasão (respeito ao princípio da autonomia). Diante da exigência de quebra do sigilo em situação de pesquisa, cabe ao investigador informar a criança participante do estudo da necessidade de quebra do acordo inicial e lan- çar mão de estratégias de sensibilização para que o pesquisado tome a iniciativa de revelar o problema e dialogar com a família 16 . É dever ético do pesquisador como profissional ou cidadão nos casos que indiquem risco de vida ou situações que necessitem de interven- ção de outros âmbitos, estar instrumentaliza- do para tomar medidas interventivas, seja revelando à família o problema, seja denun- ciando e encaminhando o caso às autoridades competentes, de forma a reduzir o dano e garantir a proteção à criança. Ao pensar nas questões éticas que envolvem uma investigação com criança, o pesquisador, antes de tudo, deve considerar e aceitar que a criança, assim como o adulto, tem sua digni- dade, capacidade e grau de autonomia 6 . Por fim, é indispensável ressaltar que a preocupa- ção ética não deve estar presente somente na fase de elaboração do projeto, mas deve per- mear todo processo da investigação e divulga- ção de resultados. Comentários finais A pesquisa envolvendo crianças é uma área complexa que impõe questionamento mais aprofundado acerca das questões metodológi- cas e éticas. Espera-se que as discussões aqui apresentadas possam oferecer subsídios aos profissionais que desenvolvem investigações com a população infantil, estimulando-os a dar continuidade a este debate a fim de encon- trar alternativas para os problemas e conflitos éticos do cotidiano da pesquisa. Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 10. 144 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos Assim como toda e qualquer investigação, a pesquisa envolvendo crianças deve respeitar e primar pelos princípios éticos, assegurando os direitos e deveres dos sujeitos envolvidos. O desenvolvimento da humanidade impõe a pre- sença continua da ética na pesquisa, na busca de práticas capazes de promover a dignidade humana e a qualidade de vida de nossas crian- ças. Para isso, exige-se cada vez mais uma ati- tude de responsabilidade e competência ética e moral dos pesquisadores, sujeitos conscientes que não podem estar submetidos às demandas do progresso e do domínio tecnocientífico. Por fim, entendemos que o avanço na área de pesquisa com crianças só será possível se pauta- do em princípios e valores éticos; que busquem esclarecer o que normativamente deve ou não deve ser feito, o que pode ou não ser feito dian- te das possibilidades da investigação científica. Resumen Investigación con niños: aspectos éticos Considerando la vulnerabilidad bio-psico-social de los niños, la investigación emprendida con estos sujetos involucra cuestiones propias que deben ser respectadas. Este trabajo tiene como objetivo estimular el debate de las cuestiones metodológicas y éticas de la investigacion con niños, a partir de encuesta de la teoría y de la reglamentación en investigación involucrando seres humanos disponibles en la literatura. Se trata de un breve rescaldo histórico de la ética de la investigación, enfocando el niño y los cuidados que los investigadores deben tomar para atender a los principios éticos en la investigación. El presente trabajo es una contribución para una visión más ética en la investigación involucrando niños, en la área de salud, una vez que este tipo de investigación en la actualidad es una área compleja que suscita más cuestiones do que presenta respuestas adecuadas. Palabras-clave: Investigación. Niño. Ética en investigación. Bioética. Abstract Research involving children: ethical aspects Considering the bio-psycho-social children vulnerability the research developed with these subjects involves peculiar ethical questions that should be respected. This paper aim as encouraging the methodological and ethical research questions debate, through theoretical conception and regulation in research involving human beings, available on contemporary literature it’s about a brief historical rescue of ethic in research, focusing the child and the care
  • 11. 145 that research should take in order to obey the ethical research principles. The present paper is a contribution to the building of a more ethical look to the children researches in health area, once this kind of research nowadays is a complex area that comes up with more questions about the ethical and methodological aspects, than properly answers. Key words: Research. Child. Ethic, Research. Bioethics. Referências Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes1. e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos [online]. [acessado em 2008 Jul]. Disponível em:URL: http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc Brasil. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente2. [online]. [acessado em 2008 Jun]. Disponível em:URL: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L8069.htm. Pessini L, Barchifontaine CP. Problemas atuais de bioética. 5ª ed. São Paulo: Loyola; 2000.3. World Medical Association. Declaration of Helsinque. JAMA 1997;277:925-6.4. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução nº 41, de 135. de outubro de 1995. Dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Diário Oficial da União 1995 Out 17;seção I:16319-20. Alves JGB. A ética na pesquisa médica em crianças. Rev Bras Saúde Mater Infant 1997;6. 2(2):171-9. Arnold EL, Stoff DM, Cookie JR, Cohen DJ, Krusei M, Wright C, et al. Ethical issues in7. biological psychiatry research with children and adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatr 1995;34:929-39. Rohde LA, Eizerik M, Ketzer CR, Michalowski MB. Pesquisa em psiquiatria da infância e8. adolescência. Rev Neuropsiq da Inf e Adol 1999;7(1):25-31. Neves MCP. Contexto cultural e consentimento. In: Garrafa V, Pessini L, coordenadores.9. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola; 2003. p. 487-98. Siqueira JE. A bioética e a revisão dos códigos de conduta moral dos médicos no Brasil.10. Revista Bioética 2008;16(1):85-95. Aguirre AMB. O termo de consentimento livre e esclarecido: desafios e dificuldades em sua11. elaboração. In: Guerriero ICZ, Schimidt MLS, Zicker F, organizadores. Ética nas pesquisas em ciências humanas e sociais na saúde. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; 2008. p.206-22. Silva LN, Lisboa C, Koller SH. Bioética na pesquisa com crianças e adolescentes em situação12. de risco: dilemas sobre o consentimento e a confidencialidade. DST- J Bras Doenças Sex Transm 2005;17(3):201-6. Conselho Federal de Psicologia. Resolução no. 16, de 20 de dezembro de 2000. Realização13. Revista Bioética 2009 17 (1): 135 - 46
  • 12. 146 Pesquisa envolvendo crianças: aspectos éticos de pesquisa em psicologia com seres humanos [online]. [acesso em 2008 Jul]. Disponível em:URL: http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/ resolucao2000_16.pdf Lisboa C, Habigsang LF, Koller SH. Ética na pesquisa com temas delicados: estudos em14. psicologia com crianças e adolescentes e violência doméstica. In: Guerriero ICZ, Schimidt MLS, Zicker F, organizadores. Ética nas pesquisas em ciências humanas e sociais na saúde. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; 2008. p.176-92. Garrafa V, Prado MM. Alterações na Declaração de Helsinque: a história continua. Revista15. Bioética 2007;15(1):11-25. Costa MC, Bigras M. Mecanismos pessoais e coletivos de proteção e promoção da qualidade16. de vida para a infância e adolescência. Ciência & Saúde Coletiva 2007;12(5):1101-9. Recebido: 25.6.2008 Aprovado: 17.3.2009 Aprovação final: 21.4.2009 Contato Maria Aparecida Munhoz Gaiva – mamgaiva@yahoo.com.br Rua General Valle, 431, ap. 1304, Bairro Bandeirantes CEP 78010-000. Cuiabá/MT, Brasil.