1. TEXTOS ESQUERDA DESALINHADA
Nacionalização da banca. Piada ou mistificação?
Já neste blog dissemos ser necessário clarificar que a forma keynesiana de
olhar a economia e um verdadeiro pensamento de esquerda não se
justapõem. Se a esquerda tradicional nem sempre sabe, ou quer, fazer essa
destrinça isso é revelador da sua inconsistência ideológica e política pois,
surge mais claramente que nunca, no palco da actual crise, que o Estado
inscreve-se mais entre as causas dessa crise, do que como parte da solução.
A - As nacionalizações de 1975
A lembrança das nacionalizações registadas em 1975 é imediata. Era, então,
clara, a eminente e profunda transformação de Portugal em várias frentes:
• recentragem geoestratégica, com o abandono de ideias imperiais e a
preparação para uma futura diluição na então CEE, sem sair da órbita da
Nato e da suserania americana;
• redifinição política, com a passagem da ditadura fascista para a chamada
democracia representativa, monopolizada por partidos, mantendo-se
portanto desprezadas ou combatidas todas as formas de democracia
directa ou de base, onde não haja controlo político institucional. Nesse
contexto, preferiu-se relevar sindicatos burocratizados e sectoriais, em
detrimento das comissões de trabalhadores das quais, só restam de facto,
hoje, em algumas grandes empresas e com forte influência dos partidos,
com influência proporcional à sua inoperacionalidade, enquanto polos
geradores de unidade e mobilização dos trabalhadores;
• reestruturação económica, devido à perda dos mercados garantidos nas
colónias, à crise petrolífera de 1973, aos problemas de divisas, ao atraso do
capitalismo português, à criação ou expansão de serviços públicos no
âmbito da saúde e da educação …
As fragilidades do capitalismo português eram (e são) imensas, para mais com
a grande pressão popular para o aprofundamento das transformações a que
era preciso dar seguimento. Neste contexto, convergem momentaneamente
e num mesmo acto – as nacionalizações – os interesses da burguesia no seu
conjunto e os militantes do movimento de massas. Assistiu-se nos dias seguintes
à decisão dos militares no poder, a manifestações de júbilo do movimento
popular, dos partidos de esquerda e ainda do PS, do PPD e do CDS. Por detrás
dessa momentânea unanimidade havia, naturalmente, projectos distintos; no
movimento popular tinha muita relevância a visão de democracia directa, de
conselhos e comissões de trabalhadores autonomamente organizados para o
controlo e gestão das empresas; existia também a visão hierarquizada e
estatizante tradicional dos PC’s; e os desejos de ocupação de um aparelho de
Estado engrandecido eram óbvios no PS/PSD, enquanto o CDS seguia na
cauda do cortejo.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 1
2. Assim, era preciso reestruturar os sectores básicos (banca, seguros, transportes,
indústria pesada, química e metalúrgica, estaleiros, cimento e energia), ou de
controlo ideológico (os media) e recapitalizá-los para uma integração numa
Europa mais profunda do que a exigida no quadro da EFTA, até então
existente. Embora ninguém falasse em adesão à então CEE, isso estava bem
presente nos sectores mais esclarecidos da burguesia, já mesmo no tempo do
fascismo. Era preciso ainda gerir e reestruturar os sectores e empresas que, não
sendo estratégicos, tinham sido nacionalizados por arrastamento, perfazendo
o conjunto, cerca de 1300 empresas, entre as quais 253 empresas
directamente nacionalizadas, com a gritante excepção das participações
estrangeiras nos seus capitais. O golpe militar de 25 de Novembro trouxe a
“normalização” conduzida por um general de patilhas e óculos escuros
(Eanes), mais tarde promovido a PR e ente transitório de referência.
Portugal era então, um país com fronteiras, uma moeda própria e um sistema
financeiro que, apesar das ligações ao exterior, tinha uma coutada territorial,
no qual a presença do capital estrangeiro era escassa. Por seu turno, as
companhias de seguros eram em grande parte privadas ou ligadas aos
bancos.
As fragilidades do sistema financeiro eram evidentes. Ainda em 1974 foi
nacionalizado um banco falido (BIC) pertencente a um “empresário”, Jorge
de Brito; havia bancos emissores para as colónias (BNU e Banco de Angola),
esvaziados de funções com a descolonização; e investimentos ou sucursais nas
colónias que nada indicava viessem a possibilitar retornos aos capitalistas
portugueses o que, aliás, era legítimo após quase cinco séculos de domínio.
Essa socialização de prejuizos não foi despicienda para a decisão da
nacionalização do sistema financeiro.
B - Nacionalização do sistema financeiro em 2009?
Hoje, a situação é diferente pois não há um sistema financeiro autóctone. Os
capitais estrangeiros têm uma grande fatia do mercado (Santander, BBVA,
Popular e são maioritários (BPI e BCP) ou, bem representados no capital de
outros (BES), sendo consensual para a burguesia portuguesa a manutenção da
bandeira na torre mais alta do castelo financeiro, a CGD. Como em 1975, as
seguradoras estão associadas aos bancos ou a grandes grupos (Alianz,
Mapfre…). Por outro lado, a ligação ao mercado mundial de capitais é
inelutável e as regras são as que existem naquele mercado global, sendo
muito elevado o endividamento dos bancos instalados em Portugal, uma vez
que para ganharem dinheiro com a intermediação financeira, precisam de
aliciar a população a endividar-se também, mesmo que de modo
disparatado.
