1) Paulo usa sua compreensão das profecias de Daniel para corrigir uma expectativa prematura na igreja de Tessalônica de que o dia do Senhor estava iminente.
2) Paulo argumenta que antes da segunda vinda de Cristo deve ocorrer a revelação pública de um homem pecaminoso e a apostasia dentro da igreja.
3) Tanto o discurso profético de Jesus como o esboço apocalíptico de Paulo se baseiam nas profecias de Daniel e descrevem eventos similares antes do fim dos tempos.
1. A COMPREENSÃO DE PAULO DAS PROFECIAS
DE DANIEL
O esboço apocalíptico da história da igreja que Paulo apresenta em
2 Tessalonicenses 2 cumpre um propósito similar ao que cumpre Mateus
24 (e paralelos) nos Evangelhos. Não há uma predição mais explícita a
respeito da era da igreja no Novo Testamento. É estranho, mas a maioria
dos comentadores entende que este capítulo é uma passagem escura nos
escritos paulinos.
Em geral se reconhece que o apóstolo em 2 Tessalonicenses 2 tem
como propósito dar conselho pastoral para seus dias, a mesma finalidade
que teve Cristo ao pronunciar seu discurso profético. Por conseguinte,
devemos supor que as frases que Paulo usa aqui não eram desconhecidas
para os leitores cristãos a quem dirigiu sua carta ao redor de 50 d.C.
Muitos acreditam que a segunda epístola do apóstolo aos
Tessalonicenses foi escrita para rebater um mal-entendido que tiveram
alguns membros da igreja com sua primeira carta: que o dia do Senhor
viria em forma repentina "como ladrão de noite" (1 Tes. 5:2, 4), e que
Paulo e outros poderiam estar "ainda vivos" quando retornasse o Senhor
(4:15).
Evidentemente, alguns tinham suposto que o dia do Senhor "já tinha
chegado" ou que ia acontecer em qualquer momento (2 Tes. 2:2). Esta
idéia injustificada de uma expectativa iminente tinha levado alguns
membros a converter-se em ociosos ou a entusiasmar-se e desordenar-se
excessivamente (2 Tes. 3:6-15).
Paulo trata de corrigir o engano desta expectativa – que o dia do
Senhor podia ocorrer em qualquer momento –, e deduz seu argumento
do esboço apocalíptico do Daniel. Na opinião de Paulo, para fazer frente
ao engano de uma esperança desencaminhada era essencial conhecer a
ordem consecutiva de dois acontecimentos fundamentais na história da
igreja, e esses dois eventos proféticos, em ordem cronológica, são: a
vinda do anticristo e a vinda de Cristo. Primeiro, "a apostasia" [e
2. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 2
apostasia] deve manifestar-se no "homem de iniqüidade" [o ánthropos
tes anomias] até "sentar-se ele mesmo no templo de Deus" [éis ton naón
tou theú kathísai], acompanhado por "sinais e prodígios de mentira" (2
Tes. 2:3, 4, 9, JS). Só então o Senhor se revelará e destruirá o iníquo (2
Tes. 2:8).
A advertência de Paulo se enfoca no surgimento da apostasia dentro
do templo de Deus durante a era da igreja, quer dizer, dentro da igreja
como uma instituição (ver 2 Cor. 6:16-18; 1 Cor. 3:16; Ef. 2:19-21). Seu
ponto de vista é que esta apostasia vindoura, profetizada por Daniel, não
se tinha desenvolvido como um fenômeno público na igreja apostólica,
mesmo que o mistério da iniqüidade "estava já em ação" (2 Tes. 2:7).
Por conseguinte, o dia do Senhor não podia ter chegado nem podia
esperar-se no futuro imediato.
Paulo empregou seu conhecimento apocalíptico sobre o futuro da
história da igreja para corrigir um apocalipticismo extremo na igreja
apostólica. O uso que o apóstolo fez do livro de Daniel como a fonte de
seu esboço profético de história da igreja, faz que 2 Tessalonicenses 2
seja outro elo indispensável entre os livros de Daniel e Apocalipse.
O Enfoque Contínuo-Histórico em Daniel
Daniel profetiza o reinado de 4 impérios mundiais sucessivos em
duas ocasiões (caps. 2 e 7). O anjo interpretador os identifica como
Babilônia, Medo-pérsia e Grécia (ver Dan. 2:38; 8:20, 21), e aponta
Roma em Daniel 9:26 e 27. O ponto crítico na visão de Daniel, que
necessita que se preste cuidadosa atenção, é a revelação de que a quarta
besta (ou império) tem 10 chifres, dentre os quais surge lentamente um
décimo primeiro "chifre pequeno" para converter-se no anticristo. O anjo
interpretador explica isto de uma maneira mais precisa:
"Os dez chifres correspondem a dez reis que se levantarão daquele
mesmo reino; e, depois deles, se levantará outro, o qual será diferente dos
primeiros, e abaterá a três reis. Proferirá palavras contra o Altíssimo,
3. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 3
magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os
santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade
de um tempo. Mas, depois, se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio,
para o destruir e o consumir até ao fim tempo, e tempos, e meio tempo"
(Dan. 7:24-26).
O anjo não diz que o 4° império (Roma) estaria regido por 10 reis
contemporâneos, porque isso estaria contra a história de Roma. Antes, a
declaração do anjo é que "deste" império mundial sairiam 10 reis que
reinariam em forma contemporânea. Esta ordem de eventos, a
substituição do Império Romano pelos reinos divididos da Europa,
também foi profetizado pelo sonho da estátua de Nabucodonosor: "O que
viste dos pés e os dedos, em parte de barro cozido de oleiro e em parte de
ferro, será um reino dividido" (Dan. 2:41).
