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Coelho De Moraes   CURTA os ROTEIROS de CURTAS




     CURTA os
     ROTEIROS
  de CURTAS
           de Coelho De Moraes
         Baseado em vários autores




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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS




                  A IGREJA DO DIABO
             Baseado em uma obra de Machado de Assis
                          Diabo, Deus, capetas e anjos

CENA I
(O Diabo, capetas à toa em torno, está sentado, pensando,
quando, sorri, e tem uma idéia. Mas logo desiste. Pés
balançando ao léu.. Repete o mesmo ato. Enfim se levanta
e estala os dedos).
D: Vou fundar uma igreja! (anda, pensa e pega livros,
buscando inspiração).
A: Praquê? Seus lucros são contínuos e grandes.
D: Sabe o que é? Eu me sinto humilhado com o papel
avulso que exerço desde séculos, sem organização, sem
regras, sem cânones, sem ritual, sem nada! Vivo, por
assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e
obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. (sonhador)
Por que não teria eu a minha própria igreja? Uma igreja
do Diabo é o meio mais eficaz de combater as outras
religiões, e destruí-las de uma vez.
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Coelho De Moraes        CURTA os ROTEIROS de CURTAS


A: Vá, pois, uma igreja.
D: Escritura contra Escritura, breviário contra breviário.
Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas
prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho
eclesiástico. (os outros capetas se aproximam) O meu
credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha
igreja uma tenda de Abraão. E, depois, enquanto as
outras religiões se combatem e se dividem, a minha
igreja será única; não acharei diante de mim, nem
Maomé, nem Lutero, nem Buda. Há muitos modos de
afirmar: só há um de negar tudo. (D sacode a cabeça e
estende os braços, com um gesto magnífico e varonil. De
repente se lembra).
D: Licença. Tenho que ir até Deus para comunicar-lhe a
idéia, e... (para não pegar mal entre os outros e ele grita)
desafiá-lo! (os demais aplaudem. D levanta os olhos).
Vamos, é tempo. (Sai em vôo, com estrondo).

CENA II
(Deus recolhia um ancião, quando o D chega ao céu. Os
serafins param para ver o que é que há. Diabo deixou-se à
entrada com os olhos no Senhor).
Deus: Que me queres tu?
D: (sorrindo) Não venho pelo vosso servo Fausto, mas
por todos os Faustos do século e dos séculos.
Deus: Explica melhor
D: Senhor, a explicação é fácil; mas recolhei primeiro
esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as
mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais
divinos coros...
Deus: (corta repentina, mas, docemente, e o D cala com a
boca aberta e no memos ponto em que Deus o cortou)
Sabes o que ele fez?

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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


D: (pausa) Não, mas provavelmente é dos últimos que
virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique
semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é
alto. (enquanto ele fala Deus concorda) Vou edificar uma
hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma
igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu
reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória
final e completa. E então vim dizer-vos isto, com
lealdade,    para     que     me     não    acuseis    de
dissimulação...(pausa. D está cheio de si) Boa idéia, não
vos parece?
Deus: Neste momento vieste dizê-la... já legitima-la é
uma outra cousa.
D: Tendes razão, mas o amor-próprio gosta de ouvir o
aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o
aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência...
Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra
fundamental. (enquanto sai) .
Deus: Vai.
D: (retornando) Quereis que venha anunciar-vos o
remate da obra?
Deus: Não é preciso; basta que me digas desde já por que
motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só
agora pensaste em fundar uma igreja?
D: (sorriu de escárnio e triunfo). Só agora concluí uma
observação, começada desde alguns séculos, e é que as
virtudes, filhas do céu, são em grande numero
comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse
em franjas de algodão. Ora, eu proponho me a puxá-las
por essa franja, e trazê-las todas para a minha igreja;
atrás delas virão as de seda pura...
Deus: Velho retórico!


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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


D: Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos
pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala
e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços
cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de
curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do
pecado. Vede o ardor, a indiferença, ao menos, com que
esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que
liberalmente espalha, ou sejam roupas ou botas, ou
moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à
vida... Mas não quero parecer que me detenho em cousas
miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este
juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente
ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios
mais altos.
(Os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e bocejam.
Deus interrompe o Diabo).
Deus: Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um
espírito da tua espécie. Tudo o que dizes ou digas está
dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto;
e se não tens força, nem originalidade para renovar um
assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha;
todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos
do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece
enjoado; e sabes tu o que ele fez?
D: Já vos disse que não.
Deus: Depois de uma vida honesta, teve uma morte
sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa
tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se
debatia já com a morte...
D: (displicente) Ah! Então foi ele?
Deus: O que disseste?
D: Nada não... segui com a bela história...


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Coelho De Moraes        CURTA os ROTEIROS de CURTAS


Deus: Este ancião deu-lhes a tábua de salvação e
mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o
céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?
D: Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.
Deus: Negas esta morte?
D: Nego tudo. A misantropia, a solidão forçada, pode
tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para
um misantropo, é realmente aborrece-los...
Deus: Retórico e sutil! Vai, vai, funda a tua igreja; chama
todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos
os homens... Mas, vai! vai! De uma vez! (D vai falar e com
o dedo na boca e incisivo Deus o cala! Deus faz sinal aos
serafins que começam a cantar. O Diabo sente que sobra,
dobra as asas, e, como um raio, caiu na terra. Estrondo.
Ele levanta tirando pó da capa e olhando para cima com o
queixo em riste e falando para si Tu vai vê).

CENA III
(Diabo com roupa de Beneditino proclamando nas ruas)
D: Prometo aos seus meus discípulos e fiéis as delícias da
terra, todas as glorias, os deleites mais íntimos. Sim! Eu
sou o Diabo, confesso. Eu o confesso que é para retificar
a noção que a humanidade tem de mim e venho para
desmentir as historias que as velhas beatas contam...
velhas beatas. Sim!, sou o Diabo. Não o Diabo das noites
sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas
o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza.
Chamam-me assim, como que do Mal, para arredar-me
do coração das pessoas. Vede-me gentil e airoso. Sou o
vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome,
inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um
lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
(alguns se aproximam com interesse)

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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


D: Acreditem. As virtudes aceitas deviam ser
substituídas por outras, que eram as naturais e legitimas.
A soberba, a luxúria, a preguiça estão reabilitadas, e
assim também a avareza...
H: Por que avareza, senhor?
D: A avareza não é mais do que a mãe da economia, com
a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma
esgalgada.
H: E a ira?
D: A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero;
sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada (mudando de
voz): "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"...
H: E a gula? Fale sobre a gula!
D: O mesmo digo da gula, que produziu as melhores
páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope;
virtude tão superior, que ninguém se lembra das
batalhas de Lúculo, mas das suas ceias; foi a gula que
realmente o fez imortal, Mas, ainda pondo de lado essas
razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o
valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era
muito melhor sentir na boca e no ventre os bons
manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou
a saliva do jejum? (alteando a voz) Prometo substituir a
vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do
Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria
nunca aos meus filhinhos com o fruto das mais belas
cepas do mundo.
H: Qual dessaS virtudes é a principal.
D: (um achado) Quanto à inveja, é ela virtude principal,
origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que
chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
(O povo aplaude e quer tocar nele como a um artista
famoso).

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CENA IV
(D está em um púlpito universitário. Fala para uma sala.)
D: Nada mais curioso, por exemplo, do que a nova
definição para fraude. A fraude é o braço esquerdo do
homem; o braço direito é a força. Muitos homens são
canhotos, eis tudo. Mas, acalmem-se... eu no exijo que
todos sejam canhotos; não sou um exclusivista. Que uns
sejam canhotos, outros destros; aceito a todos, menos os
que não são nada. (aplausos) Mas, atentos! A
demonstração, mais rigorosa e profunda, é a da
venalidade. A venalidade é o exercício de um direito
superior a todos os direitos:- Se tu podes vender a tua
casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, cousas que são
tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo
caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua
opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, cousas que são
mais do que tuas, porque são a tua própria consciência,
isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no
contraditório. Pois não há mulheres que vendem os
cabelos!? O corpo? Não pode um homem vender uma
parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem
anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um
privilégio que se nega ao caráter, a porção moral do
homem? (aplausos. Ele faz sinal para que alguém
pergunte)
H: Sobre as injúrias, senhor!
D: Combato o perdão das injúrias e outras máximas de
brandura e cordialidade. Agora, não proíbo,
formalmente, a calúnia gratuita, mas sugiro que se
exerça mediante retribuição, ou pecúnia, ou de outra
espécie; nos casos, porém, em que a calúnia fosse uma
expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais,

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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


proíbo, nesse caso, receber qualquer salário, pois
equivalia a fazer pagar a transpiração. (sinal para que
perguntem).
H: Sobre as coisas do respeito, o que que é que me diz?
D: Declaro que toda a forma de respeito está condenada
pois isso me dá uma idéia de certo decoro social e
pessoal. A única exceção é converter o respeito em
simples adulação.
H: Sobre a solidariedade.
D: (Olha feio, cheio de pompa, querendo saber quem fez tal
pergunta) Corto por todo a solidariedade humana. Amor
do próximo é um obstáculo grave à nossa nova
instituição. Essa regra é uma simples invenção de
parasitas e negociantes insolváveis; ao próximo só se
deve dar indiferença; e, em alguns casos, ódio ou
desprezo. (enquanto as pessoas apupam entre aplausos e
vaias)
A noção de próximo é muito vaga e errada... cito a frase
de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani,
que escrevia a uma de suas marquesas "Que se dane o
próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele
permitia amar ao próximo era quando se tratava de
amar as damas alheias, as deliciosas damas alheias,
porque essa espécie de amor tinha a particularidade de
não ser outra cousa mais do que o amor do indivíduo a si
mesmo, ou seja, quer mais próximo que você mesmo?...
entendem? Não? Então atenção! Cem pessoas tomam
ações de um banco, para as operações comuns; mas cada
acionista não cuida realmente senão dos seus
dividendos: é o que acontece aos adúlteros.

CENA V


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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


(Cena em que o povo se inscreve na nova Igreja. O Diabo
desce o martelo, significando fundação. Aplausos).
D: Sou o maioral. Triunfal!

CENA VI
(vinheta “algum tempo depois”)
A: Olha, Diabo muitos dos seus fiéis, às escondidas, estão
praticando as antigas virtudes. Os bons hábitos...
D: Como é que é?
A: (manhoso) Não todas, nem integralmente, mas
algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos
glutões começam a comer menos... já fazem isso três ou
quatro vezes por ano, sabe como é?, justamente em dias
de preceito católico... em dia de festas de santos, por
exemplo...
D: Não é possível?
A: Mas, é. Muitos avaros... sabe... aqueles velhos pães-
duros... davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal
povoadas.
D: Inacreditável!
A: Vários dilapidadores do erário, em geral, quem
trabalha em prefeitura, devolvia o dinheiro roubado em
pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou
outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo
rosto dissimulado, para fazer crer que estavam
embaçando os outros.
D: Estou... assombrado.
A1: Alguns casos são até incompreensíveis, como é o
caso de um farmacêutico na China que envenenara
longamente uma geração inteira, e, com o produto das
drogas socorria, agora, os filhos das vitimas.
A2: No Cairo há um perfeito ladrão de camelos, que
tapava a cara para ir às mesquitas. Quando o

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Coelho De Moraes        CURTA os ROTEIROS de CURTAS


interpelamos ele negou, dizendo que ia ali roubar o
camelo de um drogman; roubou-o, com efeito, foi dá-lo
de presente a um muezin, que rezou por ele a Alá.
A: E, pior, um dos seus melhores apóstolos era um
calabrês, varão de cinquenta anos, insigne falsificador de
documentos, que possuía uma bela casa na campanha
romana, telas, estatuas, biblioteca, etc... Era a fraude em
pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar
que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao
jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo
angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas
confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto
não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas,
benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se.
D: Mal posso crer tamanha aleivosia! Assim não dá! Cadê
o meu contabilista!

CENA VI
(Voou de novo ao céu, tremulo de raiva. Relata tudo –
cena muda - a Deus, que houve tranquilo)
Deus: Que queres tu, meu pobre Diabo. As capas de
algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo
tiveram franjas de algodão. Que queres tu! Esta é a
eterna contradição humana.




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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS




        A PRINCESINHA DAS ROSAS
       baseado na obra de Fialho de Almeida, autor
                           português (1867-1911)
Personagens: Moça, mulheres, homens, crianças, um
                                          Homem

Cena 1
[Noite com lua. Um rio ou lago tranqüilo. Uma barca
de pesca. U’a moça ali deitada, usando uma roupa
clara, longa, de linho, talvez, diáfana. A moça é muito
branca. Marulhar. Mãos preguiçosas tomam um
pouco de água. Pescadores ao longe.
Subitamente a moça se ergue e ouve. A cena é
entremeada de fotos que correspondam ao relato].

OFF: Lá nos confins do mundo, onde se acaba o
pavimento dos mares e começam as arcarias do céu, ouvi
dizer que está caído há muitos anos um pedaço de


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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


abóbada celeste, e por ali entram as almas das
criancinhas mortas, ao colo de seus anjos da guarda.

Cena 2
[A moça andando pela praia. Em segundo plano vultos se
escondem na escuridão, furtivos. Piers, redes, barcos,
água, a lua. A moça se direciona a uma clareira. Há mesa
com frutas – uvas, geléias, caldas, coisas que lambuzem -
espalhadas. Ela anda em torno da mesa, sonhadora,
deita-se sobre as frutas, deita com a barriga para cima,
abre as pernas e trás o vestido para cobrir entre as
coxas.
Tomada como se alguém espreitasse entre as árvores
enquanto a garota se revira sobre a mesa.]

Cena 3
[Manhã. A moça está sobre a mesa. Acorda subitamente,
pondo a mão no rosto. Vê-se que ela tem asas bem
fornida de penas. Ela olha e nota que alguém se afasta.
A moça olha para três pontos, sempre tendo a noção de
que algo estranho aconteceu num misto de curiosidade e
assombro. Todas as tomadas são de distancia. Em todas
as circunstancias, as tomadas do rosto da moça são em
movimento, girando ao redor dela, enquanto ela olha
para a lateral: Ponto a) Algumas mulheres nas pedras se
penteiam. Percebem que são vistas e pulam na água.
Ponto b) Bando de crianças correndo. Todas têm chifres.
Ponto c) algumas mãos saem da terra, como a escapar da
prisão. A moça começa a chorar.]

Cena 4
[Mãos de pescadores puxando redes. Ouvindo o choro


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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


aterrador eles param, soltam as redes e se dá a entender
que fugiram. ]

Cena 5
[Moça saindo da mesa. Ouve. A cena é entrecortada de
imagens de fotos que correspondam ao que se relata a
seguir. Enquanto ela se desloca lentamente.]
OFF: Vem comigo ao meu palácio de estalactites cor de
safira, onde há babilônias submersas. Guiarei você
através dos pórticos. Não responda à interpelação muda
das esfinges. Abandona as asas e vem para o meu amor.
Já rompe a manhã e as estrelas se apagam.
[Na entrada da floresta, saindo da clareira, ela hesita.
Obrigatória música de flauta solitária. Ela corre. Foge
pela floresta atarantada, mas, pelo outro lado. Entre as
árvores. Tensão e flautas. Várias flautas. As asas vão se
destruindo na correria.
Corre tanto que sai na praia antiga e cai nas águas.]

OFF: Vem, minha filha!
[A mão a agarra por trás e começa a puxar para dentro
das águas. A moça está aterrorizada e não quer, se
debate, mas vai levada.Cenas entremeadas de imagens.
Imagens de castelos, orlas, lagos, órgãos de igreja.
A sonoplastia acompanha os cortes das imagens.]

OFF: Filha de sereia, o seu lugar é nos palácios
submersos. Você foi deixada num cesto que aportou no
principado das rosas... deixada por seu pai, covarde
pescador. Mas você é filha das águas. Filha de sereias
e nunca será o anjo do Senhor.
[U’a mão se aproxima e ela toma essa mão, se livrando
das águas. Agarra-se ao corpo que é visto somente por

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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


trás. Ela está abraçada à ele. Soluçando. Ele a afasta.
Toma das mãos dela. Dedo contra dedo. Ele se
dirige para sua barca negra.]
Ele: Você é muito fria.
M: Acabei de sair das águas.
E: Não! Não é o frio das águas. É o frio da sua alma.
[Ela olha para trás temendo o retorno da outra
personagem. Vê uma barca negra. Aquele era o
Barqueiro - com capuz e cobertura. Não se vê o rosto.
Mantém-se o marulho. Ela se aproxima e pergunta:]
M: Você não partiu!?
B: Estive com você essa noite. Desfrutei de você. Procuro
a princesa das Rosas.
M: Eu sou a primeira mulher dessa Ilha. Cheguei aqui
ainda criança.
B: Vejo seu brilho nas águas. [Pausa para olhares]. Venho
buscá-la.
M: Você vai se arrepender. Sou muita fria. As pessoas
fogem ao meu toque. Você já percebeu isso.
M: De onde eu venho todos são muito frios.
[Ele dá a mão para ela. Ela sobe no barco e partem. Junto
ao som de flautas o bater de um sino e a lua. Imagens de
uma Igreja sob as águas.]




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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS




               EM LUGAR DO RATOS
                        baseado na obra de Viriato Correa
Personagens: Gigi (G), seu Dedé (D), João Cotó (JC), uma
                               mulher, Pedrão feitor (P)

CENA 1
[Gigi lavando seus pratos. Ouve barulho na entrada da
casa. O feitor trouxe um saco de qualquer coisa: farinha,
arroz. João Cotó (JC) está comendo].
JC: Atende lá, mulher. Que moleza.
[Ela vai, meio zangada. Lá fora]
G: Trouxe mais farinha, Pedrão?
P: Pois é. E tenho novidades. Seu Dedé vem morar
definitivamente na fazenda [G sente uma emoção e olha
para seu marido, de costas, comendo. Câmara se
aproxima do rosto de G. Ela começa a lembrar].

CENA 2


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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


[G entra pela janela do quarto dele. Beijos, abraços,
amores,      ela     saindo    pela    mesma    janela]
P: Depois da morte do coronel, bem que estava faltando
o olho do dono, por aqui, não acha, dona Gigi?
[Mais memória sexual de G].
G: Ele veio para ficar?
P: Parece que sim.
[G volta a olhar para o marido que se espreguiça. Mixa
imagens com sexo no quarto do rapaz].

CENA 3
D: Parto amanhã.
G: [chorando] Vou com você.
D: Você está louca! Impossível! Sou simples estudante.
G: Eu fico sua servente, sua criada...
D: Ainda vivo com a mesada que meu pai me manda...
Você fica. Me espera.
G: Eu não agüento. Eu morro antes.
D: Eu concluo o curso e volto para seus braços.
G: Volta mesmo?
D: Certamente. Quando não fosse por minha família seria
por                                                você.

CENA 4
[G na varanda com P]
G: Faz cinco anos que ele se foi...
P: É... parece que viajou muito...
G: E nem escreveu...
P: Como você sabe? Era o que o coronel dizia... nem uma
linha daquele ingrato...
G: Nem uma linha [G está meio estranha, olhar perdido].
P: ... a única vez que disse alguma coisa era que não
voltava mais para o sertão... [inclui cena de cama].

                          18
Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


G: Obrigado Pedrão... pela farinha [P sai tocando na aba
do chapéu. G entra e olha o marido que come feito
porco].

CENA 5
[Na cama, lado a lado a JC. G de costas para ele. Câmara
frontal à ela, lateral à cama.
JC tenta aproximação]
G: Já tomou seu banho?
JC: Já... já tomei.
G: E a boca lavou?
[corte. JC resfolegando por cima de G. Ela olhando o teto
como se em sacrifício]

CENA 6
[G prepara o almoço. Decide fazer um prato e pega no
baú veneno para rato. Faz o prato com o veneno. Faz
outro prato. Deixa o prato pronto o fogão para o marido
e sai].

CENA 7
[G chega na casa grande. D aparece na varanda. Se
olham. Ela sorri. Ele não. Ela se aproxima. Encontra P na
escada]
P: Olha quem está aqui, seu Dedé.
D: [virando-se, displicente] Quem é?
P: O senhor já não se lembra? Gigi.
D: Ah! Sim. Como está mudada [estende-lhe friamente a
mão. Imediatamente se vira a moça que está a seu lado,
sorridente].Olha meu bem. A Gigi pode servir você. É
muito limpa e dará uma ótima criadinha. [se afastam. G
está atônita e se apóia em P para não cair. De repente sai


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Coelho De Moraes        CURTA os ROTEIROS de CURTAS


correndo para a estrada. Corte para sua entrada em casa.
JC põe o prato e se prepara para a primeira colherada].
G: Não coma isso [ele ouve]... é para os ratos... O seu está
guardado na geladeira...
[pega e entrega a ele... G toma o dele e senta-se para
comer e começa, rapidamente
a comer o prato o envenenado]
JC: Você não disse que era dos ratos?
G: [lágrimas escorrendo] Era brincadeira... era
brincadeira minha...




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         EM MEMÓRIA DE MIM
                        Baseado em Miguel Sanches Neto
                          M – Maria; J – José; S - Senhora

Maria raspou as camadas de tinta das paredes antigas e
pintou tudo de azul.
M - Mudar a cor da sala é u’a maneira de tomar posse
desse lugar... [mergulha o pincel e retoca mais uma vez]...
mas serve também para enganar a solidão.
[Senhora entra. Deposita algo encima da mesa]
S – Gosta daqui?
M – Não tenho certeza. Acredito que sim.
S – Você deve se sentir em casa.
M- Mesmo assim, não é minha casa. É do meu marido e
eu não tenho amigos ou parentes na cidade, na verdade,
a estrangeira sou eu.
S- mas é uma bela casa.
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M- Aqui estou como uma intrusa... a casa foi construída
pelos bisavós do meu marido. Posso até sentir a
presença de cada um dos ex-moradores do casarão...
S- Então você não pode estar feliz. [oferece café e
bolachas]
M- Não queria ter vindo depois do casamento, mas,
também..., fiquei sem coragem de contrariar meu
marido, tão ligado à velha casa da infância.
S- E filhos?
M- Para que fosse mais minha, imagino muitos filhos
correndo pelos cômodos, só que esse não era o desejo de
José...
S- José?
M- O marido...
S- Ele não deseja filhos.
M- Ele quer apenas uma criança [ela faz sinal para o
ventre e a S põe a mão em sua barriga] - para continuar o
nome da família. Isso me anima.
S- Sim. Terá companhia e talvez deixe de se sentir uma
estranha. Por isso pintou a sala? M- [sorri] É... para
receber festivamente o filho, anúncio de novos dias.
[imagens de uma casa formal, grave]
S- pelo visto a casa mantém vivo o formalismo da família
de seu marido.
M- Exatamente. Eu estou acostumada à vida alegre do
interior...
S- Acabou que estranhou este mundo sem prazer, de
homens religiosos.
M - Pintar a sala, na verdade, foi um pequeno ato de
revolta. Agora, era um espaço meu, assim penso.
[corte]
[‘M’ coloca um vaso de flores na mesa e sai. No sótão ou
quarto, mexe em velharias empoeiradas. Vai desistir.