As reformas em estudo pela UE serão pífias, superficiais e enganadoras pois o
capital não quer alterar nada de substantivo, como se viu na recente cimeira
do G20, que já pontapeou para o fim do ano o próximo banquete. Não
acreditamos que o governo português possa enveredar pela nacionalização
do sistema financeiro, a não ser se decretada de Bruxelas, no quadro de uma
nacionalização concertada dos bancos europeus, o que constitui um cenário
fantasista. E, qualquer voluntarismo luso seria penalizado por spreads e prémios
de resseguro elevados, dificuldades de financiamento e exigiria um género de
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 2
3. desconexão face ao mercado financeiro global, um isolamento no quadro
comunitário com sequelas enormes e variadas.
Fora do quadro de uma crise revolucionária ou sequer de uma grande
mobilização que afectasse o modo como funciona o sistema político e o
aparelho de Estado, a nacionalização iria apenas alargar o número de
mafiosos do PS/PSD parasitando o sistema, com o aumento das pressões para
o financiamento desses partidos e das campanhas eleitorais junto de
empresários e empreendedores, incrementando a já elevada corrupção que
caracteriza o sistema político. Daí não surgiriam quaisquer garantias de que os
trabalhadores ficassem isentos do impacto da deslocalização de empresas,
da imposição de flexiseguranças, da precarização e da desvalorização
crescente do trabalho e das condiçoes de vida.
A nacionalização não seria uma forma de elevar os padrões democráticos,
nomeadamente a partir de um controlo das instituições pelos seus
trabalhadores, numa base de auto-gestão, com responsáveis eleitos,
exonerados a qualquer momento, fiscalizados nas suas acções pelo colectivo
dos trabalhadores.
Uma nacionalização progressista exige um contexto específico de crise, com
contornos revolucionários que não está à vista em Portugal. Deve ser proposta
num contexto pré-revolucionário quando, entre os trabalhadores e nas suas
organizações é patente a utilidade e o potencial transformador dessa
nacionalização. Se ela acontecesse como aventado pela esquerda
tradicional, Sócrates seria apeado? O PS/PSD seria fragilizado ou mesmo
banido por banditismo? A democracia aumentaria em detrimento da
criminalização da actividade governamental? Terá sido esquecido em que
redundaram as nacionalizações de 1975? O que ficou delas nos bolsos
daqueles que compraram as empresas recapitalizadas, entregando em troca
os títulos das indemnizações entretanto recebidos? E isso, precisamente devido
ao refluxo do movimento popular, nomeadamente das suas componentes
auto-gestionárias, favoráveis a uma democracia directa.
A esquerda institucional no que respeita à política económica aponta
sistematicamente para o apoio do Estado, para a assunção por este de
funções. É neste caso, a nacionalização, é o subsídio, o fundo comunitário
para salvar a Qimonda, por exemplo, pagar formação ou subsídios de natal. É
o juro bonificado, a aplauso no apoio financeiro a PMME (ultimamente…as
micro-empresas ganharam foros de cidadania), o apoio ao sector automóvel
(para a PSA não despedir tanto) e ao da cortiça (porventura até o Amorim
vai beneficiar do fundo de 100 M, pois só há 400 empresas). É um
keynesianismo exacerbado que não põe em causa as relações de produção,
o capitalismo, que não equaciona a assunção das empresas pelos colectivos
de trabalhadores, com a extinção dos capitalistas e dos administradores com
plenos poderes sobre a vida de todos.
Tendo os partidos da esquerda institucional técnicos conhecedores destas
questões, cabe perguntar porquê a proposta de nacionalização da banca e
dos seguros? Por populismo em tempos pré-eleitorais? Para pressionar o
governo a optar (o que não vai fazer) por uma nacionalização e daí recolher
trunfos eleitorais? Esta táctica é perigosa.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 3
4. Mais, se o governo, por hipótese subscrevesse as propostas da esquerda
institucional, quando a multidão visse claramente o logro e quais os
verdadeiros beneficiados, que crédito político restaria aos partidos da
esquerda institucional e, por osmose mediática, a toda a esquerda?
C - A inconsistência política da esquerda institucional
O PC foi o partido da esquerda tradicional que melhor explanou as suas
concepções no contexto da nacionalização da banca e dos seguros (1). O BE
não formalizou essa proposta mas, admite uma intervenção muito agressiva
da CGD, para além da nacionalização das partes privadas da Galp (2). Há,
no seu conjunto, vários aspectos que entendemos dever criticar
detalhadamente.
