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1 
Janice Tirelli 
Raúl Burgos 
Tereza Cristina Pereira Barbosa 
(Organizadores) 
O campo de peixe e os senhores do asfalto 
Memória das lutas do Campeche 
Ed. Cidade Futura Isacampeche 
Campeche, Desterro, 2007
2 
Consultoria de edição: Antoninha Santiago -–- AS Comunicações. 
Projeto gráfico e Capa: Pedro Paulo Delpino. 
Editoração eletrônica: FláviaKunradi 
Revisão do texto Introdutório: Tanira Piacentini 
Foto capa: .................. 
Digitalização de documentos: Dilceane Carraro 
Ficha catalográfica 
e todas as informações da edição 
Apoio: 
Ministério do Meio Ambiente – MMA. 
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO 
Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU 
Departamento de Sociologia e Ciência Política – CFH – UFSC 
Departamento de Serviço Social – CSE – UFSC 
Departamento de Ecologia e Zoologia – CCB – UFSC 
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
3 
Dedicatória
4 
Agradecemos 
Em especial às centenas de moradores que com sua participação deram forma às experiências que 
aqui relatamos; aos moradores entrevistados, aos colaboradores conhecidos e anônimos. 
Aos professores pareceristas e consultores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina. 
Ao Ministério do Meio Ambiente e à UNESCO, financiadores do Projeto Parque Orla do 
Campeche do qual faz parte este livro. 
Aos Departamentos de Sociologia e Ciência Política, de Serviço Social e de Ecologia e Zoologia da 
Universidade Federal de Santa Catarina, aos quais pertencem os organizadores, pelo apoio aos projetos e 
trabalhos de Extensão Comunitária no Campeche. 
Aos pacientes funcionários da Fundação de Amparo à Pesquisa de Extensão Universitária 
FAPEU. 
A Editora Cidade Futura que acolheu este projeto.
5 
Epigrafe
6 
Em Branco
7 
Apresentação 
Este livro está sintonizado com os movimentos sociais que trabalham para a construção de 
uma cidade justa e sustentável. Recuperando a memória do movimento comunitário visa contribuir 
com elementos históricos e técnicos que alicercem as lutas na região do Campeche, mas também na 
cidade de Florianópolis. É, portanto, um texto de intervenção, elaborado por mãos militantes, e 
conta a história do lugar em que está sendo construída. 
O documento assume a forma de um relato resultante da observação crítica dos 
organizadores sobre a sua prática e como tal, isento de neutralidade na análise dos fatos, 
documentos e informações. Outros participantes poderiam contar a mesma história de forma 
diversa. Alguns relatos, principalmente os relativos às diferentes organizações e movimentos foram 
feitos a partir de depoimentos ou textos dos moradores com suas visões e experiências, o que levará 
os leitores a se identificarem ou não com a apresentação dos acontecimentos e situações aqui 
relatados. 
Trata-se de um texto produzido no dia a dia de um trabalho comunitário intenso e exigente; 
a escrita poderá não ser impecável, os temas poderão pecar pela incompletude e a organização 
formal poderá resultar insatisfatória. Contudo, o leitor encontrará uma quantidade crítica de 
informações e documentos que seguramente lhe permitirá formar uma opinião consistente das razões 
e os objetivos que mantêm acesa uma luta comunitária que já é medida por décadas. 
Interesses particulares mesquinhos e o descaso e a conivência do poder público criaram as 
condições para um desenvolvimento desordenado da região do Campeche, colocando em risco seu 
valioso patrimônio natural e cultural. Mas se esse crescimento desordenado, fomentado pela falta de 
fiscalização e pelas mudanças de zoneamento para favorecer interesses particulares, desconsiderando 
absolutamente o interesse público, foi deletério, a pior parte veio quando planeja-dores municipais 
(com o apoio dos grandes interesses imobiliários), com uma visão ultrapassada de desenvolvimento 
urbano, e sem uma real preocupação com as questões ambientais e culturais, propuseram uma 
ocupação irresponsável, insustentável, que uma vez consumada resultaria no colapso ambiental da 
planície – e provavelmente da cidade. 
As lutas dos moradores da região, iniciadas na década de 1980, frearam temporariamente os 
desejos dos senhores do cimento e do asfalto. Contudo, não é possível baixar a guarda. Os poderosos 
predadores continuam incansavelmente sua batalha pelos lucros à custa da vida. Compram alvarás, 
licenças ambientais, desconhecem e desafiam as leis e, amparados na impunidade, trabalham 
isolados em seus gabinetes, esperando o cansaço e desgaste dos movimentos sócio- ambientais. 
Neste sentido, se este livro contribuir para o sustento das lutas que estão por vir para a 
construção de um bairro e de uma cidade que organize seu presente pensando nas gerações futuras, 
terá cumprido seu objetivo.
8 
Em Branco
9 
Sumário
10 
Em Branco ou Lista de figuras
11 
20 anos de luta por um desenvolvimento sustentável na Planície do Campeche 
O Campo de Peixe: uma planície em perigo 
A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha de Santa Catarina. Com 55 
km2, estende-se de leste a oeste da Ilha e abrange praias de mar aberto e da baía sul, daí o nome 
também conhecido de Planície Entremares. 
Localizada ao sul da Ilha, abrange a Lagoa da Conceição, Joaquina, Manguezal do Rio 
Tavares, Morro das Pedras, Alto Ribeirão, Costeira do Pirajubaé, Tapera. Abrange as localidades do 
Aeroporto, Base Aérea, Tapera, Ribeirão da Ilha, Carianos, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda 
do Rio Tavares, Sertão da Costeira, Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras. A planície dista 
aproximadamente 10 km do Centro de Florianópolis. 
Como área plana cheia de areia resultante da deposição dos sedimentos aprisionados entre as 
serras e maciços litorâneos durante os avanços e recuos do mar nos últimos seis mil anos, a Planície 
do Campeche, assim como outras planícies costeiras, é “bebê” na escala geológica (figura 2 – a 
planície do Campeche). 
A fragilidade do seu solo é alta e sua feição plana é resultado da exposição às correntes, marés e 
ventos predominantes. Extensa, porosa e cheia de areias, a região recebe e acumula no subsolo as 
águas das chuvas, formando um vasto lençol freático – o aqüífero Campeche – que, juntamente com 
as barreiras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície. As águas do 
mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, do lençol freático, ficam por cima. 
Essa bacia de areia e água recebe o nome de Bacia Hidrogeológica do Campeche e é recarregada pelas 
chuvas, ribeirões e riachos que descem dos morros. As águas do lençol afloram nas concavidades e 
baixios formando várias lagoas que se sobressaem após as chuvas: as mais evidentes são a Lagoa 
Pequena e a Lagoa da Chica, alem dos brejos e pântanos que recebem e drenam natural e lentamente 
suas águas para o mar. (Material de Referência nº 1) 
Preservada em sua maior parte, apesar das graves alterações produzidas nas suas faixas 
litorâneas por uma ocupação desordenada e “ordenada” incentivada pelo não cumprimento das leis, 
descaso e pela falta de fiscalização do poder público, a Planície enfrentou nas décadas de 1980 e 1990 
o seu pior inimigo: o projeto de ocupação insustentável elaborado pelo Instituto de Planejamento 
Urbano de Florianópolis desde 1989, que favorecia os interesses imobiliários e as grandes 
empreiteiras da construção civil. Nas páginas seguintes, relataremos as lutas das comunidades da 
planície do Campeche para a preservação e a sustentabilidade de seus recursos. 
O começo da resistência 
“O primeiro grande golpe contra a meio ambiente no Campeche foi em 1975, quando [um 
conhecido empresário de Florianópolis} devastou uma das maiores dunas do Campeche e aterrou o Rio do 
Rafael para construir sua casa de fim de semana”. Com estas palavras Ataíde Silva, presidente da 
Associação do Surf do Campeche, expressa o sentimento da comunidade local, que nunca se 
conformou com o acontecido e que se colocou em estado de alerta.1 
O sinal de alerta tornou-se alarme quando a invasão das dunas começou em larga escala. “A 
grande invasão das dunas do Campeche começou entre 1979 e 1980 no Morro das Pedras. Depois, o dono 
do Hotel Morro das Pedras comprou os barracos e continuou a destruição para construir o 
empreendimento em 1981. A essa devastação seguiu-se o desmatamento e destruição de dunas para um 
loteamento da família Berenhausen entre 1984 e 1986. O fato é que, a partir, dessa época, de 1979 em 
diante, começou a luta mais decidida da comunidade, encabeçada pelos surfistas, contra a invasão das 
dunas e a preservação do meio ambiente”.2 
O depoimento do surfista ativista nos remete ao início da ocupação das áreas de preservação 
na Planície do Campeche e mostra a região como um dos exemplos da emergência da contradição 
entre os espaços naturais e aqueles criados pela intervenção humana. As mais belas regiões, as mais 
1 Ataíde Silva, em BURGOS, Raúl. Campeche, o teimoso democrata, revista Cidadania, nº 1, Florianópolis, 2003. 
2 Idem.
deslumbrantes paisagens da Ilha de Santa Catarina, a partir de 1970 passaram a compor as áreas 
mais almejadas para assentamentos dos grandes negócios. Esse é um período em que essa concepção 
se impõe, inclusive, sobre a modesta cobertura das leis municipais, como a de 1976 – Plano Diretor 
do Distrito Sede restrito à parte mais densamente povoada do município. Somente em 1985 a Lei 
Municipal 2193/85 – Plano dos Balneários — instituiu as diretrizes para o zoneamento, uso e a 
ocupação do solo nas áreas ainda não atingidas pela lei anterior. 
Ainda em 1985, foi fundada a Associação de Surf do Campeche (ASC) cujo “intuito principal 
sempre foi o de preservar o meio ambiente e não apenas organizar a categoria. Nesse sentido, a Associação 
começou, desde sua fundação, a conscientizar a comunidade sobre a necessidade de cuidar da defesa do 
meio ambiente”, esclarece Ataíde. Para isso, a Associação organizou dois seminários. O primeiro deles 
aconteceu durante a realização, em 1986, do Festival ArtSurf; o segundo, realizado em 1987, 
denominou-se “Discutindo o Campeche”. Nele já se reivindicava a redefinição do Plano Diretor dos 
Balneários , em vigor até hoje, com muitas alterações de zoneamento. Solicitava-se, também, a criação de 
uma comissão de entidades e representantes da comunidade para o planejamento e execução do plano 
diretor; assim como, decisão sobre a ocupação das dunas e o repasse da área da aeronáutica para a 
comunidad, visandoa criar um Centro de Esporte e Lazer e outras reivindicações comunitárias.3 
Em 1987 é fundada a Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM), que coordena, a 
partir de então, um novo ciclo de lutas pelo desenvolvimento do bairro com a preservação do meio 
ambiente. No mesmo ano, a entidade envia um abaixo assinado ao prefeito Edson Andrino exigindo: 
“ 1- Cumprimento da Legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas; 2- Criação do 
Parque da Lagoa da Chica, demarcando a área com árvores frutíferas e mantendo um herbário da 
rica flora nativa;3- Tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis; 4- Contrariedade em 
relação ao projeto de acesso à Joaquina , via Campeche, pelos danos que irá causar ao meio 
ambiente”. Este último ponto expressava um alerta dos moradores que acenavam com as lutas que 
viriam pela frente (Material de referência nº 1). 
Em 21 de dezembro de 1989 é redigida a “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os 
Projetos de Urbanização da Área” (Material de referência nº 2). Esse texto sintetizava as 
reivindicações dos moradores tiradas das reuniões semanais que se realizavam desde 27 de novembro 
daquele ano. A carta contém um conjunto de propostas populares para o planejamento da cidade, 
ainda no momento inicial da elaboração do Plano Diretor do Campeche pelo Instituto de 
Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). As propostas partiam da rejeição dos projetos 
apresentados pelo órgão de planejamento “por não atenderem as reivindicações básicas da comunidade, 
uma vez que não foi ouvida previamente, nem respeitarem sua história e ecologia”.4 
Estabelece-se ao final de 1980 e início de 1990 a dissociação entre os dois tipos de 
desenvolvimento para a cidade: aquele que pensava ser possível a existência de cidades médias, de 
tamanho limitado, descentralizadas, com gestão participativa de seus habitantes, e aquele que 
considerava o crescimento urbano como inevitável e incontrolável, sem limites e condicionantes da 
sua expansão e sem levar em conta a participação popular. Sob uma gestão centralizadora inicia-se, 
por conseqüência, uma trajetória de conflitos, insatisfações, desentendimentos e perseguições contra 
os moradores que se organizaram em oposição ao plano diretor da prefeitura. Mas, por outro lado, 
surgiam novas iniciativas que revitalizaram a defesa do meio ambiente e a organização popular. A 
resposta dos movimentos sócio-ambientalistas ao fenômeno da expansão da urbanização desse 
período trouxe repercussões irreversíveis para Florianópolis e suas políticas de desenvolvimento.5 
Em 24 de novembro de 1992, o IPUF envia à Câmara de Vereadores (IPUF, 1997) um novo 
projeto de Plano Diretor para a região da Planície do Campeche – o Plano de Desenvolvimento do 
Campeche (PDC), que estava sendo elaborado desde 1989 nos gabinetes do IPUF e da PMF (Figura 
nº 2) 
Nos fundamentos ideológicos desse plano se encontra o incentivo à vocação turística e ao 
desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia, na perspectiva de fazer de Florianópolis uma 
12 
3 Associação de Surf do Campeche. Convite para o seminário “Discutindo o Campeche”, Florianópolis, 1986. 
4 Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM. “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetos de 
Urbanização da Área”, 1989. 
5 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais 
na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1996.
metrópole. Para isso, o poder executivo pensou a construção de um extenso e caro sistema viário 
seguindo o modelo da cidade inglesa Milton Keynes.6 Os elementos geradores de empregos seriam o 
pólo tecnológico segundo o paradigma das tecnópolis japonesas7, a exploração turística e imobiliária 
(hotéis, pousadas, conjuntos residenciais de alto nível, incluindo um autódromo internacional e um 
campo de golfe) e uma população de aproximadamente 450.000 habitantes ocupando 70% do solo da 
planície.8 Levando em conta que a população total da cidade é hoje de aproximadamente 400.000 
habitantes considerando continente e ilha, tratava-se da construção de uma cidade nova numa única 
região da Ilha de Santa Catarina. 
No início de 1993, o novo prefeito, Sérgio Grando, retira o Plano Diretor da Câmara para 
discussão com as comunidades; o IPUF convoca professores da Universidade Federal de Santa 
Catarina (UFSC) para discutir o projeto. Na ocasião, o Plano é questionado pelo modelo de 
desenvolvimento urbano e são sugeridas reavaliações que não chegam a ser atendidas, dando início a 
um desentendimento duradouro entre o órgão de planejamento e segmentos de profissionais da 
UFSC sobre o projeto de desenvolvimento mais adequado para a região. 
Em 1994, fruto das pressões de moradores, o IPUF abre um processo de discussão direta com 
a comunidade. Foram então realizadas reuniões nas áreas de abrangência do plano com os bairros da 
Tapera, Alto Ribeirão, Campeche e Fazenda do Rio Tavares. Os pontos de discórdia mais evidentes 
eram o dimensionamento do sistema viário, a via Parque nas dunas com 40 metros de largura9, os 
altos gabaritos dos prédios, a densidade populacional induzida e as conseqüências ambientais e 
sócio-culturais do desenvolvimento proposto para o sul da Ilha. A discussão não trouxe resultados 
na modificação dos pontos críticos sugeridos pela comunidade e o Instituto de Planejamento Urbano 
de Florianópolis manteve o plano com poucas alterações. 
Em 1995 o plano é reeditado. Apesar da sua militância no campo da oposição, o prefeito, na 
sua mensagem à Câmara de Vereadores de Florianópolis, apresenta o projeto sem qualquer 
posicionamento crítico à concepção meramente imobiliária do plano diretor proposto: “Trata-se de 
uma concepção urbana integrada, de um projeto de uma cidade-nova, com capacidade para cerca de 
450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI” (Material de Referência nº 4). 
Contudo, como resultado das pressões das comunidades envolvidas, o projeto não chegou a ser 
enviado à Câmara (IPUF, 1997). 
Com efeito, entre 1995 e 1996, representantes do Orçamento Participativo do Sul da Ilha 
continuam solicitando a suspensão dos encaminhamentos do PDC para sua ampla discussão com as 
comunidades. O abaixo-assinado ao prefeito municipal, solicitando a retirada do Plano de 
Desenvolvimento do Campeche da Câmara para uma consulta à população, surte o efeito desejado. Em 
novembro de 1996, reabrem-se as discussões de planejamento na região e as comunidades, em 
conjunto com o IPUF, preparam um seminário para o sul da Ilha, na Associação de Pais e Amigos 
da Criança e do Adolescente do Morro das Pedras – APAM. O evento tinha caráter consultivo sobre 
os problemas da região e reafirmava a necessidade de a população participar do planejamento 
urbano de sua área. O IPUF, na ocasião, apresentou suas diretrizes para o planejamento da Ilha 
(levantamentos, diagnóstico, propostas, diretrizes econômicas e sociais), porém, não apresentou o 
Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche que vinha sendo aprovado parceladamente 
pelos vereadores a partir do projeto do IPUF10. A maior parte das alterações transformava Áreas 
6 AMORA, Ana Albano. O Lugar do Público no Campeche. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis, 
1996. 
7 VIEIRA, Sheila. A Industria de Alta Tecnologia em Florianópolis. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, 
Florianópolis. 1995. 
8 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF. Diagnóstico do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares. 
Florianópolis, mimeografado, 1996. 
9 Estudo de impacto Ambiental (EIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da rodovia SC 406 - Via Parque - trecho Lagoa 
da Conceição - Morro das Pedras (MPB Saneamento LTDA. Florianópolis, 1995), descreve o valor das desapropriações na sua 
faixa de domínio. A alternativa mais barata era estimada em R$ 12,3 milhões e a mais cara em R$ 27,5 milhões de reais 
10 Esse é um procedimento que prevalece até os dias atuais. Como regra, são aprovados novos projetos empresariais, novas 
obras, viabilidade e mudança de zoneamento. Esse procedimento não democrático, utilizando como referência um plano ainda 
não aprovado, indica a forte influência de grupos econômicos, empresarias e as relações de favorecimento entre prefeitos, 
vereadores e seus eleitores mais poderosos. Como exemplo, o Decreto Municipal 440/91, do Prefeito Bulcão Viana, e o Projeto de 
Lei 4854/92, redefiniam o zoneamento da área do entorno da Lagoa Pequena como alterações de zoneamento da Lei 2193/85, 
reduzindo a área protegida pelo Decreto n.º 135/88 e permitindo o parcelamento do solo e a implantação de residências, apesar 
13
Verdes de Lazer (AVL), Áreas de Preservação Limitada (APL) e Áreas de Preservação Permanente 
– Ambientais e Históricas – em Áreas Turísticas Residenciais (ATR)11 sem qualquer planejamento 
ou infra-estrutura, apenas para satisfazer certos interesses econômicos de parceiros políticos ou 
eleitores poderosos. 
Ainda nessa reunião a comunidade critica o sistema viário, que reforçava e estimulava as 
tendências ao transporte individual, e não priorizava o transporte coletivo, assim como também não 
zelava pela acessibilidade12 e segurança dos pedestres, ciclistas, cadeirantes, deficientes visuais. Além 
disso, elaborou-se uma lista contendo um conjunto de problemas no sul da Ilha: a inexistência de 
áreas públicas; a precariedade das estradas e ruas; a falta de fiscalização nas praias e parques 
(Naufragados, Lagoa do Peri, Campeche); a segurança pública; a privatização da orla; a falta de 
planejamento na coleta e tratamento dos resíduos urbanos; o fechamento de acessos à praia; a falta 
de cemitério na região; a falta de vontade política em planejar e legalizar o bairro Areias do 
Campeche (área desapropriada de inúmeras carências); a falta de saneamento básico; o 
desconhecimento do Plano Diretor por parte da população; a substituição de árvores nativas por 
exóticas; a localização problemática da empresa Pedrita e do Aeroporto; a falta de equipamentos 
públicos (creches, escolas, praças, parques, etc). Além dos problemas, os moradores indicaram a 
necessidade de preservar a faixa de dunas, morros, rios e a garantia da fiscalização; a intervenção 
popular no planejamento e preservação dos caminhos e construções históricas das comunidades 
tradicionais e sítios arqueológicos; a implantação de um Parque Cultural no Campeche na área do 
antigo Campo de Aviação como área pública de lazer e preservação do patrimônio histórico local; a 
preservação da área da CASAN–, adquirida para alocar o sistema de tratamento de esgotos, área na 
qual, no plano do IPUF, previa-se a instalação de um campo de golfe – e sua mata nativa; a 
manutenção dos gabaritos de dois andares e da baixa densidade populacional da região até a 
melhoria da infra-estrutura de saneamento básico, bem como um diagnóstico da capacidade de 
suporte para o desenvolvimento proposto; manutenção e preservação das praias e baias como espaço 
de atividade econômica pesqueira e de lazer; organização do uso da praia de Naufragados, 
preservando seu acesso original. 
Esses encaminhamentos revelam o conhecimento dos moradores, construído nas experiências 
do cotidiano ilhéu, e essa iniciativa coletiva da região sul contribuiu fortemente para a indicação de 
propostas que viessem solucionar os problemas locais. Essa compreensão aparece, inclusive, quando 
a população aponta que o poder público, nos seus diferentes papéis, não é o único responsável pela 
situação de degradação da região, mas é o principal responsável pela fiscalização e pelo cumprimento 
das leis ambientais, assim como de organizar o entrosamento entre as instituições e órgãos estatais 
em nível municipal e estadual, tendo as leis como referência no trabalho conjunto entre Estado e 
sociedade civil13. 
Como fruto dessas discussões foram estabelecidos os seguintes encaminhamentos: (1) buscar 
um acordo entre Câmara Municipal, Comunidades e Órgãos Públicos para evitar aprovações 
parcializadas de zoneamento antes da definição do plano diretor; (2) atuar para um entrosamento e 
acordo entre os órgãos públicos (SUSP, CELESC, IPUF, CASAN, Procuradorias do Meio Ambiente, 
etc) para que a prestação de serviços públicos fosse acompanhada de critérios, e não atropelada pela 
ocupação de condomínios e loteamentos – regulares e irregulares – em áreas problemáticas; (3) 
solicitar à SUSP a coordenação e a reativação da defesa e fiscalização do uso do solo e a ocupação 
da inconstitucionalidade e da ilegalidade flagrante. De fato, o MPE entrou com Ação de Inconstitucionalidade em 92, porém o 
julgamento e o acordão judicial demoraram tanto que o local já abrigava quase um quarteirão de residências irregulares no 
entorno da Lagoa Pequena. O número de casas e agora prédios não pára de crescer. Nenhuma ação da justiça foi implementada 
na região. 