Os reino dos 10 reis substituíram gradualmente o Império Romano e
durarão até que o reino da glória os substitua no dia do juízo (Dan. 2:44,
45; 7:26, 27). Dessa forma, Daniel 2 e 7 incluem todo o espectro da
infeliz Idade Média dentro de sua esfera profética. Ignorar esse intervalo
de tempo de tantos séculos na perspectiva profética de Daniel é o
descuido fundamental de dois sistemas dogmáticos de interpretação: o
preterismo e o futurismo. Ambas as escolas de interpretação criam um
intervalo injustificado de mais de 1.500 anos na história profética de
Daniel, como se a Idade Média, caracterizada pelo surgimento do reino
papal entre os dez reis da Europa, não fora pertinente na perspectiva que
Deus tem da história. Os símbolos do Daniel devem interpretar-se em
harmonia com a história, em particular com a história eclesiástica. A
profecia fica confirmada por seu cumprimento (João 14:29).
Em seu discurso profético, Cristo aparentemente tomou a futura
história da igreja com uma seriedade inconfundível. É essencial para a
escatologia cristã reconhecer que Cristo interpretou a destruição de
Jerusalém por parte dos exércitos romanos como o cumprimento das
profecias do Daniel (ver Mat. 24:15; Luc. 21:20-24). Isto confirma a
opinião que diz que a quarta besta de Daniel 7 representa a Roma
imperial (cf. Dan. 9:26, 27). O ponto decisivo é que Cristo tomou o
4. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 4
esboço profético de Daniel como a pauta para seu próprio panorama do
futuro, e depois identificou uma certa característica profética em Daniel
como cumprindo-se em sua própria geração.
Este método de interpretar o esboço apocalíptico do Daniel também
foi seguido pelo apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 2, essa vez para
demonstrar que o dia do Senhor não era algo iminente. Como resultado,
o esboço de Paulo e o discurso de Cristo têm paralelos notáveis em suas
aplicações históricas.
Paralelos Entre os Esboços Apocalípticos de Jesus e Paulo
Muitos se deram conta de que o esboço profético de Paulo em 2
Tessalonicenses exibe um paralelo estrutural notável com o discurso de
Jesus no monte das Oliveiras. Ambos os esboços apocalípticos contêm
termos idênticos e similares, tais como o advento, o dia do Senhor, a
reunião dos santos, o engano do anticristo, e sinais e milagres. Inclusive
alguns comentadores inferiram que o discurso profético de Cristo foi a
fonte primária do ensino do Paulo (cf. 1 Tes. 4:15). Estabeleceu-se uma
semelhança muito surpreendente de expressões entre esses dois
capítulos. Portanto, podem-se estudar ambos os esboços apocalípticos
juntos com muito proveito. Ao mesmo tempo, precisamos compreender
que tanto Jesus como Paulo fundamentam seu panorama do futuro sobre
o esboço apocalíptico de Daniel. E cada um tem o propósito de aplicar o
ponto de vista de Daniel da história contínua da salvação a sua época
contemporânea. Esta fonte daniélica comum explica por que Jesus e
Paulo usam frases e esboços similares.
Como já observamos antes, Paulo insiste com os Tessalonicenses a
não ser enganados ao acreditar que o dia do Senhor já veio. Seu
argumento principal é que "a rebelião" representada pelo "homem de
iniqüidade" ainda não se revelou publicamente no cenário da história (2
Tes. 2:3). Do mesmo modo, Jesus indicou que durante a era da igreja,
"muitos se desviariam da fé" (literalmente, "tropeçarão") e se
5. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 5
entregariam e aborreceriam uns aos outros, e se levantariam muitos
falsos profetas e enganariam a muitos (Mat. 24:10, 11 ). Até o próprio
fim, insistiu Cristo, "se levantarão falsos Cristos e falsos profetas, e farão
grandes sinais e prodígios, de tal maneira que enganarão, se for possível,
até os escolhidos" (Mat. 24:24). Parece que, de acordo com Jesus, os
Messias falsos são os que afirmariam ser Cristo em sua segunda vinda; e
os falsos profetas são os que falsamente afirmam falar em nome de
Cristo.
Jesus começou seu discurso profético com a advertência: "Vede que
ninguém vos engane" (Mat. 24:4). Paulo adota o mesmo começo:
"Ninguém vos engane de maneira nenhuma" (2 Tes. 2:3). Com seus
esboços proféticos, ambos tratam de esfriar uma expectativa prematura e
exagerada da volta de Cristo. Cada um enfatiza que se desenvolverá uma
apostasia horrível, o que precipita e faz necessário a execução do juízo
da vinda de Cristo.
Cristo descreve a natureza da apostasia vindoura como "a
abominação da desolação... instalada no lugar santo" (Mat. 24:15, BJ),
uma alusão evidente à profanação blasfema do templo que se prediz em
Daniel 8 e 9. Paulo personifica a apostasia religiosa em "o homem do
pecado", que se faz passar por Deus, um ser humano blasfemo que é "o
filho de perdição" (2 Tes. 2:3, JS). Paulo também localiza a apostasia
vindoura no templo de Deus: "O qual se opõe e se levanta contra tudo
que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no
templo de Deus, fazendo-se passar por Deus" (2 Tes. 2:4).
Esta harmonia de Jesus e Paulo com respeito ao lugar onde se
encontra a apostasia – no templo de Deus – está enraizada diretamente
no apocalipse de Daniel. Em particular, o anjo interpretador resumiu a
visão do Daniel 8 como "a visão do contínuo sacrifício, e a prevaricação
[pesha'] assoladora" (Dan. 8:13). A explicação adicional do anjo é
importante:
"Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e
tirarão o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora. Aos
6. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 6
violadores da aliança, ele, com lisonjas, perverterá, mas o povo que conhece
ao seu Deus se tornará forte e ativo" (Dan. 11:31, 32).
Parece evidente que Daniel é a fonte para o ensino do Novo
Testamento de que um anticristo blasfemo apareceria durante a era da
igreja. Tanto Cristo como Paulo mencionam que este apóstata sacrílego
estaria acompanhado com "sinais e prodígios". Cristo conecta estes com
"falsos cristos e falsos profetas" (Mat. 24:24); Paulo os associa com o
advento do "iníquo", a quem descreve como o anticristo escatológico (2
Tes. 2:9).
