Este artigo tem por objetivo apresentar a relação entre a mídia evangélica e a mídia secular através de um estudo de caso onde lideres religiosos neopentecostais são retratados aos olhos de um canal de entretenimento na internet. Para entender esta relação contemporânea é necessário olhar para o contexto histórico brasileiro onde estas relações apontaram para uma possível fusão, apesar de água e óleo. As relações de poder, interesses políticos em um momento específico da nossa história, permitiu que a religião criasse em paralelo, uma mídia para veicular seus ideais, suas leias e seus produtos. Como essa exposição pode levar o neopentecostalismo ao crescimento ou a perca de credibilidade aos olhos da indústria do entretenimento.
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
Lideres religiosos aos olhos do mundo canibal.
1. 3
OS LIDERES NEOPENTECOSTAIS AOS OLHOS DO MUNDO CANIBAL
A mídia, a tecnologia, o poder e a religião.
Simone Caetano SILVA
Graduanda de Pedagogia – FAE/UFMG
sicaetano@live.com
RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar a relação entre a mídia evangélica e a mídia secular através
de um estudo de caso onde lideres religiosos neopentecostais são retratados aos olhos de um canal
de entretenimento na internet. Para entender esta relação contemporânea é necessário olhar para o
contexto histórico brasileiro onde estas relações apontaram para uma possível fusão, apesar de
água e óleo. As relações de poder, interesses políticos em um momento específico da nossa
história, permitiu que a religião criasse em paralelo, uma mídia para veicular seus ideais, suas leias
e seus produtos. Como essa exposição pode levar o neopentecostalismo ao crescimento ou a perca
de credibilidade aos olhos da indústria do entretenimento.
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo trazer elementos analisados em vídeos de
entretenimento em um canal específico na internet onde a figura religiosa do pastor é exposta
como um tipo de “super herói”. Este canal de entretenimento na internet traz ao espectador
momentos “sacros” gravados nos templos evangélicos, totalmente editados e adaptados para o
objetivo final, o humor e a sátira. O nome deste site de entretenimento é Mundo Canibal, um site
de animações feitas por dois irmão, Ricardo Piologo e Rodrigo Piologo. O site tem um canal de
vídeos no youtube, sua vertente é o humor, às vezes humor negro. Todo conteúdo do site e do
canal de vídeo no youtube são de seus personagens desenhados e editados pela própria marca, as
histórias são cômicas e esdrúxulas. Dentro do canal Mundo Canibal no youtube, chamado de
youtuba (uma versão irônica do nome do site hospede), encontramos vários vídeos tipo
“amadores”, a equipe do Mundo Canibal criou na edição destes vídeos de eventos do cotidiano,
elementos de humor como apelidos engraçados a estes atores desconhecidos, pegos em momentos
não muito agradáveis, como um tombo, um descuido.
Estes vídeos me chamaram atenção, pois, no meio de vários personagens do
próprio site e “atores” desconhecidos, encontrei vídeos com nomes famosos no cenário evangélico
neopentecostal. A sátira a essas figuras religiosas, mais especificamente, lideres neopentencostais
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é um termômetro importante para medir a relação entre a religião, a mídia e o entretenimento.
Sabemos que estas são questões ainda em discussão dentro e fora das universidades, à relação da
religião com a mídia, a indústria do entretenimento, a política de pano de fundo e o poder. A
presença forte dos religiosos na política, interferindo em assuntos e questões que deveriam ser
isentas de julgamentos religiosos, a laicidade do estado brasileiro e o descrédito que a postura de
alguns desses líderes cultivaram na sociedade secular ao longo de anos de escândalos tanto nas
igrejas quanto na política, refletem na forma como a mídia secular retrata essas figuras.
Porque um site de humor secular (sem propagação do discurso religioso) tem
interesse em usar personalidades religiosas para o entretenimento? Representar estas figuras como
super-heróis tem algum sentido? Será que eles querem dizer alguma coisa com estes personagens?
Estas são perguntas que tentarei responder através desta pesquisa, contextualizando a história do
Brasil onde, a ascensão da mídia evangélica acontece em paralelo ao crescimento da industria
cultural brasileira permitindo o crescimento do seguimento e visibilidade não apenas para os fieis
daquela religião, mas a todo brasileiro que tem em sua casa um aparelho televisor ou um rádio.