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Descobre um quadro virado para a parede - retrato a
óleo de um jovem loiro de olhos azuis. Por um instante,
teve a impressão de estar diante de algo vivo, tão intenso
o brilho dos olhos. Pendura na sala. Olha o retrato e o
retrato parece olhá-la. Alternância de dias enoites e ela
nada mais faz se não olhar o quadro. ‘M’ está absorta e
não a ‘J’ entrar. Assusta.]
J Lembrou de uma história que me contaram quando
ainda era pequeno.
[cenas de infância. A avó ‘A’ cujo rosto não aprece na
cena. Sua vida foi rezar – cenas evidentes o crucifixo -
fazer penitência e cuidar de filhos e netos. Esclerose]
A- F de um homem de verdade nesta casa. [Quadro
aparece na parede de seu quarto, no mesmo prego onde
antes ficava o crucifixo] José... olha! Esse é quem me dá
alegria, a única paixão de minha vida, e agora posso
dormir todas as noites pensando nele. [‘J’ se zanga e foge
para o seu quarto enfiando a cabeça no travesseiro.
Tempo para noite. O menino ouve. Gemidos no quarto da
avó. Corte para ‘M’]
M- Com certeza, ele não vai gostar de ver o quadro na
sala, mas preciso impor, ao menos uma vez, o meu
desejo. [ Foi para o antigo quarto da avó. Passeia por lá e
observa . Sonhos. Sexo com o quadro.]
[José chega. Malas na sala, ele a beija sem maior
interesse, retira o retrato da parede. No lugar, uma foto
envelhecida do avô., O marido lendo na biblioteca. ‘M’
perdia-se pelo imenso quintal, observando nuvens ou o
céu azul. Solidões e distancias]
Ficou imaginando se a avó de José tivesse engravidado
do amante. Teria sido rompida toda essa melancolia?
Entre momentos de desespero e outros de simples
resignação, suportou o resto da gravidez. E a criança

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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


nasceu loira e de olhos azuis, apesar de os familiares
tanto dela quanto dele serem morenos.
Assim que voltaram do hospital, mãe e filho passaram a
dormir no quarto da avó, por imposição do marido, que
agora já não pode sair de casa sem se sentir
envergonhado e nem suportar o olhar lascivo do menino.
que, indiferente a tudo, cresce alegre e inteligente.




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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS




                                         MARA
               baseado no texto de Herberto Salles

(Mata. O pajé. O Pajé e os Rios. O pajé e a noite. O
Pajé e seus utensílios de uso e vestimenta. Uma
criança ao lado do Pajé. A criança.
Mara já moça. Mara na floresta. Mara parada
olhando para as água se olhando para o chão,
observando formigas, coçando o pé.
Imagens do Pajé a ensinar pajelanças para Mara.
Mara, muitas vezes, demonstra que não quer...
nada quer.
Demonstração, por imagens intercaladas,          do
poder do velho).



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Coelho De Moraes       CURTA os ROTEIROS de CURTAS


Mara na leitura do futuro, curando à distancia,
transformando-se em animal, tornando-se
invisível.
 Pajé (abençoando-a com o tambor sagrado,
 falando em dialeto de velho): Todos os poder que
 índia Mara, mia fia possui... o mais minguinho
 deles até de pajelança, só serve se for pro bem,
 mia fia; jamais nunca pro mal.
(Passam duas luas. Uma outra índia é picada por
cobra. Pajé tenta salvá-la, mas ela morre.)
P: Precisei diocê. Dionde de tava?
M: Tava na cabicera do rio, buscano umas
prantinha: os lírio amareli.
(Chuva intensa).
Índia outra: Pajé! Tá chuveno dimais. Parece coisa
feita.
P: Essa chuva num é da natureza.
Índia outra: Parece di incumenda. A chuva tá
caino num lugarzin só.
P: Adonde, fia?
Índia outra: Na minha roça de manioca. Ta
melano tudo.
P: Ou é castigo diargum deus ou é maléfiço de
gente.
Índia outra: U povu ta triste, pajé. Ta infelicitano a
gente da tribo.
P: Isso pode sê obra de uma força do mar. (pajé
olha para Mara que está absorta ao longe,
cruzando uns gravetos).


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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


P: Mara! (ela para o que está fazendo a escutar).
Mara! (olha de lado com certa dureza). To te
chamano, muiézinha. (Ela se levanta).
P: To sabeno se suas mardade. Pois fica sabeno
que posso mardizê vossuncê, tamén!
M: Esses poder são meu. Já nasci co-eis.
P: Mara!
M: Posso fazê co-eis o que eu quisé. E na tribo tem
é munta mardade recramando punição. Paga de
mar com o mar e inté co’a morte, quano perciso
foi. ( Mara faz um movimento e some. O Pajé
entristece. Pega do tambor ritual e chama os
deuses. Entoa um canto monótono, lamentoso. Fica
em silêncio. Câmera afasta. Mostra a cabana.
Cabana ao longe. Mais longe. Fade out lento.)
(Fade in para o o Pajé pegando veneno e pondo no
peixe salgado pendurado num varal que Mara
havia de comer. Ela entra repentinamente na
tenda. Pegou o peixe e jogou para fora. Pôs-se a
morder u’a mandioca, cuspindo os pedaços no
chão).
P: Isso nué coisa que se come anssim.
M: Não to comeno. To só mostrano que tenho
vontade de come. (joga fora a mandioca).
P: Mas, se ta com fome, pru quê não comeu o
peixe?
M: Pruquê minha fome num é de peixe venenado.
E uma coisa lhe peço, meu pai. Num use no meu
de-comê de boca os seus poder de veneno. Vai
secá a mão de quem me venená desse forma.
(outro movimento e se transformas em um animal
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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


que foge. Num momento o Pajé toma arco e flecha
e aponta mas logo desiste. Fade out. Trazem um
índio entrevado numa padiola).
P: Que qui sucede?
Índia outra: Esse índio é caçadô, pajé. Tava caçano
quano ficou entrevado. Ele ia atirá num bichin da
foresta quano ficou anssim. Nem se mexe co’as
ponta dos dedo.
(Pajelança. Mara entra de repente).
M: Entrevado ta. Entrevado fica até morrê de
fome. Pruquê tua boca não abrirá nem pra falá e
nem pra comê, por vontade minha. ( e saiu).
(Sons e barulhos da mata. A câmara acompanha
sos pés de Mara. Na porta da cabana ela para. Abre
repentinamente. O Pajé está pegando uma água da
bilha apara beber. Ela olha. Laça a bilha, fala umas
palavras mágicas e a bilha se torna animal)
M: Uma coisa lhe peço, meu pai. Não use nos meu
di-bebê os seus poder de veneno. Pruquê farei
secá a mão que tenta me venená deanssim.
(Dia seguinte. O Pajé sai pelo mato e vai para o
açude. Na beira ele a vê deitada dormindo.
Rapidamente ele a toma e a afoga. Fade para
enterro da índia na beira do lago. O túmulo na
beira do açude. O túmulo sozinho. Fade para um
túmulo coberto de flores. Casal de índios se
aproxima e pega das flores. Eles desfalecem e
morrem )



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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS




     O Caso do Pneu Furado
                Baseado na obra de Juan Angel Cardi
 A – Amiel, Kl – Kaiser Lupowitz, LC – Liorno Colino,
    VP – Vladimir Perea, o Tio, T-Trigo, R- Ronzo, AL
                                   Anatólia Lloveras)

       (enquanto os detetives entram na sala de
interrogatório)
       Narrador: - Tínhamos certeza de que o
homem estivera – entre as doze horas e cinquenta
minutos e as treze e dez – numa casa de Miramar
onde se escondia um perigoso infiltrado, o qual
mantínhamos sob constante vigilância desde o exato
momento do seu desembarque, efetuado três meses
antes.



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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


       Bernardo Henares: - (o detido, com
obstinação) Não. Não. Nada disso! Eu tenho
testemunhas que confirmam o que eu disse.
       Vladimir Perea (detetive): parece vídeo tape
que repete sempre as mesmas palavras e até os
mesmos gestos e trejeitos.
       Amiel (capitão) – Insistam pela ultima vez.
Sente-se bem, senhor Henares?
        BH – Fisicamente, sim.
       VP - E existe outra maneira de alguém sentir-
se bem?
        A – Sim... Moralmente. Moralmente me sinto
mal. Tenho muito o que fazer e há mais de cinco
horas que estou aqui...
       Colino (detetive) : O seu mais o que fazer, já
verifiquei hoje à tarde, é recolher frascos de
maionese vazios para com eles fabricar lamparinas
de querosene e vendê-las a cinco pesos cada. Na
ampla garagem de sua casa, no bairro de El Vedado...
o senhor tem uma indústria artesanal e clandestina,
onde explora várias pessoas, pagando-lhes um peso
diário por dez ou doze horas contínuas de trabalho.
       Amiel - Certamente isso é ilegal, senhor
Henares. Pode estar certo, senhor Henares, que
sentimos muito, mas também estamos trabalhando.
Quer fazer o favor de nos repetir o que
o senhor fez hoje, entre as doze e cinquenta e treze e
dez?
        BH – Outra vez?
        KL – Sim, senhor. Por experiência, sabemos
que muita gente tem a memória curta. (BH encara
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Coelho De Moraes    CURTA os ROTEIROS de CURTAS


KL com ar sardônico) O fato, senhor Henares, é que
uma companheira afirma que o senhor esteve hoje,
entre as referidas horas, numa casa da Rua Terceira,
em Miramar. E que o senhor deixou seu carro
estacionado na Rua Trinta e Quatro, a duas quadras
da casa que o senhor visitou. Não foi isso? (BH
impassível)
       BH – Isso é impossível, tenente. Não se pode
estar em dois lugares ao mesmo tempo.
       KL - É a sua palavra contra a de uma
testemunha presencial.
       BH – Essa senhora pode ter-se equivocado.
Em Havana existem muitos Chevrolets verdes.
       KL -– É verdade, mas apenas um com a chapa
noventa e oito noventa e sete.
        BH - Se o outro carro, o que se encontrava
em Miramar, estava fazendo qualquer coisa ilegal,
naturalmente usava uma chapa fria.
        (Amiel tamborilava a mesa com um lápis.
Perea estava encostado na janela; e Colino, com os
braços sobre o espaldar da cadeira, encarava o
homem com intensa atenção.
        KL - Afinal, onde foi mesmo que o senhor,
disse que se encontrava àquelas horas?
        BH - Estava na Rua Mercaderes, a mil léguas
de Miramar. Furou o pneu do meu carro e...
         VP - E de onde vinha o senhor?
         BH - De vários lugares. Não me lembro.
         KL - Que pneu o senhor disse que furou?
         BH - O traseiro da esquerda.

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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


          CL - E o senhor estacionou do lado
esquerdo?
          BH (rindo) – Não! Já repeti três vezes ao
tenente que parei á direita.
         KL - E o que o senhor fez ao estacionar? –
perguntei.
          BH – Outra vez, oficial?
          KL - Sim, senhor Henares. Tenho péssima
memória.
          BH -       Abri o porta-malas, tirei as
ferramentas e o pneu sobressalente, coloquei o
macaco, levantei o carro, tirei o pneu furado,
substitui pelo outro, apertei as roscas, baixei o
macaco, recoloquei-o no porta - malas com o resto
das ferramentas e o pneu furado.
          KL – Quando o senhor diz pneu quer dizer a
roda completa?
          BH – Claro que sim.
          KJ - – A que horas mesmo o pneu furou?
          BH – Às cinco para a uma. Terminei de
trocar o pneu a uma e vinte, por aí.
          VP – Por que demorou quase meia hora
numa operação tão simples?
          BH – Os senhores não se cansam? Já
expliquei isso também: aquela é uma rua muito
estreita, o que me obrigava a trabalhar do lado de lá,
bem no meio da rua. Àquela hora, como acontece
sempre, o trânsito era intenso, de forma que a cada
momento eu tinha que me levantar
para deixar passar os carros.

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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


         KL – Como soube a hora exata em que o
pneu furou?
         BH – Porque olhei o relógio, tenente. Tinha
um encontro com um amigo a uma da tarde. Quando
estava tirando as roscas, passou uma senhora amiga
minha e por um instante ficamos conversando.
Cheguei ao encontro um pouquinho depois de uma e
meia. Quer que diga mais uma vez onde se deu o
encontro?
         KL – Se isso não o incomoda...
         BH – Então vamos lá! Foi no Restaurante La
Roca. Meu amigo já fizera o seu turno e almoçamos
muito bem.
         KL – A que horas terminaram de almoçar?
          BH – Às duas e meia.
          A – Que fez o senhor ao deixar o La Roca,
senhor Henares? –
          BH – Voltei para o meu trabalho.
          A – E onde o senhor trabalha?
          BH – Num café de San Miguel del Padron.
          A – E qual a hora de sua entrada?
          BH – Quatro horas.
          A - E a que horas chegou?
          BH – As dez para as quatro. Mas já disse
também ao tenente que tomei umas cervejas ao
passar por Concha y Luyano.
          A (parou de tamborilar, olhou Henares
demoradamente) – Levem-no. Ele precisa descansar,
          BH (contrariado) – Até quando pretendem
me manter aqui, sem provas? Afinal,

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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


que fiz eu? Por que não chamam as testemunhas a
que me referi?
         A (sempre paciente) – Acalme-se, senhor
Henares! Vamos checar suas declarações com as das
testemunhas.
         BH – É que tenho um negocio importante a
fazer esta noite.
         A (enrolando o dedo na espiral do fio
telefônico) – Sabemos disso, senhor Henares.
Sabemos perfeitamente qual o negócio que o senhor
tem planejado para esta noite. (BH mudou por
completo a fisionomia, medroso e balbuciante.
Colino teve necessidade de segurá-lo por um braço
para ajuda-lo a andar).
      A – Não é uma sorte para nós que essa espécie
de gente seja feita de material tão frágil?
         KL - Alguns resistem mais.
      A – Mas o fato é que num determinado
momento todos acabam caindo de joelhos.
       VP - E que conclusão o senhor tirou disso
tudo, capitão?
      A (andando pela sala) – O assunto está
complicado, Vladimir. Se não podemos provar que
esse indivíduo não se encontrava em Mercaderes,
teremos de libertá-lo, pois não podemos retê-lo sem
provas. E se o soltarmos, logo ele providenciará para
que os demais sejam alertados, especialmente o
homem de Miramar. Resultado: será suspensa a
reunião que tinham combinado, o que significa, em
resumo, que irá abaixo a operação que preparamos
para daqui a pouco. E, meses de trabalho perdido!
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


      CL (retornando) : – Não seria melhor não
soltá-lo?
  A – Aí é que esta a falha, Liorno. Para levar a cabo
o nosso plano precisamos prender um do bando,
para que possamos tomar conhecimento da senha
combinada e conseguir, com ela, ter acesso ao lugar
da reunião. Escolhemos para isso o tal Companys;
mas ontem o infeliz bateu com o carro e agora está
recolhido ao hospital de Jaguey, em estado grave.
Como eles devem saber, sua senha já não nos serve.
Aí apareceu esse tal           Henares. Agora sim,
poderíamos provar que esteve ali, o processaríamos
por cumplicidade com um agente infiltrado da CIA.
Em seguida, consumada a operação, poderíamos
acusá-lo frontalmente, porque ele, como você sabe é
o chefe e teria que estar presente à dita reunião...
      CL – Mas isto não é uma falha, capitão! É um...
uma...
      KL – Procure encontrar a palavra exata,
Liorno, para que possa falar com o advogado.
      CL – Que advogado?
      KL – Conheço muito bem a mulher de Henares
e sei que é muito esperta. Se o marido não chegar
em casa antes das onze da noite, e já passam das
nove, ela certamente ira mobilizar um par de
sujeitos para que o localizem. Já fez isto outras
vezes.
        A – Ela sabe que o marido está envolvido
com um bando de contra-revolucionários?
        KL – Não. Certamente ele não lhe contou
nada, porque sabe que ela é muito indiscreta,
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


segundo me assegurou tia Alberta. De qualquer
maneira, ela sabe que Henares compra frascos
roubados e que também anda metido com outros
negócios escusos.
         (Pausa. KL mexe no tabuleiro de damas.
Amiel, rabisca numa folha de papel, inclina-se para
trás em sua cadeira).
       A (para CL) - Vá chamar a senhora.
(Corte. Mulher entrando. Anatolia Lloveras. Trinta
anos, loura oxigenada, de estatura mediana, rosto
agradável e corpo esbelto, cintura estreita. Senhora
de si e sorridente).
         A – Sente-se por favor, senhora Lloveras.
    AL – Obrigada, capitão.
    A – Senhora, desejamos verificar sua declaração.
A que horas a senhora disse que se encontrou com o
senhor Henares na Rua de Mercaderes?
         AL – A uma em ponto da tarde.
         A – Como sabe que era exatamente essa
hora?
         AL – Porque ia almoçar no El Templete e dei
uma olhada no relógio quando me encontrei com
Bernardo.
         A – Conversaram durante muito tempo?
         AL – Não. Apenas alguns minutos.
         A – Pode-se saber do que falaram?
            AL - Claro, tenente! Como 1he disse antes,
falamos de coisas sem importância, nos limitamos
quase a nos cumprimentarmos. Perguntei como ia
sua senhora. Ele me disse para onde estava indo.
Enfim...
                         36
Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


        A – Desde quando a senhora conhece o
senhor Henares? – perguntou Amiel.
       AL - Há vários anos.
      A – A senhora sabe que o senhor Henares foi
sentenciado?
          AL - Sim.
          A – E a senhora costumava visitá-lo na
granja onde ele cumpria pena?
     AL - Já lhe disse que não, capitão. Eu não tinha
direito a isso. Sua mulher é que o visitava.
      KL – Que espécie de relações a senhora
mantém com esse homem? (AL endureceu a
fisionomia) A senhora tem liberdade de responder
ou não.
         AL - Prefiro não responder.
      VP – Que fazia Henares quando a senhora
passou por ele?
      AL – Afrouxava umas roscas com algo parecido
com uma cruz.
         KL - De que pneu ele tirava as roscas?
      AL – De um da parte traseira do carro.
      KL – A senhora almoçou sozinha no El
Templete?
      AL – Sim.
      KL – O que a senhora almoçou?
      AL - – Sopa de aletria, galinha frita e
sobremesa. Ah! Também tomei um sorvete.
      KL – De que era o sorvete?
      AL – De chocolate.
   (KL olha A . Ele balança a cabeça)

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Coelho De Moraes    CURTA os ROTEIROS de CURTAS


      A – Colino, acompanhe a senhora. E traga
Trigo. Faça com que sirvam café e refresco a senhora
Lloveras.
      AL – O senhor é muito amável, capitão.
       (Corte direto para o rosto de Trigo)
  T– Os senhores dirão...
      A (enérgico) – Tenha a bondade de ficar em pé.
(T obedece e resmunga) Qual o seu nome?
      T (zombando) – Venâncio Trigo Querejeta,
natural de Havana, quarenta e seis anos de idade,
casado, alfabetizado e residente na Rua Arnau sem
número, subúrbio de La Lira. Passei pela Rua
Mercaderes a uma e quinze e vi meu amigo
Bernardo trocando um pneu, e então lhe disse:
"Agora não deves encher de ar, deves por rum
Coronilla", e então ele me mandou para a casa do
caralho e eu...
            A (como Jó) - Leva ele daqui, Colino.
         T – Não me toque, que sei caminhar
sozinho! E o senhor, capi, quando vai me soltar?
         A – Logo que você esteja disposto a se
comportar decentemente (outro dá de ombros e sai
com certa bossa). Traga o outro, Colino. (O outro
era um gordo, satisfeito, balofo, petulante,
prepotente. KL faz sinal para A)
     KL – Sente-se, senhor Ronzo. (sentar-se brusco,
olhou para A e este gira na sua cadeira e se volta
para a parede). O senhor nos disse que esteve em La
Roca almoçando com seu bom amigo Bernardo
Henares, entre uma e meia e duas e meia da tarde. É
verdade?
                        38
Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


         R (altaneiro) – Sim, senhor.
         VP – E por acaso ele lhe disse que lhe havia
acontecido algo?
         R – Sim. Me disse que um pneu do seu carro
havia furado, lá na Rua Mercaderes.
         KL – Disse também que vira alguém
enquanto trocava o pneu?
         R – Sim. Que encontrara sua amiga Anatólia.
E que pouco depois passara por ali um tal... um tal
de Frigo... Drigo... algo assim.
         KL – O senhor conhece a senhora Lloveras?
          R - Sim... Sim, senhor.
         KL - Como e quando?
      R – Foi Henares quem me apresentou a ela, já
tem algum tempo.
         KL - Por acaso não teria sido num bordel da
Rua Animas?
         R (surpreso) - Sim. Mas isso é coisa do
passado. A senhora se regenerou.
         KL - O senhor acredita nisso?
         R - Tenente, a Revolução...
         KL - Por favor, responda-me: o senhor crê
realmente que essa senhora tenha se regenerado?...
(ele baixa a cabeça) Não quer responder? Pois eu lhe
digo: Não!. Outra pergunta: pode dizer-me que
relações existem entre ela e Henares?
         R – Não me imiscuo na vida privada das
pessoas. Puxa! Mas talvez possa dizer que ela esta se
superando.
          KL - Eu sei. Está estudando grego por conta
própria. E sabe por que? Para entender-se melhor
                         39
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com os marinheiros mercantes dessa nacionalidade.
Ela e Henares se especializaram em explorá-los.
       R – Eu não sabia disso.
       KL – Claro que sabe, já que vem emprestando
sua casa para tais encontros clandestinos.
           R - Os senhores me vigiam?
       KL – Será que o senhor já não esteve
envolvido em atividades contra-revolucionárias?
       R (constrangido) – Para que lembrar isso
agora? Já cumpri um ano de prisão. Já...
       KL – O senhor conheceu Henares na granja de
Melena, certo?
       R(bufando) – Sim.
       VP – A que se dedica o senhor agora?
       R – A nada. Era proprietário de vários
edifícios, que me foram tirados.
       KL – Não! não lhe foram tirados. A Revolução
os nacionalizou, através de uma lei popular. O
Estado não lhe paga um subsídio?
        R - Sim. Recebo seiscentos pesos mensais.
        KL – E por acaso o senhor não gasta mais do
que recebe?
        R – Não, senhor. Vivo apenas do que recebo.
        KL – Seiscentos pesos mensais são vinte
pesos diários. Quanto o senhor gastou hoje no
almoço?
   R – Uns quarenta pesos, incluindo os aperitivos.
Mas não faço isso todos os dias, tenente!
        KL – Pois sabemos que o faz com bastante
frequencia.
        R – Os senhores estão me vigiando?
                        40
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        Kl – Não, senhor. Não podemos perder
tempo vigiando-o. Acontece, senhor Ronzo, que o
senhor tem fama de petulante, pretensioso e
insolente. No quarteirão onde o senhor mora, e que
por acaso fica bem próximo da minha casa, o senhor
já teve vários problemas com vizinhos, não é?
        R – É que o presidente do Comitê não faz
outra coisa senão implicar comigo.
        KL – O presidente do Comitê do seu
quarteirão, senhor Ronzo, não implica com o senhor.
(R começa a se abanar, nervoso) Ao contrário, é o
senhor que se atrita com ele, porque quando
emborca alguns copos a mais começa a insultar a
Revolução, e ele é um revolucionário.
        LC – Senhor Ronzo esta se sentindo mal?
        R – Não, não. É o calor.
        LC – Então, poderia nos dizer qual o motivo
do seu encontro com Henares?
        R – Somente para almoçar.
     LC – Não se encontraram para tratar de algum
assunto? (R fica mais tonto e se apóia na mesa. LC
levanta os olhos para KL)
        KL – Responda: sim ou não?
        R (inquieto)– Foi Henares quem lhe disse
isso?
        KL – Por que supõe que foi Henares que nos
disse?
        R – Não suponho nada, tenente. Eu...
(emudece olhando para KL)
         KL – O que o senhor ia dizendo?
        R – Eu... enfim...
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


            KL ( amigável) - Bem, senhor Ronzo, o
senhor quer nos dizer o verdadeiro motivo do
encontro, só para ver se coincide com o que nos
disse Henares?
         R (se agita) – Quero um advogado!
         A (sem se voltar) – O senhor não está
indiciado. Sequer está detido. Compareceu
    aqui como testemunha de seu amigo e com o
simples objetivo de prestar algumas declarações.
Compreende?
         R – Sim, sim, capitão.
         A – No entanto, se o senhor exige um
advogado para responder a simples pergunta, pode
fazê-lo. O telefone está às suas ordens.
         R – Não, não. Se não estou preso, não é
preciso. Eu me precipitei.
         KL – Capitão, devemos compreender a
situação do senhor Ronzo: o senhor Henares é seu
amigo. O senhor Ronzo veio aqui apenas para ajudá-
lo e agora se encontra diante do dilema de dar uma
resposta capaz de prejudicar seu amigo e
companheiro de prisão. Não é assim, senhor Ronzo?
         R – Sim.
         KL – Isso significa. Que o verdadeiro motivo
do encontro era tratar de um assunto clandestino,
ou secreto, ou particular...
         R - Era um assunto particular!
         KL – Está vendo? Isso não coincide com o
que nos disse o senhor Henares.
       R – Que é que ele disse?