1. Não é definido se as nacionalizações da banca e dos seguros
abrangeriam as sucursais dos bancos estrangeiros actuando em
Portugal ou, accionistas estrangeiros dos bancos com sede aqui. A
experiência de 1975 foi clara, nesse campo; optou-se por não melindrar
o capital estrangeiro, por razões de politica externa e, por outro lado,
porque nessa ocasião, ele era pouco representado na banca. Hoje,
quando qualquer governo português se acha muito menos autónomo
do que em 1975, perante instâncias internacionais e face ao mercado
de capitais, deixar de fora o capital estrangeiro seria reduzir
substancialmente a eficácia da nacionalização; e, quando os capitais
estrangeiros dominam quase todos os bancos, como se exerceria o
controlo público nos bancos, num contexto de regras europeias e
internacionais baseadas na regulação mínima?
Em contrapartida, explicita-se que a nacionalização deverá abranger
“o sector da banca comercial – actividade bancária que recolhe
depósitos e concede crédito” excluindo, portanto, a banca de
investimento, grande responsável da actual crise financeira e que
continuará entretida com derivados, desmantelamentos de empresas,
offshores, especulações bolsistas. Aparentemente apenas se
nacionalizaria a banca comercial, pura, honesta, dedicada
devotadamente à missão de desenvolver sustentadamente o pais.
Alice, no País das Maravilhas.
Parece consensual que no caso da nacionalização do BPN deixar a SLN
de fora foi uma atitude técnicamente imbecil mas, reveladora do
carácter do governo Sócrates como cúmplice e viabilizador da
trafulhice capitalista. A ser nacionalizado o sector bancário que
aconteceria às empresas detidas pelos bancos? Seriam mantidas
desligadas da suas actuais matrizes de referência (os bancos)? Algumas
dessas unidades, por exemplo, no sector da saúde, continuariam
privadas ou integradas no sistema público? As empresas holding em
que se inserem os bancos seriam abrangidos ou, ficariam de fora como
aconteceu com o BPN?
2. A nacionalização da banca seria efectuada com pagamento de
indemnizações aos accionistas ou através de pura expropriação? Os
accionistas e os capitalistas, hoje, decididamente até encaram com
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 4
5. alguns sorrisos a primeira, se dentro de alguns anos, limpos os balanços
com entradas de capital pelo novo accionista público, os títulos
voltarem ao mercado. Foi isso que aconteceu em 1985, quando o
primeiro-ministro Cavaco, depois de um acordo com o PS, então
chefiado por Constâncio decidiu as privatizações dos bancos e demais
empresas públicas, nacionalizadas em estado de penúria, dez anos
antes. Tendo em conta que a expropriação, só seria possível num
quadro revolucionário que não está no horizonte, nem a esquerda
institucional defende, subentendemos que a proposta do PC
compreende a indemnização dos capitalistas e consequente aumento
da dívida pública em milhares de milhões de euros. Cabe perguntar
como encararia a Comissão Europeia essa questão no âmbito do PEC…
3. No caso da Galp colocam-se as mesmas questões. Expropriação ou
indemnização dos accionistas afectados? As participações da ENI e da
Sonangol, sendo empresas de capital estrangeiro, seriam também
nacionalizadas? Nada se refere sobre as restantes petrolíferas, de
capital estrangeiro (Repsol, BP, Total, Cepsa), cabendo levantar-se uma
grande quantidade de interrogações sobretudo, se essa
nacionalização não se inserir numa política comunitária no mesmo
sentido. Se se propuzer a nacionalização da Galp, porque não fazê-la
acompanhar da EDP e da REN, para o estabelecimento dos principais
instrumentos para uma política energética, digna desse nome? Mais
modestamente mas, com menos implicações internacionais, porque
não tornar a chamada Autoridade da Concorrência útil no
desmantelamento do cambão das petrolíferas, com a reintrodução da
política de preços máximos existente até recentemente?
4. Se “na actual situação de crise profunda, ter um sector financeiro ao
serviço do crescimento económico e do desenvolvimento económico e
social” é fundamental, cabe perguntar se, em capitalismo, no sistema
financeiro pode vigorar algo de diverso de uma lógica capitalista, de
lucro e, na restante economia florescer a chamada economia de
mercado em todo o seu esplendor.
As empresas e os empresários visam o lucro e pouco se importam com o
desenvolvimento económico e social, a não ser que isso se enquadre
nos seus objectivos de maximização dos lucros, o que, como se sabe
são cada vez mais considerados como objectivos de curto prazo. Nessa
concepção, os bancos teriam de funcionar como bons samaritanos
empenhados na geração de lucros nas empresas, não podendo ser
instituições com o mesmo objectivo, da criação de lucros. Seriam um
género de fundos assistenciais, desligados da lógica do mercado e
ficariam a ver os seus congéneres europeus (e não só) inseridos numa
lógica de mercado a intervir junto dos agentes económicos
portugueses… A lógica do mercado pressupõe uma concertação de
origem divina entre interesses individuais e egoístas e não agentes
económicos, plenos de amor ao próximo mas, que nem no “Second
Life” existem.