Sobre a base deste paralelismo global, muitos chegaram à conclusão
de que o ensino apocalíptico de Paulo em 2 Tessalonicenses 2:1-12,
tanto em sua estrutura como em sua teologia, é paralela ao discurso
profético de Cristo (Mat. 24; Mar. 13; Luc. 21). Ambos se iluminam
mutuamente. Portanto, a conclusão principal é que "a abominação
desoladora" no lugar santo da profecia de Cristo, e o anticristo pessoal
sentado no templo de Deus na profecia do Paulo, são o mesmo
fenômeno. Pode-se dizer que enquanto Mateus se centra sobre o futuro
sacrilégio do templo de Deus, Paulo põe a ênfase no perpetrador do
sacrilégio. Entretanto, o Evangelho de Marcos já tinha indicado que o
sacrilégio escatológico seria perpetrado por um anticristo pessoal, ereto
[hestekóta] "onde não deve" (Mar. 13:14), ou "usurpando um lugar que
não é dele" (NBE).
A Ênfase de Paulo Sobre a Apostasia Religiosa
É digno de atenção que a frase de Paulo "hei apostasia" (2 Tes.
2:3), traduzido como "apostasia" em quase todas as versões brasileiras
(RA, RC; BJ; NVI; e como "revolta" na versão BLH), sempre significa
uma rebelião religiosa tanto no Antigo Testamento como no Novo, quer
dizer, um esquecimento do Senhor e de sua verdade (cf. Jos. 22:22; 2
7. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 7
*
Crôn. 29:19; Jer. 2:19; At. 21:21). Esta rebelião é mais que uma
transgressão fortuita da lei divina. Esta "iniqüidade" [anomia] representa
uma rebelião fundamental e sustentada contra Deus. Embora já estava
ativa em uma forma oculta no tempo do Paulo, a apostasia se
desenvolveria finalmente em uma rebelião mundial, uma forma
idolátrica de adoração que desafiaria a autoridade da Palavra de Deus.
O apóstolo não insinua que está revelando alguma verdade nova e
assombrosa. Paulo recorda a seus leitores o fato de que já lhes ensinou
este segredo apocalíptico enquanto ainda estava com eles (2 Tes. 2:5). A
instrução de Paulo aos novos conversos ao cristianismo incluiu
aparentemente os pontos essenciais do discurso profético de Cristo e do
anticristo de Daniel (cf. At. 20:27-30; 1 Tim. 4:1, 2; 2 Tim. 3:1-5). Paulo
não recorda aos Tessalonicenses de uma apostasia geral vindoura, a não
ser especificamente de "a rebelião" que estava descrita em forma tão
dramática como a falsificação do Messias no livro de Daniel.
Para entender o apóstolo devemos compreender que "o homem da
iniqüidade" que se opõe a todo deus – quem por exaltar-se a si mesmo no
templo de Deus está condenado à destruição (2 Tes. 2:3, 4) – é a
descrição condensada de Paulo do anticristo que se faz passar por Deus
em Daniel 7 a 11 (especificamente em 7:25, 26; 8:11-13; 11 :31, 36-39,
45).
A natureza essencial do anticristo de Daniel é sua vontade
jactanciosa de "mudar" a lei de Deus e os tempos sagrados (Dan. 7:25), e
trocar a adoração redentora no templo de Deus por seu próprio culto
idólatra de adoração (Dan. 8:11-13, 25). Portanto, a perspectiva de
Daniel representa uma apostasia dupla: uma, da lei divina (Dan. 7) e
outra, do evangelho e o santuário (Dan. 8). É decisivo compreender que
o objetivo do mal não é estabelecer o ateísmo, e sim impor uma religião
falsificada com um sistema falso de adoração e salvação.
*
Nota do Tradutor: O autor cita a tradução desta palavra em várias versões inglesas: na New King
James Version (NKJV) como "perder a fé, apostatar" ; na New American Standard Bible (NASB)
como "a apostasia" ; na New International Version (NIV) como "a rebelião".
8. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 8
Paulo destaca a natureza religiosa do anticristo que virá, quem
tratará de autenticar seu culto idolátrico por meio de sinais e milagres
sobrenaturais (2 Tes. 2:4, 9). O anticristo se sentará solenemente no
templo de Deus com uma obsessão compulsiva para demandar
autoridade divina e usurpar as prerrogativas que pertencem só a Cristo.
Por este engano, forçará todos os homens a aceitá-lo como o Messias e o
Senhor.
Como Paulo Emprega a Frase "o Templo de Deus"
O apóstolo nunca emprega o termo grego naós (templo) para o
edifício do templo em Jerusalém. Visto que Paulo cria que Deus já não
morava mais no velho santuário, a não ser entre a comunidade dos
cristãos, considerou a igreja de Deus como o novo templo de Deus:
"Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus
habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá;
porque o templo de Deus, que sois vós, é santo" (1 Cor. 3:16, 17).
"Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que
habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?" (l Cor.
6:19).
"E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós
sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei e entre
eles andarei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2 Cor. 6:16,
citando Ezeq. 37:27).
"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos
dos santos e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina;
no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor"
(Ef. 2:19-21).
Além de referir-se ao crente individual como o templo de Deus,
Paulo viu tanto na igreja local como na igreja universal de Cristo o
cumprimento da promessa escatológica feita pelo profeta Ezequiel de
que Deus criaria um novo templo no tempo do Messias (Ezeq. 37:24-28).
9. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 9
Paulo declara solenemente que qualquer que destrua a santidade e a
unidade espiritual deste novo templo (por ensinos falsos ou idolatria),
"Deus o destruirá " (1 Cor. 3:17).
Por esta evidencia nos escritos do Paulo, podemos concluir que seu
emprego normal do termo "templo" [naós] é uma referência não ao
judaísmo e sim à igreja cristã. Esta conclusão fica confirmada
adicionalmente quando consideramos como avaliou Paulo "a cidade
atual de Jerusalém" representando o judaísmo: como um pacto de obras
que escraviza (Gál. 4:25). Para o Paulo, "a Jerusalém de cima, a qual é
mãe de todos nós, é livre" (Gál. 4:26).