11 A qualidade do “planejamento” dos vereadores – aleatória e predatória – primou em favorecer empreendimentos privados 
(loteamentos, residências, prédios, hotéis, campos de golfe, leis 3636/91 e 3637/91) sem a infra-estrutura e espaços sociais 
necessários e sem considerar os moradores da região. Trouxe em conseqüência o adensamento populacional do bairro e seus 
inúmeros problemas de lixo, esgotos, engarrafamentos, etc. 
12 A Norma Brasileira NBR 9050-1994 (§3.1) adota a seguinte definição de acessibilidade: "Possibilidade e condição de alcance 
para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos", isto é, a possibilidade 
de acesso de todos os cidadãos às facilidades da cidade, independente de sua condição física. 
13 Nesse sentido, o Estado é chamado a assumir a sua função no cumprimento da legislação vigente e na coordenação da defesa e 
fiscalização dos patrimônios histórico, ambiental e cultural do sul da Ilha, além de mediar os conflitos de interesses da sociedade 
civil no que diz respeito à propriedade e, inclusive, em grupos de trabalho, atuar em conjunto com a comunidade, 
14
baseada na legislação vigente; (4) convocar os proprietários para assegurar áreas públicas no 
processo de parcelamento e urbanização; (5) identificação dessas áreas possíveis em conjunto com as 
associações de moradores da localidade; (6) fazer mapeamento dos locais sem acesso à praia (IPUF; 
Associações de Moradores) e descumprimento da legislação vigente, para uma desapropriação 
posterior; (7) encaminhamento da resolução dos problemas legais que envolvem a área 
desapropriada das Areias do Campeche junto ao Departamento de Habitação; (8) criação de um 
grupo de Trabalho e Atuação Permanente junto ao IPUF (associações, órgãos públicos, prestadoras 
de serviço) para discutir e acompanhar o desenvolvimento da região; (9) continuidade da 
mobilização popular independentemente da oficialização do grupo de trabalho, criado no Seminário. 
A partir desse seminário, o processo de aproximação de interesses entre as comunidades do 
sul da Ilha e o poder público parecia estar caminhando para instaurar um diálogo que solucionasse 
os problemas sócio-ambientais apontados. Os moradores aguardavam a oficialização do grupo de 
trabalho que coordenaria as discussões quando houve a mudança de gestão municipal com as 
eleições de 1996, com a eleição de Ângela Amim. No início de seu governo o Plano Diretor da 
Planície do Campeche é autoritariamente reenviado à Câmara de Vereadores sem novas discussões. 
O grupo político que assumiu a prefeitura, apoiado por técnicos dos diferentes órgãos do 
município, deixou clara a sua indisposição em continuar o diálogo iniciado no governo anterior. Ao 
mesmo tempo, as novas autoridades iniciaram uma campanha pública com o objetivo de dividir as 
lideranças comunitárias (e os cidadãos organizados que se opunham a seu projeto de governo) 
através de um discurso segregacionista que celebrava os segmentos sociais nascidos na Ilha, os 
nativos, e discriminava os segmentos sociais de fora, considerados estrangeiros. Estes últimos 
deveriam ficar mudos diante da destruição da cidade, uma vez que esta não lhes pertencia –era o 
recado claramente dado, e apoiado por grupos de moradores e empresários também claramente 
interessados no “progresso”. 
A conseqüência mais visível dessa nova política foi a interrupção completa do diálogo entre 
os movimentos organizados e o poder público, que passou a discriminar o sul da ilha. Decisões 
pontuais de caráter clientelista sustentaram projetos imobiliários de empresas e grupos não apenas 
para a região do Campeche, mas também em outras regiões, como a grande planície úmida adjacente 
aos bairros Pântano do Sul e Açores, envolvendo, fundamentalmente, projetos de interesses 
empresariais de caráter imobiliário.14 No sul da Ilha inicia-se um processo de desmonte da 
articulação construída no período anterior entre os bairros da região. As lideranças que conduziam o 
processo de unificação regional pelas questões comuns chegaram à conclusão de que era necessário 
dirigir seu trabalho organizativo voluntário em cada bairro durante um tempo, para evitar a perda 
de seus vínculos locais, e dar continuidade ao processo educativo relacionado às questões sócio-ambientais. 
Assim, por exemplo, a retomada do debate sobre o saneamento básico na região e outras 
iniciativas conjuntas ficaram mais episódicas, e sofreram com a descontinuidade. Mesmo assim, em 
março de 1997, um novo abaixo assinado contendo assinaturas de várias entidades comunitárias, 
movimentos pela qualidade de vida do sul da Ilha foi levado ao IPUF. O documento solicitava 
basicamente a retomada das discussões de planejamento. O IPUF concorda, mas fica com a 
prerrogativa de definir a metodologia a ser adotada. 
Em julho do mesmo ano, o IPUF apresenta o Plano de Desenvolvimento do Campeche numa 
assembléia com mais de 200 pessoas, na Sociedade Amigos do Campeche (SAC). A novidade da 
apresentação era que o plano diretor original havia sido dividido em 14 parcelas – denominadas 
Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs), numa estratégia de “dividir para reinar” por parte do 
IPUF – e as plantas dessas diferentes UEPs que correspondiam às regiões da associações 
comunitárias e de moradores presentes foram repassadas às lideranças locais para que se 
manifestassem até 29 de setembro, data limite para o posicionamento comunitário. 
O recorte do plano causou indignação aos moradores por impedir uma visão global do projeto 
proposto, e a assembléia rejeitou o plano apresentado sob o principal argumento de que era 
praticamente igual ao apresentado em 1992, sem alterações nos seus pontos mais polêmicos, já 
15 
14 No caso, as empresas C. R. Almeida, JAT Engenharia e Pedrita.
denunciados anteriormente pela comunidade local15. Mesmo assim, a comunidade organizada decidiu 
pela análise do plano e um posicionamento com propostas e diretrizes. Como conseqüência dos 
encaminhamentos da assembléia, em agosto, os moradores fundam o Movimento Campeche Qualidade 
de Vida (MCQV), que passa a coordenar os embates com o Executivo Municipal. Para embasar seus 
argumentos, o MCQV solicita a diversos centros de conhecimento da Universidade Federal de Santa 
Catarina pareceres acerca do projeto em discussão. Solicita também à Companhia Catarinense de 
Águas e Saneamento – CASAN – informações oficiais sobre a capacidade de abastecimento de água 
para a região da Planície. Os pareceres acadêmicos sobre o Plano diretor do IPUF (Materiais de 
referência nº 5, 6, 7, 8 e 9), profundamente críticos, tornaram-se material de referência para as 
análises posteriores elaboradas pela comunidade. A resposta da CASAN (Material de referência nº 
10), indicou uma capacidade limite de abastecimento de água para 147.161 pessoas. Esse documento 
tornou-se um alerta diante da previsão do IPUF de assentar 450.000 pessoas na planície, 
contribuindo para reforçar a posição dos moradores sobre os limites de densidade abastecível da 
região, que incluía o leste e o sul. 
O MCQV se constituiu como um movimento de articulação das diversas entidades da região 
(Associações de Moradores, movimentos e entidades de bairro, ongs) atingidas pelo Plano de 
Desenvolvimento da Planície do Campeche. Como princípio norteador de sua organização, o 
movimento decidiu por não se constituir legalmente como “associação” nem definir formas 
organizacionais burocráticas, preservando-se como movimento aberto à participação de associações 
e indivíduos e flexível nas suas formas de funcionamento. 
A trajetória bem sucedida do MCQV pode ser explicada pela capacidade de mobilização 
autônoma que as localidades adquiriram nas últimas décadas. Sua pauta voltada para os grandes 
problemas sócio-ambientais tocava no cotidiano da população, o que, somado à carência crônica de 
políticas públicas municipais, estaduais e federais, criou uma significativa disposição participativa. 
A atitude crítica e a capacidade de autonomia assumida pelos movimentos sociais desse período 
foram dois elementos importantes que, sem dúvida, incentivaram o crescimento dos grupos, 
principalmente o MCQV. Um dos movimentos pioneiros na Planície, nesse período, foi o Movimento 
Campeche a Limpo – CAL –, que buscava criar uma política ambiental voltada a soluções e 
adequação da coleta dos resíduos sólidos na região, a exemplo do antigo projeto Beija Flor, que se 
voltou para a coleta seletiva no município. Esse movimento foi um dos responsáveis pela criação de 
feiras culturais – Feira do Cacareco, por exemplo, que se consolidou como uma atividade 
comunitária de integração, diversão e educação. (Figura nº 3). 
Em 28 de agosto, uma nova assembléia com presença expressiva dos moradores discute a 
proposta do IPUF, rejeita novamente o plano oficial e, através do recém- criado jornal comunitário 
Fala Campeche 16, convoca o I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche para 23 a 25 
de outubro. O objetivo era definir as diretrizes da comunidade para o desenvolvimento da região. No 
seu editorial, o periódico enfatizava a necessidade de preservação do lençol freático que abastecia a 
região e a necessidade de uma urbanização orientada ao uso cuidadoso dos recursos ambientais 
(Figura nº 24). O jornal esclarecia ainda a necessidade de equipamentos urbanos que valorizassem e 
preservassem os potencias e as atrações naturais locais; incentivava um turismo ecológico e 
sustentável como recurso econômico, geração de emprego e renda, além de permitir aos moradores 
uma vida de melhor qualidade, sem a transfiguração total do Campeche como uma área urbana, 
igual a tantas outras da Ilha e da costa brasileira. 
Nesse momento, o movimento comunitário inicia uma campanha pedindo o adiamento do 
prazo de entrega dos posicionamentos sobre suas UEPs ao IPUF. A campanha visava adiar a data 
de entrega (29 de setembro) para depois da realização do I Seminário de Planejamento da Planície 
do Campeche e recebe a solidariedade de diversas instituições da cidade. Não obstante, em 
documento oficial, datado de 12 de setembro, o Diretor Presidente e outros diretores do IPUF 
15 Estímulo de uma densidade populacional incompatível com os recursos da região, falta da previsão de um sistema de 
saneamento básico imediato para o bairro, sistema viário segregador do bairro (física e socialmente), com a previsão de largas 
vias de alta velocidade, etc. 
16 O periódico Fala Campeche, criado em julho de 1997 pelo MCQV, é um jornal comunitário de caráter informativo, mobilizador 
e educativo do bairro nas questões sócio-ambientais e outras decorrentes do Plano Diretor. 
16
reiteram a data limite, alertando que “a ausência de resposta pela Associação de Moradores será 
considerada como nada tendo a opor ao plano apresentado”. 
A comunidade responde à intransigência do Executivo Municipal e do órgão de planejamento 
com iniciativas que fortaleceriam seu posicionamento e organização. Em primeiro lugar, solicita a 
mediação da Câmara de Vereadores para o adiamento do prazo de entrega de propostas até a 
realização do I Seminário Comunitário de Planejamento. Estendendo sua reclamação para o nível 
federal, em 23 de setembro, encaminha extensa carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos, 
expondo o desrespeito do órgão de planejamento com os recursos hídricos limitados da região e 
solicita a intervenção daquela Secretaria junto às autoridades municipais (Material de referência nº 
11). Por último, em 29 de setembro, data limite oficial estabelecida para a entrega do 
posicionamento comunitário para alterações do plano oficial, o MCQV encaminha um extenso 
documento ao IPUF explicando as razões da rejeição ao plano proposto e reiterando a urgência de 
um plano diretor para a região, com a participação ativa da população na sua elaboração. Também 
convida as autoridades para participarem do I Seminário de Planejamento e solicita adiamento do 
prazo de entrega para 18 de novembro, data considerada como suficiente para a sistematização das 
deliberações desse seminário. Sem resposta oficial, e preocupado com a possibilidade de uma 
aprovação apressada do Plano Diretor, em 9 de outubro o movimento comunitário realiza uma das 
ações de maior impacto na época: a Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM –, em 
nome de um amplo movimento do bairro, interpõe na justiça local uma Ação Cautelar de Notificação 
(Material de referência nº 12) contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e contra o IPUF, “com 
o objetivo de prevenir responsabilidades, prover a combinação de direitos e externar judicialmente a 
preocupação daquela comunidade” em relação aos riscos ambientais decorrentes da implantação de 
um plano com as proporções propostas. Cópias da ação judicial foram enviadas para os órgãos 
públicos e os principais meios de comunicação e formadores de opinião. 
Como subsídio ao processo de difusão e convite ao seminário, entidades e lideranças locais 
produziram diversos documentos internos e públicos, entre eles, de particular difusão na época, o 
documento “Uma questão de responsabilidade” (Material de referência nº 13), alertando para os 
sérios riscos de um planejamento que não leva em conta os limites ambientais para as futuras 
gerações. Ao mesmo tempo, numa carta-documento intitulada “Problema Público no Campeche”, 
um conjunto de entidades da região se expressa pela necessidade urgente de um Plano Diretor “antes 
que seja tarde e esteja tudo perdido” e exigindo “um planejamento compatível com as 
disponibilidades e sustentabilidade da qualidade de vida”. Solicitavam também, ao Colegiado de 
Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina, o estabelecimento e execução de um “programa de 
gerenciamento da Bacia Hidrogeológica do Campeche com vistas à sustentabilidade dos recursos 
hídricos, sob pena de agir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras”. (Material 
de referência nº 14) 
17 
O Planejamento Autônomo do Bairro. 
O Dossiê Campeche 
Com o intuito de criar um espaço coletivo de discussão em que fosse possível a participação 
ativa da população na formulação de diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região, o 
Movimento Campeche Qualidade de Vida realiza, ainda em 1997, o 1º Seminário Comunitário de 
Planejamento do Campeche. Dele participaram, durante 3 dias, cerca de 350 pessoas distribuídas em 
comissões temáticas de trabalho: sistema viário; saneamento básico; espaços públicos; recursos 
naturais e zoneamento (parcelamento do solo para a urbanização). Na ocasião foi re-apresentado e 
discutido o plano diretor proposto pelo IPUF para a região. Os órgãos vinculados ao Executivo 
Municipal (IPUF, COMCAP, FLORAM e SUSP) não participaram no evento, alegando, mediante o 
ofício nº 06096, de 21 de outubro de 1997, que “após tomarem conhecimento da ação cautelar 
notificação promovida pela Associação de Moradores contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis 
e o IPUF, no último dia 09, sentem-se constrangidos em participar do Seminário que visa discutir 
um plano, agora colocado sub-júdice por essa Associação ”.
No seminário, a sociedade civil organizada reviu o Plano Diretor oficial e decidiu recusá-lo 
mais uma vez. Também estabeleceu as diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região. O 
relatório final (Materiais de referência nº 15 e nº 16) baseado no trabalho das comissões e das 
plenárias de discussão, foi aprovado em nova assembléia realizada em 31 de outubro. O resultado 
geral do seminário foi consolidado num documento de 242 páginas denominado Dossiê Campeche, 
que reúne o documento final do encontro e um conjunto de análises e pareceres especializados sobre 
o plano elaborado pelo IPUF, além das diretrizes de desenvolvimento sustentável que balizaram e 
fundamentaram as discussões no evento. 
O Dossiê Campeche foi encaminhado a todos os órgãos públicos municipais, estaduais e 
federais com atuação na área ambiental e de planejamento do uso do solo. A carta de 
encaminhamento do Dossiê expressa: 
Este documento é resultado de um trabalho árduo e laborioso de cidadãos preocupados com as mais 
diversas atividades impostas pelo cotidiano (filhos, trabalho, e problemas pessoais), que destinaram 
todas as suas horas de lazer e de convívio com os seus para sua elaboração. O cansaço, as correrias em 
busca de financiamento para xérox e cópias, e as noites em claro, podem ter, eventualmente, agido em 
detrimento da qualidade do dossiê.... 
Dos órgãos públicos que receberam o Dossiê, somente dois responderam. Numa dessas 
respostas, da diretoria do IPUF17, encontra-se uma análise crítica que desqualifica o “dossiê” e as 
suas contribuições e, na outra, da direção do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria 
de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente– MMA, que elogia a organização da 
sociedade local na preocupação com os recursos hídricos. 
A análise do conteúdo do documento do IPUF deixa transparecer, entre outros motivos, a 
forte intransigência do órgão de planejamento em admitir a incompatibilidade entre os critérios 
metodológicos do IPUF e a participação popular. A participação é entendida pelo IPUF como uma 
ousadia, uma inconveniência dentro de uma proposta pré-estabelecida e definida. A falta de 
sensibilidade dos funcionários municipais se instalou como um viseira que impossibilitou ver que o 
Dossiê elaborado por “outros” técnicos que não aqueles institucionalizados no órgão municipal não 
propõe um plano, mas diretrizes para o planejamento. 
A tônica do texto é a desqualificação como estratégia para o questionamento da legitimidade 
da sua elaboração. Para os técnicos do IPUF que subscreveram o documento, o Dossiê denegria a 
imagem do Instituto de Planejamento com alegações inadequadas e os seus signatários tinham a 
“pretensão” de representar a opinião de toda a comunidade da região, com o argumento de que nem 
eram as associações participaram do seminário, nem são signatárias do documento e que se pretendia 
“insistir numa discussão sem resultados” que vinha ocorrendo desde 1992. 18 
A análise dos pareceres dos profissionais da UFSC demonstra uma disputa de conhecimentos 
em que a desqualificação é mais uma vez o eixo da argumentação dos técnicos do IPUF, deixando 
transparecer a não aceitação do engajamento dos professores universitários junto à população, em 
assuntos que passam não só por questões técnicas, mas também políticas. As acusações se 
desdobram ao longo do texto: os profissionais da UFSC falam em nome próprio, não representam 
oficialmente a UFSC ou seus departamentos; alegam que, por serem moradores da região “objeto de 
análise”, incorrem em “vício de parcialidade” e sofrem da “dificuldade dos teóricos em lidar com a 
realidade”. 
O texto do IPUF acusava o movimento comunitário de ser responsável pelo tipo de 
ocupação desordenada do bairro, isentando-se da responsabilidade sobre o tipo de urbanização que 
foi se consolidando na região. Segundo o órgão de planejamento, “assistiu-se à [sic] favelização do 
Campeche”, eximindo-se de qualquer envolvimento com a falta de fiscalização, as concessões 
irregulares de licenças, mudanças arbitrárias de gabaritos e mudanças de zoneamento para 
17 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis. Parecer Técnico 214/98 sobre o relatório do Seminário da “AMOCAM” 
(Dossiê Campeche). Proc. 177/97-1. Florianópolis, 19 de fevereiro de 1998, mimeografado, 46 pág. O parecer é uma análise 
crítica ao Dossiê, ao conteúdo, à representatividade, à estrutura, aos autores, assinada pelo Diretor Presidente do IPUF, Carlos 
Alberto Riederer; o arquiteto Amilton Vergara de Sousa; o arquiteto José Rodrigues da Rocha – Diretor de Planejamento e a 
arquiteta Jeanine M. Tavares, gerente. 
18 IPUF, Op. Cit., págs. 1 e 2. 
18
favorecimentos particulares, aprovados/encaminhados pelos diversos setores do próprio poder 
público. 
A estratégia do IPUF foi usar da linguagem técnica, supostamente neutra, para se contrapor 
ao conteúdo político presente na demanda popular, sugerindo má-fé dos signatários do Dossiê. Dão a 
idéia de que a pressão popular, durante todo o tempo, é uma prática que encobre motivos políticos e 
interesses pessoais que só se explicam pela suposta ocupação de áreas de preservação permanente e 
implantação de loteamentos clandestinos pelos signatários do Dossiê19. Acusam os signatários de 
irresponsáveis e coniventes com grileiros por reivindicarem o recomeço do processo do zero e 
quererem uma discussão geral com a intenção de reiniciar a elaboração do Plano numa tentativa de 
dominar o processo e impedir a planificação da região.20 
Nesse sentido, aparece outro aspecto da crítica feita ao Dossiê pelo órgão de planejamento, 
que é relevante ressaltar: a concepção de que há uma demagogia em torno do caráter da participação 
popular solicitada e que “a voz do povo não é a voz de Deus” [sic]; assim os técnicos do IPUF 
rejeitam a discussão coletiva com a comunidade e colocam-se contra o “assembleísmo” dos 
moradores. Assumem uma posição classista e parcial, celebrando o empresariado e colocando o povo 
como vilão ao afirmar que “empresários se relacionam com o IPUF para discutir a doação de áreas 
públicas e implantação de infra-estrutura, enquanto a comunidade se relaciona para discutir o que o 
poder público lhe dará, qual o recurso que amealhará”. O documento do IPUF aceita a participação 
popular apenas como apêndice e não como gênese do conhecimento e do planejamento. 
Desconhecia-se em Florianópolis, até aquela data, uma experiência de elaboração popular de 
um documento do porte do Dossiê Campeche com embasamento legal, social e ambiental que 
servisse como subsídio ao planejamento do bairro. O Dossiê continha as reivindicações das 
comunidades e visava auxiliar os órgãos públicos a planejarem com mais justiça a Planície do 
Campeche. Frente a esse conjunto denso de propostas a crítica do IPUF afirma, deixando 
transparecer seu método de diálogo: “É óbvio que os pedidos da comunidade têm que ser avaliados e só se 
pode atender ao que seja tecnicamente viável e socialmente aceitável”.21 Acontece que a comunidade da 
Planície do Campeche exigia, em primeiro lugar, participar da escolha dos critérios daquilo que seria 
“tecnicamente viável e socialmente aceitável”, uma vez que o bairro não dispunha de nenhuma 
infra-estrutura social (praça, biblioteca, museu, parque, correio, área esportiva, espaços culturais) e 
recebia diariamente mais moradores, mais prédios, mais adensamento. 
Quanto ao questionamento comunitário sobre a insustentablidade do plano do IPUF 
relativamente aos recursos hídricos, o documento crítico do IPUF acusava os signatários do Dossiê 
de “ambientalistas primários”.22 Diante do argumento de um possível colapso no abastecimento de 
água sugerem que é falso, porque, em última instância, quando a água faltar, poder-se-ia utilizar as 
águas dos mananciais da área continental, “isso para não falar em usinas de dessalinização da água 
de mar”23, e acrescenta ainda: 
A utilização mais intensa dos mananciais da área continental (Cubatão, Pilões e Biguaçu), com 
capacidade de abastecer a mais de 1,8 milhão de pessoas, segundo informações extra-oficias da Casan 
ou a dessalinização da água do mar, não apresentam problemas técnicos, mas apenas financeiros.24 
Fora a irresponsabilidade de utilizar dados extra-oficiais para um problema tão delicado, o 
texto afirma que trazer água do continente ou dessalinizar água do mar “não apresenta problemas 
técnicos, mas apenas financeiros”. O cotidiano das políticas públicas num país com as carências do 
Brasil nos ensina que o aspecto financeiro está longe de ser secundário na elaboração de projetos 
19 IPUF, Op. Cit., pág. 6 
20Esta luta comunitária foi desgastante e desigual e deixou marcas profundas na vida de alguns moradores. A Prefeitura 
Municipal de Florianópolis tentou silenciar a ex-presidente da AMOCAM, a professora e bióloga Tereza Cristina Pereira 
Barbosa. A FLORAM e IPUF denunciaram falsamente sua propriedade como Área de Preservação Permanente sendo que o 
local era uma antiga pedreira e a vegetação hoje existente foi plantada pela bióloga. A perseguição estendeu-se também ao pai 
do ex-vereador Lázaro Daniel, Seu Chico. O Bar do Chico quase foi demolido, apesar do seu valor cultural. O local foi 
reconhecido posteriormente como Patrimônio Cultural Imaterial no Relatório de Vistoria Nº007/06, 18/10/2006 do Ministério 
Público Estadual (MPE). Maiores detalhes no site www.campeche.org.br. 
