O artigo descreve as iniciativas do padre José António Almeida em São João de Areias, que restaura casas doadas e as oferece a idosos necessitados, criando um novo conceito de apoio à terceira idade alternativo aos lares tradicionais. O padre-empreiteiro lidera o Centro Social local, que presta apoio a 130 pessoas com orçamento de meio milhão de euros por ano. Suas ações buscam proporcionar mais qualidade de vida aos idosos enquanto ainda vivos.
1. Reportagem
JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA, PÁROCO DE S. JOÃO DE AREIAS
O Pa d r e - E m p r e i t e i r o
centro de dia, pernoitando depois na
sua casinha. No caso das vivendas,
os moradores passam o dia inteiro em
casa, apoiados por uma empregada.
José António nasceu em Sintra, mas
veio para o distrito de Viseu com sete
anos. Leva 40 de idade, um quarto
dedicado a S. João de Areias, onde
preside ao Centro Social e Paroquial,
uma Instituição Particular de Solida-
riedade Social de apoio à Terceira I-
dade. Tem as valências de Centro de
Dia, Apoio Domiciliário, Apoio Domici-
liário Integrado, Lar e Centros de Noi-
te. O Centro iniciou a sua actividade
em Outubro de 1997.
No conjunto das valências presta
apoio a 130 pessoas, apesar do acor-
do com a Segurança Social não ultra-
passar as 60. O orçamento anual da
instituição atinge o meio milhão de
euros por ano (cem mil contos na
moeda antiga). Da Segurança Social
recebe 180 mil euros.
"Ficam a faltar 320 mil euros, é muito
dinheiro. Vamo-lo conseguindo com
"É raro haver uma semana em que eu Hoje tem os jornalistas a bater-lhe à Damião, Casa da Aninhas, Casinha donativos, com actividades que orga-
não esteja envolvido com obras. Se porta, jornais e também a televisão. Silveira Lopes, A Casinha da Julieta e nizamos, almoços de benfeitores,
tivesse dinheiro ia ser uma desgra- Tudo por mor de uma iniciativa que Casinha José Rodrigues. Acrescente- cortejos de oferendas, até uma feira
ça!". não jura ser inédita no país, mas que mos-lhe duas vivendas. da ladra. Todos os anos fazemos uma
Íamos num quarto de hora de conver- talvez o tenha sido mesmo: os projec- Alzira Matos e Henrique Teles vivem feira da ladra. E também temos os
sa e já lhe tínhamos desenhado o per- tos "Casinhas" e "Vivendas". em Currelos (Carregal do Sal) há convívios dos Josés, das mulheres…"
fil: um padre-empreiteiro. José Os donos das casas oferecem-nas à mais de 30 anos. A partir de Janeiro - adianta o pároco, lembrando a dívi-
António Almeida anui ao epíteto: igreja, esta trata de as restaurar, para de 2006 a "Vivenda Teles" passou a da que ainda resta da construção do
"Às vezes chamam-me isso. Por além de instalar equipamentos que albergar mais quatro habitantes. Esta Lar:
vezes alguns colegas, em sentido melhoram substancialmente o confor- casa é uma doação do casal Teles ao "São 250 mil euros. Resolvi criar o
pejorativo. Sabe, gosto muito de to dos moradores. É o caso do aque- Centro Social e Paroquial de São Clube dos Últimos Mil, para ajudar a
obras. Quando andava no seminário cimento central, ou das rampas para João de Areias, após tomarem conhe- pagar esta dívida. Em 2006, todos os
trabalhava nas obras, sem qualquer acesso facilitado a deficientes. cimento das "Casinhas da Igreja". A indivíduos ou famílias que derem mil
pejo, a carregar baldes de massa, no Em alguns dos casos, com a anuên- casa foi adaptada às necessidades euros têm direito a uma placa com o
duro. Numa paróquia onde estive há cia dos doadores, estes passam a dos habitantes, melhorias que incluí- seu nome".
anos atrás remodelámos todo o telha- contar com a companhia de outros ram até um galinheiro. A instituição já tem algumas placas
do da igreja. Não há nenhuma telha cidadãos necessitados. São projectos alternativos aos lares nomeando benfeitores: "No início da
daquele templo que não me tenha Casinhas já lá vão seis: Casinha de idosos, um novo conceito de construção, os que deram cinco mil
passado pelas mãos". Santo Cristo, Mãos Unidas - Padre "família". Os moradores frequentam o euros ficaram com o nome num dos
6
2. Abril 2006
Reportagem
quartos do Lar. Outros, como o que habita na Vivenda Ana do Céu
Presidente da Câmara e o arquitecto Neves, reprimenda-a por não lhe ter
responsável pelo projecto, não deram dito nada no dia dos anos, e parte
esse valor, mas achámos que mere- rumo à Vivenda Sobral. A dona da
ciam também uma placa". casa viu morrer-lhe marido e filho, hoje
Há ainda o apoio que vem dos EUA, partilha o lar com mais três pessoas,
ou que se vai lá buscar: "Temos uma todas apoiadas por uma funcionária do
grande comunidade nos Estados Uni- Centro Social. Por vezes a família
dos. Fui lá três vezes. Numa das via- aumenta, aparece por lá um pequenito
gens consegui arrecadar 20 mil euros" filho de um trabalhador da instituição.