2. O surgimento da mídia evangélica ao lado da mídia secular.
O crescimento da programação religiosa na TV brasileira nos últimos 20 anos tem
chamado atenção de todos, dos meios acadêmicos as rodas de conversas, nota-se que este
crescimento foi caracterizado após o que alguns pesquisadores chamam de movimento
neopetencostal. Os neopetencostais a partir das reflexões de Mariano (1999)1
são uma vertente
mais moderna dos pentencostais, que por sua vez, são uma das várias ramificações do
protestantismo, hoje empacotado e carimbado a grosso modo no bolo das igrejas evangélicas. Mas
a entrada dos evangélicos na programação da TV brasileira não se deu apenas nos últimos 20 anos,
segundo Fonseca (2003), 2
a mídia evangélica nasceu em paralelo á história da nossa TV. Outro
autor, Ortiz3
diz em seus estudos sobre a evolução da sociedade brasileira e dos meios de
comunicação, que mesmo de forma muitas vezes precária e improvisada, a mídia que se formava
nos anos 60 fez parte do processo de modernização do capitalismo e da indústria cultural
brasileira, assim como o rádio, seu desenvolvimento também veio com o uso da publicidade.
Então, posto isso, entendemos que os primeiros programas evangélicos na TV apresentavam
1
MARIANO, Ricardo. NeoPentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999
2
FONSECA,Alexandre.Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista : Editora Universitária São Francisco : Curitiba : Faculdade São
Boaventura, 2003.
3
Renato Ortiz, A moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
3. 5
precariedades inerentes a sua época, mas já estavam marcando presença na televisão brasileira. O
primeiro programa evangélico na TV assim como no rádio, foi apresentado pela igreja dos
adventistas em 1962, na cidade do Rio de Janeiro. O programa tinha por nome Fé para hoje,
apresentado pelo pastor Alcides Campolongo.
O cenário da época favoreceu o desenvolvimento da mídia como um todo,
principalmente nos anos de 60 e 70, mesmo durante a ditadura. O sonho do progresso, a
importação de produtos a abertura do país a novas tecnologias, o milagre econômico, foram
fatores principais para caracterizar este momento. O discurso político-pedagógico da época era de
convencimento, tal que para sustentar o projeto de modernização do país, os anúncios da época
interpelavam para que o indivíduo comprasse uma TV. E a religião encontrou neste quadro, o
espaço propício para expandir suas ideias, pensamentos e princípios já que o espaço midiático
oferece a todos uma oportunidade de encontro com uma realidade mítica no conforto dos lares
domésticos, através do tele-evangelismo. Ao contrário do que poderíamos pensar, autores como
Ortiz (2001) e Fonseca (2003) apontam que a mídia evangélica entrou em total conformidade com
a indústria de entretenimento que estava se formando pelo regime militar que impunha uma
programação alienante, de fácil assimilação e que ecoasse as regras e condutas desejadas pelo
sistema político. A programação evangélica foi bem-vinda pois a mensagem de moralismo,
civismo e espiritualidade respeitavam a cartilha ideológica em voga e não causaria perigos ao
sistema. Um outro fator que beneficiou a entrada das religiões como um todo na programação de
rádio e TV era a forma como a concessão de Rádio e TV funcionava no país. Essa era uma
atribuição exclusiva da Presidência da Republica, que utilizava dos critérios de “amizade” para
conceder e distribuir canais de TV e Rádio, essa política de concessão aconteceu até o governo de
FHC, antes da criação da Anatel, empresa criada para regulamentar o setor da comunicação no
Brasil. Porém, esta ainda era submetida ao poder executivo o que não impediu que as concessões
fossem utilizadas como moeda de troca entre as “religiões” e os políticos. Importante destacar
ainda que a presença de evangélicos na política foi e ainda é grande, o que pode facilitar ainda
mais as negociatas. O próprio ex-ministro das comunicações deu uma declaração a Folha de São
Paulo de 1987 dizendo que em igualdades de condições (técnica e financeira), ele jamais deixaria
de dar concessões a alguém que apoiaria o governo.