21 IPUF, Op. Cit., pág 7. 
22 Op. Cit., pág. 9. 
23 Op. Cit., pág. 15. 
24 Op. Cit., pág. 14. 
19
sociais. Tratando-se de uma questão básica como o uso de um recurso natural como a água, 
esperava-se do planejador da coisa pública uma posição responsável. Foi com esse mesmo 
posicionamento que, diante das críticas da população sobre a insustentável densidade proposta de 
450.000 habitantes, o IPUF afirma que “só deverá ser alcançada em uns 30 anos”, e, portanto, “a 
CASAN terá de 10 a 15 anos até esgotar a capacidade atual e estudar novas alternativas de abastecimento 
para a região”. 
Quanto à rejeição comunitária à segregação social decorrente da proposta oficial, o IPUF 
argumenta que ela inexistia e, contraditoriamente, afirma: “O plano tem áreas para baixa renda, mas 
em localizações econômica e socialmente viáveis. O plano prevê lugar para todas as classes sociais, mas 
não as coloca todas misturadas”, o que conceitualmente corresponde exatamente à definição de 
“segregação”.25 A aplicação prática desse conceito mostra que os de alta renda ocupam a orla 
marinha e têm acesso à praia e paisagem particulares, enquanto os de baixa renda ficam em áreas 
“econômica e socialmente viáveis”, compatíveis com o tamanho do seu bolso. 
Questionados sobre o sistema viário desagregador da vida comunitária, os planejadores da 
prefeitura afirmam que os anéis viários para retirar o tráfego de passagem das áreas residenciais não 
têm características de isolamento, mas de “proteção da comunidade contra os inconvenientes do tráfego: 
acidentes, barulho e poluição atmosférica” (p. 18). Assim, o sistema viário teria a função de solucionar 
os problemas que o próprio sistema viário (e o plano em geral) iria gerar, – este foi mais um motivo 
para que o movimento o rejeitasse. 
O que se pode identificar na crítica do IPUF ao Dossiê Campeche é a perfeita coerência com 
a prática histórica do órgão de planejamento em elaborar propostas em gabinetes, consensuadas com 
os interesses empresariais – aquilo que não se encaixasse nos preceitos fundamentais assim 
elaborados seria “tecnicamente inaceitável”. Nenhuma vontade de ouvir, nenhuma consideração ao 
trabalho sócio-comunitário, nenhuma tentativa de somar e rever sua proposta para melhorar a 
cidade de todos. Daí a recusa em aceitar as propostas comunitárias do Campeche. 
A segunda resposta recebida pelo movimento comunitário do Campeche ao envio do Dossiê 
Campeche teve um tom diametralmente oposto à resposta do IPUF. A carta de Raymundo José 
Santos Garrido, Diretor do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de Recursos Hídricos 
– Ministério do Meio Ambiente, de 10 de novembro de 1997, expressa: “percebemos, pelo material 
enviado e pelo número de associações que assinam a correspondência, que a região já tem uma grande 
mobilização social, e esse é o ponto básico para se conseguir uma gestão de recursos hídricos participativa e 
consciente”. Numa atitude solidária com o movimento comunitário, sugeria a criação do Comitê da 
Bacia Hidrográfica do Campeche e se colocava à disposição para enviar um profissional da 
Secretaria para um evento no qual fosse debatida a criação de tal Comitê. 
Aceitando o desafio, a AMOCAM e o MCQV convocam uma ampla reunião das entidades da 
planície do Campeche com o objetivo de “discutir, decidir e encaminhar a criação” do Comitê da 
Bacia do Campeche. Em 27 de janeiro de 1998, a comunidade realiza uma assembléia que contou 
com a presença de representante da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio 
Ambiente. Desse encontro resultou a criação de uma comissão provisória encarregada de levar 
adiante a organização de uma nova entidade, que foi denominada Comitê da Bacia Hidrogeológica do 
Sul da Ilha. 26 
Contudo, tal comitê nunca chegou efetivamente a se estabelecer. A sua constituição efetiva e 
a continuidade dos trabalhos foi prejudicada pelas conseqüências do envolvimento comunitário na 
preservação de um dos ecossistemas mais importantes e de maior beleza da região: a Lagoa Pequena. 
(Figura nº 4) Localizada no limite entre os bairros Campeche e Rio Tavares – a “lagoinha”, como é 
conhecida na região –, numa área tombada pelo município em 1988, como patrimônio natural e 
25 Com efeito, segundo o dicionário Aurélio, “segregação” racial ou social significa: “Política que objetiva separar e/ou isolar no 
seio de uma sociedade as minorias raciais e, p. ext., as sociais, religiosas, etc.” 
26 Na ocasião, assinaram a adesão à Comissão pró-formação do Comitê da Região Hidrográfica do Sul da Ilha: Conselho de 
Moradores da Lagoa do Peri; Movimento pela Qualidade de Vida da Armação; Movimento Campeche Qualidade de Vida; 
Associação dos Moradores da Localidade da Lagoa do Peri; Klimata – Centro de Estudos Ambientais; Associação dos Moradores 
do Campeche. 
20
paisagístico (Dec. Municipal 135/88),27 abrigava, na margem sudeste, um dos poços artesianos de 
captação de água de abastecimento da região28. Três anos após o tombamento da Lagoa Pequena, 
em 1991, inicia-se um processo de grilagem na sua margem nordeste, quando o seu entorno e a área 
verde de lazer, de propriedade do Estado, são transformadas em ATR (Área Turística Residencial), 
facilitando a sua ocupação. Essa alteração de zoneamento, desprovida de uma política de gestão 
ambiental voltada para o interesse público, foi a porta de entrada de sérios danos ambientais 
causados na localidade29. A paisagem original da região da bela lagoa foi transfigurada. 
Parcelamento do solo, loteamentos, extinção da vegetação, edificações muito próximas ao espelho 
d’água e mais adiante, nas dunas próximas, abertura de ruas, aterros para viabilização das 
construções e abertura de escoadouro artificial na Lagoa, foram os prejuízos causados na região 
(para maiores informações, ver GERI, 2007). O poder público foi incapaz de cercar adequadamente 
a área tombada – e até o presente mantém essa incapacidade –, assim como foi omisso na 
fiscalização e punição dos invasores.30 O movimento pela preservação da Lagoa Pequena, apoiado e 
impulsionado pelo MCQV, intensificou as ações na região, gerando conflito entre o movimento sócio-ambiental 
e os responsáveis pela grilagem das terras tombadas. Desdobraram-se, na ocasião, 
denúncias, audiências com a Procuradoria Federal e Estadual, visitas aos órgãos municipais 
responsáveis e manifestações públicas em defesa do lugar, com destaque especial para o “Abraço à 
Lagoinha” (Fig. nº 5) a, passeata pelas ruas do bairro e ato público na forma de piquenique, 
denominado “Primavera na Lagoa Pequena”. Durante a realização deste ultimo evento, o conflito 
teve seu momento mais grave, com a agressão física de um dos manifestantes ambientalistas. A 
agressão resultou em ferimentos graves e perda de equipamentos fotográficos. A partir de então, 
iniciou-se um período marcado por inquéritos policiais e judiciais, mas, sobretudo, por ameaças 
contra os militantes comunitários e suas famílias, consumindo as forças do movimento. 
Desencadeou-se uma campanha civil contra a violência na região. A sociedade organizada 
juntamente com os moradores que sofriam ameaças, em audiência com a prefeita municipal, e 
solicita uma atuação mais contundente na localidade, mas prevalece por parte da autoridade do 
Executivo uma interpretação xenófoba do episódio e a neutralização da violência pelo fato de 
moradores não nativos serem os agredidos. 
Como indicado, tais acontecimentos consumiram as forças do movimento na época e 
impediram a constituição do mencionado Comitê de Bacia. Lamentavelmente, apesar dos duros 
embates da época, das denúncias e do intenso diálogo com os órgãos responsáveis, o movimento 
comunitário não conseguiu, até hoje, uma demarcação adequada da área tombada e tampouco uma 
atitude decidida das autoridades para implantar e estruturar o Parque Municipal da Lagoa Pequena 
e tampouco considerar os termos do acórdão judicial. Contudo, as lutas conseguiram frear, naquele 
momento, o processo de destruição da região. Um resultado positivo do processo político 
mencionado foi a elaboração de um acurado estudo das características da Lagoa Pequena por parte 
de profissionais da Universidade Federal de Santa Catarina e militantes do movimento comunitário. 
31 
Fruto desse conjunto de lutas, ainda em 1998 o Plano Diretor Oficial do Ipuf foi novamente 
retirado da Câmara de Vereadores para modificações que deveriam atender às reclamações da 
comunidade. Entretanto, no ano seguinte, o Plano volta à Câmara já dividido em 14 parcelas. O 
MCQV consegue a mediação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no intuito de abrir 
27 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA – Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina: 
Caracterização e legislação. Florianópolis, SC, 1997. 
28 Até 2000, eram 13 poços da CASAN, interligados em anel, que abasteciam a costa leste e sul da ilha. 
29 Em 03 de dezembro de 1992, o Ministério Público Estadual ajuizou uma Ação Civil Pública (n. 02395026511.6) contra o 
Município de Florianópolis e Pedro Manuel Borba Neto. O pedido de liminar requeria o fim da ocupação ilegal da Área de 
Preservação Permanente (APP) da Lagoa Pequena e a declaração de ilegalidade do Decreto 440/91 e da Lei 4.854/92 que tinham 
promovido o destombamento de parte da Área Verdade de Lazer (AVL). O Acordão judicial de 9 de junho de 1998, estabeleceu a 
inconstitucionalidade das leis questionadas e retrotraiu a situação jurídica da área a o estabelecido pelo decreto Municipal 
135/88, do Prefeito Edson Andrino, que promoveu o tombamento do lugar. 
30 Na tentativa mais decidida para a demarcação da área, segundo as informações fornecidas ao movimento pelas autoridades da 
FLORAM, os técnicos foram “corridos a bala”. 
31 Para uma informação mais completa, consultar o Relatório Final do Projeto Adote a Lagoinha, BARBOSA, T. C. & SOUSA, 
J.P. UFSC/ CCB/ CFH, 1999, disponível no sitio www.campeche.org.br. 
21
um diálogo “técnico” entre o órgão de planejamento e a comunidade, com o objetivo de encontrar os 
pontos de consenso. O diálogo, realizado entre julho e setembro, fracassa pela incompatibilidade dos 
pontos de vista em torno dos temas mais controversos, como o sistema viário, a Via Expressa em 
áreas de dunas e o adensamento populacional propostos pelo plano oficial. 
Dado o impasse, o MCQV convida a população para uma assembléia comunitária, em 
outubro de 1999. Dela participaram mais de 300 moradores que decidem pela construção de um 
Plano Diretor Comunitário a partir das diretrizes do Dossiê Campeche e contando com o potencial 
de trabalho voluntário de moradores, incluindo técnicos locais. 
A partir desse momento o movimento se amplia e unifica-se através de iniciativas 
mobilizadoras de outros bairros da Planície. Nessa ampliação, se destaca a APAM – Associação de 
Pais e Amigos da Criança e do Adolescente – do Morro das Pedras, entidade beneficente fundada em 
28/11/1989. Desde então a APAM atua em atividades sócio-educativas na região das Areias do 
Campeche. Além da sua natureza voltada para o serviço social, essa entidade se notabiliza pelo 
envolvimento nas questões sócio-ambientais e na organização do movimento autônomo do bairro, 
contribuindo com a criação do Movimento Nosso Bairro. Essa participação no Movimento 
Campeche Qualidade de Vida contribuiu para ampliar a sua representatividade e fortaleceu com a 
proposta de envolver a Planície do Campeche na elaboração de um do plano diretor, sendo sede, por 
diversas ocasiões, de oficinas, assembléias e reuniões comunitárias. 
22 
A Construção do Plano Comunitário 
Uma metodologia participativa 
O acúmulo de experiência do MCQV que, desde a sua fundação, continuava se reunindo aos 
sábados em escolas locais e associações comunitárias para a definição de uma política em relação ao 
plano diretor e assuntos relativos, permitiu ao movimento comunitário elaborar um plano diretor 
alternativo. Como estratégia de educação sócio-ambiental e engajamento da comunidade, o 
movimento realizou várias intervenções significativas: em primeiro lugar, organizou festas populares 
e eventos culturais, como as 1ª , 2ª, 3ª e 4ª Festa da Cultura e da Arte do Campeche (Figura nº 6) e o 
Festival Zé Perry (Figura nº 22), em comemoração ao centenário do aviador e escritor Antoine de 
Saint Exupéry. Em segundo lugar, continuou e aprimorou a edição do periódico comunitário de 
distribuição gratuita Fala Campeche, peça fundamental na construção de uma visão coletiva sobre o 
futuro da região. Em conjunto, essas ações conseguiram atrair uma significativa adesão dos cidadãos 
da comunidade local e da cidade de Florianópolis.32 
Assim, o movimento inicia um processo de oficinas itinerantes comunitárias de planejamento 
urbano – oficinas semanais – nas escolas, salões de igreja, grupos de 3ª idade, associações 
comunitárias locais, nos diferentes bairros da Planície. Durante as oficinas, era problematizada a 
situação da região e discutidos, com apoio de mapas e plantas, dados sobre a origem e 
disponibilidade de água para abastecimento, tipos de saneamento, os problemas locais, a falta de 
infra-estrutura e as diretrizes do Dossiê. Ressalte-se que esse material de trabalho, apesar de 
público, nunca foi disponibilizado pelo Campeche, tendo que ser obtido por caminhos tortuosos 
através de diferentes atores sociais. 
Com a metodologia indicada, a população elaborou sua proposta que foi denominada Plano 
Comunitário para a Planície de Campeche - Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. O 
objetivo foi propor um plano que contemplasse o desenvolvimento das potencialidades econômicas 
fundamentado no uso sustentável dos recursos naturais e no respeito à qualidade de vida dos 
habitantes do lugar. (Figuras nº 7, 8 e 9). A elaboração coletiva deu consistência e apoio popular à 
proposta alternativa, cuja referência principal foi o atendimento às leis ambientais e culturais, ao 
fomento racional do turismo não predatório, às regulamentações do uso do solo propostas pelas 
legislações federal, estadual e municipal e aos anseios da população quanto ao destino da região. 
32 Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. Florianópolis. Mimeografado. 
Disponível em www.campeche.org.br.
O Plano Comunitário (Materiais de referência nº 17 e nº 18; Figuras nº 15 e 16), subscrito pelo 
conjunto de associações que participaram de sua elaboração33, é aprovado numa nova assembléia 
realizada em 27 de novembro de 1999 e apresentado à Câmara de Vereadores, em março de 2000, 
como substitutivo global ao Plano Diretor do Poder Executivo Municipal. A experiência de 
elaboração autônoma do Plano Diretor, inédita no Brasil, lhe valeu o Prêmio Qualidade de Vida 2000 
da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) (Figura nº 19), foi um exemplo para 
outras comunidades da Ilha de Santa Catarina e ganhou apoio e simpatia de diversos segmentos da 
sociedade florianopolitana.34 
A luta pelo Plano Diretor Comunitário 
No primeiro semestre de 2001, na segunda legislatura da prefeita Ângela Amin (reeleita nas 
eleições de 2000), recomeçaram as discussões e as tentativas de aprovação do Plano Diretor oficial 
para a Planície do Campeche. Levando-se em conta a existência dos dois planos em disputa – o 
comunitário e o oficial–, a Câmara, por iniciativa da Comissão de Meio Ambiente, realiza a primeira 
Audiência Pública para a discussão dos planos diretores, a pedido dos movimentos sociais. Na 
realidade, essa Audiência Pública foi a primeira ocasião em que se confrontaram publicamente os 
dois planos, ficando claros os eixos principais da crítica do movimento comunitário. Na audiência, 
ficou evidente também o descontentamento de diversos órgãos públicos com a megalomania do 
23 
plano do IPUF. 
Como parte de uma campanha publicitária para pressionar a Câmara para a aprovação do 
Plano Comunitário, o movimento produziu duas ações de impacto na comunidade. 
A primeira consistiu na instalação, num local de ampla visualização na via principal do 
Campeche, a Avenida Pequeno Príncipe, de um placar comunitário com os nomes dos vereadores e os 
seguintes dizeres: “A favor do Plano Comunitário”, “Contra o Plano Comunitário”, “Em cima do 
Muro”. O placar teve alto impacto na comunidade e presumivelmente entre os vereadores. 
A segunda iniciativa foi a publicação de uma história em quadrinhos sobre as lutas da 
comunidade pelo Plano Diretor, no formato de uma cartilha elaborada em oficinas comunitárias 
realizadas entre maio e setembro de 2000. Os quadrinhos, com roteiro e editoração de moradores do 
bairro35, foram distribuídos nas escolas e nos principais pontos de venda do Campeche. (Material de 
Referência nº 19) 
Influenciada pelas pressões comunitárias e pelos resultados da Audiência Pública, e 
impossibilitada de encaminhar um processo de votação envolvendo os dois planos, a Câmara decide 
produzir uma terceira versão de Plano Diretor. Em junho a Comissão do Meio Ambiente da Câmara 
de Vereadores anuncia que decidiu construir um novo projeto, substitutivo global, baseado nos dois 
anteriores em confronto na Câmara. O projeto elaborado pela equipe técnica da Câmara e conhecido 
no Campeche como “projeto Frankenstein” – que conserva a quase totalidade da proposta oficial do 
IPUF, acrescentada de alguns detalhes do plano comunitário –, mantinha o sistema viário com suas 
largas pistas de alta velocidade e um uso do Campo de Aviação contrário às expectativas da 
população local, pontos mais criticados pela comunidade.36 
O movimento comunitário rejeita essa proposta e exige, mais uma vez, um processo 
democrático de discussão, conforme o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/ 01). Fazendo uso dos 
instrumentos previstos nessa Lei, a comunidade exige a realização de Audiências Públicas nas 
diversas regiões afetadas pelo Plano Diretor, estudo e relatório de impacto ambiental (EIA / RIMA) 
e estudo de impacto de vizinhança (EIV). Em 2002, sem força política suficiente, a situação é 
condicionada pelo iminente processo eleitoral (presidente da República, governador e representantes 
33 Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM); Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da 
Lagoa (AMOLA); Movimento Nosso Bairro; Conselho Comunitário dá Fazenda do Rio Tavares. 
34 PEREZ, Lino Fernando Bragança ET. al. 2000. Oficinas de planejamento urbano em Florianópolis. A universidade e a cidade 
na construção do espaço urbano. Revista Participação. Universidade de Brasília. Brasília, DF, ano 4, n. 8, dezembro, p. 55-58. 
35 Roteiro do jornalista Silvio Costa Pereira e ilustrações de Guilherme Fialho. 
36 Quase ao mesmo tempo, em 8 de julho de 2001, no jornal AN Capital, o presidente do IPUF Carlos Alberto Riederer reconhece 
os erros cometidos no processamento do Plano Diretor do Campeche e afirma que nos novos processos de planejamento 
procederia de modo a envolver a comunidade. Apesar disso, o órgão de planejamento se nega a rever seus procedimentos e 
produzir alterações substanciais no caso do Campeche.
federais e estaduais). A maioria dos candidatos evitava desafiar uma opinião pública favorável à 
comunidade e a situação permanece a mesma até após as eleições37. 
24 
A luta comunitária pelo Campo da Aviação 
A luta comunitária desde 1987, encabeçada pela AMOCAM e pela Associação de Surf do 
Campeche, já apontava a falta gritante de espaços públicos no Campeche. Esse ponto, como já 
indicado, foi um dos elementos que levaram à rejeição do plano diretor proposto pelo IPUF, 
particularmente no que tange ao destino proposto para a histórica (e extensa) área pública do 
terreno conhecido como Campo de Aviação. A luta por esse Campo de Aviação é um capítulo à parte 
na saga da comunidade do Campeche por um desenvolvimento que conserve o meio ambiente e as 
tradições culturais da região. 
A história do Campo de Aviação e do Casarão como espaços públicos38 
O Campo de Aviação abrange uma área com 352 mil m2 localizada na região central da 
Planície do Campeche que, apesar das marcas do tempo, ainda guarda lembranças de uma história 
construída ao longo do século passado, como a primeira pista de pouso de Santa Catarina. A área em 
questão foi, de 1927 a 1944, utilizada pela antiga Companhia Aérea Francesa Latecoère, ou “Societé 
Latecoère”, e posteriormente "Air France". A história do lugar mistura-se à cultura, ao coletivo e à 
identidade do Campeche e de Florianópolis. O campo foi comprado pelos franceses através de um 
morador do Rio Tavares, chamado Senem, por 10 contos de réis. A área do campo era maior do que 
é hoje e ia além da Avenida Pequeno Príncipe, até a rua Auroreal.39 Nela foram construídos: o 
hangar de estrutura metálica, o telégrafo, a popota (espécie de alojamento dos pilotos, localizada 
junto ao hangar e que, posteriormente, serviu para encontros e festas comunitárias) e o casarão em 
alvenaria, com várias dependências, para apoio às atividades do Campo de Aviação. O Casarão40 era 
a residência do mecânico-chefe francês e sua família. Todo o conjunto servia de apoio aos aviões 
franceses da rota Toulouse, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago do Chile. 
A implantação da pista de pouso em 1927 marcou a vida da comunidade do Campeche, 
entremeando a história da pesca e da lavoura com a modernidade das máquinas voadoras. Em 1926, 
quando Florianópolis ainda estava se acostumando com motores dos automóveis, após a 
inauguração da Ponte Hercílio Luz, seus habitantes foram surpreendidos com a chegada dos aviões. 