- conta-nos José António. E há alguns animais de companhia,
A obra custou um milhão de euros, o outros de criação. A cadela Joiinha
Estado entrou com 340 mil. ensaia morder-nos as canelas,
S. João de Areias é um meio pobre, e enquanto a funcionária conta a boa
é com os pobres que José António nova ao padre: "O Romeu e a Julieta
conta mais: "Benfeitores são mais os tiveram filhinhos, agora temos que
mais pobres. Vieram-me as lágrimas lhes dar nome, porque aqui todos os
aos olhos quando uma velhinha me animais têm nome". O Romeu é um
veio entregar um mês da sua parca coelho, a Julieta uma coelha.
reforma, poupança que tinha feito Mostra-nos um jardim arranjadinho,
durante um ano. Houve mais que um obra da iniciativa do Centro Social mas
caso desses. Outros ofereceram o seu que se encontra em local público e,
subsídio de férias". naturalmente, à disposição de todos
O padre José António tem uma filo- os habitantes da freguesia.
sofia que trata de incutir aos paro- Já há casinhas com telefone, quer que
quianos: "O meu lema é fazer as pes- todas o tenham. E todas vão ter um
soas felizes enquanto estão vivas". alarme daqueles que serve para avisar
Detalha: "Revolta-me ver os caixões em caso de aflição.
cheios de coroas de flores oferecidas Lamenta as dificuldades de enquadra-
por pessoas que nunca foram capazes mento da sua iniciativa: "Para as ca-
de dar uma flor ao defunto quando sinhas e vivendas não temos qualquer
vivo. Durante a vida foram maltrata- acordo com a Segurança Social. Não
dos, depois gastam-se rios de dinheiro pode ser Centro de Dia porque estão
para calar o remorso com coroas de lá de noite. Não pode ser Apoio
flores. E o mesmo digo quanto aos Domiciliário porque de dia eles vão
mausoléus. Não é que eu não goste para o Centro, para estarem na com-
de ver o cemitério bonito, arranjadinho, padres têm muito peso nestes meios. bilhete de identidade ficou nem ele panhia dos outros utentes...".
é claro que gosto. Do que já não gosto Há muita gente que pensa que eu faço sabe bem onde. Os casos-limite: O padre-empreiteiro não descansa, os
é que se faça uma cultura desenfreada isto por ser padre, mas não. É uma "Aqueles ali viviam como uns sel- olhos chispam de alegria quando fala
da morte. É só naquele bocadinho, postura que tomaria enquanto cida- vagens, em condições miseráveis, in- dos novos projectos. Por exemplo, um
enquanto o morto vai a enterrar. No dão, mesmo que não fosse padre. descritíveis. Quando lá fui buscá-los, à beira do rio, para a última doação
mesmo dia, por vezes no fim do fune- Devemos tratar de fazer as pessoas tive que sair da casa mais do que uma registada: "Sonho com umas suites,
ral já estão a discutir por causa das felizes enquanto estão vivas". vez para vomitar! Um caminhava com uma sala envidraçada, um jardim de
partilhas. É uma manifestação de hipo- No Centro de Dia, José António trata a cabeça encostada aos pés, babava- Inverno, três ou quatro bungalows...".
crisia que detesto. Daí que eu tente de ir apresentando os utentes, um a -se o tempo todo. Pessoas que tinham Na empreitada da solidariedade, José
fazer passar a mensagem, segundo a um. Os que ali casaram, a senhora uma fortuna e a desbarataram toda!" António vai trilhando o seu caminho.
qual à medida que nasce a soli- que resolveu "adoptar" um deficiente Depois damos uma volta de carro, Percebe-se que é feliz argamassando
dariedade diminui a hipocrisia. E isto profundo, o velhinho que pede para o para ver as casinhas e as vivendas. fraternalmente a vida dos desvalidos.
não é uma posição tomada pelo facto padre lhe contar os anos, e talvez não Tira uma foto com a "madrinha"
fiquem todos bem contados porque o Otília, fala à janela com a velhinha DMA, texto e fotos
de eu ser padre. É verdade que os
7