                         42
Coelho De Moraes    CURTA os ROTEIROS de CURTAS


        KL – Não iremos cometer a bobagem de
revelar, senhor Ronzo.
        A (de frente) - Senhor Ronzo, não é verdade
que o senhor morava em Manzanillo, em 58?
        R – Sim.
        A - Não se lembra de um jovem que bateu na
porta de sua casa, em busca de refúgio?
(R não responde. Olha assustado). Não se lembra de
que o dito jovem lhe disse que Masferrer e seus
assassinos o estavam perseguindo? (R tenso) Pelo
menos o senhor deve se lembrar que 1he bateu com
a porta na cara, depois de chamá-lo de bandido
rebelde. E logo depois o senhor não ouviu disparos?
(R suava) Sabe que idade tinha aquele menino, ao
morrer? Quatorze anos. Sabe para onde o jovem
pretendia ir? Queria ir para as montanhas lutar pela
liberdade e contra a exploração. O senhor sabe que
aquele menino era o meu irmão mais moço e o mais
querido? (R está murcho) Levem-no, por favor. (VP e
LC o carregam arrastado) Ai vai outro feito de
merda.
(Pausa. VP entra)
         VP – Que tipos mais cronometrados, vocês
não acham?
         KL – Sim. Sabem seus papéis de cor.
         VP – A única coisa que não convenceu foi a
tal historia referente ao assunto que trataram
durante o almoço.
         A – Sim. Mas o fato é que não fizemos
qualquer progresso.

                        43
Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


         VP – É provável que Ronzo tenha ajudado
Henares a preparar o álibi, esse álibi cheio de
mentiras cronometradas.
         LC – Mas por que prepararam esse álibi?
          A – Sabemos... e todas essas mentiras o
confirmam, que não pode ser outro senão Henares o
visitante da Rua Terceira. Sem dúvida, ele deve ter
visto algo de suspeito antes de entrar
ou ao sair. Por isso preparou o álibi. Quem estava de
guarda aquela hora?
         VP – Polanco. Ele também viu o Chevrolet
verde passar na direção de Havana.
         KL – Polanco é discreto e conhece o seu
oficio.
         VP – Também lá estava uma viatura nossa,
chapa fria; mas o motorista não viu nada, porque
naquele momento exato recebeu uma chamada
urgente da Chefatura.
         LC – É possível que tenha visto a presidente
do Comitê anotando o numero da chapa...
         KL – É difícil. Esses companheiros já não
cometem tais erros. Inclino-me a crer que o homem
se assustou sozinho. Deve ter acontecido apenas
alguém ter passado e olhado para o Chevrolet por
simples curiosidade. Isso acontece com frequencia.
Não esqueça que essa gente
sofre de mania de perseguição. Sabem que o povo
está contra eles e, por isso, qualquer um que os
encara os faz tremer.
        VP – E não podia também ser uma tática?
        KL – O que você quer dizer?
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


        VP – Que preparam álibis de antemão para
poderem realizar uma operação.
        KL – Vamos tomar nota disso, Perea, apesar
de que, se fosse assim, o nosso infiltrado no bando,
já o teria sabido. Enfim, estamos num beco sem
saída. (o telefone toca. Amiel tirou o fone do gancho)
        A – Sim? (surpresa, preocupação) Hum!
(desliga)
          KL - Que aconteceu?
       A – Lá embaixo há um advogado esperando.
Vem acompanhado da mulher de Henares. Ela está
fazendo escândalo.
       LC – Diga-1hes que Henares não esta aqui,
capitão.
       A (enérgico)– Não podemos fazer isso, Colino!
(esmurrou a mesa) Perea, trate de libertar...
       (Nesse momento entra o "tio". Rosto sombrio
e tédio).
       KL – Que está acontecendo, Tio? Pisaram-lhe
no pé no ônibus?
       Tio – Não! Lá embaixo, na rua, há um carro
estacionado, e esse moleque malcriado estava
tirando, com a ajuda de um prego, o ar do pneu
sobressalente que estava guardado – e muito bem
guardado! – no porta-malas aberto. Agarrei o
moleque, e sabem o que e me disse? "Que lhe
importa isso, velho bobo?"
          KL - Espere, espere. É um Chevrolet ano
58... verde?
       Tio – Sim. E o numero da chapa é noventa e
oito noventa e sete.
                         45
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       KL – Tio, você tem certeza de que esse pneu
sobressalente estava cheio?
       Tio – Está me chamando de mentiroso?
      KL – Perdoe, Tio. É o meu estilo...
        A – Manolo, ai embaixo tem um carro
estacionado. É um Chevrolet verde... Sim... O do
preso. Traga-o para o nosso estacionamento e que
ninguém toque nele. Aproveita e traz o preso...
        (saem para o estacionamento)
        Tio – Amiel, já perguntaram ao dono do carro
se ele já consertou o buraco do pneu?
          A – Não. Por que?
          Tio – Porque agora ele dirá que sim.
          VP – E se 1he perguntarmos em que oficina
ele fez isso?
          Tio – Dirá que foi ele mesmo que o fez. Teve
muito tempo para isso entre as duas e trinta e as
três e cinquenta.
          (o detido já está lá ao lado do carro. Tio olha
o porta-malas. Passa a mão pela roda e pelo pneu,
olha os dedos, sujíssimos, limpa com um lenço
branco. Pensa, coça o queixo.
          Tio – Por que não viramos a roda? (VP o
faz. Tio a examina) Tinha que ser assim. Vejam o que
diz esta etiqueta.
          VP (arranca a etiqueta) - "Casa de Pneus
Santa Catalina. Senhor: Bernardo Henares. Por um
conserto no pneu: um peso. 2/4/62".
          KL – Como? Quer dizer que este pneu estava
ha cinco anos sem sofrer um só remendo?

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         Tio – Também isso encaixa. Vladimir, quer
colocar a roda no chão? (Tio fala no ouvido de
Amiel, este faz um gesto de dúvida, coçou a barba e,
consente.) – Tragam as ferramentas para desmontar
o pneu.
         A (para BH) - Reconhece esta roda como
sendo sua?
         BH – Sim... Sim, senhor.
         A – Então sabe que o pneu não está furado.
         (KL abre a válvula e o ar se esvai. BH baixa a
cabeça olhando o pneu. Em seguida o pneu foi
desmontado por LC. KL enfia a mão no interior.
Surgiram jóias).
          A (olhando o relógio) – Tenente, tem vinte
minutos para mover um processo contra
Bernardo Henares! Leve em consideração os
antecedentes. E proceda legalmente para que as
jóias fiquem como propriedade do Estado. Colino,
conduza o prisioneiro. Perea, diga a esse advogado
que se dirija aos tribunais populares. (enquanto se
movem) Todos aqui de volta na hora habitual! A
operação Tornado vai começar.
      BH olha para Amiel enquanto é levado.




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   O DRAMA DE DONA ALICE
                  baseado na obra de Viriato Corrêa
Personagens: desembargador Alves (A), Álvaro (2) e
      mais dois jovens, Nazareth (N), Silva (S), Alice


CENA 1
(Senhor A, elegante entra na biblioteca ou sala que
tenha livros em abundância. Ruído de festas no
exterior. ‘A’ deve usar uma bengala elegante)
A: Os senhores aqui! As garotas lá fora esperando
vocês e a rapaziada escondida. Isso é uma traição
um tanto suspeita!
1: Conversamos literatura.
A: Nessa idade não conheço literatura mais
interessante do que as mulheres.(faz menção para
irem ao terraço. Luzes da cidade). Conversavam
sobre versos, então.
                         48
Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


2: Sobre teatro.
A: Ah! Você é...?
2: Álvaro... eu escrevo.
A: E o que é que você escreve caro Álvaro.
2: Estou escrevendo sobre um caso vulgar de rua,
com certos toques de originalidade e vigor:é o caso
de uma marido traído que, depois de crivar de
facadas a esposa infiel, arrasta-a para a rua para
expor as suas misérias. Não lhe parece excelente? É
minha terceira peça. O público parece que está
gostando.
A: (meditando, sem tirar os olhos de Álvaro) Quer
que      lhe      seja    franco?     Não      acho...
2: Mas tem uma pegada excelente... Tem uma grande
sacada.
A: Permita-me a franqueza. Crimes dessa ordem
existem em mais e mil peças. Em teatro a
originalidade é tudo. Não sei da originalidade que
pretende dar nesse caso, mas, pelos traços gerais...
No teatro, mesmo as coisas velhas têm que ter um
traço de originalidade chocante e imprevista. O
segredo do palco é justamente isso – o inesperado.
Nesses crimes violentos tudo e tudo é banal. Até o
ruído, que é a maior banalidade da vida. Que
interesse pode ter para o público um marido que
mata explosivamente a esposa? O público vê isso
todos os dias... No entanto um imenso interesse
despertará a corte que for cercada de circunstancias
impalpáveis, intangíveis, obscuras, misteriosas... (ela
entra para sentar-se na biblioteca, seguido dos três
jovens). Conhecem, por acaso, a história de Dona
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Coelho De Moraes    CURTA os ROTEIROS de CURTAS


Alice?
3: Sim. Aconteceu a três anos. Era dia de baile, a
mulher meio louca abre o guarda roupa onde estava
o       amante,       já     em       decomposição.
A: Conhecem bem mal essa história... como toda
gente. O que há de interessante não é o fim da
história... mas o seu desenrolar. Isso sim dará uma
boa peça de teatro. (A se põe a lembrar) O caso de
Dona Alice me comoveu. Não há imaginação mais
rica dos que os fatos da realidade. A mais
surpreendente fantasia humana não supera certas
fantasias da realidade.
1: O senhor bem essa história?
A: Nos seus mais profundos detalhes.

CENA 2
(Enquanto passam os créditos. Alice e o namorado.
Namoro no portão. Noivado, dedos e aliança. Cenas
do casamento de Alice. Alice deve ser uma mulher
muito bela e alta, com boas formas. Retorna-se com
Alice em pé e a câmara se aproximando chegando a
meio corpo e olhar altivo).

CENA 3
A: Amigos, o casamento é uma frutificação e os
frutos só têm bom sabor quando maduros. Não se
deve casar jovem. Eis um conselho. Volta e meia
você encontrará alguém que lhe parecerá a tal da
alma          gêmea.        Pura          balela.
(entra o marido de Alice, o Nazareth e a cena

                        50
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transcorre como se fosse na época da história
contada, é claro, sem a presença dos jovens).
N: Alves... Alice está muito mudada...
A: Também percebi... infelizmente...
N: isso foi depois que o tal do Silva começou a
frequentar a casa.
A: Isso pode ser... será que você não andou
esquecendo sua esposa?
N: Como assim...
A: Você sabe... hoje todo mundo fala em você... um
médico bem sucedido... o seu nome é que está em
voga... (intercala-se tomada do tal Silva e Dona
Alice).
N: Devo ter deixado Alice de lado... um pouco...Mas
esse tal Silva parece um gladiador romano... as
mulheres caem por ele como moscas...
A: Um tanto rico, também... e outro tanto ocioso.
N: faz esporte... muito esporte...mas, saiba que tem
uma lesão (aponta a região do coração)... parece que
cardíaca.

CENA 4
(Alice na varanda, contra a noite ou luz da lua. Algo
diáfano. Intolerável calor. Alice esta com uma roupa
sensual de seda.. Somem N e A)
Alice: Ele vai fazer uma conferência médica
justamente no dia do meu aniversário. Resolveu
comemorar na véspera... (ela entra, e da sacada
surge o S, parando no reposteiro da porta, vendo a
mulher).

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CENA 5
(Festa na beira do Rio. Ou um chá íntimo. Alguma
coisa com cadeiras e mesinhas, em diversão sem
algazarras. Tomadas gerais. A observa que Alice e S
trocam olhares. As pessoas saem. O local se esvazia.
O rio, a fluência, o barulhinho das águas. A e N
descem uma rampa qualquer. A nota, sorrateiro que
Alice passa, sobre uma mesa, uma chave para S.)

CENA 6
(Noite. O S entra com sua chave. Alice o espera na
cama. Ele sobe as escadas ou passa pelo corredor.
Alice se prepara com algumas auto-carícias. Entra o
S, que tranca a porta do quarto e se deita ao lado
dela, mas quase que imediatamente, sem cortes,
batem à porta do quarto. O casal se assusta).
N: Alice.
(Ela e S estão atarantados e seminus. N continua a
bater na porta. Decidem por colocar S no guarda-
roupa dela. Em seguida, N entra tranquilamente)
N: Perdi o trem... por dois minutos... e olha quem ele
nunca              sai           na              hora.
A: Por que só veio agora? (enquanto fala se encosta
no                                      guarda-roupa)
N: Ficou preocupada, hein? Fui a uma central de e-
mails pedindo que transfiram a conferência.
(enquanto fala vai colocando um pijama ou roupão)
Aproveito e corrijo uns pontos fracos (e sentou-se à
uma escrivaninha no quarto, com computador. Ela
está meio chocada, recostada na cama, trocando
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olhares entre o guarda-roupa e o N. Então a porta
começa a se entreabrir. Troca de tomadas entre N –
que trabalha – Alice e e porta. N nota. Olha para a
mulher. Dá um sorriso. Tranca com violência a
porta, às chave e a joga sobre a escrivaninha). Se
quiser, querida, pode dormir, pois vou trabalhar a
noite toda. A luz do vídeo incomoda você?

CENA 7
(Tomada da ponta da bengala de A, batendo no chão.
Subindo para seu rosto enquanto ele encara os
jovens)
A: Tivesse eu virtudes e talentos de dramaturgo e
faria cair o pano para começar o segundo ato. Não
acham? (pausa para pensar)Nazareth escreveu a
noite inteira. Mas aí, pela manhã, talvez por causa do
esforço da noite ele estava doente. Tomou umas
cápsulas de remédio, resolveu tomar um banho, mas
o fato é que só saiu do quarto quase meio-dia.
(tomada da saída para o banho, coma ajuda de Alice.
Ela se aproxima do guarda-roupa, com a chave, e ao
abri-lo, S está morto e nu. Toca a sineta. É dona
Ricardina, uma perua, uma visita. O morto é
recolocado no armário).
R: Parabéns pelo seu aniversário. (entrega flores.
Alice está apreensiva).
Alice: Obrigada.
R: Não pude vir à sua festa de ontem, minha querida.
Alice: É que Nazareth iria viajar.
R: Você bem sabe como gosto de uma festa.
N: Você está escondendo algo querida?
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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


Alice: (assustada) Como? Não! Dona Ricardina...
R: Hoje é o dia exato do aniversário de Alice, não é
Nazareth...
N: Com certeza, Ricardina, mas entre...
R: Temos que fazer uma nova festa.
Alice: Não ... não é preciso... eu não quero...
N: O que é isso, meu bem... Ricardina tem razão... o
dia certo é hoje...
Alice: Mas, você está doente, Nazareth.
N: Já estou bom. O banho me restabeleceu.
Alice|: Mas, eu não quero festa..,. não quero!
N: Teremos festa... e é pra já... (toma do telefone e
disca) onde já se viu... alô... é da casa do Silva? Ele
está? (fecha no rosto de Alice).

CENA 8
(Cena de festa com muitos cravos vermelhos. Uma
festa pop. Muita música gente por todo lado. “A”
passa pelas salas, como se fosse um ser alheio á
coisa. “A” encontra Alice em um dos salões. Está
atraente. Maquiagem que mostra em estado
precário. Um ar de sonâmbula. Copo na mão.)
A: Trago a notícia de que o Silva não vem... não se
sabe o que aconteceu... a família está desesperada...
ele nunca dorme fora de casa.
N: (tomando A pelo braço) Certamente estará por aí
em alguma rapaziada. Vamos à festa. (passam por
Alice. Ela acompanha os dois e a cena se enevoa em
clima azulado de nébulas e tédios. Ela sai em
desesperos. Toma dos braços das pessoas, indaga
algo que as pessoas desconhecem, até chegar a A,
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


tomando-o pelo braço, retirando-o do círculo de
amigos, levando-o à uma janela).
Alice: Não está sentindo um cheiro no ar?
A: Não.
Alice: Não é possível... eu sinto um cheiro mau...
forte...
A: O único cheiro que sinto é desses cravos... nada
mais. ( e saiu pelo meio da multidão em direção ao
quarto. Procura, fecha janelas, fecha portas, fecha
gavetas, encosta um material pesado na frente do
guarda-roupa, sai para o corredor, encontra A).
Alice: Você não está sentindo um cheiro horrível?
A: (observando-a como quem vai dar a deixa) Sim...
estou sentindo.
(Alice recebe um baque. Grita desesperadamente.
Sobem pessoas. Ela os encaminha para o quarto e
abre o guarda-roupa. Tomba o cadáver apodrecido
do S. Chega o marido.).

CENA 9
A: Aqui termina a peça. ( o som da festa aumenta)
2: Por que não escreve, desembargador?
A: Já disse que não tenho talento algum para isso.
2: Só por isso?
A: è que ainda não estou completamente senhor
desse drama. Não sei, por exemplo, que papel meu
amigo Nazareth, realmente desempenhou nessa
história. Será que ele desconfiaria da mulher?
(tomada dele entrando no quarto por ter perdido o
trem). Será que ele a viu dar as chaves ao amante e
no quarto, claramente o trancou no armário? (cena
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fechando o guarda-roupa), passando a escrever a
noite inteira, de propósito? Não terá isso, tudo isso,
uma vingança horrenda, por causa daquela
quantidade imensa de cravos espalhados por aí?
(tomada de cenas da festa).
1: Que lhe parece?
A: Estou tentado a acreditar que o foi ( olhar
pensativo de A . tomada da cena em que A vê Alice
entregando a chave. A bate no ombro de N que
desaba a cabeça desalentado sobre o ombro e senta-
se sem ânimo na cadeira. Retorno para o olhar
pensativo de A que se transforma em um sorriso de
mofa e um dar de ombros em seguida). Mesmo
porque, para a intensidade do drama , é necessário
que assim tenha acontecido. (faz sinal para os
rapazes, e se retiram da sala. Fecha na biblioteca
com um leve som vindo da festa).




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                              O ENCONTRO
                -baseado na obra de Marta Lynch –
 personagens: Homem, Mulher, Gordo e pessoas nas
                                            ruas.


O carro na noite. Pode ser um táxi. O hotel. A mulher
sai do carro olhando a fachada. Ela está um tanto
séria. Entram. O recepcionista tem que ser gordo.
Ele tem um lápis apoiado na orelha. Sua muito. Tem
um leve sorriso canalha. Olho no olho.
Ela pensa: “ Talvez sejam sempre os mesmos em
todos os hotéis”
Uma geral dos móveis e ambientes. Um ar de falsa
aristocracia. As mãos dela tocam objetos. Olha
curiosa para tudo. Um relançar de olhares entre os
três como se não confiassem um no outro.
O casal entra no quarto. As paredes. Cada parede
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tem um tipo de abordagem. Ora campos, ora
sensualidade, ora flores, ora geométricos.
Testas suadas do casal que tira a roupa lentamente.
Estão sérios. Ela observa seus sapatos e calças.
Ela pensa: São seus sapatos e calças que eu queria à
luz do dia.
Ao longe o barulho de trens e barcos.
Dentro do carro.
Ela: Ficamos aqui. O resto do caminho faremos a pé.
(O casal caminha sem dar as mãos)
Ele: Aceitar. Deixar a coisa do jeito que é. Do jeito
que está.
Ela: Você está preso a uma outra vida. Nem melhor,
nem pior. Apenas uma outra. Distinta. Falsamente
distinta em que a carne é uma coisa e o espírito é
outra.
Ele: Nesse hotel não podemos. Tem muita luz. Não
pode ser.
Ela: Aceitar. Deixar ficar, não é?
(fichas para entrar no hotel do gordo)
Gordo: Vão demorar muito?
(o casal se olha e dá de ombros, dúvida)
Gordo: São trezentos guaranis.
(paga-se. Ele a olha. Ela morde o lábio. O gordo a
olha. Ela suspira fechando os olhos e molha os
lábios.)
Entram no quarto. Cobrem os espelhos e fecham
cortinas enquanto tiram as roupas. Apagam as luzes.
Deixam o abajur. Sexo em penumbras e silhuetas. Só
suspiros. Ela correndo por um túnel. A luz lá no fim.
Ela correndo para lá. Ou uma rua que desemboca
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numa praça iluminada. Traveling ao redor do casal
sentado um sobre o outro. Se olham. Ilumina-se para
grande contraste. Se mordem. Se lambem. Atingem
êxtase.
Eles se perguntam a sua vez repetidas vezes: Quem
é você?
(cada um cai para trás respirando fortemente.
Olham para o teto.
O gordo anota valores em seu livro de pontos,
molhando a ponta do lápis com a boca.
Saem, do hotel. Param na beira da calçada sob a luz
do poste. Passam pessoas que os olham. Uma
determinada mulher passa. Olha para ela. Fixa o
olhar. Se olham. E depois a mulher se vai, olhando
para trás.
Entram no quarto.
Nas paredes frases obscenas. Frases políticas. Frases
de amor. Desenhos pornográficos nas paredes.
Sereia.)
Ela pensa: “Nessa tarde é a minha história que eu
vou escrever aqui”.
Há uma seqüência de olhares brandos e ternos entre
o casal.
Ela: Sinto cheiro de sêmen espalhado por todo
canto.
Ela para na soleira da porta. Ele a abraça e desce a
mão por sua coxa.
Ela: Muita gente já gozou aqui. Mas o mundo nos
parece alheio hoje.
Ela se deita e abre as pernas. O homem se deita e
começa a trepar porém a cada vez vai envelhecendo
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lentamente. Ela nem goza nem se manifesta. O
homem vai ficando muito velho. Se olham. Ela o olha
com curiosidade; ele a olha, velhíssimo, com um
meio sorriso de desculpa.
Ela reforça os movimentos querendo gozar sem
conseguir. Ela sempre para qualquer ação para ver
se está ou não gozando.
O gordo anota mais um valor em dinheiro, molhando
a ponta do lápis.
Ela: nada do que eu disser...
O gordo pega o telefone.
Ela: ... terá valor algum para nós.
O telefone toca barulhento no quarto. Toca uma.
Duas. Ela atende. Ouve-se: Seu horário já acabou.
(silêncio) Ela olha para o parceiro. Ele está
humildemente velho, resgatando sua roupa.
Envergonhado. Ela desliga e começa a pegar suas
roupas.
Ele: Não sai sem mim. (pausa) Me espere.
Ela olha ao redor do quarto. Olha para a sereia.
Ele (enquanto põe a roupa) Acho que é o cansaço.
(pausa) Eu até me sinto perplexo com isso tudo.
(pausa)
Descem ao pórtico. Ele sai. Ela está atrás. Olha o
gordo. Que dá um sorriso de boas noites. Ela olha
para porta. Sobre ela está escrito: “Deixa estar.”
Ela pega táxi parado em frente ao hotel. Passa pelo
velho parado na esquina. Ela o olha. Ele a olha. O táxi
passa, dobrando a esquina.