Os ruídos, as formas, a pista, novos moradores, os prédios de arquitetura diferente, os lampiões no 
alto do morro... Os pilotos do além-mar causaram impacto, principalmente na pequena comunidade 
do Campeche. A chegada das inusitadas máquinas voadoras rasgando os céus trouxe também novos 
horizontes, uma realidade quase desconhecida aos campechanos quando os pilotos franceses da 
Compagnie Génerale Aéropostale, entre 1927 e 1933, por aqui repousavam e reabasteciam. O morro 
próximo, iluminado com seus lampiões, hoje conhecido como Morro do Lampião, servia de referência 
ao campo para o pouso dos vôos noturnos daqueles tempos. Dentre os pilotos franceses que 
pousaram no Campo de Aviação e conviveram com os nativos destacam-se o piloto e escritor Antoine 
Saint Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”, e, também um dos heróis da aviação francesa, 
Jean Mermoz. Os nativos do Campeche e os franceses logo interagiram, tanto pela curiosidade com 
as máquinas voadoras, como também pelos homens de "calça larga" e língua "enrolada". Em suas 
passagens pelo Campeche, Saint Exupéry41 deixou marcas no imaginário popular e entre vôos e 
pousos, estabeleceu-se um convívio com alguns nativos, dentre os quais o pescador Manoel Rafael 
37 Nas eleições de 2002 o bloco político no poder (na cidade e no estado) sofre um duro golpe: o governador e candidato à re-eleição, 
Esperidião Amim, marido da prefeita de Florianópolis, é derrotado por Luis Henrique da Silveira, aliado do presidente 
Luis Inácio Lula da Silva no estado. 
38 A importância do Campo de Aviação do Campeche para a comunidade resultou em vários estudos acadêmicos que 
subsidiaram este documento. Dentre eles, destacam-se os de Kátia Regina Junckes (1995), Ana Maria Gadelha Albano Amora 
(1996), Vilson Groh (1998), NEVES (2000), BUENO (2000), VIDAL (2000). 
39 AMORA, Op. Cit., p. 152. 
40 Hoje utilizado pela Intendência do Campeche e de usucapião da família da profa. Carolina Inácia de Jesus Heerdt. 
41 Há controvérsias sobre o fato de Saint Exupéry ter convivido com os campechanos, contudo assumimos aqui a versão 
presente no imaginário popular e também registrada em bibliografia produzida por pesquisadores nativos e acadêmicos.
Inácio, o seu Deca42, na época com 18 anos. Do piloto existe uma única referência a Florianópolis – 
“escala Florianópolis”, relacionada em sua obra “Vôo Noturno” (na pág. 64, Ed. Nova Fronteira). 
Com o início da 2º Guerra Mundial, o serviço aéreo postal francês foi interrompido e os pilotos foram 
convocados para esforço de guerra. Saint Exupéry não mais freqüentou o Campeche e passou a 
pilotar aviões militares quando, em 31 de julho de 1944, em uma missão de patrulha no sul da 
França, sobre o mar Mediterrâneo, não mais retornou. 
O patrimônio da Societé Latecoère passa à Air France, que paralisa as atividades aéreas na 
pista do Campeche em função da 2º Guerra Mundial na França. Em 1944, um ano antes do fim da 
guerra, o governo brasileiro, através do Decreto Federal n°6.870 de 14/9/1944, desapropria a área do 
Campo de Aviação do Campeche e suas benfeitorias (a pista, o hangar metálico, a popota e o 
casarão/estação de passageiros). A área passa à União e a empresa Air France é indenizada seis anos 
depois.43 O campo passa a ser o primeiro aeroporto de Florianópolis, usado comercialmente pela 
empresa Panair. 
Com o início do funcionamento do Aeroporto Hercílio Luz, no bairro Carianos, a pista do 
Campeche é desativada. O hangar metálico, antes localizado onde hoje é a Escola Brigadeiro 
Eduardo Gomes, é transferido para o novo aeroporto. Todas as construções do campo passam por 
transformações. A popota que servia à administração do hangar e alojamento passou a ser uma casa 
de festas da comunidade local e, aos poucos, foi se deteriorando: telhas e tijolos foram roubados até o 
desaparecimento da construção. 
Já em 1957, o Casarão ou Estação de Passageiros passa a sediar a escola primária municipal. 
Com grande número de cômodos, em 1958 o lugar acolheu flagelados de uma chuva de granizo e, 
noutra ocasião, parte da construção foi residência provisória de duas famílias sem teto. Por último, 
alguns cômodos da casa serviram de moradia à família da primeira professora da escola, Carolina 
Inácia de Jesus Heerdt, cujos descendentes, mesmo após o seu falecimento, habitam o local até hoje. 
Em 1966 o Casarão também abrigou o grupo de jovens e adultos, o posto de saúde e assistência 
social e, em 1983, o Conselho Comunitário. Na realidade, o posto de saúde e assistência fazia um 
trabalho de extensão de projetos da Universidade Federal de Santa Catarina, que agregava 
professores e alunos daquela instituição, principalmente do curso de medicina na formação e 
participação dos jovens locais em trabalhos de erradicação da verminose, comum na época pela falta 
de higiene e saneamento básico. 
O posto de saúde iniciou e orientou a formação dos jovens campechanos denominados 
“Juventude Alegre”, na construção das primeiras fossas sépticas44. Ainda em 1966, a LBA também 
desenvolveu ali um projeto com o grupo “Juventude Alegre”, criando uma pequena fábrica de 
colchões de crina (palha de butiá e capim colchão) como geradora de emprego e renda; entretanto a 
fabriqueta foi desativada em 1968, após um acidente com o transporte de palha. 
Quanto ao Conselho Comunitário é importante dizer que ficou muitos anos nas mãos do 
mesmo grupo, com fortes vínculos com a prefeitura, perdendo sua qualidade “comunitária” na 
medida em que se tratava de uma entidade “quase-oficial”, veículo de trocas e favores com o 
governo municipal. No início dos anos 1990, o local abrigou uma delegacia de polícia, um posto da 
TELESC, e algumas salas abrigavam o Grupo de Mães do Campeche, que tinha entre suas 
atividades, a recuperação de cantigas e lendas da região: dançavam e cantavam a Ratoeira, 
representavam histórias e lendas e cantavam músicas da Farinhada. 
A partir daí, a história do campo e do casarão tomam rumos distintos que por vezes se 
cruzam em interesses comuns: um, desenhado pelo governo federal a partir de leis que valorizam o 
solo; outro do governo municipal e de cunho assistencialista – ambos indiferentes ao valor histórico e 
cultural do espaço. Por último, o projeto desenhado pela comunidade, que propõe o uso da área 
como espaço de lazer e busca formalizar esse uso de preservação da história através de documentos e 
solicitações às instâncias governamentais. 
Em 1973, durante o Governo do general Emílio Garrastazu Médici, em plena ditadura militar 
foi aprovada a Lei Federal nº 5.972 que definia o procedimento de regularização de terras da União e 
42 INÁCIO, Getúlio Manoel, “Deca e Zé Perri”. Florianópolis: M&M Buss Assessoria Gráfica Digital, 2001. 
43 A indenização foi de Cr$ 269.614,70, valores de 02/02/1951. 
44 Informações pelo morador e ex-vereador Lázaro Bregue Daniel, em entrevistas nos dias 12 de fevereiro e 21 de maio de 2007. 
25
autorizava os Ministério da Aeronáutica e Marinha a venderem ou permutarem imóveis sob sua 
administração. 45 
Em 1975, o Ministério da Aeronáutica inicia na Delegacia do Patrimônio da União – DPU – 
o processo de regularização dos imóveis sob sua responsabilidade, entre os quais o Campo de Aviação 
do Campeche. 46 
Em 1980, o presidente João Baptista Figueiredo assina o Decreto que autoriza o registro e o 
26 
Campo de Aviação passa a ser administrado, oficialmente, pela Aeronáutica. 
Em 1983, o montepio da família dos militares tenta construir no campo um condomínio de 
casas militares – “Vila Militar” –, projeto que não foi adiante porque o terreno era da união e não 
permitia usos particulares. 
Em 1987, a Sociedade Amigos do Campeche e a Aeronáutica assinam a cessão de uso do 
Campo para difusão de cultura e realização de reuniões de caráter sócio-cultural. Nesse mesmo ano, 
em junho, a Associação de Surf do Campeche, a partir do já citado seminário “Discutindo o 
Campeche”, envia ao prefeito Edson Andrino a solicitação de repasse da área da aeronáutica para a 
comunidade, criação de um Centro de Esporte e Lazer e atividades comunitárias. A recém-criada 
AMOCAM entra na luta pela preservação e uso do Campo de Aviação, e também envia documento 
com um abaixo-assinado ao prefeito Edson Andrino, reivindicando, entre outras coisas, além da 
criação do Parque da Lagoa da Chica, o tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis47 , 
como já mencionado anteriormente. 
Em 1991, a mobilização do Campeche contra a venda do terreno pela Aeronáutica resultou 
na união de várias entidades locais: União das Associações Comunitárias Eclesiásticas e Desportivas 
do Campeche – UNACAMP. Dela faziam parte o Conselho Comunitário do Campeche, a AMOCAM, 
a SAC - Sociedade dos Amigos do Campeche, a ARCEU - Associação Recreativa, Cultural e 
Desportiva Unidos, a Associação de Pais e Professores (APP) da Escola Básica Brigadeiro Eduardo 
Gomes, a APP da Escola Januária Teixeira da Rocha, Conselho Econômico e Administrativo da 
Capela São Sebastião (CAEP). A UNACAMP reiniciou o movimento pela garantia do uso público da 
área do Campo de Aviação e enviou apelo ao então Presidente da República, Fernando Collor, para 
a preservação da área e a cessão do terreno para administração pelo Município. Cópias dessa carta 
foram enviadas para os parlamentares federais representantes do estado de Santa Catarina48. Nesse 
mesmo ano foi inaugurado um marco na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a Rua da 
Capela, em homenagem à primeira pista de pouso de Santa Catarina. O marco simbólico é uma base 
de cimento e uma grande pedra contendo duas placas: numa delas, o desenho da ponte Hercílio Luz 
se sobrepõe a outro desenho: uma pista de pouso e uma torre de 33 metros com a inscrição: PRF Air 
France, e o seguinte registro: "Campeche 1927, Homenagem aos Pioneiros da Aviação". Na outra 
placa o seguinte registro: “Este local foi palco dos primeiros pousos e decolagens dos precursores da 
aviação. Vindos do além-mar em suas primitivas máquinas voadoras, por aqui passaram os 
pioneiros do ar, Antoine de Saint-Exupèry, Jean Mermoz e Henry Guillaumet, fazendo a ligação 
entre a Europa e a América do Sul. A Associação dos Amigos da Base Aérea de Florianópolis – 
AABAF, como testemunha histórico-cultural, ergue este marco em homenagem aos primórdios da 
aviação da Ilha de Santa Catarina, a reverenciar permanentemente os bravos aviadores de ontem, 
hoje e de sempre". O marco surgiu de um acordo entre a AABAF e a sociedade organizada do 
Campeche em um projeto conhecido como “Tradição”, que visava à preservação da história e à 
conservação daquele espaço. No evento inaugural estiveram presentes autoridades civis e militares, 
dentre as quais o Comandante do 5º Comando Aéreo Regional e Anésia Pinheiro Machado, com 90 
anos, a primeira aviadora brasileira. A comunidade foi convidada para as atividades de lazer e para 
assistir à apresentação de aviões e pára-quedismo, exposição de monomotores e giroscópio. 
Em 28 de julho de 1994, o Estado Maior das Forças Armadas – EMFA - envia ofício ao DPU, 
informando do "Plano de Alienação de Imóveis" e autorizando a venda do terreno do Campeche. A 
primeira avaliação da área é concluída em 9 de setembro de 1994, estipulando o valor do campo em 
45 Amora, Op. Cit. 
46 Delegacia do Patrimônio da União - DPU/Florianópolis, Santa Catarina. Processo nº. 10.80131435-61. 
47 Amora, Op. cit. 
48 Amora. Op. Cit..
R$ 1.645.225,00. Esse procedimento não teve continuidade. Em 11 de novembro de 1999, o terreno 
do Campo de Aviação, anteriormente registrado no Cartório de Registro de Imóveis com a matrícula 
n° 7.216, foi desmembrado em quatro registros distintos. Com isto, o receio da comunidade era de 
que o terreno fosse vendido em pedaços, considerando que os dois maiores lotes, que correspondem a 
cerca de 88% da área total, foram avaliados pela Caixa Econômica, naquela época, em R$ 19 
milhões. Uma das partes, que correspondia ao local onde se encontram a Escola Brigadeiro Eduardo 
Gomes, o Núcleo de Educação Infantil, o Posto de Saúde e o Casarão, que já vinha sendo usada pelo 
município, foi cedida à Prefeitura de Florianópolis. 
Já em abril de 2000, a Câmara Municipal de Florianópolis aprovou requerimento Nº 078, de 
autoria do Vereador Lázaro Bregue Daniel, solicitando ao Comandante da Base Aérea de 
Florianópolis, autorização para alargar a rua Cata-Vento no limite norte do Campo de Aviação. 
Somente em 2001 um ofício do 5° Comando Aéreo Regional informa que, em decorrência da 
alienação do terreno, "se torna impossível ceder parte dessas áreas, em vistas dos interesses do 
Comando". 
Por outro lado, o Casarão – localizado na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a 
Avenida Campeche – que fora cedido pela Aeronáutica à Prefeitura desde 1989, com uma longa 
historia de uso social, foi aos poucos perdendo essa característica pelos desmandos e relaxamentos de 
políticos na administração do município. Atualmente abriga a Intendência do Campeche, duas salas 
servem para a reunião de um grupo de idosos que ali guarda seus pertences, e parte da estrutura 
ainda serve de moradia à família da falecida professora. 
As inúmeras reivindicações comunitárias e pedidos de tombamento do antigo Casarão como 
patrimônio histórico e cultural de Florianópolis jamais tiveram eco. Desde o Orçamento 
Participativo, em 1993, 95 e 96, foram grandes os esforços comunitários no sentido de viabilizar a 
sua recuperação , para criação de um centro cultural e social.49 Em 1997, durante o I Seminário 
Comunitário de Planejamento realizado no bairro, entre outras reivindicações foi encaminhado o 
pedido de seu tombamento e uso social. Apesar do acúmulo de história e quantidade de áreas 
públicas, o Campeche sempre foi carente de espaços sociais e culturais. Ainda em 1997, um 
documento foi enviado à Fundação Franklin Cascaes (órgão municipal então pelo Casarão), à 
Câmara de Vereadores e à então prefeita de Florianópolis pedindo o seu uso para atividades sócio-comunitárias 
(reuniões de entidades do bairro). A resposta do município eximia a Fundação de 
27 
responsabilidade sobre o imóvel. 
Quando em 2000, o mundo celebrou o centenário de nascimento de Saint Exupéry, 
Florianópolis, orgulhosa, comemorou. No Campeche ocorreram duas comemorações: uma 
organizada pela prefeitura municipal (29 de julho) e o Festival Zé Perry, organizado pela comunidade 
que, sentindo-se excluída dos festejos oficiais, decidiu promover atividades culturais e de lazer 
durante todo o dia 30 de julho. Esse evento serviu também para protestar contra o Plano Diretor do 
IPUF que previa, no Campo de Aviação, a construção de um centro administrativo, um terminal 
rodoviário, um centro de convenções e uma pequena área verde de lazer, sem jamais considerar os 
pedidos comunitários no seu planejamento. O Movimento Campeche Qualidade de Vida expôs o 
Plano Diretor Comunitário aos participantes do evento dando destaque ao planejamento do Campo 
cuja definição como área verde de lazer e área comunitária institucional visava suprir a carência de 
espaços públicos do bairro. Aquele espaço de mais 300 mil m2 abrigaria um centro de convívio sócio-cultural 
com biblioteca, vídeoteca, museu, teatro, concha acústica, espaços esportivos, culturais, 
serviços públicos (correio e agencia bancária), rua das artes entre outros equipamentos urbanos 
voltados para a integração e convívio comunitário. Seu tombamento era reivindicado também como 
sítio histórico, para assegurar a livre circulação e promoção da memória cultural da Ilha e do 
Campeche em especial. Porém, tombar um bem patrimonial com tanto interesse econômico 
dependeria do empenho de vários órgãos públicos entre os quais o IPUF, IPHAN, Fundação 
Catarinense de Cultura, Secretaria de Patrimônio da União, Câmara de Vereadores, deputados e, 
principalmente, do interesse dos governantes que na realidade nunca estabeleceram de livre e 
espontânea vontade nenhuma manifestação, exceto em épocas de eleição, para esquecerem logo em 
seguida. 
49 AMORA, Op. Cit.
Em 2002, quando foi novamente aventada a possível venda do imóvel pelo 5º Comando 
Aéreo sediado em Canoas (RS), a comunidade entrou com duas representações no Ministério Público 
Federal,50 uma denunciando a intenção de venda e a outra o desmatamento e comercialização de 
areia pela Intendência do município; afinal, tratava-se de um bem público da União e de direito da 
coletividade de Florianópolis, em especial da Planície do Campeche. A representação, subscrita por 
18 entidades locais, questionava a indiferença do Ministério da Aeronáutica, da DPU (Delegacia de 
Patrimônio da União) e da SPU (Secretaria de Patrimônio da União) com o patrimônio histórico e 
público que o campo representava, como também o desrespeito aos interesses da coletividade local. 
Ainda em 2002, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, novos documentos 
solicitando o tombamento e o uso público do campo foram enviados: à Presidência da República, ao 
Ministério da Aeronáutica, ao 5° COMAR, à Base Aérea de Florianópolis, ao governador Esperidião 
Amin e a vários parlamentares de Santa Catarina. Dele resultou uma carta do deputado federal An 
tônio Carlos Konder Reis, ao Ministério da Aeronáutica, pedindo atenção aos desejos da comunidade 
e ao patrimônio histórico do campo. Também foi realizada uma audiência pública na Assembléia 
Legislativa de Santa Catarina, por iniciativa do Deputado Estadual Afrânio Boppre com a presença do 
Cel. Eduardo Sebastião de Paiva Vidual, comandante da BASF, e representantes do estado de Santa 
Catarina. Novos documentos foram elaborados e levados aos políticos locais, sem retorno para a 
comunidade. Em 2003, quando assume a Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, houve 
grande expectativa da comunidade sobre a conquista desse espaço como área pública de lazer, 
principalmente, por ser um momento em que haviam sido eleitos um deputado estadual e uma 
senadora, assíduos freqüentadores das assembléias comunitárias, das festas no Campo de Aviação, 
sendo signatários dos diversos pedidos de tombamento. Em março de 2003, o Movimento Campeche 
Qualidade de Vida, a AMOCAM e o conjunto do movimento comunitário convocam uma assembléia 
popular na qual mais de 200 moradores receberam a Diretora da Secretaria de Patrimônio da União 
(Alexandra Reschke), a convite do deputado federal Mauro Passos. Participaram o novo 
comandante da Base Aérea, Cel. Marcos Antonio Pereira, e políticos locais. Os convidados ouviram 
toda a história de luta pelo Campo de Aviação e pelo Casarão, apresentada pela comunidade e 
expressaram a solidariedade com a luta local. A assembléia encaminhou a formação de uma 
comissão que coordenaria os trabalhos em torno do Campo de Aviação (Figura nº 18 SPU). Ao 
mesmo tempo, em resposta aos Processos Administrativos contra a venda, desmatamento e 
comercialização de areia do campo de aviação pela intendência local, o Ministério Público propõe ao 
comando da Base Aérea e à sociedade civil organizada do Campeche um Termo de Ajustamento de 
Conduta – TAC (Material de referência nº 20). Formou-se uma comissão de 22 entidades da Planície 
do Campeche, em conjunto com o comando da Base Aérea que novamente buscou parlamentares 
catarinenses, desta vez na tentativa de viabilizar recursos (dez milhões de reais) através de uma 
emenda parlamentar para a construção de um hospital, um restaurante e um hotel na Base Aérea. 
Isso possibilitaria a permuta da área e um ajuste de conduta com o Ministério Público para o uso 
sócio-comunitário do Campo. Apesar da disposição e empenho da comunidade e do comandante da 
Base Aérea, o processo encontra-se paralisado e dependendo do apoio dos parlamentares que jamais 
se manifestaram no sentido de atender aquelas reivindicações, resultando na caducidade do referido 
TAC em 2005. Um documento encaminhado em 2003 a Gerencia de Patrimônio da União – GPU, 
assinado por 1800 pessoas também não conseguiu a repercussão esperada. 
Em 2004, o MCQV, a AMOCAM, a Rádio Campeche, o Instituto Sócio-Ambiental Campeche 
e a APP da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes encaminharam novos pedidos para a Prefeitura 
Municipal de Florianópolis, e Gerência Regional de Patrimônio da União – GRPU – reiterando as 
reivindicações de tombamento e uso do espaço do Casarão e Campo de Aviação para as atividades 
sócio-comunitárias, dentre as quais a sede da Rádio Comunitária do Campeche, biblioteca e 
videoteca públicas, sala para atividades educativas e de formação em informática e artesanato, além 
de uma sala para informação sobre plano diretor. 
No dia 20 de maio de 2005, o IPUF encaminhou um documento à Gerência de Patrimônio da 
União manifestando que o processo estava paralisado e que o Casarão estava sob a guarda da 
Secretaria de Obras Públicas. No dia 30 de maio, no evento “Prefeitura nas Comunidades”, foram 
28 
50 Ministério Público Federal, Procedimentos Administrativos 1841 e 1842. Florianópolis, 2002.
encaminhados novos documentos ao Prefeito Dário Berger. As mesmas solicitações foram reiteradas 
na 2ª Conferência da Cidade, em 29 e 30 de julho. Contudo, nada mudou; a Intendência e 
particulares continuam usufruindo exclusivamente do espaço, dificultando o acesso público 
enquanto a carência de áreas de lazer no Campeche é notória, e são muitas as crianças e adolescentes 
nas ruas sem espaço para atividades sociais, culturais e oficinas educativas. (Figuras nº 21). 
Os fatos e encaminhamentos descritos acima testemunham o quanto, por diversas ocasiões, 
desde meados de 1980, os moradores se mobilizaram para a defesa do Campo como área pública. 
Além disso, recolheram assinaturas pela sua preservação para uso esportivo e recreativo e realizaram 
atividades culturais e educativas, num gesto simbólico de apropriação do local como um bem 
imaterial (Figuras nº 13 e 14), e foram várias as tentativas de uso do prédio do Casarão e do Campo 
de Aviação pela comunidade como ponto de encontro comunitário. 
Esses espaços, o Campo de Aviação e o Casarão, fazem parte da história local, são 
continuamente reivindicados para o uso coletivo da sociedade civil organizada do Campeche através 
de moções em conferências municipais51 ou em manifestações como assembléias, encontros, festas 
populares, jornais comunitários, cartas e ofícios às autoridades municipais, estaduais e federais. Esse 
conjunto de iniciativas conduziu a um novo momento de luta, cujo desfecho, ainda incompleto, 
implica em outras definições relacionadas ao cumprimento, pelos municípios, do Estatuto da Cidade, 
que exige a elaboração ou revisão dos planos diretores regionais. A definição do destino dessa área, 
portanto, está relacionada ao processo iniciado em Florianópolis em julho de 2006, com a criação do 
Conselho Popular da Planície do Campeche e, posteriormente, Núcleo Distrital do Plano Diretor 
Participativo de Florianópolis. Atender ao Estatuto da Cidade significa atender à sociedade, à 
coletividade, à melhoria da qualidade de vida da população, solucionando as deficiências e 
necessidades locais, valorizando a natureza, a história e as potencialidades locais como trunfo do 
desenvolvimento sustentável. Com a participação efetiva, a comunidade do Campeche se mantém 
alerta sobre os destinos da área, denunciando a intenção de venda e o desmatamento e 
comercialização de areia ao Ministério Público em 2002, assim como toda e qualquer alteração de 
uso dessa área pública da União.52 
Nestas últimas décadas, a preservação do patrimônio cultural tem gerado discussões e se 
destaca sua vinculação à construção da cidadania. Evidencia-se a necessidade de uma política de 
preservação cultural, que não leve em conta apenas exemplares da história da alta sociedade ou do 
patrimônio institucional, mas que preserve a identidade da comunidade, seus locais amplos e 
culturalmente variados, evitando que a cidade se transforme num local estranho e hostil ao cidadão. 
