SlideShare a Scribd company logo
1 of 394
Download to read offline
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
REITOR
Angelo Roberto Antoniolli
VICE-REITOR
André Maurício Conceição de Souza
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL
Messiluce da Rocha Hansen
COORDENADOR GRÁFICO
Vitor Braga
CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS
Adriana Andrade Carvalho
Antonio Martins de Oliveira Junior
Aurélia Santos Faraoni
Ariovaldo Antônio Tadeu Lucas
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Adilma Menezes
PROJETO GRÁFICO
Victor Ribeiro
Ubirajara Coelho Neto
José Raimundo Galvão
Luisa Helena Albertini Pádua Trombeta
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Cidade Universitária“Prof. José Aloísio de Campos”
CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: editora.ufs@gmail.com
www.editora.ufs.br
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
Fabio Zoboli
Renato Izidoro da Silva
Miguel Angel García Bordas
ORGANIZADORES
São Cristóvão, 2016
CORPO E GOVERNABILIDADE
A responsabilidade pelo conteúdo dos trabalhos
publicados é exclusivamente de seus autores.
	 Zoboli, Fabio
Z83c 		 Corpo e governabilidade / Fabio Zoboli, Renato Izidoro
da Silva, Miguel Angel García Bordas. – São Cristovão: Editora
UFS, 2016.
		 394 p. : il.
		 ISBN 978-85-7822-519-3
		 1. Corpo humano – Aspectos sociais. 2. Corpo humano
(Filosofia). I. Silva, Renato Izidoro da. II. Bordas, Miguel Angel
García. III. Título.
CDU 316.7
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
APRESENTAÇÃO
Este livro é fruto de uma construção coletiva organizada a partir do
grupo de pesquisa “Corpo e governabilidade: política, cultura e socie-
dade” da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Este Grupo, através de
seus orientadores Renato Izidoro da Silva e Fabio Zoboli, vem realizando
pesquisas junto ao Departamento de Educação Física, ao Programa de
Pós-graduação em Educação, além de estar ligado ao Núcleo Interdisci-
plinar de Cinema – em formação. O grupo também vem tecendo parce-
rias acadêmicas junto a outras Universidades Brasileiras (Universidade
Federal da Bahia – UFBA, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
e Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), contando com a cola-
boração de pesquisadores internacionais.
Os estudos veiculados no grupo são organizados a partir de uma
perspectiva teórico-metodológica constituída por uma articulação entre
racionalismo, empirismo e materialismo acerca do corpo, da cognição,
da linguagem e de outros elementos mediadores das relações huma-
nas constituídas por amarras, laços ou ligas sociais. No grupo, pretende-
mos estudar de modo multidisciplinar e multirreferencial o fenômeno
da sociedade e seus modos codificados de governar e de desgovernar
politicamente os comportamentos gregários dos corpos humanos em
contextos públicos e privados da sociedade.
De modo específico, dedicamos esforços no estudo semiótico
e epistemológico dos arrolamentos entre corpo humano e cultura
humana. Investigamos as diversas e variadas forças governantes que
agem como responsáveis pelas configurações societárias – corporações,
grupos, famílias, guetos, tribos, nações – traçadas por sistemas de códi-
gos como o caso das leis, das regras, das normas e de outros limites está-
ticos e dinâmicos que se interpõem politicamente nas relações entre os
corpos humanos que por meio da cognição e dos movimentos muscula-
res constituem ambientes de vida social.
O grupo de pesquisa “corpo e governabilidade: política, cultura e
sociedade”está organizado a partir de 3 linhas de pesquisa.
A linha “corpo e educação” estuda contextos institucionais, suas cul-
turas e políticas de subjetivação e governabilidade das significações e dos
comportamentos corporais na sociedade: gênero, etnia, estigma, poder,
sexualidade, religião, mercado, aprendizagem, didática e pedagogia.