Qualquer banco, estatal ou privado, concede empréstimos perante
garantias reais e análise dos riscos; e, na actual conjuntura, os bancos
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 5
6. amedrontados tornam-se mais cautelosos e ajustam as taxas de juro à
situação concreta. Fala-se muito do endividamento das famílias mas,
menos do das empresas, cujo património se acha, em regra,
hipotecado aos bancos e com dificuldades em pagar os empréstimos
concedidos antes da crise actual. Em muitos casos de PME, como o
património se acha todo comprometido como garantia, são os
principais sócios que avançam com bens pessoais para garantir o
empréstimos bancários.
Como os ratios de solvabilidade estão degradados em muitas
empresas; como o seu património livre de hipotecas é escasso; como as
perspectivas de mercado não são famosas, será que uma banca
nacionalizada ofereceria condições de crédito tão especiais que
financiando as empresas, assumisse de facto, todos os riscos de
incumprimento, emprestando dinheiro a empresas descapitalizadas e
sem garantias para oferecer? Não é crível, nem sequer aceitável… a
não ser que uma vez mais, o Estado (os cidadãos) amparasse os bancos
em dificuldades por incumprimento de faixa importante dos seus
clientes.
O problema coloca-se no carácter subalterno do capitalismo
português, pouco dado ao risco, repleto de empresas falidas ou
subcapitalizadas da propriedade de empresários ricos e de património
pessoal em bom recato. E, a globalização do mercado trouxe desafios
que afectaram duramente a indústria, quer a vocacionada para o
mercado interno quer a dirigida para a exportação; sem esquecer a
agricultura que voga ao sabor dos subsídios comunitários.
5. Fala-se em “nacionalização definitiva” para significar que os bancos
nacionalizados não seriam reprivatizados. Como a nacionalização é
sugerida no âmbito do capitalismo, como admitir que o capital venha a
considerar como eternamente assente que o sistema financeiro não
seja privado?
A Constituição de 1976 também afirmava a irreversibilidade das
nacionalizações mas, paulatinamente, foram criadas sociedades de
invetimento, depois bancos privados e finalmente, qual cereja, foi
lançada a privatização dos bancos públicos. As alterações na
correlação de forças sociais e políticas vieram a demonstrar, para quem
andasse distraido, que uma constituição é sempre baseada num bloco
social no poder e, quando este se altera, não é essa lei fundamental
que trava a pulsão transformadora resultante da luta social que se
manifesta (qualquer que seja o seu sentido), mesmo que ao arrepio do
solenemente expresso nesse documento. Somente o poder dos
trabalhadores, auto-gestionário, vigilante e não submetido aos ditames
autoritários de ungidos aparatchiks estatais pode garantir que essa
apropriação colectiva tenha um carácter tendencialmente definitivo; a
lei vale o que vale. Por ultimo, convém recordar que faz parte da
realidade, da vida, da marcha das sociedades, a lei da contingência;
pelo que só existe o definitivamente transitório e o transitóriamente
definitivo.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 6
7. Da euforia privatizadora iniciada com Cavaco e hoje, ainda longe de
terminada, tem escapado a CGD. O capital privado nacional, não
tendo um grupo económico dominante que possa englobar a
instituição e pretendendo garantir uma importante área do sistema
financeiro fora da cobiça do capital estrangeiro, vem aceitando que
seja o seu representante colectivo, através do PS/PSD, a gerir a CGD,
como seu baluarte. Porém, a CGD, funciona como qualquer outro
banco, mantendo um “low profile” competitivo pouco adequado à sua
dimensão relativa, a partir da qual o Estado utiliza o seu poder
moderador quando necessário para manter o equilíbrio global (casos
BCP e BPN). Espantosamente, na campanha eleitoral de 2002 Durão
Barroso defendeu a privatização da CGD até que lhe puxaram as
orelhas; o que não deixa de ser esclarecedor sobre a clarividência
política do actual presidente da Comissão Europeia, considerado como
o “menor mínimo comum” nas instâncias europeias.
6. Uma questão interessante colocada pelo PC é o da “soberania
nacional”. A integração europeia e, a menos mediática integração
ibérica, conjugadas, reduziram a já escassa autonomia do capitalismo
português e são factos consumados; não há solução para os
portugueses fora do quadro ibérico ou do quadro europeu. Um país
como Portugal, tende apenas (e não é pouco) a ter uma unidade
cultural e linguística.
A soberania nacional é um conjunto vazio quando há liberdade
efectiva de circulação de bens e capitais e, em menor escala, de
trabalhadores; onde a política económica tem um carácter residual,
entre uma política monetária e de crédito inexistentes, uma política
orçamental condicionada, políticas de investimento balizadas pela
aplicação de fundos públicos comunitários, etc… Cabe perguntar a
quem pertence essa tal soberania quando o desemprego, a
emigração, a precariedade e a pobreza atingem milhões de pessoas. A
soberania nacional, em capitalismo é a soberania dos oligopólios e só
faz sentido falar de soberania quando esta for exercida, em partilha,
com outros trabalhadores, mormente europeus.