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 O ENIGMA DAS TRÊS CARTAS
                   -baseado na obra de Roberto Arlt-
       elenco: (Sr. Perolet); menino(a) vendedor(a);
                            Isadora Perolet); policial ;
                                   Inspetor ; Detetive


CENA UM
[Perolet anda pela rua. Sente-se seguido e se vira
bruscamente. Mão no bolso verifica o revólver, com
cuidado. Com temor ele se direciona ao local onde o
vulto se escondeu. Alternadas imagens entre Perolet
se aproximando e a coluna. Quando cruza a coluna
não há mais vulto, apenas um menino(a) que vende
qualquer coisa. O(a) menino(a) entrega-lhe uma
mensagem. Perolet a lê em off:
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P: “Cruel Perolet, amanhã ou depois vou te matar”.
[Assustado, um suor frio pelo rosto. Olha o menino
que o olha. Leva a mão como se fosse pegar o
revolver. Pega uma moeda do colete e dá para o(a)
menino(a). Perolet olha para os lados procurando o
autor e sai, rapidamente].

CENA DOIS
Perolet chega em casa. A mulher o recebe,
arrumando o avental
IP: Chegou cedo hoje. [enquanto retira o capote]
Aconteceu alguma coisa?
[Perolet vai ao armário e bebe qualquer negócio.
Depois, abre uma gaveta e pega uma carta. A mulher
lê:]
IP: Perolet, sabemos que você se dedica à
espionagem. Vá embora para seu país ou matamos
você. [ela fica assustada e fica sem fala. P pega a
carta da mão dela amassa e joga no lixo. Detalhar o
lixo. Encosta-se no armário, olha para ela e cruza os
braços. Não sabe o que fazer].

CENA TRÊS
[P está no escritório. Mexe em algumas caixas
cuidadosamente. Tocam a campainha, ele estremece,
quase deixa cair uma caixa. A mulher vem de lá de
dentro e abre a porta, recebe uma carta. Se
aproxima de P:]
IP: Olha! [Ela entrega a carta. Ele a abre com certo
cuidado]
P: Perolet. Sabemos que jogou nossa primeira carta
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no cesto de arame. Você está brincando com fogo.
[se levanta] É a terceira carta. Não sei mais o que
fazer. Não temos empregados. Como é que
descobriram que eu joguei a carta no meu cesto do
escritório? [a mulher está assustada] Estão me
vigiando. [olha pela janela] E querem me matar.

CENA QUATRO
[Na Polícia. Plano geral: Conversa com um policial
que faz anotações. O policial sorri, divertido,
enquanto anota.]
P: ...E digo para o senhor que eu desconfio até da
polícia, eu confesso... até da polícia.
Pol: Tranquilize-se, senhor Perolet... fique calmo...
P: ...mas eu não sou um espião... nunca fui...
Pol: [amistoso] Tranqüilize-se... fica melhor para o
senhor que se vá para casa. Descanse... tudo está
anotado... descanse um pouco...
P: Mas o senhor tem que entender...
Pol: Não faça caso dessas peças de mau gosto... isso
deve ser coisa de algum de seus concorrentes. O
senhor é uma pessoa conhecida... bem
conceituado...é natural que haja invejosos... [Perolet
sai. O policial o olha sair e continua a escrever,
divertido na sua escrita].

CENA CINCO
[Perolet e Isadora tomam um chá. Ela o serve]
P: Resolvi que vou me tranqüilizar. Assim querem os
policiais. Então, vou me tranqüilizar...
IP: Mas o que é que eles disseram?
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


P: Disseram que tudo aquilo não era nada... com eles,
não é nada mesmo... dizem que pode ser coisa de
algum comerciante velhaco... um concorrente... para
me assustar...
IP: [balançando a cabeça, ansiosa] Por que não você
não volta para o Brasil? Eu ficaria aqui com meus
pais e cuidaria dos negócios... se você quiser, é
claro...
P: Ora, ora... tenho lá medo desses valentões? [toca a
campainha. Eles se olham. A porta. Nervosos.
Isadora vai atender. Rosto apreensivo de P. Ela volta
com um pacote. Ela vai para a cozinha. Grita. P corre
para lá. Vê o pacote aberto. Um objeto metálico].
IP: É uma bomba! É uma bomba. [P sente um aperto
no coração e cai no tapete].

CENA SEIS
Perolet está de cama ou deitado em um sofá. IP
entra apertando as mãos.
IP: Tudo bem com você?
P: Agora estou melhor.
IP: Os policiais levaram a tal bomba para análise...
P: Alguma novidade, alguma pista?
IP: Não se levante... Trouxeram o laudo enquanto
você se recuperava.
P: Então...
IP: A bomba consta de um envoltório enegrecido, de
lata, contendo...[cara de muxoxo]... contendo uma
porção de mousse de chocolate...
P: Mousse de chocolate?
IP: ... o laudo continua...a bomba é totalmente
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comestível e, portanto, inócua. Na verdade é uma
bomba de chocolate [P põe a mão no rosto]. Querido
[preocupada com a vergonha do marido]... no
entanto, no seu interior tinha um bilhete...[ela passa
o bilhete, enquanto P lê, ela fala]: Perolet, te prepara
para receber uma recheada de ferro, pregos e
dinamite. [Fade].

CENA SETE
[Inspetor chega na casa de Perolet. Vê o número da
casa. Bate. Entra. Perolet recebe um inspetor. Aperto
de mãos. O inspetor nota IP e de vez em quando
lança um olhar no corpo da mulher. A cada olhar ela
se cobre com mais pudor].
P: Inspetor?
K: Kirino... Inspetor Kirino.
P: Essa é minha esposa... Isadora Perolet.
K: [batendo o calcanhar] Minha senhora.
P: Nessa grande cidade tem alguém que deseja me
matar. [O inspetor anota] Já recebei três cartas.
Parece que ele não está mais se contentando com as
cartas.
K: Inimigos! O Sr. tem inimigos?
P: Não! Não acredito que tenha. Mas eu sei que essas
pessoas querem me fazer mal e estão informados de
todos os meus movimentos. [os três se olham. IP e P
como que pedindo ajuda. K se levanta]
K: Prometo trabalhar nesse caso. [sai. Da rua] Darei
prioridade máxima.[última olhada do inspetor no
decote de IP, que se retrai, recatada].

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CENA OITO
[Perolet saindo do escritório topa com outro pacote,
maior ainda. Olha para todos os lados. Tomadas do
rosto. Leva o pacote para dentro. Fica na dúvida se
abre ou não. Hesita em cortar os barbantes e no fim,
nervoso joga o pacote pela janela. Do alto ele vê que
uma cobra sai de lá de dentro. Perolet parte para a
rua. Pega as cartas que tem no bolso e joga uma a
uma para a rua. De repente para em uma carta. E,
abre atentamente. Imagem do panfleto: - A agência
Juve oferece seus serviços aos senhor Perolet.
Preços módicos. Discrição absoluta.

CENA NOVE
[Perolet batendo na porta com força. A porta se
abre. Entra numa sala escura. O detetive está
sentado com os braços sobre a mesa cheia de papéis.
P o cumprimenta. Senta-se.
DET: Sou o diretor da Agência e faço minha
propaganda através de circulares enviadas a
comerciantes que figuram no guia telefônico.
[Perolet olha em torno, inseguro] Não se surpreenda
com nossas modestas instalações. O luxo exige
despesas que sempre são pagas pelo cliente. O que o
senhor prefere? Uma eficiente investigação ou uma
empresa que debitaria os móveis modernos na sua
conta?
P: O senhor tem razão. Isso é lógico e honradamente
comercial.
DET: Eis o ponto. [pausadamente] Eis - o – ponto.
Mas o Sr. Veio aqui para contar sua história.
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[inclusão de passagem de tempo enquanto P conta,
DET anota tudo, inclui aí a trilha sonora, até que o
DET o interrompe]
DET: Essa bomba... não era uma caixinha com areia?
P: Não... estava cheia de mousse de chocolate. Mas,
como o senhor sabe que era uma bomba falsa?
DET: Se fosse verdadeira o senhor não estaria aqui.
[Perolet faz um movimento em direção ao braço
esquerdo, pensativo. O DET, que anota tudo, se eleva
num rompante, mirando Perolet e apontando-lhe o
dedo. Olhar sinistro e tolo].
DET: O senhor é doente do coração.
P: [gaguejando] Sim, sou doente. Como adivinhou?
DET: [sorrindo] Não adivinhei, meu caro senhor...
não sou dado a essas práticas de superstição...
Dedução... Pura dedução... A minha espécie
detetivesca se fundamenta em deduções. A questão
é simples. Não houve nesses atentados intenção
direta de feri-lo ou matá-lo. Primeiro, as cartas
anônimas, depois uma bomba de chocolate, depois
ainda um serpente que, decerto, era uma cobra
d’água ou de borracha. Enfim, seu caso pode ser
definido como de “agressão indireta”. Contra quem
se acomete uma “agressão indireta”? Contra quem
está doente de algum órgão vital e pode morrer
durante intensa comoção. [P se abate].
P: Simples e profundo!
DET: Quem seria beneficiado com a sua morte?
Quem herdaria seus bens?
P: Minha esposa.
DET: Ela tem vinte anos a menos que o senhor. O
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


homem que o seguiu, que escreveu a ameaça no tal
papel era, certamente, o amante dela. Mas, é claro,
isso tudo ainda é especulação de minha parte. Estou
apenas jogando com os dados. Senhor Perolet, a
investigação completa lhe custará dois mil francos.
Mil à vista e mil na entrega do culpado à polícia. [P
está assustado]. Eu o levarei em pessoa, como prova
de minha capacidade e eficiência.
[P está mal e aperta o peito]
P: [num sopro de voz, enquanto tira o talão do
bolso] Não esperava isso de Isadora! [Preenche um
cheque] Tem certeza? [enquanto dá o cheque, a
tremer, o outro dá de ombros como quem diz:
“Pode até ser, sei lá!”. Então, abre-se a porta e o
Inspetor aparece com 3 policiais.
I: Finalmente pegamos você, Archibaldo Gomes.
Agora você não escapa.
[DET não se assusta, dá de ombros outra vez e
devolve o cheque ao assustado P]
DET: Acho que não terei tempo de utilizar isto, meu
caro senhor.
I: [enquanto se efetua a prisão] Senhor P, tenho a
satisfação de comunicar que descobrimos seu
misterioso inimigo. O golpe que estava tramando...
uma secreta armadilha. Este homem, Archibaldo
Gomes, português de nascimento e vigarista
internacional, esteve empregado, durante certo
tempo, numa companhia de seguros, tendo a
oportunidade de informar-se de todos os contratos
recusados por motivo de doença cardíaca do
proponente. Pesquisou o senhor. Inventou então, o
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ardil de perseguição e da tal ”agressão indireta”,
oferecendo seu serviços de detetive particular às
mesmas pessoas depois de atemorizá-las com
ameaças. Tudo o que ele pode ter dito ao senhor é
pura invenção para chocá-lo... e matá-lo. As vítimas
sempre acharam que esse homem era um
extraordinário detetive devido às suas lógicas
conclusões... sempre resolvendo os casos a que se
propunha resolver... tudo bandalheira.
P: [suspirando aliviado] Como descobriram?
I: Nada demais. Interceptamos algumas de suas
cartas pelo Correio. A sua senhora nos deu mais
detalhes sobre mensagens e bilhetes e foi ela quem
deu a pista definitiva: ela nos falou do oferecimento
de serviços que a Agência Juve deu para o senhor.
Tivemos, então, a certeza de estar na presença do
autor da “agressão indireta”, procurado pela polícia
internacional. Uma discreta vigilância fez o resto.
P: [entregando o cheque ao Inspetor] Senhor
inspetor, se não morri até agora, com essas
emoções, acredito que...
DET: Senhor Perolet, fique tranqüilo. Não quero seu
dinheiro. Este é o meu trabalho, do qual muito me
orgulho. Os homens de coração de cristal são
aqueles que têm vida mais longa. [carregam o
sujeito].
[P volta mais contente para a residência. Entra]
P: [depondo suas coisas na mesa] Isadora, pegaram
o criminoso. O nosso amigo inspetor fez um trabalho
excelente. Ele chegou na última hora e zás... pegou o
pilantra [ao abrir a porta vê que Isadora está
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


trepando, de quatro, gemendo, com o policial do DP.
Eles o olham. Ele olha o casal. Ela dá um sorriso. P
começa a morrer, deslizando para o chão. Enquanto
ela uiva cada vez mais. É necessário um toque
perverso de obscenidade, por isso o fade out final
deve terminar sobre as palavras e gemidos dela. De
preferência, os seios dela balançando sobre a cara
do P].




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                              O        ESPELHO
         -baseado na obra de Manuel Mujica Lainez-

      Simon del Rey (judeu, português que finge ser
     espanhol, rosário na munheca, sotaque errado,
   persignações constantes, sem motivo, agiota, tem
                                  ciúmes da mulher)
                                             Visitante
Dona Gracia (Mulher bonita, fidalguia discutível, seu
 dinheiro em dote aumentou as riquezas do marido,
                                mais jovem, sensual)
                              Emissário (meio galã)
                    Juan de Silva (amigo do Simon)
          Soldados (representantes do governador)
                         Juiz (terrível e autoritário)




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Simon está em seu escritório. Ele observa a mulher
em seus afazeres. Conversa com um visitante ou
cliente que de vez em quando olha a mulher,
também, e recebe um olhar desconfiado de Simon.
S: Não gosto de falar sobre minha linhagem real –
daí vem meu nome – d’el Rey, mas... para não cair
em pecado de... vaidades.
( continua a escrever em cadernos ensebados. Luvas
de meio dedo ).
S: Dos judeus... só me interessa o pano.
Visitante: O que?
S: O pano... os tecidos que eles trazem para vender.
(olha desconfiado para os lados como se esquece de
algo e se persigna intensamente, três vezes ). Boas
roupas, alfaias e mantos. Roupas espetaculares de
Europa.
( à noite no quarto. Escapulários e santos. Gracia
dorme. O quarto parece um altar, com velas... ele,
com o terço na mão, tenta escutar o que Gracia fala...
ela diz nomes... ele a acorda ).
S: Quem é Diego? Quem é esse Gonçalo?(ele beija o
terço).
G: Do que é que você está falando, marido?
(ajustando o travesseiro) Estou tentando dormir.
S: Quem são essas pessoas? Diego e Gonçalo...
G: Por que quer saber isso agora? (ela vira para
outro lado ).
S: Quem são esses homens?
G: Eu tenho um primo que se chama Diego. Vivia em
nossa casa. Não sei o que aconteceu com ele. Um dia
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


sumiu na guerra. Nunca mais o vi.
S: E o outro?
G: Que outro?
S: Gonçalo e não sei mais quê?
G: Gonçalo era meu tio... pai de Diego. Certamente eu
sonhava com eles, não lhe parece? (volta a dormir.
Ele se levanta. Vai ao escritório contar moedas e
pensar).
Pela manhã chega um Emissário.
E: Trago boas notícias, Sr. Simon d’el Rey.
S: Abre a boca e desembucha. O que ocorre pelo
Chile?
E: Seus negócios estão caminhando muito bem do
outro lado da Cordilheira dos Andes. E trago um
presente do seu sócio chileno...
S: O velho Leon...
E: Sim, o velho Leon... ele manda esse presente. Um
regalo de alto valor ( e vai descobrindo o presente
de um pano. Entrega o presente ao Simon, dentro da
casa, um grande espelho que brilha ).
S: Um espelho!
E: Um espelho... veneziano!
S: Belo espelho! (ele o observa atentamente). Viajou
em lombos de mula e passou por desfiladeiros
traidores sem sofrer dano algum?
E: Tivemos todo o cuidado... uma ordem do Sr. Leon.
S: Dona Gracia! Venha ver.
E: Ele dizia que o metal do espelho tem viajado por
metade do mundo!
S: Dona Gracia, venha ver. Um presente...
E: Diz ele que o primeiro metal do espelho foi
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Coelho De Moraes      CURTA os ROTEIROS de CURTAS


trazido por nada mais nada menos que Marco Polo...
S: Provavelmente em uma de suas viagens à Índia ou
China... Dona Gracia! Se faz o favor?
(ela se aproxima, faz reverência ao Emissário e fica
deslumbrada com o espelho. Ela olha o espelho e
olha o emissário. Troca de olhares e sorrisos e
cumprimentos. Ela se vê no espelho. No reflexo ela
está mais sensual. O marido e o emissário aparecem
também por detrás dela . Há névoa e fumaça. Um
certo embaçamento).
G: Não estou me vendo bem ( ela se mira e se move,
fingindo e gostando )
E: É um espelho antigo... está claro... mas previno ao
meu amo que é nisto que reside o seu maior mérito.
S: Sim.. sim... claro... muito formoso e... muito antigo
(como se fosse conhecedor de coisas antigas)...
muitos méritos...
E: E... quanto mais antigo... mais requisitado, mais
valioso...
(Coloca o espelho em frente à sua cama, entre
pinturas de santos e estátuas de Jesus).
S: Muito mais valioso...
(O quarto solo. Luz pela janela ou veneziana. O
espelho. A câmara faz uns travelings curtos. Simon
entra no quarto. Curioso. Se coloca frente ao espelho
e se assombra, se persigna e sai correndo do quarto.
Repetem-se os travelings, como de retorno)
( Ele dorme ao lado da mulher. Repentinamente
acorda. O espelho. Imagens alternadas entre ele e o
espelho, travelings curtos. Câmara se aproxima
lentamente do espelho a cada tomada ).
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


S: Que demônios se passa com esse espelho? Ele
demora para mostrar a imagem. Isso não pode ser...
é uma coisa fantástica. Tenho a impressão de que a
imagem que ele copia não é a do meu quarto. Parece
outro aposento. Outro lugar.( ele se aproxima do
espelho ) Parece que outras pessoas habitam as suas
imagens. ( atrás de si pessoas passam pela imagem,
sua mulher limpando as coisas, conversas do dia a
dia e ele se volta assustado só vê a mulher deitada e
se volta novamente e se vê sozinho numa imagem
normal ).
( Simon no escritório. Aparece Dona Gracia ).
G: Simon... acho que esse espelho está embruxado.
Parece enfeitiçado.
S: E por que? ( meio rude )
G: Porque hoje eu vi nele uma coisa que não é de
hoje. Mas era de ontem.
G: Já disse para você não me atrapalhar durante o
meu trabalho. Não quero que contrarie minhas
ordens. Não posso perder meu tempo com
assuntos... sem importância. ( ele está meio em
dúvida na verdade ). Você está ficando boba, mulher
( fixa sua visão em algum ponto, meio que perdido,
segurando firme contra o peito os livros de
contábeis. Resolve ir ao quarto, na ponta dos pés e
meio temeroso enfrenta o espelho que lhe devolve
sua imagem normalmente . Bufa, dá de ombros. Em
outro aposento ele se aproxima da mulher ).
S: Tenho problemas maiores. Terei que sair de casa
por uns dez dias.
G: Mas, por que?
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Coelho De Moraes     CURTA os ROTEIROS de CURTAS