O foco da linha“corpo e comunicação”centra-se nas mídias como
ferramenta cultural e política para a governabilidade do corpo e seus
comportamentos sociais: texto, pintura, fotografia, cinema, televisão,
rádio, internet e mídias digitais.
A linha que estuda “corpo e epistemologia” está centrada na
investigação das produções científicas articuladas às dimensões cultu-
rais e políticas da governabilidade social do corpo: ética, estética, rít-
mica, ontologia e semiótica.
O livro apresenta um coletivo de textos com estudos que são trans-
versais às linhas. Textos escritos com temáticas de pesquisa que ultra-
passam suas fronteiras, mas que giram em torno de temáticas do corpo
e do governo. Desta forma, o livro foi organizado a partir de 3 partes:
corpo e subjetivação, corpo e política e corpo e metáfora.
A seção que trata do corpo e da subjetivação apresenta textos que
versam sobre dispositivos e mecanismos semióticos e políticos capa-
zes de constituir a dimensão corporal humana de um ponto de vista da
identidade e da diferença responsáveis por localizar e oferecer parâme-
tros e regras para o corpo e seus comportamentos relacionais nas tramas
sociais. Os textos dessa seção tratam das relações do corpo no que tange
aos processos de subjetivação de signos voltados às dimensões sensi-
tiva e cognitiva do pertencimento e do não pertencimento próprias da
constituição identitária.
A segunda parte, que aborda o corpo sob o viés da política, contribui
com os debates acerca da pragmática da subjetivação a partir de temas
que discutem políticas de Estado, governo, legislação, tecnologias do eu e
ascese em contextos sociais como o do esporte, saúde, práticas corporais
alternativas, uso de biotecnologias, propedêutica educacional e da mani-
pulação das artes.
A terceira e última peça do livro se concentra nas metáforas do
corpo produzidas no campo da comunicação e seus veículos. Desta
forma, foram analisados um anúncio publicitário, uma logomarca espor-
tiva e um filme como vetores metafóricos da existência corporal humana
e suas tensões com a máquina, com o mercado e com a biotecnologia.
A coletânea se apresenta com o propósito de sinalizar alguns cami-
nhos no sentido de compreender o corpo como referência material e
simbólica necessárias para se compreender processos de subjetivação
pautados em mecanismos políticos de governo encenados por jogos de
signos que engendram metáforas nas identificações sociais.
Fabio Zoboli
Renato Izidoro da Silva
Miguel Angel García Bordas
PREFÁCIO
OS DESAFIOS DO PENSAR
A tentativa de explicar o corpo atravessa diferentes temporalidades
e contextos culturais. Na busca por respostas para as distintas indaga-
ções que sobre ele se fazem, é possível identificar interpretações cujos
argumentos encontram respaldo em intervenções científicas, artísticas,
políticas, culturais, religiosas, médicas, pedagógicas e jurídicas. O corpo,
desde há muito tempo, é alvo de especulações que ora mais, ora menos
buscam encontrar a sua “verdade”, tentativa que tem promovido o apa-
recimento de infinitas teorizações, práticas e discursos.
Elemento central na construção da subjetividade contemporânea, o
corpo revela um conjunto de significados que extrapola a sua materiali-
dade biológica. Além disso, a centralidade que lhe é atribuída na repre-
sentação identitária evidencia o quanto é alvo de diferentes poderes que
operam, no detalhe, com o controle, a vigilância, o enquadrinhamento e a
fixidez. E, também, com a resistência, o descentramento e a transgressão.
Na esteira dessas questões, é possível evidenciar como alguns temas
relacionados à governabilidade do corpo e aos poderes que nele se ins-
crevem conquistaram relevância no meio acadêmico sendo facilmente
percebidos em pesquisas, publicações, fóruns de debates e congressos de
diferentes áreas do conhecimento. Da biologia à antropologia, da geogra-
fia às artes visuais, da educação física às ciências jurídicas, são tantas as
abordagens que se mostra impossível a tentativa de mapear a profícua
produção que investe no estudo corpo como objeto biopolítico.