Um país com fronteiras, com os seus capitalistas, o seu Estado
interventor, em antagonismo frontal e essencial com o capital
estrangeiro, orgulhoso da sua (imaginária) soberania foi uma visão cara
a Salazar, mirífica e enganadora, embora muitos capitalistas de hoje a
aceitassem bem, se daí viesse um controlo sobre os trabalhadores
portugueses, tornados “seus”, subtraidos à cobiça do capital
estrangeiro e, já agora, com condicionamento industrial e pide. Mesmo
nesse contexto, não se compreende onde bancos nacionalizados
constituiriam uma benesse para os trabalhadores; na experiência
posterior a 1976, o peso dos rendimentos do trabalho no PIB começou a
decair e a “banca do povo” foi parte activa desse processo.
Falar de soberania nacional é pretender restringir a análise e as lutas a
um quadro restrito, falsamente autónomo, quando a produção mundial
de bens e serviços tem um carácter integrado; é estreitar os horizontes
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 7
8. dos trabalhadores e apontar para objectivos irrealistas ou irrealizáveis,
condená-los à aceitação do capitalismo e do “fim da História”.
O PC, historicamente, bem como a esquerda tradicional em geral,
sempre pretenderam constituir alianças entre os trabalhadores e uma
tal burguesia nacional que protagonizasse uma nação políticamente
democrática, capeando um modelo económico baseado numa
autonomia nacional. Apesar de um cenário patrioticamente belo, isso
foi sempre de realização duvidosa dadas as debilidades da burguesia
portuguesa, a sua submissão às potências dominantes e ainda, a
própria dimensão de colonizadora delegada, factores que conduziram
a um baixo nível de acumulação. E o atraso cultural e tecnológico de
Portugal, hoje como ontem, mostram uma situação particularmente
clara nesse campo, incapaz de enformar qualquer projecto grandioso,
no quadro do capitalismo.
Hoje, precisamente, esse pendor “unitário” está na base da preferência
pelo jogo parlamentar e eleitoral em detrimento da organização
autónoma dos trabalhadores e dos pobres e do fomento da
desobediência de base; conduz à manutenção de esperanças
desajustadas e enganosas sobre o papel virtuoso do aparelho do
Estado, qual messias capaz de dispensar o fomento da auto-gestão das
empresas pelos seus trabalhadores e a extinção do capitalista; leva à
indefinição política e ideológica do PS como partido com políticas de
direita e não como a principal força da direita, como se a efectiva
política de direita do PS fosse conjuntural, um desvio episódico, hoje
imputável a Sócrates e à sua camarilha, como ontem a Guterres e à
sua clique, como anteontem…
Esse espírito não beneficiou minimamanete os franceses ou o próprio
PCF quando este se coligou com o PSF nos anos 80; custou caro ao
Chile e ao próprio Allende; não evitou o esboroar do apoio eleitoral do
PC em Lisboa após anos de concertação com Sampaio e com o junior
Soares, como não saiu bem ao BE a experiência com Sá Fernandes, um
advogadeco mediocre e oportunista, teleguiado pelo irmão, para mais,
sem base eleitoral nem capacidade política. E Lisboa continua a ser um
dos piores sítios para se viver em Portugal, em parceria com Vila do
Conde e detém a medalha de prata entre as capitais europeias no
capítulo da poluição, só cedendo perante a Roma de Berlusconi e dos
trastes do chamado centro-esquerda italiano. Os lisboetas já viram isso
muito bem e respondem com enormes taxas de abstenção nas eleicões
locais (62,6%).
Em resumo, esse espírito “unitário” não visa rupturas nem alterações
qualitativas mas, um evolucionismo que nada de substantivo põe em
causa, mesmo quando se torna bem mais dolorosa a situação de quem
vive do trabalho assalariado. Há quem sonhe com um pacto social-
democrata como o vigente na Europa desenvolvida durante os
“gloriosos trinta anos” a sua defesa mais se assemelha a uma
macaqueação burlesca. Para isso é preciso esperar eternamente o
milagre da regeneração do PS, por acaso o mais reacccionário dos PS’s
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 8
9. europeus que alegremente, vai cooptando muitos papagaios dessa
esquerda tradicional cuja lista é longa.
7. A ideia soberanista referida atrás surge, de novo e claramente na frase:
“A situação que hoje se vive no sector financeiro é marcada por um
peso crescente, quando não dominante, do capital não nacional”.
Não conhecemos em Portugal, para além da CGD, bancos de
referência sem capital estrangeiro e considerar isso como um elemento
decisivo para a qualidade de vida dos trabalhadores ou, para a
obtenção de crédito pelas empresas é um tique nacionalista descabido
e ridículo para quem aceita pacificamente o mercado único europeu e
participa nas suas instituições. Dificilmente se consegue observar
qualquer distinção no funcionamento da CGD e dos bancos privados,
“nacionais” ou estrangeiros, nos “spreads” que praticam, nos
financiamentos que autorizam, nas condições de trabalho dos
assalariados, nas exigências face aos devedores com empréstimos para
habitação e em dificuldades, na usura que praticam através de
comissões e encargos vários.