À luz destas referências, parece extremamente improvável que o
apóstolo Paulo pensasse que a frase "o templo de Deus" referia-se ao
edifício do templo em Jerusalém. O contexto mais amplo do emprego
que Paulo faz da linguagem figurada para o templo apóia a idéia de que
seu emprego do "templo de Deus" em 2 Tessalonicenses 2:4 se refere à
comunidade da igreja cristã do futuro.
A declaração do Paulo de que o homem de pecado "se senta"
[kathísai] no "templo de Deus" é de profundo significado. Este conceito
audaz reflete a visão de Daniel, em que o Ancião de dias "sentou-se"
para levar à justiça o poder arrogante e endeusado. À luz deste
antecedente daniélico do tribunal, a descrição do Paulo do adversário
"sentando-se" indica que o anticristo se estabeleceria a si mesmo como
mestre e juiz dentro da igreja!
Aqui Paulo está oferecendo mais que uma "admoestação pastoral".
A predição de Paulo segue a revelação de Daniel do desenvolvimento
futuro da história da salvação. Paulo interpreta o esboço de Daniel de
acordo com o princípio do evangelho: o cumprimento é em Cristo e a
igreja de Cristo.
A apostasia predita em Daniel 7, 8 e 11 surgiria dentro do povo do
novo pacto, em um falso mestre, em um Messias falso. Por outro lado,
Jesus prometeu que as portas do hades [inferno] nunca prevaleceriam
10. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 10
contra sua igreja (Mat. 16:19), e que seus escolhidos não seriam
enganados se permanecessem alerta (Mar. 13:22, 23). A tensão entre a
igreja como instituição e a igreja como uma comunidade espiritual se
reflete também na admoestação pastoral de Paulo em 1 Coríntios 11:19,
e em sua predição profética aos anciões de Éfeso em Atos 20:28-31: "E
de vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas para
arrastar após si os discípulos" (v. 30). Isto chegou a ser uma ameaça séria
em algumas igrejas apostólicas na província romana da Ásia (Apoc.
2:19-29; 1 João 2:18-27).
Finalmente, o que se desenvolve como tema central no Apocalipse
de João é o simbolismo das duas mulheres em Apocalipse 12 e 17. Aqui
se descreve a igreja cristã e à apóstata não só em termos de diferenças
dogmáticas ou doutrinais, mas também como duas comunidades
adoradoras diferentes.
Como Paulo Emprega os Tipos de Adoração Falsa
no Antigo Testamento
A admoestação de Paulo se centra na chegada da apostasia religiosa
– o "homem da iniqüidade" dentro do templo de Deus na terra –, uma
apostasia que permanecerá até a gloriosa vinda de Cristo:
"Ninguém, de maneira alguma, vos engane, porque não será assim
sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado, o
filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama
Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de
Deus, querendo parecer Deus" (2 Tes. 2:3, 4).
"Então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará
com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda" (2
Tes. 2:8).
Dois pontos caracterizam o esboço do Paulo da futura história da
igreja: Primeiro, o tempo histórico do surgimento do "homem do
pecado" dentro da história da igreja; segundo, a natureza religiosa de
suas afirmações messiânicas.
11. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 11
Chega a ser evidente, ao compará-lo intimamente com o Antigo
Testamento, que Paulo compôs sua descrição do anticristo combinando 3
revelações proféticas a respeito dos poderes antiDeus:
(1) A época do tempo histórico do surgimento do antimessias em
Daniel 7, 8 e 11;
(2) a blasfêmia religiosa de auto-endeusamento pelos reis de Tiro e
de Babilônia em Ezequiel 28 e Isaías 14;
(3) a destruição final do "iníquo" pela aparição do Messias em
Isaías 11.
No seguinte estudo poderemos notar algumas alusões literárias e
religiosas em 2 Tessalonicenses 2:4 com as profecias do Antigo
Testamento:
2 TESALONICENSES PASAJES DEL ANTIGUO TESTAMENTO
2:4a Dan. 11:36
"o qual se opõe e se levanta contra "... e se levantará, e se engrandecerá
tudo que se chama Deus…" sobre todo deus ..."
2:4b Eze. 28:2
"… a ponto de assentar-se no "... e dizes: Eu sou Deus, sobre a
santuário de Deus, ostentando-se cadeira de Deus me assento".
como se fosse o próprio Deus".
2:8 Isa. 11:4
"então, será, de fato, revelado o "[o Messias] ferirá a terra com a vara
iníquo, a quem o Senhor Jesus matará de sua boca e com o sopro dos seus
com o sopro de sua boca…" lábios matará o perverso".
Paulo funde estas 3 alusões aos soberanos que estão contra Deus
para informar os santos como identificar o anticristo quando surgir na era
da igreja, até dentro do cristianismo, como o "templo de Deus" sobre a
terra (ver também At. 20:29-31).
Paulo usa o princípio da tipologia cristã quando aplica à era da
igreja as promessas e as ameaças de Deus a Israel (ver 1 Cor. 10:1-11;
Gál. 4:21-31). A relação de um tipo do Antigo Testamento com um
12. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 12
antítipo do Novo Testamento se determina teologicamente por sua
conexão com o Jeová antes da cruz, e sua conexão com Cristo na era da
igreja. Na perspectiva profética, a distância temporária entre o tipo e o
antitipo não tem importância. Sua ênfase está no fato que o mesmo Deus
que atua no cumprimento histórico iminente, também atuará no juízo e a
salvação finais.
Dessa forma, Paulo contempla os reis de Tiro e de Babilônia que se
idolatram a si mesmos (no Ezeq. 28:2 e Isa. 14:13, 14), como tipos
proféticos da essência religiosa do anticristo (2 Tes. 2:4). O adversário
de Cristo na era cristã ensinará e julgará como se fora Deus, com
autoridade divina e infalibilidade.