S: Tenho que viajar para receber a fazenda que me
coube por pagamento de uma certa dívida.
G: Mais terras.
S: Mais ( eles se olham ). Mais terras para nossa
riqueza. ( eles se olham. Simon tenta descobrir algo
no olhar de Gracia e vice-versa ) Tenho que fazer os
inventários, assinar papeis. Coisas que somente eu
posso fazer. E é necessário fazer tudo agora pois
para nós, portugueses, os ventos estão soprando na
direção de uma tempestade.
G: Explique-se.
S: Apesar de achar que já me consideram castelhano
velho e dependendo do que acontecer na política
local, o importante é estar bem com todos. Lembra
dos pilotos que mataram e dos portugueses que
trouxeram a notícia da rebelião no Reino de
Portugal?
G: E quando o senhor parte?
S: Hoje mesmo. Sem demora.
( corte para a partida, bolsas e sacolas )
S: Me dói deixar a senhora Dona Gracia mas... deixo,
também, as minhas recomendações. Não saia de
casa a pretexto algum, a não ser, se quiser, para
assistir às missas. Quero que a senhora fique
enclausurada como corresponde a uma mulher de
sua posição e importância. Como uma monja! Uma
madrecita! ( ele se persigna, vai dar uma última
olhada no espelho ). E sobre ele (aponta para o
espelho) é bom nem se comentar. Se os
representantes da Santa Inquisição ouvem uma
conversa dessas... de espelhos com imagens
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atrasadas ou adiantadas, é certo que me botam na
fogueira.
G: Deve ser um defeito na engrenagem.
S: Que raio de engrenagem, mulher.
G: Ah! Sei lá. Na engrenagem dos reflexos.
S: E o que é que a senhora entende de engrenagem
de reflexos?
G: Aprende-se, ora essa. Ou pensa que minha cabeça
não tem outras idéias?
S: Shhh! É bom nem se falar nisso. Há tanto feiticeiro
em Veneza que até pode ser que um deles colocou
algum tipo de bruxaria nesses metais.
G: Quem sabe se com o tempo essa água do espelho
se adormece e ele melhore, não é Simon?
S: Água do espelho? (ele não acredita no que ouve)
Mais idéias? ( Eles se olham. Se estudam ). A senhora
andou aprendendo a ler, por acaso?
G: Eu não, senhor!
S: Toma cuidado, mulher. Essa coisa de mulher
saber ler é coisa do capeta. Acredito que o
procedimento mais certo, por enquanto, é não olhar
muito para este espelho... e, sobretudo, não deixar
que isso se torne uma obsessão. E não exagerar...
não exagerar jamais, pois o Diabo deseja que sempre
exageremos nas coisas. Seja lá no que for. Até
mesmo na fé.
( imagens e idéias que mostram a passagem dos
dias.)
( Corte: a bagagem de Simon no chão aos seus pés.
Imagens ao rés do chão. )
S: Dona Gracia! Cheguei! Onde está a senhora?
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( ela chega. Imagens do chão. Da canela para baixo.
Ela está bem vestida. Fica bem próxima de S. )
G: Como foi de viagem?
S: Bem. O que está a fazer? ( ela tira a malotagem
dele que vêm ao chão)
G: Tira esse peso. Conta mais. Fale da fazenda.
S: Temos a maior das fazendas. Terras que não
acabam mais. Como você está bonita, Todo
poderoso! Bonita como um navio dourado do
Infante Don Henrique, com sua bandeiras vibrantes
na brisa do mar.
( por estas imagens dos pés vemos que ela começa a
tirar a roupa, tira meia e sapato, ficando de pés no
chão . Ela sai, adentrando os aposentos). ( close de S.
ele aspira o ar como se procurasse algo. Sai pela casa
com o mesmo intento. Chega ao quarto. Velas. Dona
Graça está nua sob as cobertas. Ele olha para a
mulher. Ele olha para o espelho, e faz para ele como
se pedisse contas. Da nuvem das imagens aparece
Dona Graça trepando com o Emissário. Rosto
desesperado do Simon a olhar o espelho).
G: Vem, Simão! ( ele ouve, mas sem olhar para ela,
ele se enrosca no seu lado da cama e finge que
dorme. A mulher tenta alguma coisa, mas acaba
desistindo e vira para o outro lado. Ele não dorme.
Está desesperado. Nervoso. Morde as mãos.
Relembra as cenas do espelho. De soslaio observa o
espelho, temeroso. As cenas do espelho se
desenvolvem ao seu lado, quase em cima dele na
cama e ela com o Emissário. Clímax. Corte: Manhã.
Ele está a dormir, enquanto sua mulher se levanta.
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Corte: Ele vai ao banheiro. Lava o rosto, fala para si
mesmo ).
S: Não! Agora não! Podem ouvir. Devo levá-la para
um lugar bem longe e acabar com ela. Esse
governador pode se aproveitar de mim e se vingar...
não! Pensar melhor! Há um mundo de parentes
orgulhosos. Esse governador me odeia como um
cavalheiro odeia a um judeu... meus bens ficarão
para esses familiares que nunca fizeram nada...
Diegos... Gonçalos... e ainda eu tenho que dar
palmadinhas em seus ombros... tratar com eles...
fazer negócios... não! Talvez lá na Cordilheira. Na
nova fazenda! Como se fôssemos viajar para
conhecer as novas terras!
( Simão volta ao espelho e vê que soldados o
prendem no espelho )
S: Não! Não me meterão a ferros! Eu é que sairei
perdendo. Me prenderão por assassino da mulher!
Esses mesmos vaidosos castelhanos que matariam
suas mulheres por menos que isso, não permitirão
que um português judeu faça o mesmo com uma
mulher castelhana, mesmo que ela tenha pecado.
Acalme-se! Haverá ocasião para a separação. Agora
é acalmar-me e ficar quieto. Nada de mortes! Nada
de mortes!
( No escritório Juan de Silva o espera )
JS: Grandes novidades! Crise política total! Enquanto
você esteve fora o governador determinou que os
moradores de origem portuguesa se inscrevam em
uma espécie de cadastro especial e entreguem suas
armas.
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CURTA ROTEIROS DE CURTAS