Lula parece empenhado em utilizar bancos públicos para a redução
dos spreads mas, o Brasil, quanto mais não seja pela sua dimensão,
pode definir e manter uma política económica. Em Portugal, se a CGD
enquanto banco estatal lançasse uma campanha arrasadora contra a
concorrência, no capítulo dos spreads, por exemplo, estaria rompido o
equilíbrio sabiamente mantido no sistema financeiro e os prejudicados
saberiam orquestrar uma campanha em Bruxelas contra a ínvia
concorrência movida por um banco estatal. Por essa razão, a defesa
pelo BE da afectação dos 4000 M euros para a recapitalização dos
bancos e um aumento de capital da CGD para garantir taxas de juro
mais baixas não tem qualquer viabilidade de concretização.
O papel de todos os bancos é de municiar com lucros os seus
accionistas através da concessão de crédito, não sendo comum que os
banqueiros chorem com as desventuras dos povos. Uma fábrica de
batatas fritas existe porque o seu dono quer viver bem com a mais-valia
lá formada e, tornar a população gordinha e com altos níveis de
colesterol é um meio para o conseguir.
A própria CGD propicia ao seu accionista único, o Estado, dividendos
muito úteis para as contas públicas (208 M euros em 2007, 37% das
receitas do Estado com dividendos e participações sociais), tal como os
bancos privados abastecem rentistas e fundos de pensões ou de
investimento que detêm as suas acções. Tal como os bancos privados,
a CGD recorre aos mercados de capitais, nas regras destes e repercute,
naturalmente, junto dos seus clientes, as regras do mercado financeiro,
globalizado; procede também a titularizações, aplicações arriscadas,
utilização de off-shores e gestão de capitais mafiosos, numa lógica
auto-expansiva travada recentemente, quando se verificou que afinal,
o que circulava era papel sem valor.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 9
10. Curiosamente, para tão indómitos defensores dos capitalistas nacionais
versus os malvados estrangeiros, não será fácil justificar que os
escândalos bancários recentes (BCP, BPN, BPP) tenham envolvidos
apenas briosos capitalistas lusitanos…
8. O BE exige uma política de sistema bancário. Há, porém, uma razão
estrutural para que ela não exista. Portugal é, depois do Luxemburgo,
que é um caso muito especial, o país da Europa onde o produto
bancário tem maior peso no PIB e isso revela não só a fraqueza dos
outros sectores de actividade como evidencia o domínio do capital
financeiro. Não há, de facto, uma política para o sector bancário; o
que há é uma política do sistema bancário para a utilização do Estado,
para a elaboração do orçamento, para a configuração leviana do
sistema fiscal, para a domesticação do Banco de Portugal.
9. Os fundos de pensões dos bancos têm servido como mais um
instrumento financeiro ao serviço dos seus administradores e accionistas,
como adquirentes de acções dos próprios bancos. Isto é, os
assalariados de um banco continuam ligados ao mesmo quando
aposentados e é-lhes incutida a necessidade de trabalhar no duro para
beneficiar o valor das acções, cujos dividendos e valorização na bolsa
irão garantir as suas pensões no futuro. Mais um capítulo de Alice no
País das Maravilhas
Em 2008, segundo o Instituto de Seguros de Portugal, o património dos
fundos de pensões portugueses decaiu 9,5%. Existem fundos de pensões
em dificuldades crónicas como o do Banco de Portugal, que nem
sequer tem acções próprias para jogar na bolsa. Poucos anos atrás o
BCP propôs a integração do seu fundo de pensões na Segurança Social
pública, o que decerto não resultou de um acto piedoso do Jardim
Gonçalves e dos seus ajudantes. Actualmente, com activos de valor
fictício, as cotações em baixo e com a quebra dos dividendos, uma
nacionalização lançaria para o Estado, fundos de pensões, com um
problema grave, a prazo, de subfinanciamento das reformas dos
trabalhadores.
Por outro lado, o Estado português não tem sido um bom gestor da
Segurança Social pública, legislando restrições ao pagamento de
prestações e ao seu quantitativo, inventando “factores de
sustentabilidade” para obrigar os trabalhadores a trabalhar mais tempo
ou a sair com menores pensões, jogando as reservas nos mercados de
capitais, com os prejuizos que foram públicos, meses atrás. A UE prevê,
para Portugal e para quem se reformar em 2046, pensões
correspondentes a 71% do último salário líquido, contra os 91% actuais. É
todo o pendor genocida do capitalismo actual em evidência.
Por outro lado, o recente caso da redução da taxa social única
compensado pelo IVA com a sua utilização como apoio às empresas e
não na maximização das condições de vida dos pensionistas e das
prestações devidas aos activos, bem como o apoio à precarização e
ao rebaixamento dos salários para beneficiar os capitalistas, são
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 10
11. elementos que reduzem o valor global das contribuições, impedindo o
sistema de se dotar dos meios financeiros adequados.