A idéia de progresso e modernidade tem sistematicamente destruído as marcas do passado. É 
preciso, dos órgãos de planejamento, uma visão responsável, conhecimento e vontade política para 
planejar a cidade considerando a história, a memória social e a identidade cultural dos seus 
habitantes. Assim, é de importância fundamental a preservação de bens culturais e a memória dos 
lugares no planejamento do espaço urbano, direcionando as políticas dos órgãos públicos no sentido 
de valorizar a memória dos seus habitantes pelo “significado de luta social que ela possui". Isso 
inclui preservar o patrimônio urbano para uma convivência equilibrada entre o “antigo” e o “novo”, 
em que o cidadão não seja excluído do seu próprio meio, da sua própria historia. Daí a necessidade 
de que a política de preservação do patrimônio cultural ultrapasse os limites técnicos ou critérios e 
conceitos operacionais, e que caminhe na direção da politização do tema53 mantendo viva a 
identidade cultural e social dos habitantes da cidade. 
O Campo de Pouso e o Casarão são partes da identidade cultural e social das comunidades 
que vivem na Planície do Campeche. A região tem em ambos, os vínculos com a história que os 
relaciona à chegada e trabalho dos franceses, ainda que por curto tempo, no local. Esta ligação se 
expressou através de leis que denominaram ruas e avenidas com este tema, como a Lei Municipal nº 
3.024, de 18/10/1988, que denomina Avenida Pequeno Príncipe, a mais importante via de acesso do 
51 Moções encaminhadas na 1a e 2a Conferências Municipal e Nacional das Cidades, solicitando que o campo de aviação, 
patrimônio histórico-cultural de Florianópolis, seja transformado em “Parque Municipal sócio-cultural” a ser administrado pelo 
município. 
52 Ministério Público Federal, Op Cit. 
53 MAGALDI, C. - O Direito à Memória - Patrimônio Histórico e Cidadania, Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura 
Municipal de São Paulo, 199. Congresso Internacional "Patrimônio Histórico e Cidadania 
29
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Fala 20
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Ecolagoa
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Ecolagoa (tereza cristina barbosa)
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Luta por um desenvolvimento sustentável na Planície do Campeche

  • 1. 1 Janice Tirelli Raúl Burgos Tereza Cristina Pereira Barbosa (Organizadores) O campo de peixe e os senhores do asfalto Memória das lutas do Campeche Ed. Cidade Futura Isacampeche Campeche, Desterro, 2007
  • 2. 2 Consultoria de edição: Antoninha Santiago -–- AS Comunicações. Projeto gráfico e Capa: Pedro Paulo Delpino. Editoração eletrônica: FláviaKunradi Revisão do texto Introdutório: Tanira Piacentini Foto capa: .................. Digitalização de documentos: Dilceane Carraro Ficha catalográfica e todas as informações da edição Apoio: Ministério do Meio Ambiente – MMA. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU Departamento de Sociologia e Ciência Política – CFH – UFSC Departamento de Serviço Social – CSE – UFSC Departamento de Ecologia e Zoologia – CCB – UFSC Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
  • 4. 4 Agradecemos Em especial às centenas de moradores que com sua participação deram forma às experiências que aqui relatamos; aos moradores entrevistados, aos colaboradores conhecidos e anônimos. Aos professores pareceristas e consultores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina. Ao Ministério do Meio Ambiente e à UNESCO, financiadores do Projeto Parque Orla do Campeche do qual faz parte este livro. Aos Departamentos de Sociologia e Ciência Política, de Serviço Social e de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina, aos quais pertencem os organizadores, pelo apoio aos projetos e trabalhos de Extensão Comunitária no Campeche. Aos pacientes funcionários da Fundação de Amparo à Pesquisa de Extensão Universitária FAPEU. A Editora Cidade Futura que acolheu este projeto.
  • 7. 7 Apresentação Este livro está sintonizado com os movimentos sociais que trabalham para a construção de uma cidade justa e sustentável. Recuperando a memória do movimento comunitário visa contribuir com elementos históricos e técnicos que alicercem as lutas na região do Campeche, mas também na cidade de Florianópolis. É, portanto, um texto de intervenção, elaborado por mãos militantes, e conta a história do lugar em que está sendo construída. O documento assume a forma de um relato resultante da observação crítica dos organizadores sobre a sua prática e como tal, isento de neutralidade na análise dos fatos, documentos e informações. Outros participantes poderiam contar a mesma história de forma diversa. Alguns relatos, principalmente os relativos às diferentes organizações e movimentos foram feitos a partir de depoimentos ou textos dos moradores com suas visões e experiências, o que levará os leitores a se identificarem ou não com a apresentação dos acontecimentos e situações aqui relatados. Trata-se de um texto produzido no dia a dia de um trabalho comunitário intenso e exigente; a escrita poderá não ser impecável, os temas poderão pecar pela incompletude e a organização formal poderá resultar insatisfatória. Contudo, o leitor encontrará uma quantidade crítica de informações e documentos que seguramente lhe permitirá formar uma opinião consistente das razões e os objetivos que mantêm acesa uma luta comunitária que já é medida por décadas. Interesses particulares mesquinhos e o descaso e a conivência do poder público criaram as condições para um desenvolvimento desordenado da região do Campeche, colocando em risco seu valioso patrimônio natural e cultural. Mas se esse crescimento desordenado, fomentado pela falta de fiscalização e pelas mudanças de zoneamento para favorecer interesses particulares, desconsiderando absolutamente o interesse público, foi deletério, a pior parte veio quando planeja-dores municipais (com o apoio dos grandes interesses imobiliários), com uma visão ultrapassada de desenvolvimento urbano, e sem uma real preocupação com as questões ambientais e culturais, propuseram uma ocupação irresponsável, insustentável, que uma vez consumada resultaria no colapso ambiental da planície – e provavelmente da cidade. As lutas dos moradores da região, iniciadas na década de 1980, frearam temporariamente os desejos dos senhores do cimento e do asfalto. Contudo, não é possível baixar a guarda. Os poderosos predadores continuam incansavelmente sua batalha pelos lucros à custa da vida. Compram alvarás, licenças ambientais, desconhecem e desafiam as leis e, amparados na impunidade, trabalham isolados em seus gabinetes, esperando o cansaço e desgaste dos movimentos sócio- ambientais. Neste sentido, se este livro contribuir para o sustento das lutas que estão por vir para a construção de um bairro e de uma cidade que organize seu presente pensando nas gerações futuras, terá cumprido seu objetivo.
  • 10. 10 Em Branco ou Lista de figuras
  • 11. 11 20 anos de luta por um desenvolvimento sustentável na Planície do Campeche O Campo de Peixe: uma planície em perigo A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha de Santa Catarina. Com 55 km2, estende-se de leste a oeste da Ilha e abrange praias de mar aberto e da baía sul, daí o nome também conhecido de Planície Entremares. Localizada ao sul da Ilha, abrange a Lagoa da Conceição, Joaquina, Manguezal do Rio Tavares, Morro das Pedras, Alto Ribeirão, Costeira do Pirajubaé, Tapera. Abrange as localidades do Aeroporto, Base Aérea, Tapera, Ribeirão da Ilha, Carianos, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Sertão da Costeira, Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras. A planície dista aproximadamente 10 km do Centro de Florianópolis. Como área plana cheia de areia resultante da deposição dos sedimentos aprisionados entre as serras e maciços litorâneos durante os avanços e recuos do mar nos últimos seis mil anos, a Planície do Campeche, assim como outras planícies costeiras, é “bebê” na escala geológica (figura 2 – a planície do Campeche). A fragilidade do seu solo é alta e sua feição plana é resultado da exposição às correntes, marés e ventos predominantes. Extensa, porosa e cheia de areias, a região recebe e acumula no subsolo as águas das chuvas, formando um vasto lençol freático – o aqüífero Campeche – que, juntamente com as barreiras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície. As águas do mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, do lençol freático, ficam por cima. Essa bacia de areia e água recebe o nome de Bacia Hidrogeológica do Campeche e é recarregada pelas chuvas, ribeirões e riachos que descem dos morros. As águas do lençol afloram nas concavidades e baixios formando várias lagoas que se sobressaem após as chuvas: as mais evidentes são a Lagoa Pequena e a Lagoa da Chica, alem dos brejos e pântanos que recebem e drenam natural e lentamente suas águas para o mar. (Material de Referência nº 1) Preservada em sua maior parte, apesar das graves alterações produzidas nas suas faixas litorâneas por uma ocupação desordenada e “ordenada” incentivada pelo não cumprimento das leis, descaso e pela falta de fiscalização do poder público, a Planície enfrentou nas décadas de 1980 e 1990 o seu pior inimigo: o projeto de ocupação insustentável elaborado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis desde 1989, que favorecia os interesses imobiliários e as grandes empreiteiras da construção civil. Nas páginas seguintes, relataremos as lutas das comunidades da planície do Campeche para a preservação e a sustentabilidade de seus recursos. O começo da resistência “O primeiro grande golpe contra a meio ambiente no Campeche foi em 1975, quando [um conhecido empresário de Florianópolis} devastou uma das maiores dunas do Campeche e aterrou o Rio do Rafael para construir sua casa de fim de semana”. Com estas palavras Ataíde Silva, presidente da Associação do Surf do Campeche, expressa o sentimento da comunidade local, que nunca se conformou com o acontecido e que se colocou em estado de alerta.1 O sinal de alerta tornou-se alarme quando a invasão das dunas começou em larga escala. “A grande invasão das dunas do Campeche começou entre 1979 e 1980 no Morro das Pedras. Depois, o dono do Hotel Morro das Pedras comprou os barracos e continuou a destruição para construir o empreendimento em 1981. A essa devastação seguiu-se o desmatamento e destruição de dunas para um loteamento da família Berenhausen entre 1984 e 1986. O fato é que, a partir, dessa época, de 1979 em diante, começou a luta mais decidida da comunidade, encabeçada pelos surfistas, contra a invasão das dunas e a preservação do meio ambiente”.2 O depoimento do surfista ativista nos remete ao início da ocupação das áreas de preservação na Planície do Campeche e mostra a região como um dos exemplos da emergência da contradição entre os espaços naturais e aqueles criados pela intervenção humana. As mais belas regiões, as mais 1 Ataíde Silva, em BURGOS, Raúl. Campeche, o teimoso democrata, revista Cidadania, nº 1, Florianópolis, 2003. 2 Idem.
  • 12. deslumbrantes paisagens da Ilha de Santa Catarina, a partir de 1970 passaram a compor as áreas mais almejadas para assentamentos dos grandes negócios. Esse é um período em que essa concepção se impõe, inclusive, sobre a modesta cobertura das leis municipais, como a de 1976 – Plano Diretor do Distrito Sede restrito à parte mais densamente povoada do município. Somente em 1985 a Lei Municipal 2193/85 – Plano dos Balneários — instituiu as diretrizes para o zoneamento, uso e a ocupação do solo nas áreas ainda não atingidas pela lei anterior. Ainda em 1985, foi fundada a Associação de Surf do Campeche (ASC) cujo “intuito principal sempre foi o de preservar o meio ambiente e não apenas organizar a categoria. Nesse sentido, a Associação começou, desde sua fundação, a conscientizar a comunidade sobre a necessidade de cuidar da defesa do meio ambiente”, esclarece Ataíde. Para isso, a Associação organizou dois seminários. O primeiro deles aconteceu durante a realização, em 1986, do Festival ArtSurf; o segundo, realizado em 1987, denominou-se “Discutindo o Campeche”. Nele já se reivindicava a redefinição do Plano Diretor dos Balneários , em vigor até hoje, com muitas alterações de zoneamento. Solicitava-se, também, a criação de uma comissão de entidades e representantes da comunidade para o planejamento e execução do plano diretor; assim como, decisão sobre a ocupação das dunas e o repasse da área da aeronáutica para a comunidad, visandoa criar um Centro de Esporte e Lazer e outras reivindicações comunitárias.3 Em 1987 é fundada a Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM), que coordena, a partir de então, um novo ciclo de lutas pelo desenvolvimento do bairro com a preservação do meio ambiente. No mesmo ano, a entidade envia um abaixo assinado ao prefeito Edson Andrino exigindo: “ 1- Cumprimento da Legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas; 2- Criação do Parque da Lagoa da Chica, demarcando a área com árvores frutíferas e mantendo um herbário da rica flora nativa;3- Tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis; 4- Contrariedade em relação ao projeto de acesso à Joaquina , via Campeche, pelos danos que irá causar ao meio ambiente”. Este último ponto expressava um alerta dos moradores que acenavam com as lutas que viriam pela frente (Material de referência nº 1). Em 21 de dezembro de 1989 é redigida a “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetos de Urbanização da Área” (Material de referência nº 2). Esse texto sintetizava as reivindicações dos moradores tiradas das reuniões semanais que se realizavam desde 27 de novembro daquele ano. A carta contém um conjunto de propostas populares para o planejamento da cidade, ainda no momento inicial da elaboração do Plano Diretor do Campeche pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). As propostas partiam da rejeição dos projetos apresentados pelo órgão de planejamento “por não atenderem as reivindicações básicas da comunidade, uma vez que não foi ouvida previamente, nem respeitarem sua história e ecologia”.4 Estabelece-se ao final de 1980 e início de 1990 a dissociação entre os dois tipos de desenvolvimento para a cidade: aquele que pensava ser possível a existência de cidades médias, de tamanho limitado, descentralizadas, com gestão participativa de seus habitantes, e aquele que considerava o crescimento urbano como inevitável e incontrolável, sem limites e condicionantes da sua expansão e sem levar em conta a participação popular. Sob uma gestão centralizadora inicia-se, por conseqüência, uma trajetória de conflitos, insatisfações, desentendimentos e perseguições contra os moradores que se organizaram em oposição ao plano diretor da prefeitura. Mas, por outro lado, surgiam novas iniciativas que revitalizaram a defesa do meio ambiente e a organização popular. A resposta dos movimentos sócio-ambientalistas ao fenômeno da expansão da urbanização desse período trouxe repercussões irreversíveis para Florianópolis e suas políticas de desenvolvimento.5 Em 24 de novembro de 1992, o IPUF envia à Câmara de Vereadores (IPUF, 1997) um novo projeto de Plano Diretor para a região da Planície do Campeche – o Plano de Desenvolvimento do Campeche (PDC), que estava sendo elaborado desde 1989 nos gabinetes do IPUF e da PMF (Figura nº 2) Nos fundamentos ideológicos desse plano se encontra o incentivo à vocação turística e ao desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia, na perspectiva de fazer de Florianópolis uma 12 3 Associação de Surf do Campeche. Convite para o seminário “Discutindo o Campeche”, Florianópolis, 1986. 4 Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM. “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetos de Urbanização da Área”, 1989. 5 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1996.
  • 13. metrópole. Para isso, o poder executivo pensou a construção de um extenso e caro sistema viário seguindo o modelo da cidade inglesa Milton Keynes.6 Os elementos geradores de empregos seriam o pólo tecnológico segundo o paradigma das tecnópolis japonesas7, a exploração turística e imobiliária (hotéis, pousadas, conjuntos residenciais de alto nível, incluindo um autódromo internacional e um campo de golfe) e uma população de aproximadamente 450.000 habitantes ocupando 70% do solo da planície.8 Levando em conta que a população total da cidade é hoje de aproximadamente 400.000 habitantes considerando continente e ilha, tratava-se da construção de uma cidade nova numa única região da Ilha de Santa Catarina. No início de 1993, o novo prefeito, Sérgio Grando, retira o Plano Diretor da Câmara para discussão com as comunidades; o IPUF convoca professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para discutir o projeto. Na ocasião, o Plano é questionado pelo modelo de desenvolvimento urbano e são sugeridas reavaliações que não chegam a ser atendidas, dando início a um desentendimento duradouro entre o órgão de planejamento e segmentos de profissionais da UFSC sobre o projeto de desenvolvimento mais adequado para a região. Em 1994, fruto das pressões de moradores, o IPUF abre um processo de discussão direta com a comunidade. Foram então realizadas reuniões nas áreas de abrangência do plano com os bairros da Tapera, Alto Ribeirão, Campeche e Fazenda do Rio Tavares. Os pontos de discórdia mais evidentes eram o dimensionamento do sistema viário, a via Parque nas dunas com 40 metros de largura9, os altos gabaritos dos prédios, a densidade populacional induzida e as conseqüências ambientais e sócio-culturais do desenvolvimento proposto para o sul da Ilha. A discussão não trouxe resultados na modificação dos pontos críticos sugeridos pela comunidade e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis manteve o plano com poucas alterações. Em 1995 o plano é reeditado. Apesar da sua militância no campo da oposição, o prefeito, na sua mensagem à Câmara de Vereadores de Florianópolis, apresenta o projeto sem qualquer posicionamento crítico à concepção meramente imobiliária do plano diretor proposto: “Trata-se de uma concepção urbana integrada, de um projeto de uma cidade-nova, com capacidade para cerca de 450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI” (Material de Referência nº 4). Contudo, como resultado das pressões das comunidades envolvidas, o projeto não chegou a ser enviado à Câmara (IPUF, 1997). Com efeito, entre 1995 e 1996, representantes do Orçamento Participativo do Sul da Ilha continuam solicitando a suspensão dos encaminhamentos do PDC para sua ampla discussão com as comunidades. O abaixo-assinado ao prefeito municipal, solicitando a retirada do Plano de Desenvolvimento do Campeche da Câmara para uma consulta à população, surte o efeito desejado. Em novembro de 1996, reabrem-se as discussões de planejamento na região e as comunidades, em conjunto com o IPUF, preparam um seminário para o sul da Ilha, na Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente do Morro das Pedras – APAM. O evento tinha caráter consultivo sobre os problemas da região e reafirmava a necessidade de a população participar do planejamento urbano de sua área. O IPUF, na ocasião, apresentou suas diretrizes para o planejamento da Ilha (levantamentos, diagnóstico, propostas, diretrizes econômicas e sociais), porém, não apresentou o Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche que vinha sendo aprovado parceladamente pelos vereadores a partir do projeto do IPUF10. A maior parte das alterações transformava Áreas 6 AMORA, Ana Albano. O Lugar do Público no Campeche. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis, 1996. 7 VIEIRA, Sheila. A Industria de Alta Tecnologia em Florianópolis. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis. 1995. 8 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF. Diagnóstico do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares. Florianópolis, mimeografado, 1996. 9 Estudo de impacto Ambiental (EIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da rodovia SC 406 - Via Parque - trecho Lagoa da Conceição - Morro das Pedras (MPB Saneamento LTDA. Florianópolis, 1995), descreve o valor das desapropriações na sua faixa de domínio. A alternativa mais barata era estimada em R$ 12,3 milhões e a mais cara em R$ 27,5 milhões de reais 10 Esse é um procedimento que prevalece até os dias atuais. Como regra, são aprovados novos projetos empresariais, novas obras, viabilidade e mudança de zoneamento. Esse procedimento não democrático, utilizando como referência um plano ainda não aprovado, indica a forte influência de grupos econômicos, empresarias e as relações de favorecimento entre prefeitos, vereadores e seus eleitores mais poderosos. Como exemplo, o Decreto Municipal 440/91, do Prefeito Bulcão Viana, e o Projeto de Lei 4854/92, redefiniam o zoneamento da área do entorno da Lagoa Pequena como alterações de zoneamento da Lei 2193/85, reduzindo a área protegida pelo Decreto n.º 135/88 e permitindo o parcelamento do solo e a implantação de residências, apesar 13
  • 14. Verdes de Lazer (AVL), Áreas de Preservação Limitada (APL) e Áreas de Preservação Permanente – Ambientais e Históricas – em Áreas Turísticas Residenciais (ATR)11 sem qualquer planejamento ou infra-estrutura, apenas para satisfazer certos interesses econômicos de parceiros políticos ou eleitores poderosos. Ainda nessa reunião a comunidade critica o sistema viário, que reforçava e estimulava as tendências ao transporte individual, e não priorizava o transporte coletivo, assim como também não zelava pela acessibilidade12 e segurança dos pedestres, ciclistas, cadeirantes, deficientes visuais. Além disso, elaborou-se uma lista contendo um conjunto de problemas no sul da Ilha: a inexistência de áreas públicas; a precariedade das estradas e ruas; a falta de fiscalização nas praias e parques (Naufragados, Lagoa do Peri, Campeche); a segurança pública; a privatização da orla; a falta de planejamento na coleta e tratamento dos resíduos urbanos; o fechamento de acessos à praia; a falta de cemitério na região; a falta de vontade política em planejar e legalizar o bairro Areias do Campeche (área desapropriada de inúmeras carências); a falta de saneamento básico; o desconhecimento do Plano Diretor por parte da população; a substituição de árvores nativas por exóticas; a localização problemática da empresa Pedrita e do Aeroporto; a falta de equipamentos públicos (creches, escolas, praças, parques, etc). Além dos problemas, os moradores indicaram a necessidade de preservar a faixa de dunas, morros, rios e a garantia da fiscalização; a intervenção popular no planejamento e preservação dos caminhos e construções históricas das comunidades tradicionais e sítios arqueológicos; a implantação de um Parque Cultural no Campeche na área do antigo Campo de Aviação como área pública de lazer e preservação do patrimônio histórico local; a preservação da área da CASAN–, adquirida para alocar o sistema de tratamento de esgotos, área na qual, no plano do IPUF, previa-se a instalação de um campo de golfe – e sua mata nativa; a manutenção dos gabaritos de dois andares e da baixa densidade populacional da região até a melhoria da infra-estrutura de saneamento básico, bem como um diagnóstico da capacidade de suporte para o desenvolvimento proposto; manutenção e preservação das praias e baias como espaço de atividade econômica pesqueira e de lazer; organização do uso da praia de Naufragados, preservando seu acesso original. Esses encaminhamentos revelam o conhecimento dos moradores, construído nas experiências do cotidiano ilhéu, e essa iniciativa coletiva da região sul contribuiu fortemente para a indicação de propostas que viessem solucionar os problemas locais. Essa compreensão aparece, inclusive, quando a população aponta que o poder público, nos seus diferentes papéis, não é o único responsável pela situação de degradação da região, mas é o principal responsável pela fiscalização e pelo cumprimento das leis ambientais, assim como de organizar o entrosamento entre as instituições e órgãos estatais em nível municipal e estadual, tendo as leis como referência no trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil13. Como fruto dessas discussões foram estabelecidos os seguintes encaminhamentos: (1) buscar um acordo entre Câmara Municipal, Comunidades e Órgãos Públicos para evitar aprovações parcializadas de zoneamento antes da definição do plano diretor; (2) atuar para um entrosamento e acordo entre os órgãos públicos (SUSP, CELESC, IPUF, CASAN, Procuradorias do Meio Ambiente, etc) para que a prestação de serviços públicos fosse acompanhada de critérios, e não atropelada pela ocupação de condomínios e loteamentos – regulares e irregulares – em áreas problemáticas; (3) solicitar à SUSP a coordenação e a reativação da defesa e fiscalização do uso do solo e a ocupação da inconstitucionalidade e da ilegalidade flagrante. De fato, o MPE entrou com Ação de Inconstitucionalidade em 92, porém o julgamento e o acordão judicial demoraram tanto que o local já abrigava quase um quarteirão de residências irregulares no entorno da Lagoa Pequena. O número de casas e agora prédios não pára de crescer. Nenhuma ação da justiça foi implementada na região. 11 A qualidade do “planejamento” dos vereadores – aleatória e predatória – primou em favorecer empreendimentos privados (loteamentos, residências, prédios, hotéis, campos de golfe, leis 3636/91 e 3637/91) sem a infra-estrutura e espaços sociais necessários e sem considerar os moradores da região. Trouxe em conseqüência o adensamento populacional do bairro e seus inúmeros problemas de lixo, esgotos, engarrafamentos, etc. 12 A Norma Brasileira NBR 9050-1994 (§3.1) adota a seguinte definição de acessibilidade: "Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos", isto é, a possibilidade de acesso de todos os cidadãos às facilidades da cidade, independente de sua condição física. 13 Nesse sentido, o Estado é chamado a assumir a sua função no cumprimento da legislação vigente e na coordenação da defesa e fiscalização dos patrimônios histórico, ambiental e cultural do sul da Ilha, além de mediar os conflitos de interesses da sociedade civil no que diz respeito à propriedade e, inclusive, em grupos de trabalho, atuar em conjunto com a comunidade, 14
  • 15. baseada na legislação vigente; (4) convocar os proprietários para assegurar áreas públicas no processo de parcelamento e urbanização; (5) identificação dessas áreas possíveis em conjunto com as associações de moradores da localidade; (6) fazer mapeamento dos locais sem acesso à praia (IPUF; Associações de Moradores) e descumprimento da legislação vigente, para uma desapropriação posterior; (7) encaminhamento da resolução dos problemas legais que envolvem a área desapropriada das Areias do Campeche junto ao Departamento de Habitação; (8) criação de um grupo de Trabalho e Atuação Permanente junto ao IPUF (associações, órgãos públicos, prestadoras de serviço) para discutir e acompanhar o desenvolvimento da região; (9) continuidade da mobilização popular independentemente da oficialização do grupo de trabalho, criado no Seminário. A partir desse seminário, o processo de aproximação de interesses entre as comunidades do sul da Ilha e o poder público parecia estar caminhando para instaurar um diálogo que solucionasse os problemas sócio-ambientais apontados. Os moradores aguardavam a oficialização do grupo de trabalho que coordenaria as discussões quando houve a mudança de gestão municipal com as eleições de 1996, com a eleição de Ângela Amim. No início de seu governo o Plano Diretor da Planície do Campeche é autoritariamente reenviado à Câmara de Vereadores sem novas discussões. O grupo político que assumiu a prefeitura, apoiado por técnicos dos diferentes órgãos do município, deixou clara a sua indisposição em continuar o diálogo iniciado no governo anterior. Ao mesmo tempo, as novas autoridades iniciaram uma campanha pública com o objetivo de dividir as lideranças comunitárias (e os cidadãos organizados que se opunham a seu projeto de governo) através de um discurso segregacionista que celebrava os segmentos sociais nascidos na Ilha, os nativos, e discriminava os segmentos sociais de fora, considerados estrangeiros. Estes últimos deveriam ficar mudos diante da destruição da cidade, uma vez que esta não lhes pertencia –era o recado claramente dado, e apoiado por grupos de moradores e empresários também claramente interessados no “progresso”. A conseqüência mais visível dessa nova política foi a interrupção completa do diálogo entre os movimentos organizados e o poder público, que passou a discriminar o sul da ilha. Decisões pontuais de caráter clientelista sustentaram projetos imobiliários de empresas e grupos não apenas para a região do Campeche, mas também em outras regiões, como a grande planície úmida adjacente aos bairros Pântano do Sul e Açores, envolvendo, fundamentalmente, projetos de interesses empresariais de caráter imobiliário.14 No sul da Ilha inicia-se um processo de desmonte da articulação construída no período anterior entre os bairros da região. As lideranças que conduziam o processo de unificação regional pelas questões comuns chegaram à conclusão de que era necessário dirigir seu trabalho organizativo voluntário em cada bairro durante um tempo, para evitar a perda de seus vínculos locais, e dar continuidade ao processo educativo relacionado às questões sócio-ambientais. Assim, por exemplo, a retomada do debate sobre o saneamento básico na região e outras iniciativas conjuntas ficaram mais episódicas, e sofreram com a descontinuidade. Mesmo assim, em março de 1997, um novo abaixo assinado contendo assinaturas de várias entidades comunitárias, movimentos pela qualidade de vida do sul da Ilha foi levado ao IPUF. O documento solicitava basicamente a retomada das discussões de planejamento. O IPUF concorda, mas fica com a prerrogativa de definir a metodologia a ser adotada. Em julho do mesmo ano, o IPUF apresenta o Plano de Desenvolvimento do Campeche numa assembléia com mais de 200 pessoas, na Sociedade Amigos do Campeche (SAC). A novidade da apresentação era que o plano diretor original havia sido dividido em 14 parcelas – denominadas Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs), numa estratégia de “dividir para reinar” por parte do IPUF – e as plantas dessas diferentes UEPs que correspondiam às regiões da associações comunitárias e de moradores presentes foram repassadas às lideranças locais para que se manifestassem até 29 de setembro, data limite para o posicionamento comunitário. O recorte do plano causou indignação aos moradores por impedir uma visão global do projeto proposto, e a assembléia rejeitou o plano apresentado sob o principal argumento de que era praticamente igual ao apresentado em 1992, sem alterações nos seus pontos mais polêmicos, já 15 14 No caso, as empresas C. R. Almeida, JAT Engenharia e Pedrita.