Com o surgimento na década de 70 e inicio da década de 80, das Igrejas
Eletrônicas4
Norte Americanas e seus tele-evangelistas, a programação brasileira abriu espaço em
suas grades para que estes programas expandissem em areias tupiniquins. O foco da igreja
eletrônica era a suposta “expansão” do programa através de doações dos telespectadores que
patrocinavam a permanência destes programas no ar. A expansão dos programas evangélicos
4
O conceito criado para caracterizar o intenso e crescente uso de meios eletrônicos, especialmente a TV por lideranças religiosas, quase sempre
autônoma sem relação ás denominações cristãs convencionais. (Assmann, 1986, p.16)
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brasileiros se deu em dois momentos. Um primeiro momento, estes programas foram mantidos
pelos fiéis, em um segundo momento, onde já se tinham o domínio das técnicas televisivas e os
recursos necessários para expansão, o objetivos passou a ser ultrapassar os muros denominacionais
de cada igreja e atingir a todos os telespectadores, não apenas os fiéis crentes. Os pastores norte-
americanos tiveram uma grande influência neste processo aqui no Brasil. Assim como a mídia
secular, a mídia evangélica registrou um crescimento tanto na qualidade de seus programas quanto
no alcance de seus objetivos. Com as igrejas neopentencostais e o surgimento do evangelho da
prosperidade, o crescimento do individuo não era visto por ele ser crente, mas por ele ter cada vez
mais, prosperidade financeira. Para alimentar esse mercado de consumo, as igrejas
neopentencostais criam produtos específicos para seu público, livros, CDs de seus cantores,
versões da bíblia, marcas de roupas, e um mundo no qual o crente deve se fechar. No discurso dos
lideres, um mundo santificado, separado do mundo secular, na realidade dos fatos, um nicho de
mercado para vendas de seus produtos. A mídia evangélica se aperfeiçoou e acompanhou a mídia
secular ao longo dos anos, hoje, os programas evangélicos nos surpreendem nos horários nobres
da TV brasileira, nem sempre pela novidade ou pela relevância, mas por conseguirem permanecer
a tantos anos nos lares brasileiros.
3. Características do neopentecostal
Neopentecostal é um termo usado para designar um conjunto de igrejas cujas
crenças e formas de professar a fé se diferem das igrejas protestantes tidas como históricas e/ou
tradicionais pentecostais. As igrejas neopentecostais são autóctones, têm líderes fortes e pouca
inclinação a tolerância e ao ecumenismo, opõem-se aos cultos afro-brasileiros, estimulam a
expressividade emocional, utilizam muito os meios de comunicação em massa, enfatizam rituais
de cura e exorcismo, estruturam-se empresarialmente, adotam técnicas de marketing e retiram
dinheiro dos fiéis ao colocar “no mercado religioso serviço e bens simbólicos que são adquiridos
mediante pagamento” Oro (1992). Uma das características mais marcantes do neopentecostalismo
é a crença que existe uma guerra espiritual constante entre Deus e o diabo, que o homem deve
escolher de qual lado ele ficará, sendo que eles são os representantes de Deus por tanto, o lado do
bem, e que o outro lado (seja ele qual for, qual religião for) é do mau, ou seja do diabo. A palavra
do crente neopentecostal tem não apenas som, mas poder, acreditam também no batismo pelo
espírito santo cujo principal sinal é o falar em outras línguas. Por isso, os cultos são marcados por
palavras de ordem (tanto a demônios quanto a Deus), a crença de “profetizar pela fé” é baseada
em uma teologia americana cujo autor é Kenneth Hagin.
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Embora rejeitem as demais religiões, o neopentecostalismo geralmente faz uso de
práticas típicas do espiritismo como banhos de descarrego, objetos ungidos entre outras práticas. O
discurso para o dízimo é obrigatório, e as ofertas são voluntárias, mas, geralmente existe o apelo
emocional forte para que a oferta possa acontecer em todos os cultos.
4. Os pastores neopentecostais aos olhos do Mundo Canibal.
O vídeo do Mundo Canibal que trago para análise, é um vídeo de um culto
filmado provavelmente por uma câmera não profissional. Neste culto, um pastor está a pregar e
enquanto fala, pessoas pulam, oram em outras línguas, rolam no chão, não apenas adultos, mas
crianças também. Este pastor fazia movimentos com as mãos, simulando uma metralhadora, como
se Jesus estivesse através dela “acertando” as pessoas com o Espírito Santo. Em meio a estes
movimentos, e de olhos fechados, este líder fala palavras de ordem como se estivesse “tomado|”
pelo Espírito de Deus. Conhecendo as características de um culto neopentecostal, com estas
descrições fica muito evidente que, se trata realmente de um culto neopentecostal. A irreverência
do líder neopentecostal, o apelo emocional e dos sentidos no momento do culto, confirmam as
suspeitas. No caso deste vídeo, o Mundo Canibal apelidou o tal pastor desconhecido com o nome
de Pastor Metralhadora, posterior a isso, criaram também o personagem em desenho, onde este
pastor luta contra outros personagens que não são ainda, libertos do mau. Embora o Mundo
Canibal não tenha feito uma critica veemente a visão neopentecostal, fica evidente neste
personagem real que, a visão do neopentecostal é essa. O bem está sempre lutando contra o mau, e
o mundo espiritual está em guerra, e aos olhos do Mundo Canibal este é um motivo para se fazer
entretenimento através do humor. Entendo que, o Pastor Metralhadora como um personagem
herói, o é apenas no desenho do Mundo Canibal. Suspeito que esta seja também, a intenção,
podemos perceber esta intencionalidade através da sátira, implícita no personagem.