Não conhecemos nenhuma visão estratégica dimanada da esquerda
tradicional sobre a Segurança Social que se aproxime do que
publicámos neste blog em finais de 2005 com o título “Estratégia para
um sistema de Segurança Social favorável à multidão de trabalhadores
e ex-trabalhadores”
(http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/2005/11/)
Ora, é preciso estudar novas formas de financiamento da Segurança
Social, de aplicação dos fundos em capitalização, com a sua ligação à
economia real, por exemplo, à habitação, o papel dos fundos privados
e, last but not the least, a gestão democrática do sistema, fora do
aparelho de Estado .
10. O papel da CGD é, de facto, um meio de intervenção do Estado e,
precisamente por isso, não é, nem será neutro mas, um instrumento do
capital e do seu governo. E, por esse motivo, de ordem política e não
técnica, nem sempre mostra o acerto na sua intervenção como banco
público, admitindo por adquirido que a intervenção estatal é sinónima
(?) de bem comum. A CGD só se distingue dos restantes bancos devido
à densidade de mandarins que a infestam e porque obedece ao
governo, na intervenção no BPN, por exemplo, para salvaguardar os
interesses do sistema bancário, no seu todo, uma vez que aquele está
pouco interessado em que a falência do BPN tenha efeitos nefastos no
rating global e, consequentemente, no encarecimento do custo do
crédito obtido no exterior.
Como pode a CGD orientar-se para a produção de bens
transaccionáveis e para a diversificação das exportações, com
abandono das actividades especulativas se, é precisamente essa a
vocação da burguesia portuguesa? É muito mais seguro, através do
domínio do aparelho de Estado, controlar a produção de electricidade,
as telecomunicações, o cimento, a distribuição alimentar do que
concorrer com redes produtivas globais, com economias de escala,
ágeis redes logísticas e tecnologias de ponta, na produção de bens
transaccionáveis. E, por isso, o perfil do crédito concedido pelos bancos
em 2006 às empresas era, em 55,5% destinado à construção ou ao
imobiliário e, no que se refere ao crédito aos particulares, ele era
dominado pela habitação (79,7% do total) sendo o restante,
essencialmente crédito ao consumo.
11. Ressalta no documento do PC a importância de um sistema público
virado para o desenvolvimento em contraponto com a lógica de
acumulação dos bancos privados. E assim, ficamos informados que no
ano e meio terminado em finais de 2008, os quatro principais bancos
privados tiveram de lucros 2168 M euros.
Apontar um número esmagador vale o que vale, sobretudo quando o
objectivo parece ser a ideia estafada de diabolizar o privado e rechear
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 11
12. de virtudes o público, como se em capitalismo não existisse uma
convergência de funções com vista à acumulação capitalista, à
apropriação do produto do trabalho, à garantia da mansidão dos
povos. Por isso decidimos apresentar elementos mais elucidativos sobre
o sistema bancário e a CGD em particular:
M euros
Todos Restantes
os CGD bancos
bancos
Resultados 2008 5165 1723 3442
brutos de 2007 4348 1414 2934
exploração Var (%) 18,8 21,9 17,3
2008 2051 459 1592
Resultados
2007 2455 856 1599
líquidos
Var (%) -16,5 -46,4 -0,4
2008 2806 1091 1715
Provisões 2007 1501 342 1159
Var (%) 86,9 219,0 48,0
Fontes: APB,
CGD
A análise do quadro acima revela que os resultados brutos de
exploração crescem mais na CGD do que nos outros bancos. Se os
resultados líquidos decrescem bastante isso deve-se à queda das
valorizações nas participações no BCP e na ZON e não ao negócio
bancário propriamente dito, uma vez que a margem financeira cresceu
8,3%.
Sublinhe-se o grande crescimento dos resultados brutos, obscurecidos
contabilisticamente pela redução verificada nos resultados líquidos. É
que os bancos, no seu conjunto, acresceram substancialmente as
provisões (quase 87%! Mas 219% na CGD), que mais não são que lucros
disseminados em acréscimos do activo, destinados à prevenção dos
maiores riscos de incumprimento por parte dos clientes. Em 2007 as
provisões absorveram 34,5% dos lucros brutos e em 2008 54,3%; na CGD,
esses valores são, respectivamente, 24,2% e 63,3%.
Apesar da sua elevada representatividade no sistema bancário
português, nunca a estatal CGD serviu qualquer política de benefício
da população e damos exemplos. As taxas de juro não são mais baixas
e muito menos, as mais baixas, nomeadamente no que se refere ao
crédito à habitação; a CGD não dá o exemplo de deixar de cobrar
“custos de manutenção de conta” de 5 € mensais aos pensionistas mais
pobres, obrigados a receber as suas pensões através do sistema
bancário; e as seguradoras da CGD (Fidelidade-Mundial e Império-
Bonança) não compensam a retração das congéneres na contratação
de seguros de crédito com as empresas.
12. A “ganância sem limites” como refere o BE, não é um desvio ocasional,
não é uma excepção temporária mas, uma inerência, uma
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 12
13. necessidade do capital. A concretização da acumulação da capital
que materializa essa ganância passa pela exploração do trabalho, pela
manipulação contabilística e legislativa, pela domesticação do
aparelho de estado, pela elevação de um mandarinato cúpido e
ignorante, pela corrupção e pela fraude a todos os níveis.