  • 16. denunciados anteriormente pela comunidade local15. Mesmo assim, a comunidade organizada decidiu pela análise do plano e um posicionamento com propostas e diretrizes. Como conseqüência dos encaminhamentos da assembléia, em agosto, os moradores fundam o Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV), que passa a coordenar os embates com o Executivo Municipal. Para embasar seus argumentos, o MCQV solicita a diversos centros de conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina pareceres acerca do projeto em discussão. Solicita também à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN – informações oficiais sobre a capacidade de abastecimento de água para a região da Planície. Os pareceres acadêmicos sobre o Plano diretor do IPUF (Materiais de referência nº 5, 6, 7, 8 e 9), profundamente críticos, tornaram-se material de referência para as análises posteriores elaboradas pela comunidade. A resposta da CASAN (Material de referência nº 10), indicou uma capacidade limite de abastecimento de água para 147.161 pessoas. Esse documento tornou-se um alerta diante da previsão do IPUF de assentar 450.000 pessoas na planície, contribuindo para reforçar a posição dos moradores sobre os limites de densidade abastecível da região, que incluía o leste e o sul. O MCQV se constituiu como um movimento de articulação das diversas entidades da região (Associações de Moradores, movimentos e entidades de bairro, ongs) atingidas pelo Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche. Como princípio norteador de sua organização, o movimento decidiu por não se constituir legalmente como “associação” nem definir formas organizacionais burocráticas, preservando-se como movimento aberto à participação de associações e indivíduos e flexível nas suas formas de funcionamento. A trajetória bem sucedida do MCQV pode ser explicada pela capacidade de mobilização autônoma que as localidades adquiriram nas últimas décadas. Sua pauta voltada para os grandes problemas sócio-ambientais tocava no cotidiano da população, o que, somado à carência crônica de políticas públicas municipais, estaduais e federais, criou uma significativa disposição participativa. A atitude crítica e a capacidade de autonomia assumida pelos movimentos sociais desse período foram dois elementos importantes que, sem dúvida, incentivaram o crescimento dos grupos, principalmente o MCQV. Um dos movimentos pioneiros na Planície, nesse período, foi o Movimento Campeche a Limpo – CAL –, que buscava criar uma política ambiental voltada a soluções e adequação da coleta dos resíduos sólidos na região, a exemplo do antigo projeto Beija Flor, que se voltou para a coleta seletiva no município. Esse movimento foi um dos responsáveis pela criação de feiras culturais – Feira do Cacareco, por exemplo, que se consolidou como uma atividade comunitária de integração, diversão e educação. (Figura nº 3). Em 28 de agosto, uma nova assembléia com presença expressiva dos moradores discute a proposta do IPUF, rejeita novamente o plano oficial e, através do recém- criado jornal comunitário Fala Campeche 16, convoca o I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche para 23 a 25 de outubro. O objetivo era definir as diretrizes da comunidade para o desenvolvimento da região. No seu editorial, o periódico enfatizava a necessidade de preservação do lençol freático que abastecia a região e a necessidade de uma urbanização orientada ao uso cuidadoso dos recursos ambientais (Figura nº 24). O jornal esclarecia ainda a necessidade de equipamentos urbanos que valorizassem e preservassem os potencias e as atrações naturais locais; incentivava um turismo ecológico e sustentável como recurso econômico, geração de emprego e renda, além de permitir aos moradores uma vida de melhor qualidade, sem a transfiguração total do Campeche como uma área urbana, igual a tantas outras da Ilha e da costa brasileira. Nesse momento, o movimento comunitário inicia uma campanha pedindo o adiamento do prazo de entrega dos posicionamentos sobre suas UEPs ao IPUF. A campanha visava adiar a data de entrega (29 de setembro) para depois da realização do I Seminário de Planejamento da Planície do Campeche e recebe a solidariedade de diversas instituições da cidade. Não obstante, em documento oficial, datado de 12 de setembro, o Diretor Presidente e outros diretores do IPUF 15 Estímulo de uma densidade populacional incompatível com os recursos da região, falta da previsão de um sistema de saneamento básico imediato para o bairro, sistema viário segregador do bairro (física e socialmente), com a previsão de largas vias de alta velocidade, etc. 16 O periódico Fala Campeche, criado em julho de 1997 pelo MCQV, é um jornal comunitário de caráter informativo, mobilizador e educativo do bairro nas questões sócio-ambientais e outras decorrentes do Plano Diretor. 16
  • 17. reiteram a data limite, alertando que “a ausência de resposta pela Associação de Moradores será considerada como nada tendo a opor ao plano apresentado”. A comunidade responde à intransigência do Executivo Municipal e do órgão de planejamento com iniciativas que fortaleceriam seu posicionamento e organização. Em primeiro lugar, solicita a mediação da Câmara de Vereadores para o adiamento do prazo de entrega de propostas até a realização do I Seminário Comunitário de Planejamento. Estendendo sua reclamação para o nível federal, em 23 de setembro, encaminha extensa carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos, expondo o desrespeito do órgão de planejamento com os recursos hídricos limitados da região e solicita a intervenção daquela Secretaria junto às autoridades municipais (Material de referência nº 11). Por último, em 29 de setembro, data limite oficial estabelecida para a entrega do posicionamento comunitário para alterações do plano oficial, o MCQV encaminha um extenso documento ao IPUF explicando as razões da rejeição ao plano proposto e reiterando a urgência de um plano diretor para a região, com a participação ativa da população na sua elaboração. Também convida as autoridades para participarem do I Seminário de Planejamento e solicita adiamento do prazo de entrega para 18 de novembro, data considerada como suficiente para a sistematização das deliberações desse seminário. Sem resposta oficial, e preocupado com a possibilidade de uma aprovação apressada do Plano Diretor, em 9 de outubro o movimento comunitário realiza uma das ações de maior impacto na época: a Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM –, em nome de um amplo movimento do bairro, interpõe na justiça local uma Ação Cautelar de Notificação (Material de referência nº 12) contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e contra o IPUF, “com o objetivo de prevenir responsabilidades, prover a combinação de direitos e externar judicialmente a preocupação daquela comunidade” em relação aos riscos ambientais decorrentes da implantação de um plano com as proporções propostas. Cópias da ação judicial foram enviadas para os órgãos públicos e os principais meios de comunicação e formadores de opinião. Como subsídio ao processo de difusão e convite ao seminário, entidades e lideranças locais produziram diversos documentos internos e públicos, entre eles, de particular difusão na época, o documento “Uma questão de responsabilidade” (Material de referência nº 13), alertando para os sérios riscos de um planejamento que não leva em conta os limites ambientais para as futuras gerações. Ao mesmo tempo, numa carta-documento intitulada “Problema Público no Campeche”, um conjunto de entidades da região se expressa pela necessidade urgente de um Plano Diretor “antes que seja tarde e esteja tudo perdido” e exigindo “um planejamento compatível com as disponibilidades e sustentabilidade da qualidade de vida”. Solicitavam também, ao Colegiado de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina, o estabelecimento e execução de um “programa de gerenciamento da Bacia Hidrogeológica do Campeche com vistas à sustentabilidade dos recursos hídricos, sob pena de agir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras”. (Material de referência nº 14) 17 O Planejamento Autônomo do Bairro. O Dossiê Campeche Com o intuito de criar um espaço coletivo de discussão em que fosse possível a participação ativa da população na formulação de diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região, o Movimento Campeche Qualidade de Vida realiza, ainda em 1997, o 1º Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche. Dele participaram, durante 3 dias, cerca de 350 pessoas distribuídas em comissões temáticas de trabalho: sistema viário; saneamento básico; espaços públicos; recursos naturais e zoneamento (parcelamento do solo para a urbanização). Na ocasião foi re-apresentado e discutido o plano diretor proposto pelo IPUF para a região. Os órgãos vinculados ao Executivo Municipal (IPUF, COMCAP, FLORAM e SUSP) não participaram no evento, alegando, mediante o ofício nº 06096, de 21 de outubro de 1997, que “após tomarem conhecimento da ação cautelar notificação promovida pela Associação de Moradores contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e o IPUF, no último dia 09, sentem-se constrangidos em participar do Seminário que visa discutir um plano, agora colocado sub-júdice por essa Associação ”.
  • 18. No seminário, a sociedade civil organizada reviu o Plano Diretor oficial e decidiu recusá-lo mais uma vez. Também estabeleceu as diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região. O relatório final (Materiais de referência nº 15 e nº 16) baseado no trabalho das comissões e das plenárias de discussão, foi aprovado em nova assembléia realizada em 31 de outubro. O resultado geral do seminário foi consolidado num documento de 242 páginas denominado Dossiê Campeche, que reúne o documento final do encontro e um conjunto de análises e pareceres especializados sobre o plano elaborado pelo IPUF, além das diretrizes de desenvolvimento sustentável que balizaram e fundamentaram as discussões no evento. O Dossiê Campeche foi encaminhado a todos os órgãos públicos municipais, estaduais e federais com atuação na área ambiental e de planejamento do uso do solo. A carta de encaminhamento do Dossiê expressa: Este documento é resultado de um trabalho árduo e laborioso de cidadãos preocupados com as mais diversas atividades impostas pelo cotidiano (filhos, trabalho, e problemas pessoais), que destinaram todas as suas horas de lazer e de convívio com os seus para sua elaboração. O cansaço, as correrias em busca de financiamento para xérox e cópias, e as noites em claro, podem ter, eventualmente, agido em detrimento da qualidade do dossiê.... Dos órgãos públicos que receberam o Dossiê, somente dois responderam. Numa dessas respostas, da diretoria do IPUF17, encontra-se uma análise crítica que desqualifica o “dossiê” e as suas contribuições e, na outra, da direção do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente– MMA, que elogia a organização da sociedade local na preocupação com os recursos hídricos. A análise do conteúdo do documento do IPUF deixa transparecer, entre outros motivos, a forte intransigência do órgão de planejamento em admitir a incompatibilidade entre os critérios metodológicos do IPUF e a participação popular. A participação é entendida pelo IPUF como uma ousadia, uma inconveniência dentro de uma proposta pré-estabelecida e definida. A falta de sensibilidade dos funcionários municipais se instalou como um viseira que impossibilitou ver que o Dossiê elaborado por “outros” técnicos que não aqueles institucionalizados no órgão municipal não propõe um plano, mas diretrizes para o planejamento. A tônica do texto é a desqualificação como estratégia para o questionamento da legitimidade da sua elaboração. Para os técnicos do IPUF que subscreveram o documento, o Dossiê denegria a imagem do Instituto de Planejamento com alegações inadequadas e os seus signatários tinham a “pretensão” de representar a opinião de toda a comunidade da região, com o argumento de que nem eram as associações participaram do seminário, nem são signatárias do documento e que se pretendia “insistir numa discussão sem resultados” que vinha ocorrendo desde 1992. 18 A análise dos pareceres dos profissionais da UFSC demonstra uma disputa de conhecimentos em que a desqualificação é mais uma vez o eixo da argumentação dos técnicos do IPUF, deixando transparecer a não aceitação do engajamento dos professores universitários junto à população, em assuntos que passam não só por questões técnicas, mas também políticas. As acusações se desdobram ao longo do texto: os profissionais da UFSC falam em nome próprio, não representam oficialmente a UFSC ou seus departamentos; alegam que, por serem moradores da região “objeto de análise”, incorrem em “vício de parcialidade” e sofrem da “dificuldade dos teóricos em lidar com a realidade”. O texto do IPUF acusava o movimento comunitário de ser responsável pelo tipo de ocupação desordenada do bairro, isentando-se da responsabilidade sobre o tipo de urbanização que foi se consolidando na região. Segundo o órgão de planejamento, “assistiu-se à [sic] favelização do Campeche”, eximindo-se de qualquer envolvimento com a falta de fiscalização, as concessões irregulares de licenças, mudanças arbitrárias de gabaritos e mudanças de zoneamento para 17 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis. Parecer Técnico 214/98 sobre o relatório do Seminário da “AMOCAM” (Dossiê Campeche). Proc. 177/97-1. Florianópolis, 19 de fevereiro de 1998, mimeografado, 46 pág. O parecer é uma análise crítica ao Dossiê, ao conteúdo, à representatividade, à estrutura, aos autores, assinada pelo Diretor Presidente do IPUF, Carlos Alberto Riederer; o arquiteto Amilton Vergara de Sousa; o arquiteto José Rodrigues da Rocha – Diretor de Planejamento e a arquiteta Jeanine M. Tavares, gerente. 18 IPUF, Op. Cit., págs. 1 e 2. 18
  • 19. favorecimentos particulares, aprovados/encaminhados pelos diversos setores do próprio poder público. A estratégia do IPUF foi usar da linguagem técnica, supostamente neutra, para se contrapor ao conteúdo político presente na demanda popular, sugerindo má-fé dos signatários do Dossiê. Dão a idéia de que a pressão popular, durante todo o tempo, é uma prática que encobre motivos políticos e interesses pessoais que só se explicam pela suposta ocupação de áreas de preservação permanente e implantação de loteamentos clandestinos pelos signatários do Dossiê19. Acusam os signatários de irresponsáveis e coniventes com grileiros por reivindicarem o recomeço do processo do zero e quererem uma discussão geral com a intenção de reiniciar a elaboração do Plano numa tentativa de dominar o processo e impedir a planificação da região.20 Nesse sentido, aparece outro aspecto da crítica feita ao Dossiê pelo órgão de planejamento, que é relevante ressaltar: a concepção de que há uma demagogia em torno do caráter da participação popular solicitada e que “a voz do povo não é a voz de Deus” [sic]; assim os técnicos do IPUF rejeitam a discussão coletiva com a comunidade e colocam-se contra o “assembleísmo” dos moradores. Assumem uma posição classista e parcial, celebrando o empresariado e colocando o povo como vilão ao afirmar que “empresários se relacionam com o IPUF para discutir a doação de áreas públicas e implantação de infra-estrutura, enquanto a comunidade se relaciona para discutir o que o poder público lhe dará, qual o recurso que amealhará”. O documento do IPUF aceita a participação popular apenas como apêndice e não como gênese do conhecimento e do planejamento. Desconhecia-se em Florianópolis, até aquela data, uma experiência de elaboração popular de um documento do porte do Dossiê Campeche com embasamento legal, social e ambiental que servisse como subsídio ao planejamento do bairro. O Dossiê continha as reivindicações das comunidades e visava auxiliar os órgãos públicos a planejarem com mais justiça a Planície do Campeche. Frente a esse conjunto denso de propostas a crítica do IPUF afirma, deixando transparecer seu método de diálogo: “É óbvio que os pedidos da comunidade têm que ser avaliados e só se pode atender ao que seja tecnicamente viável e socialmente aceitável”.21 Acontece que a comunidade da Planície do Campeche exigia, em primeiro lugar, participar da escolha dos critérios daquilo que seria “tecnicamente viável e socialmente aceitável”, uma vez que o bairro não dispunha de nenhuma infra-estrutura social (praça, biblioteca, museu, parque, correio, área esportiva, espaços culturais) e recebia diariamente mais moradores, mais prédios, mais adensamento. Quanto ao questionamento comunitário sobre a insustentablidade do plano do IPUF relativamente aos recursos hídricos, o documento crítico do IPUF acusava os signatários do Dossiê de “ambientalistas primários”.22 Diante do argumento de um possível colapso no abastecimento de água sugerem que é falso, porque, em última instância, quando a água faltar, poder-se-ia utilizar as águas dos mananciais da área continental, “isso para não falar em usinas de dessalinização da água de mar”23, e acrescenta ainda: A utilização mais intensa dos mananciais da área continental (Cubatão, Pilões e Biguaçu), com capacidade de abastecer a mais de 1,8 milhão de pessoas, segundo informações extra-oficias da Casan ou a dessalinização da água do mar, não apresentam problemas técnicos, mas apenas financeiros.24 Fora a irresponsabilidade de utilizar dados extra-oficiais para um problema tão delicado, o texto afirma que trazer água do continente ou dessalinizar água do mar “não apresenta problemas técnicos, mas apenas financeiros”. O cotidiano das políticas públicas num país com as carências do Brasil nos ensina que o aspecto financeiro está longe de ser secundário na elaboração de projetos 19 IPUF, Op. Cit., pág. 6 20Esta luta comunitária foi desgastante e desigual e deixou marcas profundas na vida de alguns moradores. A Prefeitura Municipal de Florianópolis tentou silenciar a ex-presidente da AMOCAM, a professora e bióloga Tereza Cristina Pereira Barbosa. A FLORAM e IPUF denunciaram falsamente sua propriedade como Área de Preservação Permanente sendo que o local era uma antiga pedreira e a vegetação hoje existente foi plantada pela bióloga. A perseguição estendeu-se também ao pai do ex-vereador Lázaro Daniel, Seu Chico. O Bar do Chico quase foi demolido, apesar do seu valor cultural. O local foi reconhecido posteriormente como Patrimônio Cultural Imaterial no Relatório de Vistoria Nº007/06, 18/10/2006 do Ministério Público Estadual (MPE). Maiores detalhes no site www.campeche.org.br. 21 IPUF, Op. Cit., pág 7. 22 Op. Cit., pág. 9. 23 Op. Cit., pág. 15. 24 Op. Cit., pág. 14. 19
  • 20. sociais. Tratando-se de uma questão básica como o uso de um recurso natural como a água, esperava-se do planejador da coisa pública uma posição responsável. Foi com esse mesmo posicionamento que, diante das críticas da população sobre a insustentável densidade proposta de 450.000 habitantes, o IPUF afirma que “só deverá ser alcançada em uns 30 anos”, e, portanto, “a CASAN terá de 10 a 15 anos até esgotar a capacidade atual e estudar novas alternativas de abastecimento para a região”. Quanto à rejeição comunitária à segregação social decorrente da proposta oficial, o IPUF argumenta que ela inexistia e, contraditoriamente, afirma: “O plano tem áreas para baixa renda, mas em localizações econômica e socialmente viáveis. O plano prevê lugar para todas as classes sociais, mas não as coloca todas misturadas”, o que conceitualmente corresponde exatamente à definição de “segregação”.25 A aplicação prática desse conceito mostra que os de alta renda ocupam a orla marinha e têm acesso à praia e paisagem particulares, enquanto os de baixa renda ficam em áreas “econômica e socialmente viáveis”, compatíveis com o tamanho do seu bolso. Questionados sobre o sistema viário desagregador da vida comunitária, os planejadores da prefeitura afirmam que os anéis viários para retirar o tráfego de passagem das áreas residenciais não têm características de isolamento, mas de “proteção da comunidade contra os inconvenientes do tráfego: acidentes, barulho e poluição atmosférica” (p. 18). Assim, o sistema viário teria a função de solucionar os problemas que o próprio sistema viário (e o plano em geral) iria gerar, – este foi mais um motivo para que o movimento o rejeitasse. O que se pode identificar na crítica do IPUF ao Dossiê Campeche é a perfeita coerência com a prática histórica do órgão de planejamento em elaborar propostas em gabinetes, consensuadas com os interesses empresariais – aquilo que não se encaixasse nos preceitos fundamentais assim elaborados seria “tecnicamente inaceitável”. Nenhuma vontade de ouvir, nenhuma consideração ao trabalho sócio-comunitário, nenhuma tentativa de somar e rever sua proposta para melhorar a cidade de todos. Daí a recusa em aceitar as propostas comunitárias do Campeche. A segunda resposta recebida pelo movimento comunitário do Campeche ao envio do Dossiê Campeche teve um tom diametralmente oposto à resposta do IPUF. A carta de Raymundo José Santos Garrido, Diretor do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de Recursos Hídricos – Ministério do Meio Ambiente, de 10 de novembro de 1997, expressa: “percebemos, pelo material enviado e pelo número de associações que assinam a correspondência, que a região já tem uma grande mobilização social, e esse é o ponto básico para se conseguir uma gestão de recursos hídricos participativa e consciente”. Numa atitude solidária com o movimento comunitário, sugeria a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Campeche e se colocava à disposição para enviar um profissional da Secretaria para um evento no qual fosse debatida a criação de tal Comitê. Aceitando o desafio, a AMOCAM e o MCQV convocam uma ampla reunião das entidades da planície do Campeche com o objetivo de “discutir, decidir e encaminhar a criação” do Comitê da Bacia do Campeche. Em 27 de janeiro de 1998, a comunidade realiza uma assembléia que contou com a presença de representante da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente. Desse encontro resultou a criação de uma comissão provisória encarregada de levar adiante a organização de uma nova entidade, que foi denominada Comitê da Bacia Hidrogeológica do Sul da Ilha. 26 Contudo, tal comitê nunca chegou efetivamente a se estabelecer. A sua constituição efetiva e a continuidade dos trabalhos foi prejudicada pelas conseqüências do envolvimento comunitário na preservação de um dos ecossistemas mais importantes e de maior beleza da região: a Lagoa Pequena. (Figura nº 4) Localizada no limite entre os bairros Campeche e Rio Tavares – a “lagoinha”, como é conhecida na região –, numa área tombada pelo município em 1988, como patrimônio natural e 25 Com efeito, segundo o dicionário Aurélio, “segregação” racial ou social significa: “Política que objetiva separar e/ou isolar no seio de uma sociedade as minorias raciais e, p. ext., as sociais, religiosas, etc.” 26 Na ocasião, assinaram a adesão à Comissão pró-formação do Comitê da Região Hidrográfica do Sul da Ilha: Conselho de Moradores da Lagoa do Peri; Movimento pela Qualidade de Vida da Armação; Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da Localidade da Lagoa do Peri; Klimata – Centro de Estudos Ambientais; Associação dos Moradores do Campeche. 20