A Aplicação que Paulo Faz do Antimessias Predito por Daniel
Como em Daniel 8 e 11, Paulo localiza a apostasia blasfema do
inimigo escatológico de Deus "no templo de Deus" (2 Tes. 2:4). Sem o
princípio apostólico do cumprimento cristológico, são inevitáveis os
perigos do literalismo ou o alegorismo ao interpretar a frase "templo de
Deus" em 2 Tessalonicenses 2 como um templo literal e reedificado em
Jerusalém no qual o anticristo se estabelecerá para exigir a adoração dos
judeus depois do rapto da igreja. Uma interpretação mais popular é
tomar o "templo" neste capítulo como um símbolo do trono de Deus no
céu, recorrendo a Isaías 14:13, 14 e 66:1. Em outras palavras, entendem
o "templo de Deus" como uma metáfora para indicar que o iníquo tratará
de usurpar o lugar de Deus e exigirá honras divinas e obediência. Isto se
aplica depois a qualquer sistema totalitário de governo, a deificação do
Estado, quando se derrubarem a lei e a ordem e a violência demoníaca
explore em perseguição da igreja. Em outras palavras, a frase "o homem
da iniqüidade" aplica-se aos governos totalitários ateus.
As interpretações precedentes de 2 Tessalonicenses 2:4 podem
parecer atrativas e convencer a alguns. Mas a questão vital é: deu-se a
13. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 13
consideração apropriada ao contexto fundamental do Antigo Testamento
no qual Paulo apóia sua descrição apocalíptica?
A alusão de Paulo a Daniel 11:36 deve nos levar em primeiro lugar
a considerar a profanação religiosa do templo por parte do "rei do norte"
em Daniel 11:31-45 e em Daniel 8:9-13. Ele originará a corrupção ou
apostasia entre o povo do pacto. A origem da apostasia profetizada por
Paulo está em Daniel 11:32.
Os expositores protestantes dos dias do Lutero e Calvino
interpretaram tradicionalmente que este rei que se exalta a si mesmo de
Daniel 11:36 e o homem de iniqüidade de 2 Tessalonicenses 2:4 são um
mesmo indivíduo que se engrandecerá por cima de todos os deuses (Dan.
11:37). Não pode ser um ideólogo ateu, porque o homem da iniqüidade
pretende ser Deus.
Captamos a essência teológica da abominação de Daniel quando
observamos que o desolador porá no templo de Deus uma adoração
falsificada que ensina um falso sistema de expiação (ver Dan. 8:11-13;
11:31; 12:11). Isto define a "rebelião" como uma apostasia religiosa da
adoração ordenada no templo de Deus.
Na aplicação que Cristo faz da "abominação desoladora" de Daniel
ao exército romano (Mat. 24:15; Mar. 13:14) vê-se um cumprimento
parcial, um tipo que assinala mais à frente do ano 70 a seu antítipo
universal, a abominação maior dentro da igreja. Paulo explica que a
manifestação histórica do culto religioso apóstata deve acontecer antes
da vinda de Cristo.
O contexto mais amplo do Novo Testamento relaciona a verdadeira
adoração de Deus na terra com a intercessão de Cristo no templo
celestial (Heb. 4:14-16; 7:25; 8:1, 2). É absolutamente essencial não
separar o templo terrestre do celestial. Profanar o "templo" ou a igreja na
terra significa também a profanação do ministério de Cristo no templo
celestial (Apoc. 13:6).
Assim como o antimessias de Daniel 8 é destruído repentinamente
"não por mão humana" (v. 25), e assim como "o rei do norte" é destruído
14. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 14
repentinamente sem que ninguém lhe ajude (Dan. 11:45), assim o
anticristo na descrição do Paulo será destruído pela aparição de Cristo,
"com o espírito de sua boca" (2 Tes. 2:8; ver Isa. 11:4).
O Momento Histórico Exato do Anticristo Segundo Paulo
A carga pastoral de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 é corrigir entre os
cristãos da Tessalônica a opinião falsa de que já tinha começado o dia do
Senhor (2 Tes. 2:2). Recorda-lhes o que lhes havia dito verbalmente, que
primeiro [próton] deve surgir a rebelião [hei apostasia] (2 Tes. 2:3)
dentro do templo de Deus. Só então virá o dia do Senhor e destruirá o
"iníquo" com "o resplendor de sua vinda" (2 Tes. 2:3-8).
Na opinião de Paulo, um conhecimento da seqüência dos eventos é
essencial para acautelar uma expectativa iminente injustificada. Introduz
a idéia de um atraso prolongado do surgimento do anticristo por causa da
existência de um poder que refreia: "E agora vós sabeis o que o detém"
(2 Tes. 2:6). A igreja apostólica aparentemente não tinha problemas a
respeito da identidade desse poder que "retinha". Sabiam qual era. É
interessante que a maioria dos primeiros Pais na igreja pós-apostólica
(igreja primitiva) ensinaram que a ordem civil do Império Romano, com
o imperador à sua cabeça, era o poder que impedia, ao qual Paulo se
referiu em 2 Tessalonicenses 2:6 e 7. Apesar de várias teorias novas a
respeito (por exemplo que o Espírito Santo ou a missão de Paulo
poderiam ser esse poder), vários eruditos de primeira linha de nossos
dias sustentam que a interpretação clássica é a que mais satisfaz.
O Império Romano governou o mundo desde ano 168 a.C. até 476
d.C. Depois veio a divisão da Europa Ocidental em vários reinos mais
pequenos. Em Daniel 7, o poder blasfemo, o "chifre pequeno", saiu
dentre estes reino que existiam simultaneamente (7:7, 8, 24). Esta
sucessão histórica no esboço de Daniel – quer dizer, primeiro a "besta" e
depois o surgimento do "chifre" anticristão – se encontra na base do
esboço histórico de Paulo em 2 Tessalonicenses 2. Só essa perspectiva
15. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 15
histórica de Daniel 7 pode decifrar o enigma do misterioso "agente
retardador do desenvolvimento" que estava atrasando o desenvolvimento
do anticristo.