Para que todo esse sistema funcione agilmente é preciso desconectá-lo
das regras e das leis que vigoram para os cidadãos em geral,
estabelecendo-se assim duas normas. Uma, rigorosa, aplicável, de
modo implacável aos pobres e aos trabalhadores; e outra, flexível,
compassiva e dúbia, aplicável, benevolentemente, aos ricos, aos
mandarins e outros vigaristas.
Para que essa distinção se efectue de modo efectivo e permanente é
importante a domesticação do aparelho da justiça, através de três
instrumentos:
• A produção legislativa e regulamentar compete de facto ao
governo, entidade gestora dos interesses do capital, dos ricos e dos
poderosos, o que transforma o aparelho judiciário, de facto num
corpo técnico vocacionado para a sua aplicação estrita e
burocrática, complementando e dando continuidade à satisfação
dos interesses de quem patrocina a produção legislativa e
regulamentar;
• Depois, porque as instâncias superiores do aparelho judiciário
(Conselho Superior de Magistratura, Tribunal Constitucional, o
recentemente falado Eurojust e outras instâncias) estão infestadas
de gente dos partidos dominantes que, naturalmente, procedem à
mediação entre o aparelho e o governo;
• Finalmente, o poder político sempre soube diferenciar salarialmente
e nas regalias, o corpo judicial relativamente aos restantes
trabaladores da função pública, adulando-o com a ideia formal de
que constituem um “órgão de soberania”, garantindo assim a
complacência, o silêncio ou o receio da maioria dos seus membros.
Neste contexto, a ideia clássica dos três poderes – legislativo, executivo
e judicial – é, objectivamente uma farsa montada pelo poder
económico e mediada pelo mandarinato. Assim, esperar a
independência dos tribunais, sem o seu enquadramento num quadro
de mudança qualitativa do ordenamento político e económico, sem
colocar em causa as estruturas capitalistas é uma forma simplista e
enganadora das reais possibilidades de mudança libertadora dos
trabalhadores da teia da democracia de mercado.
13. A recuperação do consumo num quadro de estagnação económica
só é possível através de uma alteração substancial na distribuição do
rendimento que em Portugal é pornograficamente desigual. O regime
cleptocrático existente admite um reforço das políticas de apoio às
situações mais graves de desemprego e de pobreza, numa lógica
conjuntural, assistencialista e de aplicação temporária que visa evitar
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 13
14. situações mais radicais de contestação e fomentar um apoio eleitoral
junto de segmentos populacionais mais despolitizados, capazes de
agradecer com o voto nos seus carrascos, as migalhas recebidas.
A crise internacional, agravando a desestruturação empobrecedora da
multidão em Portugal tende a criar uma enorme bolsa de
subdesenvolvimento no sudoeste europeu, uma periferia de exclusão
em construção mais rápida e acentuada que nas restantes regiões da
Europa ocidental. Uma vez que a emigração não pode constituir a
válvula de descompressão que se verificou em nos anos 60 e 70 do
século passado, não é exagerado esperar que o desemprego, mesmo
considerado com os parâmetros oficiais, atinja 15% dentro de um anos,
sem contar com o rebaixamento dos salários de quem tem trabalho e a
precariedade que se vem estendendo como uma nódoa de extensão
crescente.
14. Finalmente, para culminar, a esquerda institucional não diz uma palavra
sobre o controlo democrático das empresas, sobre a sua gestão pelos
colectivos de trabalhadores, com o envolvimento das comunidades
locais. Continua com a defesa do Estado, de um poder desligado e
colocado autoritariamente acima dos trabalhadores, fiel à moda do
periodo aúreo do keynesianismo, como se viu na Inglaterra pré-
tatcheriana, na França de Miterrand, no Chile de Allende ou, no
Portugal de 1974/75. Os trabalhadores não são tomados como sujeitos
da História mas ignaros dependentes, enquadrados por burocratas e
mandarins, bem-falantes e conhecedores dos dossiers; são tomados
como entes infantilizados a necessitar da tutela estatal, qual pai, ora
benévolo, ora austero, que não atribui à criança mais do que um
eventual direito de dar opinião, quando autorizado para o efeito,
numas quaisquer eleições em que o eleito é sempre o patriarca.
A esquerda institucional, no seu autismo, contemplando deliciada os
piercings do seu umbigo, continua a sonhar com socialismos mais ou
menos estalinistas, a desconfiar das vozes e dos movimentos
autónomos, que se não enquadram em partidos. O mundo mudou e o
que há hoje é uma rede inextricável e não domesticável de pessoas,
vidas, grupos sociais, capazes de gerir o mundo, a partir da sua extrema
diversidade e da sua total capacidade técnica e de gestão; e a crise
actual só veio avivar as cores da mudança, sugerindo-se a leitura do
nosso artigo de 30/7/2007: Afinal qual a função social do capitalista?
http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/14868.html
(1) http://www.pcp.pt/index.php?
option=com_content&task=view&id=33527&Itemid=195
(2) http://www.bloco.org/index.php?
option=com_content&task=view&id=1579&Itemid=1
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 16/4/2009 14