Além deste vídeo, existem outros onde os personagens centrais são pastores.
Destaco aqui um vídeo que é um compilado de 4 vídeos, batizado pelo site de Pastores Super
Poderosos. É um tipo de “melhores momentos” de vídeos amadores, onde pastores conhecidos
nacionalmente e internacionalmente (Marcos Feliciano e Benny Hinn) aparecem em rituais
neopentecostais de oração e cura através de toques e jogadas de casacos.
. Os vídeos editados pelo mundo canibal, onde as figuras religiosas aparecem como
personagens principais, mostra como o neopentecostalismo pode perder credibilidade (ou já
perdeu) diante das massas. Uma vez que, os rituais religiosos foram expostos em tons de
brincadeira colocando sua validade em xeque a todo e qualquer individuo, sem este ter procurado
uma igreja neopentecostal de forma espontânea, conhecendo sua atuação por escolha. Este ritual
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será visto de forma cética e não terá nenhum sentido sagrado para o individuo na frente do
computador, afinal os vídeos foram vinculados por um site de humor e provavelmente levará na
brincadeira tais rituais. Esse processo acontece justamente pelo excesso de exposição que as
igrejas neopentecostais fazem de seus programas na mídia de massa.
Apesar do canal de vídeos do site de entretenimento e humor Mundo Canibal não
ter em seu discurso de apresentação, vinculo algum com interesses religiosos e/ou políticos, sendo
o objetivo do site puramente, entretenimento e divulgação do trabalho dos seus idealizadores, os
irmãos Piolo de uma forma indireta com os vídeos editados, expõe de uma forma pejorativa não
apenas os líderes neopentecostais, mas a religião evangélica como um todo. Será que este tipo de
brincadeira com outra religião, como a muçulmana teria as mesmas implicações?
5. Considerações Finais
Com todo o percurso dos neopentencostais na mídia, na política e na sociedade,
seria difícil imaginar que não teríamos em alguns momentos, tensões entre este grupo específico e
os demais que, pensam, agem e professam credos diferentes. A exposição dos cultos
neopentecostais na mídia televisiva, no rádio e na internet por vezes, gera não apenas novas
possibilidades de crescimento para a igreja em si, mas, questionamentos, embates, e criticas a
respeito dos modos como eles, expressam suas crenças e veem o mundo. Os neopentecostais por
vezes, foram considerados seitas na própria religião protestante, uma vez que seus rituais
religiosos não se assemelham as igrejas tradicionais/históricas. O Mundo Canibal não nos dá
embasamento em suas características como site humorístico para acreditar que os lideres
neopentecostais são como super heróis na visão deles. Pelo seu conteúdo, parece que encontraram
nos lideres evangélicos neopentecostais que se expõem na internet, um bom motivo para se fazer
rir e acrescentar conteúdo novo ao seu portfólio de personagens. Parece que funcionou. Os vídeos
dos pastores possuem cerca de um milhão de acessos em média cada um, os comentários no geral
são de risos e momentos que os telespectadores mais curtiram.
Percebemos que a indústria do entretenimento, se retroalimenta o tempo todo. No
final, vemos que continuam o quarteto fantástico, de forma imbatível: O poder, a tecnologia, a
mídia, e a religião. Assim como começaram, vão permanecer provavelmente muito tempo, juntos.
6. Referências Bibliográficas
ASSMANN, H. A igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1986.
7. 9
FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista: Editora Universitária São
Francisco, 2003.
ORTIZ,R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
MARIANO, Ricardo. NeoPentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo:
Loyola, 1999
WEBER, M. A Ética Protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1947.
CANIBAL, mundo. Canal de vídeos do site. Disponível em
<http://www.youtube.com/results?search_query=youtoba+mundo+canibal+2013&oq=youtoba&gs
_l=youtube.3.4.0i10j0l9.3391838.3404673.0.3409660.54.30.15.0.0.4.548.4872.10j4j12j5-
1.27.0...0.0...1ac.1.11.youtube.rHxAW9Kco0c >
Acesso em : 30/06/2013