É obvio, mais importante que esse "agente retardador" é o que
escreve Paulo a respeito da vinda do "homem da iniqüidade" (ánthropos
tes anomias) ou, de acordo com manuscritos de menor autoridade, "o
homem do pecado" (amartias). O apóstolo declara que a manifestação
pública do "iníquo" (ho ánomos, v. 8) ocorrerá só depois de um
desenvolvimento histórico prolongado de forças ocultas que já estavam
ativas no próprio tempo de Paulo (v. 7). Paulo coloca a revelação efetiva
do iníquo imediatamente depois que o Império Romano (como "o que o
detém") tenha sido "tirado do meio" (2 Tes. 2:7), e indica firmemente
que o próprio trono ocupado pelo que o detém seria ocupado pelo
homem da iniqüidade.
A inferência da mensagem de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 é
inconfundível: Quando o Império Romano tenha caído, o surgimento do
anticristo já não será restringido ou retido em Roma. Portanto, o
anticristo será revelado sem demora na era seguinte, usualmente
denominada a Idade Média. Este período prolongado foi descrito por
Daniel como os 3 ½ tempos de opressão política dos santos (Dan. 7:25;
12:7). Nesta era cristã é onde Paulo localiza a apostasia. O bispo
anglicano Christopher Wordsworth, extraiu uma conclusão convincente:
"Posto que Paulo também descreve aqui ao homem do pecado como
continuando no mundo do tempo da eliminação do poder que o impede,
inclusive até o segundo advento de Cristo (2 Tes. 2:8), o poder que aqui se
personifica no 'homem do pecado' deve ser por conseguinte um que
continuou no mundo por muitos séculos, e continua até o tempo atual.
Também, sendo que lhe atribuiu esta longa permanência na profecia, uma
permanência que excede em muito a vida de qualquer indivíduo, devido a
isso o 'homem de pecado' não pode ser uma só pessoa".1
O propósito de Apocalipse de João é animar a igreja universal até o
próprio fim, para resistir ao poder enganador e perseguidor da besta-
16. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 16
anticristo e de seu aliado, o falso profeta, e triunfar sobre a marca
escatológica da besta quando for imposta nas nações.
A carta de Paulo aos Tessalonicenses reconhece a presença do 4.º
império de Daniel 7. Ensinou à igreja que o "chifre pequeno" de Daniel
não se levantaria durante o Império Romano. Entretanto, o Apocalipse
de João põe de sobreaviso a igreja universal sobre o momento exato
quando apareceria a besta depois do desaparecimento do Império
Romano, e João descreve este poder, o anticristo, com os característicos
do chifre pequeno de Daniel que governaria as nações por 42 meses
(Apoc. 13:5), uma variante dos 3 ½ tempos (Dan. 7:25). Por conseguinte,
este tempo simbólico em Daniel e no Apocalipse deve aplicar-se ao
período depois da queda de Roma em 476 d.C. Isto leva a Idade Média a
situar-se dentro da esfera da profecia bíblica,
Em resumo, a aplicação histórica que Paulo faz de Daniel 7 em 2
Tessalonicenses 2, favorece o enfoque contínuo-histórico antes que a
exclusiva estrutura contemporânea ou a futurista. O esboço de Paulo da
futura história da igreja em períodos sucessivos com respeito à apostasia
e ao poder que o retém, demonstra que o apóstolo não cria em uma
expectativa do fim de um momento ao outro. De fato, 2 Tessalonicenses
2 propõe-se a refutar esta mesma idéia sobre a base da perspectiva
histórica do Daniel.
O Anticristo de Paulo como uma Paródia de Cristo
Deveria dar-se atenção especial ao fato de que Paulo descreve a
apostasia do vindouro "homem de iniqüidade" como uma que nega tanto
a verdadeira adoração cristã como toda a adoração pagã; "opõe-se...
contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de culto" (2 Tes. 2:4).
Exaltar-se-á até o ponto do auto-endeusamento dentro do templo de
Deus, "tanto que se senta no templo de Deus, fazendo-se passar por
Deus" (V. 4). Paulo adota esta caracterização específica de adoração
17. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 17
religiosa do anticristo, do antimessias predito por Daniel (Dan. 7:25;
8:11-13; 11:31; 12:11). Nas profecias de Daniel, o chifre pequeno ou o
rei que se ensoberbece, invade a terra santa, e se mete pela força no
santuário de Deus e de seu Messias. Profana o culto religioso divino do
santuário não só mudando a lei divina e os tempos sagrados (por
exemplo, o sábado; ver Dan. 7:25), mas também por sua própria
"abominação": a adoração falsificada de si mesmo como o "deus das
fortalezas" (ou poder) desconhecido para o povo do pacto (Dan. 11:31,
36-38).
Parece que Paulo molda intencionalmente o anticristo à imagem de
um Cristo falso, porque o descreve na necessidade de que seja "revelado"
em seu "vinda" (2 Tes. 2:3, 8, 9), termos que aplica igualmente a Cristo
(ambos têm uma revelação pessoal [apokálupsis] e sua vinda [parousia;
cf. 2 Tes. 1:7; 2:8]). Isto sugere que Paulo considera o anticristo como
um rival do Messias, cuja "vinda" é uma paródia da vinda de Cristo.
Assim como a revelação de Deus culminou em Cristo, assim a
manifestação do mal encontrará sua culminação no anticristo, cuja
aparição é a caricatura satânica de Cristo. Já Irineu tinha declarado que o
anticristo de 2 Tessalonicenses 2 seria um "apóstata" religioso, que
desencaminhará os que o adorem "como se fora Cristo".2
É significativa a descrição de Paulo de que o "iníquo" virá "por obra
de Satanás" [kat enérgeian tou sataná], quem energizará e dará poder ao
anticristo através de "toda classe de milagres, sinais, prodígios
enganosos" (2 Tes. 2:9, BJ). Uma vez mais Paulo parece indicar por
meio desta tríplice frase (milagres, sinais e prodígios) que o anticristo
tentará imitar o ministério de Cristo (ver Mat. 24:24; At. 2:22). O livro
do Apocalipse descreve mais plenamente a maneira como Satanás dará
energia à besta do mar ou anticristo: "E o dragão lhe deu seu poder e seu
trono, e grande autoridade" (Apoc. 13:2).
18. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 18
O Mistério da Iniqüidade
Paulo se refere à atividade satânica do mal nesta frase significativa:
"...porque já está em ação o mistério da iniqüidade" (2 Tim. 2:7); ou,
literalmente, "o mistério da impiedade já está atuando" (BJ). Aqui o
apóstolo reconhece que uma força malvada já estava operando em uma
forma secreta, além da atividade humana, decidida a conseguir a
supremacia sobre a igreja de Cristo. A princípio, o poder político
imperante no tempo do Paulo impediu que se levasse a cabo este plano
anticristão (v. 6). Não obstante, quando o que retinha foi tirado, as forças
da apostasia surgiram imediatamente e chegaram a ser conhecidas
publicamente durante a Idade Média.
Nos escritos de Paulo o termo "mistério" leva em si o conceito
básico de verdade salvadora, mantido anteriormente oculto por Deus mas
agora manifestado no evangelho (ver Rom. 16:25, 26; Ef. 1:9, 10; Col.
1:26, 27; 1 Cor. 2:7). O conteúdo deste mistério é o plano redentor de
Deus para salvar a humanidade por meio da união com Cristo. Este
"mistério" divino esteve personificado em Cristo como o grande
"mistério da piedade: Deus foi manifestado em carne" (1 Tim. 3:16). Por
outro lado, quando Paulo falou do "mistério da iniqüidade", muito bem
pôde ter tido em mente exatamente o contrário da verdade salvadora de
Deus em Cristo: o mistério caracterizado pelo anticristo:
(1) Este mistério nunca será inoperante, mas sim atua
continuamente do tempo do Paulo até o fim. Por conseguinte, a
incessante atividade satânica não nos permite localizar "o mistério da
iniqüidade" exclusivamente em algum período histórico isolado no
passado ou no futuro, como postulam as teorias do preterismo e do
futurismo. Exatamente o oposto é o que ensina Paulo: depois da queda
de Roma, este mistério de rebelião estará ativo e prosperará sem
limitações (2 Tes. 2:7).
(2) Entretanto, este segredo satânico o conhecem os verdadeiros
escolhidos de Cristo, pois "não ignoramos suas maquinações" (2 Cor.
19. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 19
2:11). Iluminados pela sabedoria divina que vem do livro de Daniel (ver
Dan. 11:33; 12:10), sabem que o ataque de Satanás está dirigido contra o
reino de Deus e seu plano de redenção, centrado este no santuário com
sua santa lei e o evangelho.
(3) Por analogia com o "mistério da piedade" – o plano de Deus
para revelar o Messias e seu evangelho de salvação –, o "mistério da
iniqüidade" indica o maligno propósito de Satanás de opor-se ao plano
de Deus por meio de um plano contrário diabólico e um culto religioso
contrário que exalta o falso rei-sacerdote. Um erudito bíblico define esta
frase paulina com profundo discernimento: "Em um estilo paralelo, o
mistério da iniqüidade, o plano contrário de Satanás, é um propósito
diabólico fixo, um ardil contínuo, para opor-se à realização do decreto
divino (de redenção)".3
Paulo conclui declarando que existe um antagonismo fundamental
entre a verdade do evangelho de Cristo e a decepção do homem de
iniqüidade: "Perecem, porque não receberam o amor da verdade para se
salvarem. E, por isso, Deus lhes enviará a operação do erro, para que
creiam a mentira, para que sejam julgados todos os que não creram a
verdade; antes, tiveram prazer na iniqüidade" (2 Tes. 2:10-12).
A apostasia anticristã está apoiada em uma hostilidade
profundamente arraigada contra o evangelho de Deus e de seu Cristo.
Neste encontro, a humanidade deve fazer suas decisões finais em favor
ou contra Cristo. Segundo o apóstolo, a decisão que alguém faça por
Cristo agora, revela em princípio a eleição que todos terão que fazer no
tempo do fim entre Cristo e o anticristo. Toda a história está governada
pelo conflito espiritual entre Deus e Satanás, e a era da igreja se
caracteriza pelo conflito entre a verdade do evangelho de Cristo e a
mentira do anticristo.
Devido a isto, o apóstolo Paulo alerta a igreja a estar em guarda
contra o engano de um mestre poderoso do cristianismo que sustentará
que fala em lugar de Cristo e que insiste em que só sua vontade é lei
divina. Paulo nos admoesta não simplesmente contra um evangelho
20. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 20
falsificado e adoração falsa no futuro, mas sim por cima de tudo assinala
a origem cósmica deste engano mestre: é o artifício e o engano de
Satanás (2 Tes. 2:9). Para esta dimensão sobrenatural Paulo encontrou
apoio nas Escrituras. Daniel tinha revelado uma batalha cósmica entre
Deus e Satanás como o poder motivador por trás dos conflitos religiosos
na terra (ver Dan. 10). Isaías tinha apontado a Lúcifer, ou a estrela da
manhã no céu, como quem quis ser como Deus e trabalha por meio dos
governantes da terra (Isa. 14:12-14).
O Ato que Coroará o Drama do Engano
A perspectiva profética do Paulo em 2 Tessalonicenses 2 indica que
o fim do tempo trará consigo cada vez mais sinais sobrenaturais, que
apoiarão o "homem da iniqüidade", "o filho da perdição" (2 Tes. 2:3).
Estas designações últimas do anticristo sugerem que aparecerá como um
indivíduo que está em um definido contraste com "o Filho do Homem".
Isto dá lugar para um engano quase irresistível para o homem: a
personificação que Satanás fará de Cristo e de sua vinda à terra.