  • 21. paisagístico (Dec. Municipal 135/88),27 abrigava, na margem sudeste, um dos poços artesianos de captação de água de abastecimento da região28. Três anos após o tombamento da Lagoa Pequena, em 1991, inicia-se um processo de grilagem na sua margem nordeste, quando o seu entorno e a área verde de lazer, de propriedade do Estado, são transformadas em ATR (Área Turística Residencial), facilitando a sua ocupação. Essa alteração de zoneamento, desprovida de uma política de gestão ambiental voltada para o interesse público, foi a porta de entrada de sérios danos ambientais causados na localidade29. A paisagem original da região da bela lagoa foi transfigurada. Parcelamento do solo, loteamentos, extinção da vegetação, edificações muito próximas ao espelho d’água e mais adiante, nas dunas próximas, abertura de ruas, aterros para viabilização das construções e abertura de escoadouro artificial na Lagoa, foram os prejuízos causados na região (para maiores informações, ver GERI, 2007). O poder público foi incapaz de cercar adequadamente a área tombada – e até o presente mantém essa incapacidade –, assim como foi omisso na fiscalização e punição dos invasores.30 O movimento pela preservação da Lagoa Pequena, apoiado e impulsionado pelo MCQV, intensificou as ações na região, gerando conflito entre o movimento sócio-ambiental e os responsáveis pela grilagem das terras tombadas. Desdobraram-se, na ocasião, denúncias, audiências com a Procuradoria Federal e Estadual, visitas aos órgãos municipais responsáveis e manifestações públicas em defesa do lugar, com destaque especial para o “Abraço à Lagoinha” (Fig. nº 5) a, passeata pelas ruas do bairro e ato público na forma de piquenique, denominado “Primavera na Lagoa Pequena”. Durante a realização deste ultimo evento, o conflito teve seu momento mais grave, com a agressão física de um dos manifestantes ambientalistas. A agressão resultou em ferimentos graves e perda de equipamentos fotográficos. A partir de então, iniciou-se um período marcado por inquéritos policiais e judiciais, mas, sobretudo, por ameaças contra os militantes comunitários e suas famílias, consumindo as forças do movimento. Desencadeou-se uma campanha civil contra a violência na região. A sociedade organizada juntamente com os moradores que sofriam ameaças, em audiência com a prefeita municipal, e solicita uma atuação mais contundente na localidade, mas prevalece por parte da autoridade do Executivo uma interpretação xenófoba do episódio e a neutralização da violência pelo fato de moradores não nativos serem os agredidos. Como indicado, tais acontecimentos consumiram as forças do movimento na época e impediram a constituição do mencionado Comitê de Bacia. Lamentavelmente, apesar dos duros embates da época, das denúncias e do intenso diálogo com os órgãos responsáveis, o movimento comunitário não conseguiu, até hoje, uma demarcação adequada da área tombada e tampouco uma atitude decidida das autoridades para implantar e estruturar o Parque Municipal da Lagoa Pequena e tampouco considerar os termos do acórdão judicial. Contudo, as lutas conseguiram frear, naquele momento, o processo de destruição da região. Um resultado positivo do processo político mencionado foi a elaboração de um acurado estudo das características da Lagoa Pequena por parte de profissionais da Universidade Federal de Santa Catarina e militantes do movimento comunitário. 31 Fruto desse conjunto de lutas, ainda em 1998 o Plano Diretor Oficial do Ipuf foi novamente retirado da Câmara de Vereadores para modificações que deveriam atender às reclamações da comunidade. Entretanto, no ano seguinte, o Plano volta à Câmara já dividido em 14 parcelas. O MCQV consegue a mediação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no intuito de abrir 27 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA – Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, SC, 1997. 28 Até 2000, eram 13 poços da CASAN, interligados em anel, que abasteciam a costa leste e sul da ilha. 29 Em 03 de dezembro de 1992, o Ministério Público Estadual ajuizou uma Ação Civil Pública (n. 02395026511.6) contra o Município de Florianópolis e Pedro Manuel Borba Neto. O pedido de liminar requeria o fim da ocupação ilegal da Área de Preservação Permanente (APP) da Lagoa Pequena e a declaração de ilegalidade do Decreto 440/91 e da Lei 4.854/92 que tinham promovido o destombamento de parte da Área Verdade de Lazer (AVL). O Acordão judicial de 9 de junho de 1998, estabeleceu a inconstitucionalidade das leis questionadas e retrotraiu a situação jurídica da área a o estabelecido pelo decreto Municipal 135/88, do Prefeito Edson Andrino, que promoveu o tombamento do lugar. 30 Na tentativa mais decidida para a demarcação da área, segundo as informações fornecidas ao movimento pelas autoridades da FLORAM, os técnicos foram “corridos a bala”. 31 Para uma informação mais completa, consultar o Relatório Final do Projeto Adote a Lagoinha, BARBOSA, T. C. & SOUSA, J.P. UFSC/ CCB/ CFH, 1999, disponível no sitio www.campeche.org.br. 21
  • 22. um diálogo “técnico” entre o órgão de planejamento e a comunidade, com o objetivo de encontrar os pontos de consenso. O diálogo, realizado entre julho e setembro, fracassa pela incompatibilidade dos pontos de vista em torno dos temas mais controversos, como o sistema viário, a Via Expressa em áreas de dunas e o adensamento populacional propostos pelo plano oficial. Dado o impasse, o MCQV convida a população para uma assembléia comunitária, em outubro de 1999. Dela participaram mais de 300 moradores que decidem pela construção de um Plano Diretor Comunitário a partir das diretrizes do Dossiê Campeche e contando com o potencial de trabalho voluntário de moradores, incluindo técnicos locais. A partir desse momento o movimento se amplia e unifica-se através de iniciativas mobilizadoras de outros bairros da Planície. Nessa ampliação, se destaca a APAM – Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente – do Morro das Pedras, entidade beneficente fundada em 28/11/1989. Desde então a APAM atua em atividades sócio-educativas na região das Areias do Campeche. Além da sua natureza voltada para o serviço social, essa entidade se notabiliza pelo envolvimento nas questões sócio-ambientais e na organização do movimento autônomo do bairro, contribuindo com a criação do Movimento Nosso Bairro. Essa participação no Movimento Campeche Qualidade de Vida contribuiu para ampliar a sua representatividade e fortaleceu com a proposta de envolver a Planície do Campeche na elaboração de um do plano diretor, sendo sede, por diversas ocasiões, de oficinas, assembléias e reuniões comunitárias. 22 A Construção do Plano Comunitário Uma metodologia participativa O acúmulo de experiência do MCQV que, desde a sua fundação, continuava se reunindo aos sábados em escolas locais e associações comunitárias para a definição de uma política em relação ao plano diretor e assuntos relativos, permitiu ao movimento comunitário elaborar um plano diretor alternativo. Como estratégia de educação sócio-ambiental e engajamento da comunidade, o movimento realizou várias intervenções significativas: em primeiro lugar, organizou festas populares e eventos culturais, como as 1ª , 2ª, 3ª e 4ª Festa da Cultura e da Arte do Campeche (Figura nº 6) e o Festival Zé Perry (Figura nº 22), em comemoração ao centenário do aviador e escritor Antoine de Saint Exupéry. Em segundo lugar, continuou e aprimorou a edição do periódico comunitário de distribuição gratuita Fala Campeche, peça fundamental na construção de uma visão coletiva sobre o futuro da região. Em conjunto, essas ações conseguiram atrair uma significativa adesão dos cidadãos da comunidade local e da cidade de Florianópolis.32 Assim, o movimento inicia um processo de oficinas itinerantes comunitárias de planejamento urbano – oficinas semanais – nas escolas, salões de igreja, grupos de 3ª idade, associações comunitárias locais, nos diferentes bairros da Planície. Durante as oficinas, era problematizada a situação da região e discutidos, com apoio de mapas e plantas, dados sobre a origem e disponibilidade de água para abastecimento, tipos de saneamento, os problemas locais, a falta de infra-estrutura e as diretrizes do Dossiê. Ressalte-se que esse material de trabalho, apesar de público, nunca foi disponibilizado pelo Campeche, tendo que ser obtido por caminhos tortuosos através de diferentes atores sociais. Com a metodologia indicada, a população elaborou sua proposta que foi denominada Plano Comunitário para a Planície de Campeche - Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. O objetivo foi propor um plano que contemplasse o desenvolvimento das potencialidades econômicas fundamentado no uso sustentável dos recursos naturais e no respeito à qualidade de vida dos habitantes do lugar. (Figuras nº 7, 8 e 9). A elaboração coletiva deu consistência e apoio popular à proposta alternativa, cuja referência principal foi o atendimento às leis ambientais e culturais, ao fomento racional do turismo não predatório, às regulamentações do uso do solo propostas pelas legislações federal, estadual e municipal e aos anseios da população quanto ao destino da região. 32 Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. Florianópolis. Mimeografado. Disponível em www.campeche.org.br.
  • 23. O Plano Comunitário (Materiais de referência nº 17 e nº 18; Figuras nº 15 e 16), subscrito pelo conjunto de associações que participaram de sua elaboração33, é aprovado numa nova assembléia realizada em 27 de novembro de 1999 e apresentado à Câmara de Vereadores, em março de 2000, como substitutivo global ao Plano Diretor do Poder Executivo Municipal. A experiência de elaboração autônoma do Plano Diretor, inédita no Brasil, lhe valeu o Prêmio Qualidade de Vida 2000 da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) (Figura nº 19), foi um exemplo para outras comunidades da Ilha de Santa Catarina e ganhou apoio e simpatia de diversos segmentos da sociedade florianopolitana.34 A luta pelo Plano Diretor Comunitário No primeiro semestre de 2001, na segunda legislatura da prefeita Ângela Amin (reeleita nas eleições de 2000), recomeçaram as discussões e as tentativas de aprovação do Plano Diretor oficial para a Planície do Campeche. Levando-se em conta a existência dos dois planos em disputa – o comunitário e o oficial–, a Câmara, por iniciativa da Comissão de Meio Ambiente, realiza a primeira Audiência Pública para a discussão dos planos diretores, a pedido dos movimentos sociais. Na realidade, essa Audiência Pública foi a primeira ocasião em que se confrontaram publicamente os dois planos, ficando claros os eixos principais da crítica do movimento comunitário. Na audiência, ficou evidente também o descontentamento de diversos órgãos públicos com a megalomania do 23 plano do IPUF. Como parte de uma campanha publicitária para pressionar a Câmara para a aprovação do Plano Comunitário, o movimento produziu duas ações de impacto na comunidade. A primeira consistiu na instalação, num local de ampla visualização na via principal do Campeche, a Avenida Pequeno Príncipe, de um placar comunitário com os nomes dos vereadores e os seguintes dizeres: “A favor do Plano Comunitário”, “Contra o Plano Comunitário”, “Em cima do Muro”. O placar teve alto impacto na comunidade e presumivelmente entre os vereadores. A segunda iniciativa foi a publicação de uma história em quadrinhos sobre as lutas da comunidade pelo Plano Diretor, no formato de uma cartilha elaborada em oficinas comunitárias realizadas entre maio e setembro de 2000. Os quadrinhos, com roteiro e editoração de moradores do bairro35, foram distribuídos nas escolas e nos principais pontos de venda do Campeche. (Material de Referência nº 19) Influenciada pelas pressões comunitárias e pelos resultados da Audiência Pública, e impossibilitada de encaminhar um processo de votação envolvendo os dois planos, a Câmara decide produzir uma terceira versão de Plano Diretor. Em junho a Comissão do Meio Ambiente da Câmara de Vereadores anuncia que decidiu construir um novo projeto, substitutivo global, baseado nos dois anteriores em confronto na Câmara. O projeto elaborado pela equipe técnica da Câmara e conhecido no Campeche como “projeto Frankenstein” – que conserva a quase totalidade da proposta oficial do IPUF, acrescentada de alguns detalhes do plano comunitário –, mantinha o sistema viário com suas largas pistas de alta velocidade e um uso do Campo de Aviação contrário às expectativas da população local, pontos mais criticados pela comunidade.36 O movimento comunitário rejeita essa proposta e exige, mais uma vez, um processo democrático de discussão, conforme o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/ 01). Fazendo uso dos instrumentos previstos nessa Lei, a comunidade exige a realização de Audiências Públicas nas diversas regiões afetadas pelo Plano Diretor, estudo e relatório de impacto ambiental (EIA / RIMA) e estudo de impacto de vizinhança (EIV). Em 2002, sem força política suficiente, a situação é condicionada pelo iminente processo eleitoral (presidente da República, governador e representantes 33 Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM); Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da Lagoa (AMOLA); Movimento Nosso Bairro; Conselho Comunitário dá Fazenda do Rio Tavares. 34 PEREZ, Lino Fernando Bragança ET. al. 2000. Oficinas de planejamento urbano em Florianópolis. A universidade e a cidade na construção do espaço urbano. Revista Participação. Universidade de Brasília. Brasília, DF, ano 4, n. 8, dezembro, p. 55-58. 35 Roteiro do jornalista Silvio Costa Pereira e ilustrações de Guilherme Fialho. 36 Quase ao mesmo tempo, em 8 de julho de 2001, no jornal AN Capital, o presidente do IPUF Carlos Alberto Riederer reconhece os erros cometidos no processamento do Plano Diretor do Campeche e afirma que nos novos processos de planejamento procederia de modo a envolver a comunidade. Apesar disso, o órgão de planejamento se nega a rever seus procedimentos e produzir alterações substanciais no caso do Campeche.
  • 24. federais e estaduais). A maioria dos candidatos evitava desafiar uma opinião pública favorável à comunidade e a situação permanece a mesma até após as eleições37. 24 A luta comunitária pelo Campo da Aviação A luta comunitária desde 1987, encabeçada pela AMOCAM e pela Associação de Surf do Campeche, já apontava a falta gritante de espaços públicos no Campeche. Esse ponto, como já indicado, foi um dos elementos que levaram à rejeição do plano diretor proposto pelo IPUF, particularmente no que tange ao destino proposto para a histórica (e extensa) área pública do terreno conhecido como Campo de Aviação. A luta por esse Campo de Aviação é um capítulo à parte na saga da comunidade do Campeche por um desenvolvimento que conserve o meio ambiente e as tradições culturais da região. A história do Campo de Aviação e do Casarão como espaços públicos38 O Campo de Aviação abrange uma área com 352 mil m2 localizada na região central da Planície do Campeche que, apesar das marcas do tempo, ainda guarda lembranças de uma história construída ao longo do século passado, como a primeira pista de pouso de Santa Catarina. A área em questão foi, de 1927 a 1944, utilizada pela antiga Companhia Aérea Francesa Latecoère, ou “Societé Latecoère”, e posteriormente "Air France". A história do lugar mistura-se à cultura, ao coletivo e à identidade do Campeche e de Florianópolis. O campo foi comprado pelos franceses através de um morador do Rio Tavares, chamado Senem, por 10 contos de réis. A área do campo era maior do que é hoje e ia além da Avenida Pequeno Príncipe, até a rua Auroreal.39 Nela foram construídos: o hangar de estrutura metálica, o telégrafo, a popota (espécie de alojamento dos pilotos, localizada junto ao hangar e que, posteriormente, serviu para encontros e festas comunitárias) e o casarão em alvenaria, com várias dependências, para apoio às atividades do Campo de Aviação. O Casarão40 era a residência do mecânico-chefe francês e sua família. Todo o conjunto servia de apoio aos aviões franceses da rota Toulouse, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago do Chile. A implantação da pista de pouso em 1927 marcou a vida da comunidade do Campeche, entremeando a história da pesca e da lavoura com a modernidade das máquinas voadoras. Em 1926, quando Florianópolis ainda estava se acostumando com motores dos automóveis, após a inauguração da Ponte Hercílio Luz, seus habitantes foram surpreendidos com a chegada dos aviões. Os ruídos, as formas, a pista, novos moradores, os prédios de arquitetura diferente, os lampiões no alto do morro... Os pilotos do além-mar causaram impacto, principalmente na pequena comunidade do Campeche. A chegada das inusitadas máquinas voadoras rasgando os céus trouxe também novos horizontes, uma realidade quase desconhecida aos campechanos quando os pilotos franceses da Compagnie Génerale Aéropostale, entre 1927 e 1933, por aqui repousavam e reabasteciam. O morro próximo, iluminado com seus lampiões, hoje conhecido como Morro do Lampião, servia de referência ao campo para o pouso dos vôos noturnos daqueles tempos. Dentre os pilotos franceses que pousaram no Campo de Aviação e conviveram com os nativos destacam-se o piloto e escritor Antoine Saint Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”, e, também um dos heróis da aviação francesa, Jean Mermoz. Os nativos do Campeche e os franceses logo interagiram, tanto pela curiosidade com as máquinas voadoras, como também pelos homens de "calça larga" e língua "enrolada". Em suas passagens pelo Campeche, Saint Exupéry41 deixou marcas no imaginário popular e entre vôos e pousos, estabeleceu-se um convívio com alguns nativos, dentre os quais o pescador Manoel Rafael 37 Nas eleições de 2002 o bloco político no poder (na cidade e no estado) sofre um duro golpe: o governador e candidato à re-eleição, Esperidião Amim, marido da prefeita de Florianópolis, é derrotado por Luis Henrique da Silveira, aliado do presidente Luis Inácio Lula da Silva no estado. 38 A importância do Campo de Aviação do Campeche para a comunidade resultou em vários estudos acadêmicos que subsidiaram este documento. Dentre eles, destacam-se os de Kátia Regina Junckes (1995), Ana Maria Gadelha Albano Amora (1996), Vilson Groh (1998), NEVES (2000), BUENO (2000), VIDAL (2000). 39 AMORA, Op. Cit., p. 152. 40 Hoje utilizado pela Intendência do Campeche e de usucapião da família da profa. Carolina Inácia de Jesus Heerdt. 41 Há controvérsias sobre o fato de Saint Exupéry ter convivido com os campechanos, contudo assumimos aqui a versão presente no imaginário popular e também registrada em bibliografia produzida por pesquisadores nativos e acadêmicos.