  • 1.
  • 2. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CURTA os ROTEIROS de CURTAS de Coelho De Moraes Baseado em vários autores 2
  • 3. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS A IGREJA DO DIABO Baseado em uma obra de Machado de Assis Diabo, Deus, capetas e anjos CENA I (O Diabo, capetas à toa em torno, está sentado, pensando, quando, sorri, e tem uma idéia. Mas logo desiste. Pés balançando ao léu.. Repete o mesmo ato. Enfim se levanta e estala os dedos). D: Vou fundar uma igreja! (anda, pensa e pega livros, buscando inspiração). A: Praquê? Seus lucros são contínuos e grandes. D: Sabe o que é? Eu me sinto humilhado com o papel avulso que exerço desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada! Vivo, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. (sonhador) Por que não teria eu a minha própria igreja? Uma igreja do Diabo é o meio mais eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. 3
  • 4. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS A: Vá, pois, uma igreja. D: Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. (os outros capetas se aproximam) O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E, depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero, nem Buda. Há muitos modos de afirmar: só há um de negar tudo. (D sacode a cabeça e estende os braços, com um gesto magnífico e varonil. De repente se lembra). D: Licença. Tenho que ir até Deus para comunicar-lhe a idéia, e... (para não pegar mal entre os outros e ele grita) desafiá-lo! (os demais aplaudem. D levanta os olhos). Vamos, é tempo. (Sai em vôo, com estrondo). CENA II (Deus recolhia um ancião, quando o D chega ao céu. Os serafins param para ver o que é que há. Diabo deixou-se à entrada com os olhos no Senhor). Deus: Que me queres tu? D: (sorrindo) Não venho pelo vosso servo Fausto, mas por todos os Faustos do século e dos séculos. Deus: Explica melhor D: Senhor, a explicação é fácil; mas recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros... Deus: (corta repentina, mas, docemente, e o D cala com a boca aberta e no memos ponto em que Deus o cortou) Sabes o que ele fez? 4
  • 5. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS D: (pausa) Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. (enquanto ele fala Deus concorda) Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação...(pausa. D está cheio de si) Boa idéia, não vos parece? Deus: Neste momento vieste dizê-la... já legitima-la é uma outra cousa. D: Tendes razão, mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental. (enquanto sai) . Deus: Vai. D: (retornando) Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra? Deus: Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja? D: (sorriu de escárnio e triunfo). Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande numero comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para a minha igreja; atrás delas virão as de seda pura... Deus: Velho retórico! 5
  • 6. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS D: Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, a indiferença, ao menos, com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em cousas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos. (Os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e bocejam. Deus interrompe o Diabo). Deus: Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez? D: Já vos disse que não. Deus: Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatia já com a morte... D: (displicente) Ah! Então foi ele? Deus: O que disseste? D: Nada não... segui com a bela história... 6
  • 7. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Deus: Este ancião deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão? D: Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega. Deus: Negas esta morte? D: Nego tudo. A misantropia, a solidão forçada, pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrece-los... Deus: Retórico e sutil! Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai! De uma vez! (D vai falar e com o dedo na boca e incisivo Deus o cala! Deus faz sinal aos serafins que começam a cantar. O Diabo sente que sobra, dobra as asas, e, como um raio, caiu na terra. Estrondo. Ele levanta tirando pó da capa e olhando para cima com o queixo em riste e falando para si Tu vai vê). CENA III (Diabo com roupa de Beneditino proclamando nas ruas) D: Prometo aos seus meus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glorias, os deleites mais íntimos. Sim! Eu sou o Diabo, confesso. Eu o confesso que é para retificar a noção que a humanidade tem de mim e venho para desmentir as historias que as velhas beatas contam... velhas beatas. Sim!, sou o Diabo. Não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza. Chamam-me assim, como que do Mal, para arredar-me do coração das pessoas. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... (alguns se aproximam com interesse) 7
  • 8. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS D: Acreditem. As virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legitimas. A soberba, a luxúria, a preguiça estão reabilitadas, e assim também a avareza... H: Por que avareza, senhor? D: A avareza não é mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. H: E a ira? D: A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada (mudando de voz): "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... H: E a gula? Fale sobre a gula! D: O mesmo digo da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Lúculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal, Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? (alteando a voz) Prometo substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos meus filhinhos com o fruto das mais belas cepas do mundo. H: Qual dessaS virtudes é a principal. D: (um achado) Quanto à inveja, é ela virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento. (O povo aplaude e quer tocar nele como a um artista famoso). 8
  • 9. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CENA IV (D está em um púlpito universitário. Fala para uma sala.) D: Nada mais curioso, por exemplo, do que a nova definição para fraude. A fraude é o braço esquerdo do homem; o braço direito é a força. Muitos homens são canhotos, eis tudo. Mas, acalmem-se... eu no exijo que todos sejam canhotos; não sou um exclusivista. Que uns sejam canhotos, outros destros; aceito a todos, menos os que não são nada. (aplausos) Mas, atentos! A demonstração, mais rigorosa e profunda, é a da venalidade. A venalidade é o exercício de um direito superior a todos os direitos:- Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, cousas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, cousas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos!? O corpo? Não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, a porção moral do homem? (aplausos. Ele faz sinal para que alguém pergunte) H: Sobre as injúrias, senhor! D: Combato o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Agora, não proíbo, formalmente, a calúnia gratuita, mas sugiro que se exerça mediante retribuição, ou pecúnia, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que a calúnia fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, 9
  • 10. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS proíbo, nesse caso, receber qualquer salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. (sinal para que perguntem). H: Sobre as coisas do respeito, o que que é que me diz? D: Declaro que toda a forma de respeito está condenada pois isso me dá uma idéia de certo decoro social e pessoal. A única exceção é converter o respeito em simples adulação. H: Sobre a solidariedade. D: (Olha feio, cheio de pompa, querendo saber quem fez tal pergunta) Corto por todo a solidariedade humana. Amor do próximo é um obstáculo grave à nossa nova instituição. Essa regra é uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; ao próximo só se deve dar indiferença; e, em alguns casos, ódio ou desprezo. (enquanto as pessoas apupam entre aplausos e vaias) A noção de próximo é muito vaga e errada... cito a frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma de suas marquesas "Que se dane o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratava de amar as damas alheias, as deliciosas damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra cousa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo, ou seja, quer mais próximo que você mesmo?... entendem? Não? Então atenção! Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão dos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. CENA V 10
  • 11. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS (Cena em que o povo se inscreve na nova Igreja. O Diabo desce o martelo, significando fundação. Aplausos). D: Sou o maioral. Triunfal! CENA VI (vinheta “algum tempo depois”) A: Olha, Diabo muitos dos seus fiéis, às escondidas, estão praticando as antigas virtudes. Os bons hábitos... D: Como é que é? A: (manhoso) Não todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões começam a comer menos... já fazem isso três ou quatro vezes por ano, sabe como é?, justamente em dias de preceito católico... em dia de festas de santos, por exemplo... D: Não é possível? A: Mas, é. Muitos avaros... sabe... aqueles velhos pães- duros... davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas. D: Inacreditável! A: Vários dilapidadores do erário, em geral, quem trabalha em prefeitura, devolvia o dinheiro roubado em pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. D: Estou... assombrado. A1: Alguns casos são até incompreensíveis, como é o caso de um farmacêutico na China que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria, agora, os filhos das vitimas. A2: No Cairo há um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. Quando o 11
  • 12. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS interpelamos ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogman; roubou-o, com efeito, foi dá-lo de presente a um muezin, que rezou por ele a Alá. A: E, pior, um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinquenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estatuas, biblioteca, etc... Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. D: Mal posso crer tamanha aleivosia! Assim não dá! Cadê o meu contabilista! CENA VI (Voou de novo ao céu, tremulo de raiva. Relata tudo – cena muda - a Deus, que houve tranquilo) Deus: Que queres tu, meu pobre Diabo. As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu! Esta é a eterna contradição humana. 12
  • 13. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS A PRINCESINHA DAS ROSAS baseado na obra de Fialho de Almeida, autor português (1867-1911) Personagens: Moça, mulheres, homens, crianças, um Homem Cena 1 [Noite com lua. Um rio ou lago tranqüilo. Uma barca de pesca. U’a moça ali deitada, usando uma roupa clara, longa, de linho, talvez, diáfana. A moça é muito branca. Marulhar. Mãos preguiçosas tomam um pouco de água. Pescadores ao longe. Subitamente a moça se ergue e ouve. A cena é entremeada de fotos que correspondam ao relato]. OFF: Lá nos confins do mundo, onde se acaba o pavimento dos mares e começam as arcarias do céu, ouvi dizer que está caído há muitos anos um pedaço de 13
  • 14. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS abóbada celeste, e por ali entram as almas das criancinhas mortas, ao colo de seus anjos da guarda. Cena 2 [A moça andando pela praia. Em segundo plano vultos se escondem na escuridão, furtivos. Piers, redes, barcos, água, a lua. A moça se direciona a uma clareira. Há mesa com frutas – uvas, geléias, caldas, coisas que lambuzem - espalhadas. Ela anda em torno da mesa, sonhadora, deita-se sobre as frutas, deita com a barriga para cima, abre as pernas e trás o vestido para cobrir entre as coxas. Tomada como se alguém espreitasse entre as árvores enquanto a garota se revira sobre a mesa.] Cena 3 [Manhã. A moça está sobre a mesa. Acorda subitamente, pondo a mão no rosto. Vê-se que ela tem asas bem fornida de penas. Ela olha e nota que alguém se afasta. A moça olha para três pontos, sempre tendo a noção de que algo estranho aconteceu num misto de curiosidade e assombro. Todas as tomadas são de distancia. Em todas as circunstancias, as tomadas do rosto da moça são em movimento, girando ao redor dela, enquanto ela olha para a lateral: Ponto a) Algumas mulheres nas pedras se penteiam. Percebem que são vistas e pulam na água. Ponto b) Bando de crianças correndo. Todas têm chifres. Ponto c) algumas mãos saem da terra, como a escapar da prisão. A moça começa a chorar.] Cena 4 [Mãos de pescadores puxando redes. Ouvindo o choro 14
  • 15. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS aterrador eles param, soltam as redes e se dá a entender que fugiram. ] Cena 5 [Moça saindo da mesa. Ouve. A cena é entrecortada de imagens de fotos que correspondam ao que se relata a seguir. Enquanto ela se desloca lentamente.] OFF: Vem comigo ao meu palácio de estalactites cor de safira, onde há babilônias submersas. Guiarei você através dos pórticos. Não responda à interpelação muda das esfinges. Abandona as asas e vem para o meu amor. Já rompe a manhã e as estrelas se apagam. [Na entrada da floresta, saindo da clareira, ela hesita. Obrigatória música de flauta solitária. Ela corre. Foge pela floresta atarantada, mas, pelo outro lado. Entre as árvores. Tensão e flautas. Várias flautas. As asas vão se destruindo na correria. Corre tanto que sai na praia antiga e cai nas águas.] OFF: Vem, minha filha! [A mão a agarra por trás e começa a puxar para dentro das águas. A moça está aterrorizada e não quer, se debate, mas vai levada.Cenas entremeadas de imagens. Imagens de castelos, orlas, lagos, órgãos de igreja. A sonoplastia acompanha os cortes das imagens.] OFF: Filha de sereia, o seu lugar é nos palácios submersos. Você foi deixada num cesto que aportou no principado das rosas... deixada por seu pai, covarde pescador. Mas você é filha das águas. Filha de sereias e nunca será o anjo do Senhor. [U’a mão se aproxima e ela toma essa mão, se livrando das águas. Agarra-se ao corpo que é visto somente por 15
  • 16. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS trás. Ela está abraçada à ele. Soluçando. Ele a afasta. Toma das mãos dela. Dedo contra dedo. Ele se dirige para sua barca negra.] Ele: Você é muito fria. M: Acabei de sair das águas. E: Não! Não é o frio das águas. É o frio da sua alma. [Ela olha para trás temendo o retorno da outra personagem. Vê uma barca negra. Aquele era o Barqueiro - com capuz e cobertura. Não se vê o rosto. Mantém-se o marulho. Ela se aproxima e pergunta:] M: Você não partiu!? B: Estive com você essa noite. Desfrutei de você. Procuro a princesa das Rosas. M: Eu sou a primeira mulher dessa Ilha. Cheguei aqui ainda criança. B: Vejo seu brilho nas águas. [Pausa para olhares]. Venho buscá-la. M: Você vai se arrepender. Sou muita fria. As pessoas fogem ao meu toque. Você já percebeu isso. M: De onde eu venho todos são muito frios. [Ele dá a mão para ela. Ela sobe no barco e partem. Junto ao som de flautas o bater de um sino e a lua. Imagens de uma Igreja sob as águas.] 16
  • 17. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS EM LUGAR DO RATOS baseado na obra de Viriato Correa Personagens: Gigi (G), seu Dedé (D), João Cotó (JC), uma mulher, Pedrão feitor (P) CENA 1 [Gigi lavando seus pratos. Ouve barulho na entrada da casa. O feitor trouxe um saco de qualquer coisa: farinha, arroz. João Cotó (JC) está comendo]. JC: Atende lá, mulher. Que moleza. [Ela vai, meio zangada. Lá fora] G: Trouxe mais farinha, Pedrão? P: Pois é. E tenho novidades. Seu Dedé vem morar definitivamente na fazenda [G sente uma emoção e olha para seu marido, de costas, comendo. Câmara se aproxima do rosto de G. Ela começa a lembrar]. CENA 2 17
  • 18. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS [G entra pela janela do quarto dele. Beijos, abraços, amores, ela saindo pela mesma janela] P: Depois da morte do coronel, bem que estava faltando o olho do dono, por aqui, não acha, dona Gigi? [Mais memória sexual de G]. G: Ele veio para ficar? P: Parece que sim. [G volta a olhar para o marido que se espreguiça. Mixa imagens com sexo no quarto do rapaz]. CENA 3 D: Parto amanhã. G: [chorando] Vou com você. D: Você está louca! Impossível! Sou simples estudante. G: Eu fico sua servente, sua criada... D: Ainda vivo com a mesada que meu pai me manda... Você fica. Me espera. G: Eu não agüento. Eu morro antes. D: Eu concluo o curso e volto para seus braços. G: Volta mesmo? D: Certamente. Quando não fosse por minha família seria por você. CENA 4 [G na varanda com P] G: Faz cinco anos que ele se foi... P: É... parece que viajou muito... G: E nem escreveu... P: Como você sabe? Era o que o coronel dizia... nem uma linha daquele ingrato... G: Nem uma linha [G está meio estranha, olhar perdido]. P: ... a única vez que disse alguma coisa era que não voltava mais para o sertão... [inclui cena de cama]. 18
  • 19. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS G: Obrigado Pedrão... pela farinha [P sai tocando na aba do chapéu. G entra e olha o marido que come feito porco]. CENA 5 [Na cama, lado a lado a JC. G de costas para ele. Câmara frontal à ela, lateral à cama. JC tenta aproximação] G: Já tomou seu banho? JC: Já... já tomei. G: E a boca lavou? [corte. JC resfolegando por cima de G. Ela olhando o teto como se em sacrifício] CENA 6 [G prepara o almoço. Decide fazer um prato e pega no baú veneno para rato. Faz o prato com o veneno. Faz outro prato. Deixa o prato pronto o fogão para o marido e sai]. CENA 7 [G chega na casa grande. D aparece na varanda. Se olham. Ela sorri. Ele não. Ela se aproxima. Encontra P na escada] P: Olha quem está aqui, seu Dedé. D: [virando-se, displicente] Quem é? P: O senhor já não se lembra? Gigi. D: Ah! Sim. Como está mudada [estende-lhe friamente a mão. Imediatamente se vira a moça que está a seu lado, sorridente].Olha meu bem. A Gigi pode servir você. É muito limpa e dará uma ótima criadinha. [se afastam. G está atônita e se apóia em P para não cair. De repente sai 19
  • 20. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS correndo para a estrada. Corte para sua entrada em casa. JC põe o prato e se prepara para a primeira colherada]. G: Não coma isso [ele ouve]... é para os ratos... O seu está guardado na geladeira... [pega e entrega a ele... G toma o dele e senta-se para comer e começa, rapidamente a comer o prato o envenenado] JC: Você não disse que era dos ratos? G: [lágrimas escorrendo] Era brincadeira... era brincadeira minha... 20
  • 21. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS EM MEMÓRIA DE MIM Baseado em Miguel Sanches Neto M – Maria; J – José; S - Senhora Maria raspou as camadas de tinta das paredes antigas e pintou tudo de azul. M - Mudar a cor da sala é u’a maneira de tomar posse desse lugar... [mergulha o pincel e retoca mais uma vez]... mas serve também para enganar a solidão. [Senhora entra. Deposita algo encima da mesa] S – Gosta daqui? M – Não tenho certeza. Acredito que sim. S – Você deve se sentir em casa. M- Mesmo assim, não é minha casa. É do meu marido e eu não tenho amigos ou parentes na cidade, na verdade, a estrangeira sou eu. S- mas é uma bela casa. 21
  • 22. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS M- Aqui estou como uma intrusa... a casa foi construída pelos bisavós do meu marido. Posso até sentir a presença de cada um dos ex-moradores do casarão... S- Então você não pode estar feliz. [oferece café e bolachas] M- Não queria ter vindo depois do casamento, mas, também..., fiquei sem coragem de contrariar meu marido, tão ligado à velha casa da infância. S- E filhos? M- Para que fosse mais minha, imagino muitos filhos correndo pelos cômodos, só que esse não era o desejo de José... S- José? M- O marido... S- Ele não deseja filhos. M- Ele quer apenas uma criança [ela faz sinal para o ventre e a S põe a mão em sua barriga] - para continuar o nome da família. Isso me anima. S- Sim. Terá companhia e talvez deixe de se sentir uma estranha. Por isso pintou a sala? M- [sorri] É... para receber festivamente o filho, anúncio de novos dias. [imagens de uma casa formal, grave] S- pelo visto a casa mantém vivo o formalismo da família de seu marido. M- Exatamente. Eu estou acostumada à vida alegre do interior... S- Acabou que estranhou este mundo sem prazer, de homens religiosos. M - Pintar a sala, na verdade, foi um pequeno ato de revolta. Agora, era um espaço meu, assim penso. [corte] [‘M’ coloca um vaso de flores na mesa e sai. No sótão ou quarto, mexe em velharias empoeiradas. Vai desistir. 22
  • 23. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Descobre um quadro virado para a parede - retrato a óleo de um jovem loiro de olhos azuis. Por um instante, teve a impressão de estar diante de algo vivo, tão intenso o brilho dos olhos. Pendura na sala. Olha o retrato e o retrato parece olhá-la. Alternância de dias enoites e ela nada mais faz se não olhar o quadro. ‘M’ está absorta e não a ‘J’ entrar. Assusta.] J Lembrou de uma história que me contaram quando ainda era pequeno. [cenas de infância. A avó ‘A’ cujo rosto não aprece na cena. Sua vida foi rezar – cenas evidentes o crucifixo - fazer penitência e cuidar de filhos e netos. Esclerose] A- F de um homem de verdade nesta casa. [Quadro aparece na parede de seu quarto, no mesmo prego onde antes ficava o crucifixo] José... olha! Esse é quem me dá alegria, a única paixão de minha vida, e agora posso dormir todas as noites pensando nele. [‘J’ se zanga e foge para o seu quarto enfiando a cabeça no travesseiro. Tempo para noite. O menino ouve. Gemidos no quarto da avó. Corte para ‘M’] M- Com certeza, ele não vai gostar de ver o quadro na sala, mas preciso impor, ao menos uma vez, o meu desejo. [ Foi para o antigo quarto da avó. Passeia por lá e observa . Sonhos. Sexo com o quadro.] [José chega. Malas na sala, ele a beija sem maior interesse, retira o retrato da parede. No lugar, uma foto envelhecida do avô., O marido lendo na biblioteca. ‘M’ perdia-se pelo imenso quintal, observando nuvens ou o céu azul. Solidões e distancias] Ficou imaginando se a avó de José tivesse engravidado do amante. Teria sido rompida toda essa melancolia? Entre momentos de desespero e outros de simples resignação, suportou o resto da gravidez. E a criança 23
  • 24. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS nasceu loira e de olhos azuis, apesar de os familiares tanto dela quanto dele serem morenos. Assim que voltaram do hospital, mãe e filho passaram a dormir no quarto da avó, por imposição do marido, que agora já não pode sair de casa sem se sentir envergonhado e nem suportar o olhar lascivo do menino. que, indiferente a tudo, cresce alegre e inteligente. 24
  • 25. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS MARA baseado no texto de Herberto Salles (Mata. O pajé. O Pajé e os Rios. O pajé e a noite. O Pajé e seus utensílios de uso e vestimenta. Uma criança ao lado do Pajé. A criança. Mara já moça. Mara na floresta. Mara parada olhando para as água se olhando para o chão, observando formigas, coçando o pé. Imagens do Pajé a ensinar pajelanças para Mara. Mara, muitas vezes, demonstra que não quer... nada quer. Demonstração, por imagens intercaladas, do poder do velho). 25
  • 26. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Mara na leitura do futuro, curando à distancia, transformando-se em animal, tornando-se invisível. Pajé (abençoando-a com o tambor sagrado, falando em dialeto de velho): Todos os poder que índia Mara, mia fia possui... o mais minguinho deles até de pajelança, só serve se for pro bem, mia fia; jamais nunca pro mal. (Passam duas luas. Uma outra índia é picada por cobra. Pajé tenta salvá-la, mas ela morre.) P: Precisei diocê. Dionde de tava? M: Tava na cabicera do rio, buscano umas prantinha: os lírio amareli. (Chuva intensa). Índia outra: Pajé! Tá chuveno dimais. Parece coisa feita. P: Essa chuva num é da natureza. Índia outra: Parece di incumenda. A chuva tá caino num lugarzin só. P: Adonde, fia? Índia outra: Na minha roça de manioca. Ta melano tudo. P: Ou é castigo diargum deus ou é maléfiço de gente. Índia outra: U povu ta triste, pajé. Ta infelicitano a gente da tribo. P: Isso pode sê obra de uma força do mar. (pajé olha para Mara que está absorta ao longe, cruzando uns gravetos). 26
  • 27. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS P: Mara! (ela para o que está fazendo a escutar). Mara! (olha de lado com certa dureza). To te chamano, muiézinha. (Ela se levanta). P: To sabeno se suas mardade. Pois fica sabeno que posso mardizê vossuncê, tamén! M: Esses poder são meu. Já nasci co-eis. P: Mara! M: Posso fazê co-eis o que eu quisé. E na tribo tem é munta mardade recramando punição. Paga de mar com o mar e inté co’a morte, quano perciso foi. ( Mara faz um movimento e some. O Pajé entristece. Pega do tambor ritual e chama os deuses. Entoa um canto monótono, lamentoso. Fica em silêncio. Câmera afasta. Mostra a cabana. Cabana ao longe. Mais longe. Fade out lento.) (Fade in para o o Pajé pegando veneno e pondo no peixe salgado pendurado num varal que Mara havia de comer. Ela entra repentinamente na tenda. Pegou o peixe e jogou para fora. Pôs-se a morder u’a mandioca, cuspindo os pedaços no chão). P: Isso nué coisa que se come anssim. M: Não to comeno. To só mostrano que tenho vontade de come. (joga fora a mandioca). P: Mas, se ta com fome, pru quê não comeu o peixe? M: Pruquê minha fome num é de peixe venenado. E uma coisa lhe peço, meu pai. Num use no meu de-comê de boca os seus poder de veneno. Vai secá a mão de quem me venená desse forma. (outro movimento e se transformas em um animal 27
  • 28. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS que foge. Num momento o Pajé toma arco e flecha e aponta mas logo desiste. Fade out. Trazem um índio entrevado numa padiola). P: Que qui sucede? Índia outra: Esse índio é caçadô, pajé. Tava caçano quano ficou entrevado. Ele ia atirá num bichin da foresta quano ficou anssim. Nem se mexe co’as ponta dos dedo. (Pajelança. Mara entra de repente). M: Entrevado ta. Entrevado fica até morrê de fome. Pruquê tua boca não abrirá nem pra falá e nem pra comê, por vontade minha. ( e saiu). (Sons e barulhos da mata. A câmara acompanha sos pés de Mara. Na porta da cabana ela para. Abre repentinamente. O Pajé está pegando uma água da bilha apara beber. Ela olha. Laça a bilha, fala umas palavras mágicas e a bilha se torna animal) M: Uma coisa lhe peço, meu pai. Não use nos meu di-bebê os seus poder de veneno. Pruquê farei secá a mão que tenta me venená deanssim. (Dia seguinte. O Pajé sai pelo mato e vai para o açude. Na beira ele a vê deitada dormindo. Rapidamente ele a toma e a afoga. Fade para enterro da índia na beira do lago. O túmulo na beira do açude. O túmulo sozinho. Fade para um túmulo coberto de flores. Casal de índios se aproxima e pega das flores. Eles desfalecem e morrem ) 28
  • 29. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS O Caso do Pneu Furado Baseado na obra de Juan Angel Cardi A – Amiel, Kl – Kaiser Lupowitz, LC – Liorno Colino, VP – Vladimir Perea, o Tio, T-Trigo, R- Ronzo, AL Anatólia Lloveras) (enquanto os detetives entram na sala de interrogatório) Narrador: - Tínhamos certeza de que o homem estivera – entre as doze horas e cinquenta minutos e as treze e dez – numa casa de Miramar onde se escondia um perigoso infiltrado, o qual mantínhamos sob constante vigilância desde o exato momento do seu desembarque, efetuado três meses antes. 29
  • 30. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Bernardo Henares: - (o detido, com obstinação) Não. Não. Nada disso! Eu tenho testemunhas que confirmam o que eu disse. Vladimir Perea (detetive): parece vídeo tape que repete sempre as mesmas palavras e até os mesmos gestos e trejeitos. Amiel (capitão) – Insistam pela ultima vez. Sente-se bem, senhor Henares? BH – Fisicamente, sim. VP - E existe outra maneira de alguém sentir- se bem? A – Sim... Moralmente. Moralmente me sinto mal. Tenho muito o que fazer e há mais de cinco horas que estou aqui... Colino (detetive) : O seu mais o que fazer, já verifiquei hoje à tarde, é recolher frascos de maionese vazios para com eles fabricar lamparinas de querosene e vendê-las a cinco pesos cada. Na ampla garagem de sua casa, no bairro de El Vedado... o senhor tem uma indústria artesanal e clandestina, onde explora várias pessoas, pagando-lhes um peso diário por dez ou doze horas contínuas de trabalho. Amiel - Certamente isso é ilegal, senhor Henares. Pode estar certo, senhor Henares, que sentimos muito, mas também estamos trabalhando. Quer fazer o favor de nos repetir o que o senhor fez hoje, entre as doze e cinquenta e treze e dez? BH – Outra vez? KL – Sim, senhor. Por experiência, sabemos que muita gente tem a memória curta. (BH encara 30