Deliberadamente, Paulo faz um paralelo entre as aparições do homem da
iniqüidade e as de Cristo, tendo cada uma sua própria parousia; seus
próprios sinais e milagres, e exigindo cada uma adoração. Em todas as
aparições, Satanás se disfarça "como um anjo de luz" (ver 2 Cor. 11:14).
Seu objetivo supremo sempre foi exigir a dignidade e as prerrogativas de
Deus (2 Tes. 2:4); por conseguinte, seu último pecado é a idolatria que
exige para que o adorem.
Paulo recalca que o rechaço universal da verdade do evangelho
preparará a humanidade para o último engano e rebelião (2 Tes. 2:10, 11;
1:7, 8). Nesse ponto de maturação do mal, Deus retira seu Espírito de
todos os que rechacem "o amor da verdade". Como resultado já não
haverá mais nenhuma limitação ao "poder enganoso para que creiam a
mentira" (2 Tes. 2:11 ).
21. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 21
Desta forma, Paulo aponta ao fim do tempo de prova da
humanidade, quando começa o ato final de Satanás. Esta cena aparece
ampliada em Apocalipse 16:13-16, onde os espíritos de demônios levam
os habitantes do mundo a unir-se em rebelião contra Deus, enganando
até os governantes civis. Um erudito resume a situação nas seguintes
palavras: "Com o rechaço final dos rogos do Espírito de Deus virá a
dissolução da lei civil, e então as promulgações do 'homem do
iniqüidade' levarão aos homens a guerrear contra o santo".4
Além disso, até ameaça a humanidade um ato capital de engano: a
personificação de Cristo e sua vinda. Estas palavras de discernimento
espiritual nos põem em guarda:
"Assim, o grande enganador fará parecer que Cristo veio. Em várias
partes da Terra, Satanás se manifestará entre os homens como um ser
majestoso, com brilho deslumbrante, assemelhando-se à descrição do Filho
de Deus dada por João no Apocalipse (cap. 1:13-15). ... O povo se prostra
em adoração diante dele, enquanto este ergue as mãos e sobre eles
pronuncia uma bênção, assim como Cristo abençoava Seus discípulos
quando aqui na Terra esteve".5
Resumo
A aplicação histórica de Paulo das visões do anticristo de Daniel
formam um elo interpretativo indispensável entre Daniel e Apocalipse. O
esboço estrutural de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 funciona como o
respaldo apostólico do enfoque contínuo-histórico das profecias de
Daniel. Paulo caracteriza a futura apostasia cristã como um culto de
adoração espúrio, autorizado por um rival do Messias, que se levantaria
dentro do templo cristão de Deus muito pouco depois da queda da Roma
pagã.
O livro do Apocalipse (nos caps. 13 aos 19) desenvolve o tema
teológico do anticristo com maiores detalhes como a besta e seu falso
profeta.
22. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 22
Referências
Para a Bibliografia, ver as páginas 107-108.
1. Ch. Wordsworth, Is the Papacy predicted by St. Paul? An
Inquiry, p. 15.
2. Irineu de Lyon, Contra hereges, 25, ANF, T. 1, P. 554.
3. P. H. Furfey, "The Mystery of Lawlessness", CBQ 8 (1946), p.
190.
4. D. Ford, The Abomination of the Desolation…, p. 225.
5. Ellen White, GC 624.
23. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 23
FONTES BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO VII
Livros
Bacchiocchi, S. The Advent Hope for Human Hopelessness [A
Esperança Adventista para a Desesperança Humana]. Berrien
Springs, MI: Biblical Perspectives, 1986. Biblical Perspectives
[Perspectivas Bíblicas] 6, pp. 151-161.
Barnes, A. Note on the New Testament. Thessalonians... [Nota sobre o
Novo Testamento: Tessalonicenses...]. Grand Rapids, MI: Baker
Book House, 1955.
Bruce, F. F. 1 and 2 Thessalonians [1 e 2 Tessalonicenses]. Waco,
Texas: Word Books Publishers, 1982. Word Biblical Commentary
[Comentário Bíblico da Palavra] 45.
Ford, Desmond. The Abomination of the Desolation… Cap. 5.
Froom, LeRoy E. The Prophetic Faith of Our Fathers. 4 ts.
Ladd, George E. A Theology of the New Testament [Uma teologia do
Novo Testamento]. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1974.
Ridderbos, Herman. El Pensamiento del apóstol Paulo. Buenos Aires:
La Aurora, 1987. T. 2, pp. 243-271.
Vos, G. The Pauline Eschatology [A Escatologia Paulina]. Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1972. Cap. 5: "The Man of Sin" [O
homem do pecado].
Wenham, David. Paul and the Synoptic Apocalypse [Paulo e o
Apocalipse dos Sinóticos]. Tomo 2 da Coleção Perspectivas do
Evangelho (R. T. France e D. Wenham, eds.). Sheffield: JSOT,
1981. Pp. 345, 375.
Wordsworth, Christopher. Is the Papacy predicted by St. Paul? An
Inquiry [Predisse São Paulo o Papado? Uma investigação].
Cambridge: The Harrison Trust, 1985, 3a ed.
24. A Compreensão de Paulo das Profecias de Daniel 24
Artigos
Furfey, P. H. "The Mystery of Lawlessness" [O Mistério da
Iniqüidade], CBQ 8 (1946), pp. 179-191.
LaRondelle, Hans K. "Paul's Prophetic Outline in 2 Thessalonians 2"
[O Esboço Profético de Paulo em 2 Tessalonicenses 2], AUSS 21:1
(1983), pp. 61-69.
_________, "The Middle Ages Within the Scope of Apocalyptic
Prophecy" [A Idade Média Dentro da Esfera da Profecia
Apocalíptica], JETS 32:3 (1989), pp. 345-354.
Waterman, G. "The Sources of Paul's Teaching on the 2nd Coming of
Christ in 1 and 2 Thessalonians" [As Fontes do Ensino de Paulo
sobre a Segunda Vinda de Cristo em 1 e 2 Tessalonicenses], JETS
18:2 (1975), pp. 105-113.