  • 25. Inácio, o seu Deca42, na época com 18 anos. Do piloto existe uma única referência a Florianópolis – “escala Florianópolis”, relacionada em sua obra “Vôo Noturno” (na pág. 64, Ed. Nova Fronteira). Com o início da 2º Guerra Mundial, o serviço aéreo postal francês foi interrompido e os pilotos foram convocados para esforço de guerra. Saint Exupéry não mais freqüentou o Campeche e passou a pilotar aviões militares quando, em 31 de julho de 1944, em uma missão de patrulha no sul da França, sobre o mar Mediterrâneo, não mais retornou. O patrimônio da Societé Latecoère passa à Air France, que paralisa as atividades aéreas na pista do Campeche em função da 2º Guerra Mundial na França. Em 1944, um ano antes do fim da guerra, o governo brasileiro, através do Decreto Federal n°6.870 de 14/9/1944, desapropria a área do Campo de Aviação do Campeche e suas benfeitorias (a pista, o hangar metálico, a popota e o casarão/estação de passageiros). A área passa à União e a empresa Air France é indenizada seis anos depois.43 O campo passa a ser o primeiro aeroporto de Florianópolis, usado comercialmente pela empresa Panair. Com o início do funcionamento do Aeroporto Hercílio Luz, no bairro Carianos, a pista do Campeche é desativada. O hangar metálico, antes localizado onde hoje é a Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, é transferido para o novo aeroporto. Todas as construções do campo passam por transformações. A popota que servia à administração do hangar e alojamento passou a ser uma casa de festas da comunidade local e, aos poucos, foi se deteriorando: telhas e tijolos foram roubados até o desaparecimento da construção. Já em 1957, o Casarão ou Estação de Passageiros passa a sediar a escola primária municipal. Com grande número de cômodos, em 1958 o lugar acolheu flagelados de uma chuva de granizo e, noutra ocasião, parte da construção foi residência provisória de duas famílias sem teto. Por último, alguns cômodos da casa serviram de moradia à família da primeira professora da escola, Carolina Inácia de Jesus Heerdt, cujos descendentes, mesmo após o seu falecimento, habitam o local até hoje. Em 1966 o Casarão também abrigou o grupo de jovens e adultos, o posto de saúde e assistência social e, em 1983, o Conselho Comunitário. Na realidade, o posto de saúde e assistência fazia um trabalho de extensão de projetos da Universidade Federal de Santa Catarina, que agregava professores e alunos daquela instituição, principalmente do curso de medicina na formação e participação dos jovens locais em trabalhos de erradicação da verminose, comum na época pela falta de higiene e saneamento básico. O posto de saúde iniciou e orientou a formação dos jovens campechanos denominados “Juventude Alegre”, na construção das primeiras fossas sépticas44. Ainda em 1966, a LBA também desenvolveu ali um projeto com o grupo “Juventude Alegre”, criando uma pequena fábrica de colchões de crina (palha de butiá e capim colchão) como geradora de emprego e renda; entretanto a fabriqueta foi desativada em 1968, após um acidente com o transporte de palha. Quanto ao Conselho Comunitário é importante dizer que ficou muitos anos nas mãos do mesmo grupo, com fortes vínculos com a prefeitura, perdendo sua qualidade “comunitária” na medida em que se tratava de uma entidade “quase-oficial”, veículo de trocas e favores com o governo municipal. No início dos anos 1990, o local abrigou uma delegacia de polícia, um posto da TELESC, e algumas salas abrigavam o Grupo de Mães do Campeche, que tinha entre suas atividades, a recuperação de cantigas e lendas da região: dançavam e cantavam a Ratoeira, representavam histórias e lendas e cantavam músicas da Farinhada. A partir daí, a história do campo e do casarão tomam rumos distintos que por vezes se cruzam em interesses comuns: um, desenhado pelo governo federal a partir de leis que valorizam o solo; outro do governo municipal e de cunho assistencialista – ambos indiferentes ao valor histórico e cultural do espaço. Por último, o projeto desenhado pela comunidade, que propõe o uso da área como espaço de lazer e busca formalizar esse uso de preservação da história através de documentos e solicitações às instâncias governamentais. Em 1973, durante o Governo do general Emílio Garrastazu Médici, em plena ditadura militar foi aprovada a Lei Federal nº 5.972 que definia o procedimento de regularização de terras da União e 42 INÁCIO, Getúlio Manoel, “Deca e Zé Perri”. Florianópolis: M&M Buss Assessoria Gráfica Digital, 2001. 43 A indenização foi de Cr$ 269.614,70, valores de 02/02/1951. 44 Informações pelo morador e ex-vereador Lázaro Bregue Daniel, em entrevistas nos dias 12 de fevereiro e 21 de maio de 2007. 25
  • 26. autorizava os Ministério da Aeronáutica e Marinha a venderem ou permutarem imóveis sob sua administração. 45 Em 1975, o Ministério da Aeronáutica inicia na Delegacia do Patrimônio da União – DPU – o processo de regularização dos imóveis sob sua responsabilidade, entre os quais o Campo de Aviação do Campeche. 46 Em 1980, o presidente João Baptista Figueiredo assina o Decreto que autoriza o registro e o 26 Campo de Aviação passa a ser administrado, oficialmente, pela Aeronáutica. Em 1983, o montepio da família dos militares tenta construir no campo um condomínio de casas militares – “Vila Militar” –, projeto que não foi adiante porque o terreno era da união e não permitia usos particulares. Em 1987, a Sociedade Amigos do Campeche e a Aeronáutica assinam a cessão de uso do Campo para difusão de cultura e realização de reuniões de caráter sócio-cultural. Nesse mesmo ano, em junho, a Associação de Surf do Campeche, a partir do já citado seminário “Discutindo o Campeche”, envia ao prefeito Edson Andrino a solicitação de repasse da área da aeronáutica para a comunidade, criação de um Centro de Esporte e Lazer e atividades comunitárias. A recém-criada AMOCAM entra na luta pela preservação e uso do Campo de Aviação, e também envia documento com um abaixo-assinado ao prefeito Edson Andrino, reivindicando, entre outras coisas, além da criação do Parque da Lagoa da Chica, o tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis47 , como já mencionado anteriormente. Em 1991, a mobilização do Campeche contra a venda do terreno pela Aeronáutica resultou na união de várias entidades locais: União das Associações Comunitárias Eclesiásticas e Desportivas do Campeche – UNACAMP. Dela faziam parte o Conselho Comunitário do Campeche, a AMOCAM, a SAC - Sociedade dos Amigos do Campeche, a ARCEU - Associação Recreativa, Cultural e Desportiva Unidos, a Associação de Pais e Professores (APP) da Escola Básica Brigadeiro Eduardo Gomes, a APP da Escola Januária Teixeira da Rocha, Conselho Econômico e Administrativo da Capela São Sebastião (CAEP). A UNACAMP reiniciou o movimento pela garantia do uso público da área do Campo de Aviação e enviou apelo ao então Presidente da República, Fernando Collor, para a preservação da área e a cessão do terreno para administração pelo Município. Cópias dessa carta foram enviadas para os parlamentares federais representantes do estado de Santa Catarina48. Nesse mesmo ano foi inaugurado um marco na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a Rua da Capela, em homenagem à primeira pista de pouso de Santa Catarina. O marco simbólico é uma base de cimento e uma grande pedra contendo duas placas: numa delas, o desenho da ponte Hercílio Luz se sobrepõe a outro desenho: uma pista de pouso e uma torre de 33 metros com a inscrição: PRF Air France, e o seguinte registro: "Campeche 1927, Homenagem aos Pioneiros da Aviação". Na outra placa o seguinte registro: “Este local foi palco dos primeiros pousos e decolagens dos precursores da aviação. Vindos do além-mar em suas primitivas máquinas voadoras, por aqui passaram os pioneiros do ar, Antoine de Saint-Exupèry, Jean Mermoz e Henry Guillaumet, fazendo a ligação entre a Europa e a América do Sul. A Associação dos Amigos da Base Aérea de Florianópolis – AABAF, como testemunha histórico-cultural, ergue este marco em homenagem aos primórdios da aviação da Ilha de Santa Catarina, a reverenciar permanentemente os bravos aviadores de ontem, hoje e de sempre". O marco surgiu de um acordo entre a AABAF e a sociedade organizada do Campeche em um projeto conhecido como “Tradição”, que visava à preservação da história e à conservação daquele espaço. No evento inaugural estiveram presentes autoridades civis e militares, dentre as quais o Comandante do 5º Comando Aéreo Regional e Anésia Pinheiro Machado, com 90 anos, a primeira aviadora brasileira. A comunidade foi convidada para as atividades de lazer e para assistir à apresentação de aviões e pára-quedismo, exposição de monomotores e giroscópio. Em 28 de julho de 1994, o Estado Maior das Forças Armadas – EMFA - envia ofício ao DPU, informando do "Plano de Alienação de Imóveis" e autorizando a venda do terreno do Campeche. A primeira avaliação da área é concluída em 9 de setembro de 1994, estipulando o valor do campo em 45 Amora, Op. Cit. 46 Delegacia do Patrimônio da União - DPU/Florianópolis, Santa Catarina. Processo nº. 10.80131435-61. 47 Amora, Op. cit. 48 Amora. Op. Cit..
  • 27. R$ 1.645.225,00. Esse procedimento não teve continuidade. Em 11 de novembro de 1999, o terreno do Campo de Aviação, anteriormente registrado no Cartório de Registro de Imóveis com a matrícula n° 7.216, foi desmembrado em quatro registros distintos. Com isto, o receio da comunidade era de que o terreno fosse vendido em pedaços, considerando que os dois maiores lotes, que correspondem a cerca de 88% da área total, foram avaliados pela Caixa Econômica, naquela época, em R$ 19 milhões. Uma das partes, que correspondia ao local onde se encontram a Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, o Núcleo de Educação Infantil, o Posto de Saúde e o Casarão, que já vinha sendo usada pelo município, foi cedida à Prefeitura de Florianópolis. Já em abril de 2000, a Câmara Municipal de Florianópolis aprovou requerimento Nº 078, de autoria do Vereador Lázaro Bregue Daniel, solicitando ao Comandante da Base Aérea de Florianópolis, autorização para alargar a rua Cata-Vento no limite norte do Campo de Aviação. Somente em 2001 um ofício do 5° Comando Aéreo Regional informa que, em decorrência da alienação do terreno, "se torna impossível ceder parte dessas áreas, em vistas dos interesses do Comando". Por outro lado, o Casarão – localizado na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a Avenida Campeche – que fora cedido pela Aeronáutica à Prefeitura desde 1989, com uma longa historia de uso social, foi aos poucos perdendo essa característica pelos desmandos e relaxamentos de políticos na administração do município. Atualmente abriga a Intendência do Campeche, duas salas servem para a reunião de um grupo de idosos que ali guarda seus pertences, e parte da estrutura ainda serve de moradia à família da falecida professora. As inúmeras reivindicações comunitárias e pedidos de tombamento do antigo Casarão como patrimônio histórico e cultural de Florianópolis jamais tiveram eco. Desde o Orçamento Participativo, em 1993, 95 e 96, foram grandes os esforços comunitários no sentido de viabilizar a sua recuperação , para criação de um centro cultural e social.49 Em 1997, durante o I Seminário Comunitário de Planejamento realizado no bairro, entre outras reivindicações foi encaminhado o pedido de seu tombamento e uso social. Apesar do acúmulo de história e quantidade de áreas públicas, o Campeche sempre foi carente de espaços sociais e culturais. Ainda em 1997, um documento foi enviado à Fundação Franklin Cascaes (órgão municipal então pelo Casarão), à Câmara de Vereadores e à então prefeita de Florianópolis pedindo o seu uso para atividades sócio-comunitárias (reuniões de entidades do bairro). A resposta do município eximia a Fundação de 27 responsabilidade sobre o imóvel. Quando em 2000, o mundo celebrou o centenário de nascimento de Saint Exupéry, Florianópolis, orgulhosa, comemorou. No Campeche ocorreram duas comemorações: uma organizada pela prefeitura municipal (29 de julho) e o Festival Zé Perry, organizado pela comunidade que, sentindo-se excluída dos festejos oficiais, decidiu promover atividades culturais e de lazer durante todo o dia 30 de julho. Esse evento serviu também para protestar contra o Plano Diretor do IPUF que previa, no Campo de Aviação, a construção de um centro administrativo, um terminal rodoviário, um centro de convenções e uma pequena área verde de lazer, sem jamais considerar os pedidos comunitários no seu planejamento. O Movimento Campeche Qualidade de Vida expôs o Plano Diretor Comunitário aos participantes do evento dando destaque ao planejamento do Campo cuja definição como área verde de lazer e área comunitária institucional visava suprir a carência de espaços públicos do bairro. Aquele espaço de mais 300 mil m2 abrigaria um centro de convívio sócio-cultural com biblioteca, vídeoteca, museu, teatro, concha acústica, espaços esportivos, culturais, serviços públicos (correio e agencia bancária), rua das artes entre outros equipamentos urbanos voltados para a integração e convívio comunitário. Seu tombamento era reivindicado também como sítio histórico, para assegurar a livre circulação e promoção da memória cultural da Ilha e do Campeche em especial. Porém, tombar um bem patrimonial com tanto interesse econômico dependeria do empenho de vários órgãos públicos entre os quais o IPUF, IPHAN, Fundação Catarinense de Cultura, Secretaria de Patrimônio da União, Câmara de Vereadores, deputados e, principalmente, do interesse dos governantes que na realidade nunca estabeleceram de livre e espontânea vontade nenhuma manifestação, exceto em épocas de eleição, para esquecerem logo em seguida. 49 AMORA, Op. Cit.
  • 28. Em 2002, quando foi novamente aventada a possível venda do imóvel pelo 5º Comando Aéreo sediado em Canoas (RS), a comunidade entrou com duas representações no Ministério Público Federal,50 uma denunciando a intenção de venda e a outra o desmatamento e comercialização de areia pela Intendência do município; afinal, tratava-se de um bem público da União e de direito da coletividade de Florianópolis, em especial da Planície do Campeche. A representação, subscrita por 18 entidades locais, questionava a indiferença do Ministério da Aeronáutica, da DPU (Delegacia de Patrimônio da União) e da SPU (Secretaria de Patrimônio da União) com o patrimônio histórico e público que o campo representava, como também o desrespeito aos interesses da coletividade local. Ainda em 2002, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, novos documentos solicitando o tombamento e o uso público do campo foram enviados: à Presidência da República, ao Ministério da Aeronáutica, ao 5° COMAR, à Base Aérea de Florianópolis, ao governador Esperidião Amin e a vários parlamentares de Santa Catarina. Dele resultou uma carta do deputado federal An tônio Carlos Konder Reis, ao Ministério da Aeronáutica, pedindo atenção aos desejos da comunidade e ao patrimônio histórico do campo. Também foi realizada uma audiência pública na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, por iniciativa do Deputado Estadual Afrânio Boppre com a presença do Cel. Eduardo Sebastião de Paiva Vidual, comandante da BASF, e representantes do estado de Santa Catarina. Novos documentos foram elaborados e levados aos políticos locais, sem retorno para a comunidade. Em 2003, quando assume a Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, houve grande expectativa da comunidade sobre a conquista desse espaço como área pública de lazer, principalmente, por ser um momento em que haviam sido eleitos um deputado estadual e uma senadora, assíduos freqüentadores das assembléias comunitárias, das festas no Campo de Aviação, sendo signatários dos diversos pedidos de tombamento. Em março de 2003, o Movimento Campeche Qualidade de Vida, a AMOCAM e o conjunto do movimento comunitário convocam uma assembléia popular na qual mais de 200 moradores receberam a Diretora da Secretaria de Patrimônio da União (Alexandra Reschke), a convite do deputado federal Mauro Passos. Participaram o novo comandante da Base Aérea, Cel. Marcos Antonio Pereira, e políticos locais. Os convidados ouviram toda a história de luta pelo Campo de Aviação e pelo Casarão, apresentada pela comunidade e expressaram a solidariedade com a luta local. A assembléia encaminhou a formação de uma comissão que coordenaria os trabalhos em torno do Campo de Aviação (Figura nº 18 SPU). Ao mesmo tempo, em resposta aos Processos Administrativos contra a venda, desmatamento e comercialização de areia do campo de aviação pela intendência local, o Ministério Público propõe ao comando da Base Aérea e à sociedade civil organizada do Campeche um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC (Material de referência nº 20). Formou-se uma comissão de 22 entidades da Planície do Campeche, em conjunto com o comando da Base Aérea que novamente buscou parlamentares catarinenses, desta vez na tentativa de viabilizar recursos (dez milhões de reais) através de uma emenda parlamentar para a construção de um hospital, um restaurante e um hotel na Base Aérea. Isso possibilitaria a permuta da área e um ajuste de conduta com o Ministério Público para o uso sócio-comunitário do Campo. Apesar da disposição e empenho da comunidade e do comandante da Base Aérea, o processo encontra-se paralisado e dependendo do apoio dos parlamentares que jamais se manifestaram no sentido de atender aquelas reivindicações, resultando na caducidade do referido TAC em 2005. Um documento encaminhado em 2003 a Gerencia de Patrimônio da União – GPU, assinado por 1800 pessoas também não conseguiu a repercussão esperada. Em 2004, o MCQV, a AMOCAM, a Rádio Campeche, o Instituto Sócio-Ambiental Campeche e a APP da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes encaminharam novos pedidos para a Prefeitura Municipal de Florianópolis, e Gerência Regional de Patrimônio da União – GRPU – reiterando as reivindicações de tombamento e uso do espaço do Casarão e Campo de Aviação para as atividades sócio-comunitárias, dentre as quais a sede da Rádio Comunitária do Campeche, biblioteca e videoteca públicas, sala para atividades educativas e de formação em informática e artesanato, além de uma sala para informação sobre plano diretor. No dia 20 de maio de 2005, o IPUF encaminhou um documento à Gerência de Patrimônio da União manifestando que o processo estava paralisado e que o Casarão estava sob a guarda da Secretaria de Obras Públicas. No dia 30 de maio, no evento “Prefeitura nas Comunidades”, foram 28 50 Ministério Público Federal, Procedimentos Administrativos 1841 e 1842. Florianópolis, 2002.
  • 29. encaminhados novos documentos ao Prefeito Dário Berger. As mesmas solicitações foram reiteradas na 2ª Conferência da Cidade, em 29 e 30 de julho. Contudo, nada mudou; a Intendência e particulares continuam usufruindo exclusivamente do espaço, dificultando o acesso público enquanto a carência de áreas de lazer no Campeche é notória, e são muitas as crianças e adolescentes nas ruas sem espaço para atividades sociais, culturais e oficinas educativas. (Figuras nº 21). Os fatos e encaminhamentos descritos acima testemunham o quanto, por diversas ocasiões, desde meados de 1980, os moradores se mobilizaram para a defesa do Campo como área pública. Além disso, recolheram assinaturas pela sua preservação para uso esportivo e recreativo e realizaram atividades culturais e educativas, num gesto simbólico de apropriação do local como um bem imaterial (Figuras nº 13 e 14), e foram várias as tentativas de uso do prédio do Casarão e do Campo de Aviação pela comunidade como ponto de encontro comunitário. Esses espaços, o Campo de Aviação e o Casarão, fazem parte da história local, são continuamente reivindicados para o uso coletivo da sociedade civil organizada do Campeche através de moções em conferências municipais51 ou em manifestações como assembléias, encontros, festas populares, jornais comunitários, cartas e ofícios às autoridades municipais, estaduais e federais. Esse conjunto de iniciativas conduziu a um novo momento de luta, cujo desfecho, ainda incompleto, implica em outras definições relacionadas ao cumprimento, pelos municípios, do Estatuto da Cidade, que exige a elaboração ou revisão dos planos diretores regionais. A definição do destino dessa área, portanto, está relacionada ao processo iniciado em Florianópolis em julho de 2006, com a criação do Conselho Popular da Planície do Campeche e, posteriormente, Núcleo Distrital do Plano Diretor Participativo de Florianópolis. Atender ao Estatuto da Cidade significa atender à sociedade, à coletividade, à melhoria da qualidade de vida da população, solucionando as deficiências e necessidades locais, valorizando a natureza, a história e as potencialidades locais como trunfo do desenvolvimento sustentável. Com a participação efetiva, a comunidade do Campeche se mantém alerta sobre os destinos da área, denunciando a intenção de venda e o desmatamento e comercialização de areia ao Ministério Público em 2002, assim como toda e qualquer alteração de uso dessa área pública da União.52 Nestas últimas décadas, a preservação do patrimônio cultural tem gerado discussões e se destaca sua vinculação à construção da cidadania. Evidencia-se a necessidade de uma política de preservação cultural, que não leve em conta apenas exemplares da história da alta sociedade ou do patrimônio institucional, mas que preserve a identidade da comunidade, seus locais amplos e culturalmente variados, evitando que a cidade se transforme num local estranho e hostil ao cidadão. A idéia de progresso e modernidade tem sistematicamente destruído as marcas do passado. É preciso, dos órgãos de planejamento, uma visão responsável, conhecimento e vontade política para planejar a cidade considerando a história, a memória social e a identidade cultural dos seus habitantes. Assim, é de importância fundamental a preservação de bens culturais e a memória dos lugares no planejamento do espaço urbano, direcionando as políticas dos órgãos públicos no sentido de valorizar a memória dos seus habitantes pelo “significado de luta social que ela possui". Isso inclui preservar o patrimônio urbano para uma convivência equilibrada entre o “antigo” e o “novo”, em que o cidadão não seja excluído do seu próprio meio, da sua própria historia. Daí a necessidade de que a política de preservação do patrimônio cultural ultrapasse os limites técnicos ou critérios e conceitos operacionais, e que caminhe na direção da politização do tema53 mantendo viva a identidade cultural e social dos habitantes da cidade. O Campo de Pouso e o Casarão são partes da identidade cultural e social das comunidades que vivem na Planície do Campeche. A região tem em ambos, os vínculos com a história que os relaciona à chegada e trabalho dos franceses, ainda que por curto tempo, no local. Esta ligação se expressou através de leis que denominaram ruas e avenidas com este tema, como a Lei Municipal nº 3.024, de 18/10/1988, que denomina Avenida Pequeno Príncipe, a mais importante via de acesso do 51 Moções encaminhadas na 1a e 2a Conferências Municipal e Nacional das Cidades, solicitando que o campo de aviação, patrimônio histórico-cultural de Florianópolis, seja transformado em “Parque Municipal sócio-cultural” a ser administrado pelo município. 52 Ministério Público Federal, Op Cit. 53 MAGALDI, C. - O Direito à Memória - Patrimônio Histórico e Cidadania, Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura Municipal de São Paulo, 199. Congresso Internacional "Patrimônio Histórico e Cidadania 29