  • 31. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS KL com ar sardônico) O fato, senhor Henares, é que uma companheira afirma que o senhor esteve hoje, entre as referidas horas, numa casa da Rua Terceira, em Miramar. E que o senhor deixou seu carro estacionado na Rua Trinta e Quatro, a duas quadras da casa que o senhor visitou. Não foi isso? (BH impassível) BH – Isso é impossível, tenente. Não se pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. KL - É a sua palavra contra a de uma testemunha presencial. BH – Essa senhora pode ter-se equivocado. Em Havana existem muitos Chevrolets verdes. KL -– É verdade, mas apenas um com a chapa noventa e oito noventa e sete. BH - Se o outro carro, o que se encontrava em Miramar, estava fazendo qualquer coisa ilegal, naturalmente usava uma chapa fria. (Amiel tamborilava a mesa com um lápis. Perea estava encostado na janela; e Colino, com os braços sobre o espaldar da cadeira, encarava o homem com intensa atenção. KL - Afinal, onde foi mesmo que o senhor, disse que se encontrava àquelas horas? BH - Estava na Rua Mercaderes, a mil léguas de Miramar. Furou o pneu do meu carro e... VP - E de onde vinha o senhor? BH - De vários lugares. Não me lembro. KL - Que pneu o senhor disse que furou? BH - O traseiro da esquerda. 31
  • 32. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CL - E o senhor estacionou do lado esquerdo? BH (rindo) – Não! Já repeti três vezes ao tenente que parei á direita. KL - E o que o senhor fez ao estacionar? – perguntei. BH – Outra vez, oficial? KL - Sim, senhor Henares. Tenho péssima memória. BH - Abri o porta-malas, tirei as ferramentas e o pneu sobressalente, coloquei o macaco, levantei o carro, tirei o pneu furado, substitui pelo outro, apertei as roscas, baixei o macaco, recoloquei-o no porta - malas com o resto das ferramentas e o pneu furado. KL – Quando o senhor diz pneu quer dizer a roda completa? BH – Claro que sim. KJ - – A que horas mesmo o pneu furou? BH – Às cinco para a uma. Terminei de trocar o pneu a uma e vinte, por aí. VP – Por que demorou quase meia hora numa operação tão simples? BH – Os senhores não se cansam? Já expliquei isso também: aquela é uma rua muito estreita, o que me obrigava a trabalhar do lado de lá, bem no meio da rua. Àquela hora, como acontece sempre, o trânsito era intenso, de forma que a cada momento eu tinha que me levantar para deixar passar os carros. 32
  • 33. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS KL – Como soube a hora exata em que o pneu furou? BH – Porque olhei o relógio, tenente. Tinha um encontro com um amigo a uma da tarde. Quando estava tirando as roscas, passou uma senhora amiga minha e por um instante ficamos conversando. Cheguei ao encontro um pouquinho depois de uma e meia. Quer que diga mais uma vez onde se deu o encontro? KL – Se isso não o incomoda... BH – Então vamos lá! Foi no Restaurante La Roca. Meu amigo já fizera o seu turno e almoçamos muito bem. KL – A que horas terminaram de almoçar? BH – Às duas e meia. A – Que fez o senhor ao deixar o La Roca, senhor Henares? – BH – Voltei para o meu trabalho. A – E onde o senhor trabalha? BH – Num café de San Miguel del Padron. A – E qual a hora de sua entrada? BH – Quatro horas. A - E a que horas chegou? BH – As dez para as quatro. Mas já disse também ao tenente que tomei umas cervejas ao passar por Concha y Luyano. A (parou de tamborilar, olhou Henares demoradamente) – Levem-no. Ele precisa descansar, BH (contrariado) – Até quando pretendem me manter aqui, sem provas? Afinal, 33
  • 34. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS que fiz eu? Por que não chamam as testemunhas a que me referi? A (sempre paciente) – Acalme-se, senhor Henares! Vamos checar suas declarações com as das testemunhas. BH – É que tenho um negocio importante a fazer esta noite. A (enrolando o dedo na espiral do fio telefônico) – Sabemos disso, senhor Henares. Sabemos perfeitamente qual o negócio que o senhor tem planejado para esta noite. (BH mudou por completo a fisionomia, medroso e balbuciante. Colino teve necessidade de segurá-lo por um braço para ajuda-lo a andar). A – Não é uma sorte para nós que essa espécie de gente seja feita de material tão frágil? KL - Alguns resistem mais. A – Mas o fato é que num determinado momento todos acabam caindo de joelhos. VP - E que conclusão o senhor tirou disso tudo, capitão? A (andando pela sala) – O assunto está complicado, Vladimir. Se não podemos provar que esse indivíduo não se encontrava em Mercaderes, teremos de libertá-lo, pois não podemos retê-lo sem provas. E se o soltarmos, logo ele providenciará para que os demais sejam alertados, especialmente o homem de Miramar. Resultado: será suspensa a reunião que tinham combinado, o que significa, em resumo, que irá abaixo a operação que preparamos para daqui a pouco. E, meses de trabalho perdido! 34
  • 35. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CL (retornando) : – Não seria melhor não soltá-lo? A – Aí é que esta a falha, Liorno. Para levar a cabo o nosso plano precisamos prender um do bando, para que possamos tomar conhecimento da senha combinada e conseguir, com ela, ter acesso ao lugar da reunião. Escolhemos para isso o tal Companys; mas ontem o infeliz bateu com o carro e agora está recolhido ao hospital de Jaguey, em estado grave. Como eles devem saber, sua senha já não nos serve. Aí apareceu esse tal Henares. Agora sim, poderíamos provar que esteve ali, o processaríamos por cumplicidade com um agente infiltrado da CIA. Em seguida, consumada a operação, poderíamos acusá-lo frontalmente, porque ele, como você sabe é o chefe e teria que estar presente à dita reunião... CL – Mas isto não é uma falha, capitão! É um... uma... KL – Procure encontrar a palavra exata, Liorno, para que possa falar com o advogado. CL – Que advogado? KL – Conheço muito bem a mulher de Henares e sei que é muito esperta. Se o marido não chegar em casa antes das onze da noite, e já passam das nove, ela certamente ira mobilizar um par de sujeitos para que o localizem. Já fez isto outras vezes. A – Ela sabe que o marido está envolvido com um bando de contra-revolucionários? KL – Não. Certamente ele não lhe contou nada, porque sabe que ela é muito indiscreta, 35
  • 36. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS segundo me assegurou tia Alberta. De qualquer maneira, ela sabe que Henares compra frascos roubados e que também anda metido com outros negócios escusos. (Pausa. KL mexe no tabuleiro de damas. Amiel, rabisca numa folha de papel, inclina-se para trás em sua cadeira). A (para CL) - Vá chamar a senhora. (Corte. Mulher entrando. Anatolia Lloveras. Trinta anos, loura oxigenada, de estatura mediana, rosto agradável e corpo esbelto, cintura estreita. Senhora de si e sorridente). A – Sente-se por favor, senhora Lloveras. AL – Obrigada, capitão. A – Senhora, desejamos verificar sua declaração. A que horas a senhora disse que se encontrou com o senhor Henares na Rua de Mercaderes? AL – A uma em ponto da tarde. A – Como sabe que era exatamente essa hora? AL – Porque ia almoçar no El Templete e dei uma olhada no relógio quando me encontrei com Bernardo. A – Conversaram durante muito tempo? AL – Não. Apenas alguns minutos. A – Pode-se saber do que falaram? AL - Claro, tenente! Como 1he disse antes, falamos de coisas sem importância, nos limitamos quase a nos cumprimentarmos. Perguntei como ia sua senhora. Ele me disse para onde estava indo. Enfim... 36
  • 37. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS A – Desde quando a senhora conhece o senhor Henares? – perguntou Amiel. AL - Há vários anos. A – A senhora sabe que o senhor Henares foi sentenciado? AL - Sim. A – E a senhora costumava visitá-lo na granja onde ele cumpria pena? AL - Já lhe disse que não, capitão. Eu não tinha direito a isso. Sua mulher é que o visitava. KL – Que espécie de relações a senhora mantém com esse homem? (AL endureceu a fisionomia) A senhora tem liberdade de responder ou não. AL - Prefiro não responder. VP – Que fazia Henares quando a senhora passou por ele? AL – Afrouxava umas roscas com algo parecido com uma cruz. KL - De que pneu ele tirava as roscas? AL – De um da parte traseira do carro. KL – A senhora almoçou sozinha no El Templete? AL – Sim. KL – O que a senhora almoçou? AL - – Sopa de aletria, galinha frita e sobremesa. Ah! Também tomei um sorvete. KL – De que era o sorvete? AL – De chocolate. (KL olha A . Ele balança a cabeça) 37
  • 38. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS A – Colino, acompanhe a senhora. E traga Trigo. Faça com que sirvam café e refresco a senhora Lloveras. AL – O senhor é muito amável, capitão. (Corte direto para o rosto de Trigo) T– Os senhores dirão... A (enérgico) – Tenha a bondade de ficar em pé. (T obedece e resmunga) Qual o seu nome? T (zombando) – Venâncio Trigo Querejeta, natural de Havana, quarenta e seis anos de idade, casado, alfabetizado e residente na Rua Arnau sem número, subúrbio de La Lira. Passei pela Rua Mercaderes a uma e quinze e vi meu amigo Bernardo trocando um pneu, e então lhe disse: "Agora não deves encher de ar, deves por rum Coronilla", e então ele me mandou para a casa do caralho e eu... A (como Jó) - Leva ele daqui, Colino. T – Não me toque, que sei caminhar sozinho! E o senhor, capi, quando vai me soltar? A – Logo que você esteja disposto a se comportar decentemente (outro dá de ombros e sai com certa bossa). Traga o outro, Colino. (O outro era um gordo, satisfeito, balofo, petulante, prepotente. KL faz sinal para A) KL – Sente-se, senhor Ronzo. (sentar-se brusco, olhou para A e este gira na sua cadeira e se volta para a parede). O senhor nos disse que esteve em La Roca almoçando com seu bom amigo Bernardo Henares, entre uma e meia e duas e meia da tarde. É verdade? 38
  • 39. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS R (altaneiro) – Sim, senhor. VP – E por acaso ele lhe disse que lhe havia acontecido algo? R – Sim. Me disse que um pneu do seu carro havia furado, lá na Rua Mercaderes. KL – Disse também que vira alguém enquanto trocava o pneu? R – Sim. Que encontrara sua amiga Anatólia. E que pouco depois passara por ali um tal... um tal de Frigo... Drigo... algo assim. KL – O senhor conhece a senhora Lloveras? R - Sim... Sim, senhor. KL - Como e quando? R – Foi Henares quem me apresentou a ela, já tem algum tempo. KL - Por acaso não teria sido num bordel da Rua Animas? R (surpreso) - Sim. Mas isso é coisa do passado. A senhora se regenerou. KL - O senhor acredita nisso? R - Tenente, a Revolução... KL - Por favor, responda-me: o senhor crê realmente que essa senhora tenha se regenerado?... (ele baixa a cabeça) Não quer responder? Pois eu lhe digo: Não!. Outra pergunta: pode dizer-me que relações existem entre ela e Henares? R – Não me imiscuo na vida privada das pessoas. Puxa! Mas talvez possa dizer que ela esta se superando. KL - Eu sei. Está estudando grego por conta própria. E sabe por que? Para entender-se melhor 39
  • 40. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS com os marinheiros mercantes dessa nacionalidade. Ela e Henares se especializaram em explorá-los. R – Eu não sabia disso. KL – Claro que sabe, já que vem emprestando sua casa para tais encontros clandestinos. R - Os senhores me vigiam? KL – Será que o senhor já não esteve envolvido em atividades contra-revolucionárias? R (constrangido) – Para que lembrar isso agora? Já cumpri um ano de prisão. Já... KL – O senhor conheceu Henares na granja de Melena, certo? R(bufando) – Sim. VP – A que se dedica o senhor agora? R – A nada. Era proprietário de vários edifícios, que me foram tirados. KL – Não! não lhe foram tirados. A Revolução os nacionalizou, através de uma lei popular. O Estado não lhe paga um subsídio? R - Sim. Recebo seiscentos pesos mensais. KL – E por acaso o senhor não gasta mais do que recebe? R – Não, senhor. Vivo apenas do que recebo. KL – Seiscentos pesos mensais são vinte pesos diários. Quanto o senhor gastou hoje no almoço? R – Uns quarenta pesos, incluindo os aperitivos. Mas não faço isso todos os dias, tenente! KL – Pois sabemos que o faz com bastante frequencia. R – Os senhores estão me vigiando? 40
  • 41. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Kl – Não, senhor. Não podemos perder tempo vigiando-o. Acontece, senhor Ronzo, que o senhor tem fama de petulante, pretensioso e insolente. No quarteirão onde o senhor mora, e que por acaso fica bem próximo da minha casa, o senhor já teve vários problemas com vizinhos, não é? R – É que o presidente do Comitê não faz outra coisa senão implicar comigo. KL – O presidente do Comitê do seu quarteirão, senhor Ronzo, não implica com o senhor. (R começa a se abanar, nervoso) Ao contrário, é o senhor que se atrita com ele, porque quando emborca alguns copos a mais começa a insultar a Revolução, e ele é um revolucionário. LC – Senhor Ronzo esta se sentindo mal? R – Não, não. É o calor. LC – Então, poderia nos dizer qual o motivo do seu encontro com Henares? R – Somente para almoçar. LC – Não se encontraram para tratar de algum assunto? (R fica mais tonto e se apóia na mesa. LC levanta os olhos para KL) KL – Responda: sim ou não? R (inquieto)– Foi Henares quem lhe disse isso? KL – Por que supõe que foi Henares que nos disse? R – Não suponho nada, tenente. Eu... (emudece olhando para KL) KL – O que o senhor ia dizendo? R – Eu... enfim... 41
  • 42. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS KL ( amigável) - Bem, senhor Ronzo, o senhor quer nos dizer o verdadeiro motivo do encontro, só para ver se coincide com o que nos disse Henares? R (se agita) – Quero um advogado! A (sem se voltar) – O senhor não está indiciado. Sequer está detido. Compareceu aqui como testemunha de seu amigo e com o simples objetivo de prestar algumas declarações. Compreende? R – Sim, sim, capitão. A – No entanto, se o senhor exige um advogado para responder a simples pergunta, pode fazê-lo. O telefone está às suas ordens. R – Não, não. Se não estou preso, não é preciso. Eu me precipitei. KL – Capitão, devemos compreender a situação do senhor Ronzo: o senhor Henares é seu amigo. O senhor Ronzo veio aqui apenas para ajudá- lo e agora se encontra diante do dilema de dar uma resposta capaz de prejudicar seu amigo e companheiro de prisão. Não é assim, senhor Ronzo? R – Sim. KL – Isso significa. Que o verdadeiro motivo do encontro era tratar de um assunto clandestino, ou secreto, ou particular... R - Era um assunto particular! KL – Está vendo? Isso não coincide com o que nos disse o senhor Henares. R – Que é que ele disse? 42
  • 43. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS KL – Não iremos cometer a bobagem de revelar, senhor Ronzo. A (de frente) - Senhor Ronzo, não é verdade que o senhor morava em Manzanillo, em 58? R – Sim. A - Não se lembra de um jovem que bateu na porta de sua casa, em busca de refúgio? (R não responde. Olha assustado). Não se lembra de que o dito jovem lhe disse que Masferrer e seus assassinos o estavam perseguindo? (R tenso) Pelo menos o senhor deve se lembrar que 1he bateu com a porta na cara, depois de chamá-lo de bandido rebelde. E logo depois o senhor não ouviu disparos? (R suava) Sabe que idade tinha aquele menino, ao morrer? Quatorze anos. Sabe para onde o jovem pretendia ir? Queria ir para as montanhas lutar pela liberdade e contra a exploração. O senhor sabe que aquele menino era o meu irmão mais moço e o mais querido? (R está murcho) Levem-no, por favor. (VP e LC o carregam arrastado) Ai vai outro feito de merda. (Pausa. VP entra) VP – Que tipos mais cronometrados, vocês não acham? KL – Sim. Sabem seus papéis de cor. VP – A única coisa que não convenceu foi a tal historia referente ao assunto que trataram durante o almoço. A – Sim. Mas o fato é que não fizemos qualquer progresso. 43
  • 44. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS VP – É provável que Ronzo tenha ajudado Henares a preparar o álibi, esse álibi cheio de mentiras cronometradas. LC – Mas por que prepararam esse álibi? A – Sabemos... e todas essas mentiras o confirmam, que não pode ser outro senão Henares o visitante da Rua Terceira. Sem dúvida, ele deve ter visto algo de suspeito antes de entrar ou ao sair. Por isso preparou o álibi. Quem estava de guarda aquela hora? VP – Polanco. Ele também viu o Chevrolet verde passar na direção de Havana. KL – Polanco é discreto e conhece o seu oficio. VP – Também lá estava uma viatura nossa, chapa fria; mas o motorista não viu nada, porque naquele momento exato recebeu uma chamada urgente da Chefatura. LC – É possível que tenha visto a presidente do Comitê anotando o numero da chapa... KL – É difícil. Esses companheiros já não cometem tais erros. Inclino-me a crer que o homem se assustou sozinho. Deve ter acontecido apenas alguém ter passado e olhado para o Chevrolet por simples curiosidade. Isso acontece com frequencia. Não esqueça que essa gente sofre de mania de perseguição. Sabem que o povo está contra eles e, por isso, qualquer um que os encara os faz tremer. VP – E não podia também ser uma tática? KL – O que você quer dizer? 44
  • 45. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS VP – Que preparam álibis de antemão para poderem realizar uma operação. KL – Vamos tomar nota disso, Perea, apesar de que, se fosse assim, o nosso infiltrado no bando, já o teria sabido. Enfim, estamos num beco sem saída. (o telefone toca. Amiel tirou o fone do gancho) A – Sim? (surpresa, preocupação) Hum! (desliga) KL - Que aconteceu? A – Lá embaixo há um advogado esperando. Vem acompanhado da mulher de Henares. Ela está fazendo escândalo. LC – Diga-1hes que Henares não esta aqui, capitão. A (enérgico)– Não podemos fazer isso, Colino! (esmurrou a mesa) Perea, trate de libertar... (Nesse momento entra o "tio". Rosto sombrio e tédio). KL – Que está acontecendo, Tio? Pisaram-lhe no pé no ônibus? Tio – Não! Lá embaixo, na rua, há um carro estacionado, e esse moleque malcriado estava tirando, com a ajuda de um prego, o ar do pneu sobressalente que estava guardado – e muito bem guardado! – no porta-malas aberto. Agarrei o moleque, e sabem o que e me disse? "Que lhe importa isso, velho bobo?" KL - Espere, espere. É um Chevrolet ano 58... verde? Tio – Sim. E o numero da chapa é noventa e oito noventa e sete. 45
  • 46. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS KL – Tio, você tem certeza de que esse pneu sobressalente estava cheio? Tio – Está me chamando de mentiroso? KL – Perdoe, Tio. É o meu estilo... A – Manolo, ai embaixo tem um carro estacionado. É um Chevrolet verde... Sim... O do preso. Traga-o para o nosso estacionamento e que ninguém toque nele. Aproveita e traz o preso... (saem para o estacionamento) Tio – Amiel, já perguntaram ao dono do carro se ele já consertou o buraco do pneu? A – Não. Por que? Tio – Porque agora ele dirá que sim. VP – E se 1he perguntarmos em que oficina ele fez isso? Tio – Dirá que foi ele mesmo que o fez. Teve muito tempo para isso entre as duas e trinta e as três e cinquenta. (o detido já está lá ao lado do carro. Tio olha o porta-malas. Passa a mão pela roda e pelo pneu, olha os dedos, sujíssimos, limpa com um lenço branco. Pensa, coça o queixo. Tio – Por que não viramos a roda? (VP o faz. Tio a examina) Tinha que ser assim. Vejam o que diz esta etiqueta. VP (arranca a etiqueta) - "Casa de Pneus Santa Catalina. Senhor: Bernardo Henares. Por um conserto no pneu: um peso. 2/4/62". KL – Como? Quer dizer que este pneu estava ha cinco anos sem sofrer um só remendo? 46
  • 47. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Tio – Também isso encaixa. Vladimir, quer colocar a roda no chão? (Tio fala no ouvido de Amiel, este faz um gesto de dúvida, coçou a barba e, consente.) – Tragam as ferramentas para desmontar o pneu. A (para BH) - Reconhece esta roda como sendo sua? BH – Sim... Sim, senhor. A – Então sabe que o pneu não está furado. (KL abre a válvula e o ar se esvai. BH baixa a cabeça olhando o pneu. Em seguida o pneu foi desmontado por LC. KL enfia a mão no interior. Surgiram jóias). A (olhando o relógio) – Tenente, tem vinte minutos para mover um processo contra Bernardo Henares! Leve em consideração os antecedentes. E proceda legalmente para que as jóias fiquem como propriedade do Estado. Colino, conduza o prisioneiro. Perea, diga a esse advogado que se dirija aos tribunais populares. (enquanto se movem) Todos aqui de volta na hora habitual! A operação Tornado vai começar. BH olha para Amiel enquanto é levado. 47
  • 48. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS O DRAMA DE DONA ALICE baseado na obra de Viriato Corrêa Personagens: desembargador Alves (A), Álvaro (2) e mais dois jovens, Nazareth (N), Silva (S), Alice CENA 1 (Senhor A, elegante entra na biblioteca ou sala que tenha livros em abundância. Ruído de festas no exterior. ‘A’ deve usar uma bengala elegante) A: Os senhores aqui! As garotas lá fora esperando vocês e a rapaziada escondida. Isso é uma traição um tanto suspeita! 1: Conversamos literatura. A: Nessa idade não conheço literatura mais interessante do que as mulheres.(faz menção para irem ao terraço. Luzes da cidade). Conversavam sobre versos, então. 48
  • 49. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS 2: Sobre teatro. A: Ah! Você é...? 2: Álvaro... eu escrevo. A: E o que é que você escreve caro Álvaro. 2: Estou escrevendo sobre um caso vulgar de rua, com certos toques de originalidade e vigor:é o caso de uma marido traído que, depois de crivar de facadas a esposa infiel, arrasta-a para a rua para expor as suas misérias. Não lhe parece excelente? É minha terceira peça. O público parece que está gostando. A: (meditando, sem tirar os olhos de Álvaro) Quer que lhe seja franco? Não acho... 2: Mas tem uma pegada excelente... Tem uma grande sacada. A: Permita-me a franqueza. Crimes dessa ordem existem em mais e mil peças. Em teatro a originalidade é tudo. Não sei da originalidade que pretende dar nesse caso, mas, pelos traços gerais... No teatro, mesmo as coisas velhas têm que ter um traço de originalidade chocante e imprevista. O segredo do palco é justamente isso – o inesperado. Nesses crimes violentos tudo e tudo é banal. Até o ruído, que é a maior banalidade da vida. Que interesse pode ter para o público um marido que mata explosivamente a esposa? O público vê isso todos os dias... No entanto um imenso interesse despertará a corte que for cercada de circunstancias impalpáveis, intangíveis, obscuras, misteriosas... (ela entra para sentar-se na biblioteca, seguido dos três jovens). Conhecem, por acaso, a história de Dona 49
  • 50. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Alice? 3: Sim. Aconteceu a três anos. Era dia de baile, a mulher meio louca abre o guarda roupa onde estava o amante, já em decomposição. A: Conhecem bem mal essa história... como toda gente. O que há de interessante não é o fim da história... mas o seu desenrolar. Isso sim dará uma boa peça de teatro. (A se põe a lembrar) O caso de Dona Alice me comoveu. Não há imaginação mais rica dos que os fatos da realidade. A mais surpreendente fantasia humana não supera certas fantasias da realidade. 1: O senhor bem essa história? A: Nos seus mais profundos detalhes. CENA 2 (Enquanto passam os créditos. Alice e o namorado. Namoro no portão. Noivado, dedos e aliança. Cenas do casamento de Alice. Alice deve ser uma mulher muito bela e alta, com boas formas. Retorna-se com Alice em pé e a câmara se aproximando chegando a meio corpo e olhar altivo). CENA 3 A: Amigos, o casamento é uma frutificação e os frutos só têm bom sabor quando maduros. Não se deve casar jovem. Eis um conselho. Volta e meia você encontrará alguém que lhe parecerá a tal da alma gêmea. Pura balela. (entra o marido de Alice, o Nazareth e a cena 50
  • 51. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS transcorre como se fosse na época da história contada, é claro, sem a presença dos jovens). N: Alves... Alice está muito mudada... A: Também percebi... infelizmente... N: isso foi depois que o tal do Silva começou a frequentar a casa. A: Isso pode ser... será que você não andou esquecendo sua esposa? N: Como assim... A: Você sabe... hoje todo mundo fala em você... um médico bem sucedido... o seu nome é que está em voga... (intercala-se tomada do tal Silva e Dona Alice). N: Devo ter deixado Alice de lado... um pouco...Mas esse tal Silva parece um gladiador romano... as mulheres caem por ele como moscas... A: Um tanto rico, também... e outro tanto ocioso. N: faz esporte... muito esporte...mas, saiba que tem uma lesão (aponta a região do coração)... parece que cardíaca. CENA 4 (Alice na varanda, contra a noite ou luz da lua. Algo diáfano. Intolerável calor. Alice esta com uma roupa sensual de seda.. Somem N e A) Alice: Ele vai fazer uma conferência médica justamente no dia do meu aniversário. Resolveu comemorar na véspera... (ela entra, e da sacada surge o S, parando no reposteiro da porta, vendo a mulher). 51
  • 52. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CENA 5 (Festa na beira do Rio. Ou um chá íntimo. Alguma coisa com cadeiras e mesinhas, em diversão sem algazarras. Tomadas gerais. A observa que Alice e S trocam olhares. As pessoas saem. O local se esvazia. O rio, a fluência, o barulhinho das águas. A e N descem uma rampa qualquer. A nota, sorrateiro que Alice passa, sobre uma mesa, uma chave para S.) CENA 6 (Noite. O S entra com sua chave. Alice o espera na cama. Ele sobe as escadas ou passa pelo corredor. Alice se prepara com algumas auto-carícias. Entra o S, que tranca a porta do quarto e se deita ao lado dela, mas quase que imediatamente, sem cortes, batem à porta do quarto. O casal se assusta). N: Alice. (Ela e S estão atarantados e seminus. N continua a bater na porta. Decidem por colocar S no guarda- roupa dela. Em seguida, N entra tranquilamente) N: Perdi o trem... por dois minutos... e olha quem ele nunca sai na hora. A: Por que só veio agora? (enquanto fala se encosta no guarda-roupa) N: Ficou preocupada, hein? Fui a uma central de e- mails pedindo que transfiram a conferência. (enquanto fala vai colocando um pijama ou roupão) Aproveito e corrijo uns pontos fracos (e sentou-se à uma escrivaninha no quarto, com computador. Ela está meio chocada, recostada na cama, trocando 52
  • 53. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS olhares entre o guarda-roupa e o N. Então a porta começa a se entreabrir. Troca de tomadas entre N – que trabalha – Alice e e porta. N nota. Olha para a mulher. Dá um sorriso. Tranca com violência a porta, às chave e a joga sobre a escrivaninha). Se quiser, querida, pode dormir, pois vou trabalhar a noite toda. A luz do vídeo incomoda você? CENA 7 (Tomada da ponta da bengala de A, batendo no chão. Subindo para seu rosto enquanto ele encara os jovens) A: Tivesse eu virtudes e talentos de dramaturgo e faria cair o pano para começar o segundo ato. Não acham? (pausa para pensar)Nazareth escreveu a noite inteira. Mas aí, pela manhã, talvez por causa do esforço da noite ele estava doente. Tomou umas cápsulas de remédio, resolveu tomar um banho, mas o fato é que só saiu do quarto quase meio-dia. (tomada da saída para o banho, coma ajuda de Alice. Ela se aproxima do guarda-roupa, com a chave, e ao abri-lo, S está morto e nu. Toca a sineta. É dona Ricardina, uma perua, uma visita. O morto é recolocado no armário). R: Parabéns pelo seu aniversário. (entrega flores. Alice está apreensiva). Alice: Obrigada. R: Não pude vir à sua festa de ontem, minha querida. Alice: É que Nazareth iria viajar. R: Você bem sabe como gosto de uma festa. N: Você está escondendo algo querida? 53
  • 54. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Alice: (assustada) Como? Não! Dona Ricardina... R: Hoje é o dia exato do aniversário de Alice, não é Nazareth... N: Com certeza, Ricardina, mas entre... R: Temos que fazer uma nova festa. Alice: Não ... não é preciso... eu não quero... N: O que é isso, meu bem... Ricardina tem razão... o dia certo é hoje... Alice: Mas, você está doente, Nazareth. N: Já estou bom. O banho me restabeleceu. Alice|: Mas, eu não quero festa..,. não quero! N: Teremos festa... e é pra já... (toma do telefone e disca) onde já se viu... alô... é da casa do Silva? Ele está? (fecha no rosto de Alice). CENA 8 (Cena de festa com muitos cravos vermelhos. Uma festa pop. Muita música gente por todo lado. “A” passa pelas salas, como se fosse um ser alheio á coisa. “A” encontra Alice em um dos salões. Está atraente. Maquiagem que mostra em estado precário. Um ar de sonâmbula. Copo na mão.) A: Trago a notícia de que o Silva não vem... não se sabe o que aconteceu... a família está desesperada... ele nunca dorme fora de casa. N: (tomando A pelo braço) Certamente estará por aí em alguma rapaziada. Vamos à festa. (passam por Alice. Ela acompanha os dois e a cena se enevoa em clima azulado de nébulas e tédios. Ela sai em desesperos. Toma dos braços das pessoas, indaga algo que as pessoas desconhecem, até chegar a A, 54
  • 55. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS tomando-o pelo braço, retirando-o do círculo de amigos, levando-o à uma janela). Alice: Não está sentindo um cheiro no ar? A: Não. Alice: Não é possível... eu sinto um cheiro mau... forte... A: O único cheiro que sinto é desses cravos... nada mais. ( e saiu pelo meio da multidão em direção ao quarto. Procura, fecha janelas, fecha portas, fecha gavetas, encosta um material pesado na frente do guarda-roupa, sai para o corredor, encontra A). Alice: Você não está sentindo um cheiro horrível? A: (observando-a como quem vai dar a deixa) Sim... estou sentindo. (Alice recebe um baque. Grita desesperadamente. Sobem pessoas. Ela os encaminha para o quarto e abre o guarda-roupa. Tomba o cadáver apodrecido do S. Chega o marido.). CENA 9 A: Aqui termina a peça. ( o som da festa aumenta) 2: Por que não escreve, desembargador? A: Já disse que não tenho talento algum para isso. 2: Só por isso? A: è que ainda não estou completamente senhor desse drama. Não sei, por exemplo, que papel meu amigo Nazareth, realmente desempenhou nessa história. Será que ele desconfiaria da mulher? (tomada dele entrando no quarto por ter perdido o trem). Será que ele a viu dar as chaves ao amante e no quarto, claramente o trancou no armário? (cena 55
  • 56. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS fechando o guarda-roupa), passando a escrever a noite inteira, de propósito? Não terá isso, tudo isso, uma vingança horrenda, por causa daquela quantidade imensa de cravos espalhados por aí? (tomada de cenas da festa). 1: Que lhe parece? A: Estou tentado a acreditar que o foi ( olhar pensativo de A . tomada da cena em que A vê Alice entregando a chave. A bate no ombro de N que desaba a cabeça desalentado sobre o ombro e senta- se sem ânimo na cadeira. Retorno para o olhar pensativo de A que se transforma em um sorriso de mofa e um dar de ombros em seguida). Mesmo porque, para a intensidade do drama , é necessário que assim tenha acontecido. (faz sinal para os rapazes, e se retiram da sala. Fecha na biblioteca com um leve som vindo da festa). 56
  • 57. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS O ENCONTRO -baseado na obra de Marta Lynch – personagens: Homem, Mulher, Gordo e pessoas nas ruas. O carro na noite. Pode ser um táxi. O hotel. A mulher sai do carro olhando a fachada. Ela está um tanto séria. Entram. O recepcionista tem que ser gordo. Ele tem um lápis apoiado na orelha. Sua muito. Tem um leve sorriso canalha. Olho no olho. Ela pensa: “ Talvez sejam sempre os mesmos em todos os hotéis” Uma geral dos móveis e ambientes. Um ar de falsa aristocracia. As mãos dela tocam objetos. Olha curiosa para tudo. Um relançar de olhares entre os três como se não confiassem um no outro. O casal entra no quarto. As paredes. Cada parede 57
  • 58. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS tem um tipo de abordagem. Ora campos, ora sensualidade, ora flores, ora geométricos. Testas suadas do casal que tira a roupa lentamente. Estão sérios. Ela observa seus sapatos e calças. Ela pensa: São seus sapatos e calças que eu queria à luz do dia. Ao longe o barulho de trens e barcos. Dentro do carro. Ela: Ficamos aqui. O resto do caminho faremos a pé. (O casal caminha sem dar as mãos) Ele: Aceitar. Deixar a coisa do jeito que é. Do jeito que está. Ela: Você está preso a uma outra vida. Nem melhor, nem pior. Apenas uma outra. Distinta. Falsamente distinta em que a carne é uma coisa e o espírito é outra. Ele: Nesse hotel não podemos. Tem muita luz. Não pode ser. Ela: Aceitar. Deixar ficar, não é? (fichas para entrar no hotel do gordo) Gordo: Vão demorar muito? (o casal se olha e dá de ombros, dúvida) Gordo: São trezentos guaranis. (paga-se. Ele a olha. Ela morde o lábio. O gordo a olha. Ela suspira fechando os olhos e molha os lábios.) Entram no quarto. Cobrem os espelhos e fecham cortinas enquanto tiram as roupas. Apagam as luzes. Deixam o abajur. Sexo em penumbras e silhuetas. Só suspiros. Ela correndo por um túnel. A luz lá no fim. Ela correndo para lá. Ou uma rua que desemboca 58
  • 59. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS numa praça iluminada. Traveling ao redor do casal sentado um sobre o outro. Se olham. Ilumina-se para grande contraste. Se mordem. Se lambem. Atingem êxtase. Eles se perguntam a sua vez repetidas vezes: Quem é você? (cada um cai para trás respirando fortemente. Olham para o teto. O gordo anota valores em seu livro de pontos, molhando a ponta do lápis com a boca. Saem, do hotel. Param na beira da calçada sob a luz do poste. Passam pessoas que os olham. Uma determinada mulher passa. Olha para ela. Fixa o olhar. Se olham. E depois a mulher se vai, olhando para trás. Entram no quarto. Nas paredes frases obscenas. Frases políticas. Frases de amor. Desenhos pornográficos nas paredes. Sereia.) Ela pensa: “Nessa tarde é a minha história que eu vou escrever aqui”. Há uma seqüência de olhares brandos e ternos entre o casal. Ela: Sinto cheiro de sêmen espalhado por todo canto. Ela para na soleira da porta. Ele a abraça e desce a mão por sua coxa. Ela: Muita gente já gozou aqui. Mas o mundo nos parece alheio hoje. Ela se deita e abre as pernas. O homem se deita e começa a trepar porém a cada vez vai envelhecendo 59
  • 60. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS lentamente. Ela nem goza nem se manifesta. O homem vai ficando muito velho. Se olham. Ela o olha com curiosidade; ele a olha, velhíssimo, com um meio sorriso de desculpa. Ela reforça os movimentos querendo gozar sem conseguir. Ela sempre para qualquer ação para ver se está ou não gozando. O gordo anota mais um valor em dinheiro, molhando a ponta do lápis. Ela: nada do que eu disser... O gordo pega o telefone. Ela: ... terá valor algum para nós. O telefone toca barulhento no quarto. Toca uma. Duas. Ela atende. Ouve-se: Seu horário já acabou. (silêncio) Ela olha para o parceiro. Ele está humildemente velho, resgatando sua roupa. Envergonhado. Ela desliga e começa a pegar suas roupas. Ele: Não sai sem mim. (pausa) Me espere. Ela olha ao redor do quarto. Olha para a sereia. Ele (enquanto põe a roupa) Acho que é o cansaço. (pausa) Eu até me sinto perplexo com isso tudo. (pausa) Descem ao pórtico. Ele sai. Ela está atrás. Olha o gordo. Que dá um sorriso de boas noites. Ela olha para porta. Sobre ela está escrito: “Deixa estar.” Ela pega táxi parado em frente ao hotel. Passa pelo velho parado na esquina. Ela o olha. Ele a olha. O táxi passa, dobrando a esquina. 60
  • 61. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS O ENIGMA DAS TRÊS CARTAS -baseado na obra de Roberto Arlt- elenco: (Sr. Perolet); menino(a) vendedor(a); Isadora Perolet); policial ; Inspetor ; Detetive CENA UM [Perolet anda pela rua. Sente-se seguido e se vira bruscamente. Mão no bolso verifica o revólver, com cuidado. Com temor ele se direciona ao local onde o vulto se escondeu. Alternadas imagens entre Perolet se aproximando e a coluna. Quando cruza a coluna não há mais vulto, apenas um menino(a) que vende qualquer coisa. O(a) menino(a) entrega-lhe uma mensagem. Perolet a lê em off: 61
  • 62. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS P: “Cruel Perolet, amanhã ou depois vou te matar”. [Assustado, um suor frio pelo rosto. Olha o menino que o olha. Leva a mão como se fosse pegar o revolver. Pega uma moeda do colete e dá para o(a) menino(a). Perolet olha para os lados procurando o autor e sai, rapidamente]. CENA DOIS Perolet chega em casa. A mulher o recebe, arrumando o avental IP: Chegou cedo hoje. [enquanto retira o capote] Aconteceu alguma coisa? [Perolet vai ao armário e bebe qualquer negócio. Depois, abre uma gaveta e pega uma carta. A mulher lê:] IP: Perolet, sabemos que você se dedica à espionagem. Vá embora para seu país ou matamos você. [ela fica assustada e fica sem fala. P pega a carta da mão dela amassa e joga no lixo. Detalhar o lixo. Encosta-se no armário, olha para ela e cruza os braços. Não sabe o que fazer]. CENA TRÊS [P está no escritório. Mexe em algumas caixas cuidadosamente. Tocam a campainha, ele estremece, quase deixa cair uma caixa. A mulher vem de lá de dentro e abre a porta, recebe uma carta. Se aproxima de P:] IP: Olha! [Ela entrega a carta. Ele a abre com certo cuidado] P: Perolet. Sabemos que jogou nossa primeira carta 62
  • 63. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS no cesto de arame. Você está brincando com fogo. [se levanta] É a terceira carta. Não sei mais o que fazer. Não temos empregados. Como é que descobriram que eu joguei a carta no meu cesto do escritório? [a mulher está assustada] Estão me vigiando. [olha pela janela] E querem me matar. CENA QUATRO [Na Polícia. Plano geral: Conversa com um policial que faz anotações. O policial sorri, divertido, enquanto anota.] P: ...E digo para o senhor que eu desconfio até da polícia, eu confesso... até da polícia. Pol: Tranquilize-se, senhor Perolet... fique calmo... P: ...mas eu não sou um espião... nunca fui... Pol: [amistoso] Tranqüilize-se... fica melhor para o senhor que se vá para casa. Descanse... tudo está anotado... descanse um pouco... P: Mas o senhor tem que entender... Pol: Não faça caso dessas peças de mau gosto... isso deve ser coisa de algum de seus concorrentes. O senhor é uma pessoa conhecida... bem conceituado...é natural que haja invejosos... [Perolet sai. O policial o olha sair e continua a escrever, divertido na sua escrita]. CENA CINCO [Perolet e Isadora tomam um chá. Ela o serve] P: Resolvi que vou me tranqüilizar. Assim querem os policiais. Então, vou me tranqüilizar... IP: Mas o que é que eles disseram? 63
  • 64. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS P: Disseram que tudo aquilo não era nada... com eles, não é nada mesmo... dizem que pode ser coisa de algum comerciante velhaco... um concorrente... para me assustar... IP: [balançando a cabeça, ansiosa] Por que não você não volta para o Brasil? Eu ficaria aqui com meus pais e cuidaria dos negócios... se você quiser, é claro... P: Ora, ora... tenho lá medo desses valentões? [toca a campainha. Eles se olham. A porta. Nervosos. Isadora vai atender. Rosto apreensivo de P. Ela volta com um pacote. Ela vai para a cozinha. Grita. P corre para lá. Vê o pacote aberto. Um objeto metálico]. IP: É uma bomba! É uma bomba. [P sente um aperto no coração e cai no tapete]. CENA SEIS Perolet está de cama ou deitado em um sofá. IP entra apertando as mãos. IP: Tudo bem com você? P: Agora estou melhor. IP: Os policiais levaram a tal bomba para análise... P: Alguma novidade, alguma pista? IP: Não se levante... Trouxeram o laudo enquanto você se recuperava. P: Então... IP: A bomba consta de um envoltório enegrecido, de lata, contendo...[cara de muxoxo]... contendo uma porção de mousse de chocolate... P: Mousse de chocolate? IP: ... o laudo continua...a bomba é totalmente 64
  • 65. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS comestível e, portanto, inócua. Na verdade é uma bomba de chocolate [P põe a mão no rosto]. Querido [preocupada com a vergonha do marido]... no entanto, no seu interior tinha um bilhete...[ela passa o bilhete, enquanto P lê, ela fala]: Perolet, te prepara para receber uma recheada de ferro, pregos e dinamite. [Fade]. CENA SETE [Inspetor chega na casa de Perolet. Vê o número da casa. Bate. Entra. Perolet recebe um inspetor. Aperto de mãos. O inspetor nota IP e de vez em quando lança um olhar no corpo da mulher. A cada olhar ela se cobre com mais pudor]. P: Inspetor? K: Kirino... Inspetor Kirino. P: Essa é minha esposa... Isadora Perolet. K: [batendo o calcanhar] Minha senhora. P: Nessa grande cidade tem alguém que deseja me matar. [O inspetor anota] Já recebei três cartas. Parece que ele não está mais se contentando com as cartas. K: Inimigos! O Sr. tem inimigos? P: Não! Não acredito que tenha. Mas eu sei que essas pessoas querem me fazer mal e estão informados de todos os meus movimentos. [os três se olham. IP e P como que pedindo ajuda. K se levanta] K: Prometo trabalhar nesse caso. [sai. Da rua] Darei prioridade máxima.[última olhada do inspetor no decote de IP, que se retrai, recatada]. 65
  • 66. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS CENA OITO [Perolet saindo do escritório topa com outro pacote, maior ainda. Olha para todos os lados. Tomadas do rosto. Leva o pacote para dentro. Fica na dúvida se abre ou não. Hesita em cortar os barbantes e no fim, nervoso joga o pacote pela janela. Do alto ele vê que uma cobra sai de lá de dentro. Perolet parte para a rua. Pega as cartas que tem no bolso e joga uma a uma para a rua. De repente para em uma carta. E, abre atentamente. Imagem do panfleto: - A agência Juve oferece seus serviços aos senhor Perolet. Preços módicos. Discrição absoluta. CENA NOVE [Perolet batendo na porta com força. A porta se abre. Entra numa sala escura. O detetive está sentado com os braços sobre a mesa cheia de papéis. P o cumprimenta. Senta-se. DET: Sou o diretor da Agência e faço minha propaganda através de circulares enviadas a comerciantes que figuram no guia telefônico. [Perolet olha em torno, inseguro] Não se surpreenda com nossas modestas instalações. O luxo exige despesas que sempre são pagas pelo cliente. O que o senhor prefere? Uma eficiente investigação ou uma empresa que debitaria os móveis modernos na sua conta? P: O senhor tem razão. Isso é lógico e honradamente comercial. DET: Eis o ponto. [pausadamente] Eis - o – ponto. Mas o Sr. Veio aqui para contar sua história. 66
  • 67. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS [inclusão de passagem de tempo enquanto P conta, DET anota tudo, inclui aí a trilha sonora, até que o DET o interrompe] DET: Essa bomba... não era uma caixinha com areia? P: Não... estava cheia de mousse de chocolate. Mas, como o senhor sabe que era uma bomba falsa? DET: Se fosse verdadeira o senhor não estaria aqui. [Perolet faz um movimento em direção ao braço esquerdo, pensativo. O DET, que anota tudo, se eleva num rompante, mirando Perolet e apontando-lhe o dedo. Olhar sinistro e tolo]. DET: O senhor é doente do coração. P: [gaguejando] Sim, sou doente. Como adivinhou? DET: [sorrindo] Não adivinhei, meu caro senhor... não sou dado a essas práticas de superstição... Dedução... Pura dedução... A minha espécie detetivesca se fundamenta em deduções. A questão é simples. Não houve nesses atentados intenção direta de feri-lo ou matá-lo. Primeiro, as cartas anônimas, depois uma bomba de chocolate, depois ainda um serpente que, decerto, era uma cobra d’água ou de borracha. Enfim, seu caso pode ser definido como de “agressão indireta”. Contra quem se acomete uma “agressão indireta”? Contra quem está doente de algum órgão vital e pode morrer durante intensa comoção. [P se abate]. P: Simples e profundo! DET: Quem seria beneficiado com a sua morte? Quem herdaria seus bens? P: Minha esposa. DET: Ela tem vinte anos a menos que o senhor. O 67
  • 68. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS homem que o seguiu, que escreveu a ameaça no tal papel era, certamente, o amante dela. Mas, é claro, isso tudo ainda é especulação de minha parte. Estou apenas jogando com os dados. Senhor Perolet, a investigação completa lhe custará dois mil francos. Mil à vista e mil na entrega do culpado à polícia. [P está assustado]. Eu o levarei em pessoa, como prova de minha capacidade e eficiência. [P está mal e aperta o peito] P: [num sopro de voz, enquanto tira o talão do bolso] Não esperava isso de Isadora! [Preenche um cheque] Tem certeza? [enquanto dá o cheque, a tremer, o outro dá de ombros como quem diz: “Pode até ser, sei lá!”. Então, abre-se a porta e o Inspetor aparece com 3 policiais. I: Finalmente pegamos você, Archibaldo Gomes. Agora você não escapa. [DET não se assusta, dá de ombros outra vez e devolve o cheque ao assustado P] DET: Acho que não terei tempo de utilizar isto, meu caro senhor. I: [enquanto se efetua a prisão] Senhor P, tenho a satisfação de comunicar que descobrimos seu misterioso inimigo. O golpe que estava tramando... uma secreta armadilha. Este homem, Archibaldo Gomes, português de nascimento e vigarista internacional, esteve empregado, durante certo tempo, numa companhia de seguros, tendo a oportunidade de informar-se de todos os contratos recusados por motivo de doença cardíaca do proponente. Pesquisou o senhor. Inventou então, o 68
  • 69. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS ardil de perseguição e da tal ”agressão indireta”, oferecendo seu serviços de detetive particular às mesmas pessoas depois de atemorizá-las com ameaças. Tudo o que ele pode ter dito ao senhor é pura invenção para chocá-lo... e matá-lo. As vítimas sempre acharam que esse homem era um extraordinário detetive devido às suas lógicas conclusões... sempre resolvendo os casos a que se propunha resolver... tudo bandalheira. P: [suspirando aliviado] Como descobriram? I: Nada demais. Interceptamos algumas de suas cartas pelo Correio. A sua senhora nos deu mais detalhes sobre mensagens e bilhetes e foi ela quem deu a pista definitiva: ela nos falou do oferecimento de serviços que a Agência Juve deu para o senhor. Tivemos, então, a certeza de estar na presença do autor da “agressão indireta”, procurado pela polícia internacional. Uma discreta vigilância fez o resto. P: [entregando o cheque ao Inspetor] Senhor inspetor, se não morri até agora, com essas emoções, acredito que... DET: Senhor Perolet, fique tranqüilo. Não quero seu dinheiro. Este é o meu trabalho, do qual muito me orgulho. Os homens de coração de cristal são aqueles que têm vida mais longa. [carregam o sujeito]. [P volta mais contente para a residência. Entra] P: [depondo suas coisas na mesa] Isadora, pegaram o criminoso. O nosso amigo inspetor fez um trabalho excelente. Ele chegou na última hora e zás... pegou o pilantra [ao abrir a porta vê que Isadora está 69
  • 70. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS trepando, de quatro, gemendo, com o policial do DP. Eles o olham. Ele olha o casal. Ela dá um sorriso. P começa a morrer, deslizando para o chão. Enquanto ela uiva cada vez mais. É necessário um toque perverso de obscenidade, por isso o fade out final deve terminar sobre as palavras e gemidos dela. De preferência, os seios dela balançando sobre a cara do P]. 70
  • 71. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS O ESPELHO -baseado na obra de Manuel Mujica Lainez- Simon del Rey (judeu, português que finge ser espanhol, rosário na munheca, sotaque errado, persignações constantes, sem motivo, agiota, tem ciúmes da mulher) Visitante Dona Gracia (Mulher bonita, fidalguia discutível, seu dinheiro em dote aumentou as riquezas do marido, mais jovem, sensual) Emissário (meio galã) Juan de Silva (amigo do Simon) Soldados (representantes do governador) Juiz (terrível e autoritário) 71
  • 72. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Simon está em seu escritório. Ele observa a mulher em seus afazeres. Conversa com um visitante ou cliente que de vez em quando olha a mulher, também, e recebe um olhar desconfiado de Simon. S: Não gosto de falar sobre minha linhagem real – daí vem meu nome – d’el Rey, mas... para não cair em pecado de... vaidades. ( continua a escrever em cadernos ensebados. Luvas de meio dedo ). S: Dos judeus... só me interessa o pano. Visitante: O que? S: O pano... os tecidos que eles trazem para vender. (olha desconfiado para os lados como se esquece de algo e se persigna intensamente, três vezes ). Boas roupas, alfaias e mantos. Roupas espetaculares de Europa. ( à noite no quarto. Escapulários e santos. Gracia dorme. O quarto parece um altar, com velas... ele, com o terço na mão, tenta escutar o que Gracia fala... ela diz nomes... ele a acorda ). S: Quem é Diego? Quem é esse Gonçalo?(ele beija o terço). G: Do que é que você está falando, marido? (ajustando o travesseiro) Estou tentando dormir. S: Quem são essas pessoas? Diego e Gonçalo... G: Por que quer saber isso agora? (ela vira para outro lado ). S: Quem são esses homens? G: Eu tenho um primo que se chama Diego. Vivia em nossa casa. Não sei o que aconteceu com ele. Um dia 72
  • 73. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS sumiu na guerra. Nunca mais o vi. S: E o outro? G: Que outro? S: Gonçalo e não sei mais quê? G: Gonçalo era meu tio... pai de Diego. Certamente eu sonhava com eles, não lhe parece? (volta a dormir. Ele se levanta. Vai ao escritório contar moedas e pensar). Pela manhã chega um Emissário. E: Trago boas notícias, Sr. Simon d’el Rey. S: Abre a boca e desembucha. O que ocorre pelo Chile? E: Seus negócios estão caminhando muito bem do outro lado da Cordilheira dos Andes. E trago um presente do seu sócio chileno... S: O velho Leon... E: Sim, o velho Leon... ele manda esse presente. Um regalo de alto valor ( e vai descobrindo o presente de um pano. Entrega o presente ao Simon, dentro da casa, um grande espelho que brilha ). S: Um espelho! E: Um espelho... veneziano! S: Belo espelho! (ele o observa atentamente). Viajou em lombos de mula e passou por desfiladeiros traidores sem sofrer dano algum? E: Tivemos todo o cuidado... uma ordem do Sr. Leon. S: Dona Gracia! Venha ver. E: Ele dizia que o metal do espelho tem viajado por metade do mundo! S: Dona Gracia, venha ver. Um presente... E: Diz ele que o primeiro metal do espelho foi 73
  • 74. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS trazido por nada mais nada menos que Marco Polo... S: Provavelmente em uma de suas viagens à Índia ou China... Dona Gracia! Se faz o favor? (ela se aproxima, faz reverência ao Emissário e fica deslumbrada com o espelho. Ela olha o espelho e olha o emissário. Troca de olhares e sorrisos e cumprimentos. Ela se vê no espelho. No reflexo ela está mais sensual. O marido e o emissário aparecem também por detrás dela . Há névoa e fumaça. Um certo embaçamento). G: Não estou me vendo bem ( ela se mira e se move, fingindo e gostando ) E: É um espelho antigo... está claro... mas previno ao meu amo que é nisto que reside o seu maior mérito. S: Sim.. sim... claro... muito formoso e... muito antigo (como se fosse conhecedor de coisas antigas)... muitos méritos... E: E... quanto mais antigo... mais requisitado, mais valioso... (Coloca o espelho em frente à sua cama, entre pinturas de santos e estátuas de Jesus). S: Muito mais valioso... (O quarto solo. Luz pela janela ou veneziana. O espelho. A câmara faz uns travelings curtos. Simon entra no quarto. Curioso. Se coloca frente ao espelho e se assombra, se persigna e sai correndo do quarto. Repetem-se os travelings, como de retorno) ( Ele dorme ao lado da mulher. Repentinamente acorda. O espelho. Imagens alternadas entre ele e o espelho, travelings curtos. Câmara se aproxima lentamente do espelho a cada tomada ). 74
  • 75. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS S: Que demônios se passa com esse espelho? Ele demora para mostrar a imagem. Isso não pode ser... é uma coisa fantástica. Tenho a impressão de que a imagem que ele copia não é a do meu quarto. Parece outro aposento. Outro lugar.( ele se aproxima do espelho ) Parece que outras pessoas habitam as suas imagens. ( atrás de si pessoas passam pela imagem, sua mulher limpando as coisas, conversas do dia a dia e ele se volta assustado só vê a mulher deitada e se volta novamente e se vê sozinho numa imagem normal ). ( Simon no escritório. Aparece Dona Gracia ). G: Simon... acho que esse espelho está embruxado. Parece enfeitiçado. S: E por que? ( meio rude ) G: Porque hoje eu vi nele uma coisa que não é de hoje. Mas era de ontem. G: Já disse para você não me atrapalhar durante o meu trabalho. Não quero que contrarie minhas ordens. Não posso perder meu tempo com assuntos... sem importância. ( ele está meio em dúvida na verdade ). Você está ficando boba, mulher ( fixa sua visão em algum ponto, meio que perdido, segurando firme contra o peito os livros de contábeis. Resolve ir ao quarto, na ponta dos pés e meio temeroso enfrenta o espelho que lhe devolve sua imagem normalmente . Bufa, dá de ombros. Em outro aposento ele se aproxima da mulher ). S: Tenho problemas maiores. Terei que sair de casa por uns dez dias. G: Mas, por que? 75
  • 76. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS S: Tenho que viajar para receber a fazenda que me coube por pagamento de uma certa dívida. G: Mais terras. S: Mais ( eles se olham ). Mais terras para nossa riqueza. ( eles se olham. Simon tenta descobrir algo no olhar de Gracia e vice-versa ) Tenho que fazer os inventários, assinar papeis. Coisas que somente eu posso fazer. E é necessário fazer tudo agora pois para nós, portugueses, os ventos estão soprando na direção de uma tempestade. G: Explique-se. S: Apesar de achar que já me consideram castelhano velho e dependendo do que acontecer na política local, o importante é estar bem com todos. Lembra dos pilotos que mataram e dos portugueses que trouxeram a notícia da rebelião no Reino de Portugal? G: E quando o senhor parte? S: Hoje mesmo. Sem demora. ( corte para a partida, bolsas e sacolas ) S: Me dói deixar a senhora Dona Gracia mas... deixo, também, as minhas recomendações. Não saia de casa a pretexto algum, a não ser, se quiser, para assistir às missas. Quero que a senhora fique enclausurada como corresponde a uma mulher de sua posição e importância. Como uma monja! Uma madrecita! ( ele se persigna, vai dar uma última olhada no espelho ). E sobre ele (aponta para o espelho) é bom nem se comentar. Se os representantes da Santa Inquisição ouvem uma conversa dessas... de espelhos com imagens 76
  • 77. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS atrasadas ou adiantadas, é certo que me botam na fogueira. G: Deve ser um defeito na engrenagem. S: Que raio de engrenagem, mulher. G: Ah! Sei lá. Na engrenagem dos reflexos. S: E o que é que a senhora entende de engrenagem de reflexos? G: Aprende-se, ora essa. Ou pensa que minha cabeça não tem outras idéias? S: Shhh! É bom nem se falar nisso. Há tanto feiticeiro em Veneza que até pode ser que um deles colocou algum tipo de bruxaria nesses metais. G: Quem sabe se com o tempo essa água do espelho se adormece e ele melhore, não é Simon? S: Água do espelho? (ele não acredita no que ouve) Mais idéias? ( Eles se olham. Se estudam ). A senhora andou aprendendo a ler, por acaso? G: Eu não, senhor! S: Toma cuidado, mulher. Essa coisa de mulher saber ler é coisa do capeta. Acredito que o procedimento mais certo, por enquanto, é não olhar muito para este espelho... e, sobretudo, não deixar que isso se torne uma obsessão. E não exagerar... não exagerar jamais, pois o Diabo deseja que sempre exageremos nas coisas. Seja lá no que for. Até mesmo na fé. ( imagens e idéias que mostram a passagem dos dias.) ( Corte: a bagagem de Simon no chão aos seus pés. Imagens ao rés do chão. ) S: Dona Gracia! Cheguei! Onde está a senhora? 77
  • 78. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS ( ela chega. Imagens do chão. Da canela para baixo. Ela está bem vestida. Fica bem próxima de S. ) G: Como foi de viagem? S: Bem. O que está a fazer? ( ela tira a malotagem dele que vêm ao chão) G: Tira esse peso. Conta mais. Fale da fazenda. S: Temos a maior das fazendas. Terras que não acabam mais. Como você está bonita, Todo poderoso! Bonita como um navio dourado do Infante Don Henrique, com sua bandeiras vibrantes na brisa do mar. ( por estas imagens dos pés vemos que ela começa a tirar a roupa, tira meia e sapato, ficando de pés no chão . Ela sai, adentrando os aposentos). ( close de S. ele aspira o ar como se procurasse algo. Sai pela casa com o mesmo intento. Chega ao quarto. Velas. Dona Graça está nua sob as cobertas. Ele olha para a mulher. Ele olha para o espelho, e faz para ele como se pedisse contas. Da nuvem das imagens aparece Dona Graça trepando com o Emissário. Rosto desesperado do Simon a olhar o espelho). G: Vem, Simão! ( ele ouve, mas sem olhar para ela, ele se enrosca no seu lado da cama e finge que dorme. A mulher tenta alguma coisa, mas acaba desistindo e vira para o outro lado. Ele não dorme. Está desesperado. Nervoso. Morde as mãos. Relembra as cenas do espelho. De soslaio observa o espelho, temeroso. As cenas do espelho se desenvolvem ao seu lado, quase em cima dele na cama e ela com o Emissário. Clímax. Corte: Manhã. Ele está a dormir, enquanto sua mulher se levanta. 78
  • 79. Coelho De Moraes CURTA os ROTEIROS de CURTAS Corte: Ele vai ao banheiro. Lava o rosto, fala para si mesmo ). S: Não! Agora não! Podem ouvir. Devo levá-la para um lugar bem longe e acabar com ela. Esse governador pode se aproveitar de mim e se vingar... não! Pensar melhor! Há um mundo de parentes orgulhosos. Esse governador me odeia como um cavalheiro odeia a um judeu... meus bens ficarão para esses familiares que nunca fizeram nada... Diegos... Gonçalos... e ainda eu tenho que dar palmadinhas em seus ombros... tratar com eles... fazer negócios... não! Talvez lá na Cordilheira. Na nova fazenda! Como se fôssemos viajar para conhecer as novas terras! ( Simão volta ao espelho e vê que soldados o prendem no espelho ) S: Não! Não me meterão a ferros! Eu é que sairei perdendo. Me prenderão por assassino da mulher! Esses mesmos vaidosos castelhanos que matariam suas mulheres por menos que isso, não permitirão que um português judeu faça o mesmo com uma mulher castelhana, mesmo que ela tenha pecado. Acalme-se! Haverá ocasião para a separação. Agora é acalmar-me e ficar quieto. Nada de mortes! Nada de mortes! ( No escritório Juan de Silva o espera ) JS: Grandes novidades! Crise política total! Enquanto você esteve fora o governador determinou que os moradores de origem portuguesa se inscrevam em uma espécie de cadastro especial e entreguem suas armas. 79