No campo da educação e da educação física é a partir da década de
1980 que tímidas iniciativas começam a despontar, desestabilizando as
teorizações que, pautadas por conhecimento biomédicos, homogenei-
zavam interpretações às indagações que se faziam sobre o corpo, seu
significado, funcionalidade, saúde e performance.
Indiscutivelmente a teorização de Michel Foucault foi determinante
para que esse saber fosse destituído do patamar que politicamente fora
alçado. As múltiplas leituras que foram feitas de seus escritos, ainda
que nem sempre consoante o que efetivamente escreveu, permitiram a
emergência de novos olhares sobre o corpo valorizando sua simbologia,
sua produção, sua inscrição cultural e, sobretudo, sua referência capital
na construção da subjetividade e da identidade dos sujeitos.
Esse livro pode ser lido como uma produção que se dá no fluxo
desse movimento no qual se percebe a mutação de olhares e leitu-
ras sobre o corpo e seus desdobramentos. Seus textos atestam inves-
timentos teóricos, metodológicos e epistemológicos que andam na
contramão do saber biomédico que, apesar de não ser mais hegemô-
nico na produção acadêmica destas áreas do conhecimento, ainda
disputa de modo premente espaços de significação. Nesse aspecto há
que destacar não apenas a qualidade dos textos produzidos como a
criação de um grupo que reúne jovens professores, pesquisadores e
discentes. Um grupo que ousa pensar o corpo a partir de diferentes
problematizações sem deixar de analisá-lo como um substrato político
produzido historica e culturalmente.
Corpo e subjetividade, corpo e política, corpo e metáfora compõem
a espinha dorsal da obra. Constituem o seu “corpo” permitindo que a
leitura aconteça de modo não sequencial, linear ou pré-determinado.
Suas entranhas oferecem a possibilidade de ir e vir, de começar pelo fim,
de transpor fronteiras disciplinares, de mergulhar em temáticas diversas,
de incorporar análises não fixas nem óbvias. Saúde, esporte, espirituali-
dade, cinema, sexualidade, velhice, semiótica, estética, identidade, edu-
cação, subjetividade conformam um conjunto cuja matéria confluente e
dispersa, mostra-se viva, intensa e pulsante.
Finda a leitura do livro só posso agradecer aos integrantes do grupo
de estudos “Corpo e governabilidade: política, cultura e sociedade”
da Universidade Federal de Sergipe por me confiar sua apresentação.
Agradeço, de forma muito intensa, a generosidade em tornar públicas
as reflexões aqui contidas as quais declaram exercícios analíticos de
pessoas em diferentes níveis de formação. De modo claro seus auto-
res e autoras atestam que pensar é um grande desafio, sobretudo, neste
tempo no qual esse exercício parece encontrar pouca voz e vez. “Corpo
e Governabilidade”faz ver que informação não é o mesmo que conheci-
mento e que este é fundamental para que livremos o corpo e a nós mes-
mos de poderes que insistem em classificar, excluir, isolar e governar.
Boa leitura!
Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2015
Silvana Vilodre Goellner
SUMÁRIO
PREFÁCIO	 9
Silvana Vilodre Goellner
CORPO E SUBJETIVIDADE
- Corpo, semiótica e subjetivação: perspectivas da
fenomenologia em Peirce	 19
João Filipe dos Santos, Evandro Santos de Melo Bomfim,
Renato Izidoro da Silva e Miguel Angel Garcia Bordas
- Corpo e identidade: dialogando com Zygmunt Bauman
e Michel Maffesoli	 45
Natalia Takaki e Jaison José Bassani
- Corpo, educação e epistemologia: algumas questões 	 97
Felipe Quintão de Almeida, Fabio Zoboli e Miguel Angel García Bordas
CORPO E POLÍTICA
- Lei antigay russa: demarcações e governo dos corpos
no mundial de atletismo 2013	 117
Fabio Zoboli, Elder Silva Correia, Renato Izidoro da Silva
e Tammy Rocha Costa
- Corpo, saúde e governabilidade	 147
Cristiano Mezzaroba, Fabio Zoboli e Elder Silva Correia
- Espiritualidad y gobernabilidad: el caso de la del yoga
budista como tecnología del yo	 169
Eduardo Francisco Freyre Roach
- Corpo, biotecnologias e antienvelhecimento: um estudo
com mulheres da cidade de Aracaju/SE	197
Luana Alves dos Santos, Crislene Góis Santos e Theodoro Filho
- O corpo“em-cena”: o cinema como proposta
pedagógica no ensino médio	 227
Hamilcar Silveira Dantas Junior, Fabio Zoboli,
Monara Santos Silva e Josineide de Amorim Santos
- A estética do opaco: corpos, ausências e políticas
visuais no Brasil Oitocentista 	 249
Genaro Vilanova Miranda de Oliveira
CORPO E METÁFORA
- Usain Bolt e o corpo máquina: associações e metáforas no
anúncio publicitário do NISSAN GT-R	 297
Jessica Vitorino da Silva Terra Nova, Suely Oliveira dos Santos
e Eduardo Carvalho Gomes de Menezes
- A marca esportiva“Nike”, seus signos e argumentos:
um estudo de semiótica aplicada 	 331
Vinicius dos Santos Souza, Elder Silva Correia,
Tiago de Brito Ferreira Santos e Renato Izidoro da Silva
-“A pele que habito”e a biotecnologia: análise fílmica
de uma ontologia indeterminada	 357
Josineide de Amorim Santos, Fabio Zoboli,
Elder Silva Correia e Renato Izidoro da Silva
SOBRE OS AUTORES 	 389
CORPO E SUBJETIVIDADE
CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO:
PERSPECTIVAS DA
FENOMENOLOGIA EM PEIRCE
João Filipe dos Santos
Evandro Santos de Melo Bomfim
Renato Izidoro da Silva
Miguel Angel García Bordas
RESUMO: Este texto tem por objetivo desvelar como se dá o processo de
subjetivação em Peirce, para tanto nos valemos do capítulo seis do livro
“Semiótica”, de Charles Sanders Pierce, um conjunto parcial de textos
compilados e traduzidos por José Teixeira Coelho. Uma vez que, nestes
escritos encontramos os indícios que nos embasam para chegarmos
ao nosso objetivo central. Neste sentido concluímos que o processo de
subjetivação se dá através das experiências, que vem de fora para den-
tro, uma ação fenomenológica de alteridade, ou seja, um signo menos
desenvolvido que ao ser interpretado por uma mente torna-se um sig-
no mais desenvolvido. Para tanto, destacamos os princípios fenome-
nológicos do ego e não ego, afim de esclarecer como ocorre no corpo,
o processo de subjetivação a partir de signos semióticos. Ao traçarmos
tal expectativa, buscamos nas categorias da experiência – Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade – instrumentos necessários para entender e
afirmar como se dá o processo de subjetivação, sendo estas os pilares da
teoria do pragmatismo semiótico Peirceano.
PALAVRAS CHAVES: subjetivação; semiótica; signo; corpo.
18 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
INTRODUÇÃO
A fim de compreendermos como se dá o processo de subjetivação
em Peirce, pretendemos estabelecer um diálogo com o capítulo seis do
livro “Semiótica”, de Charles Sanders Pierce, um conjunto parcial de tex-
tos compilados e traduzidos por José Teixeira Coelho. O referido capí-
tulo, intitulado “Algumas Consequências de quatro incapacidades”, está
subdividido em três partes: (a) “O Espírito do Cartesianismo”; (b) “Ação
da mente” e (c) “Signos-pensamentos”. O texto (a) traz a intenção de
mostrar as diferenças entre o pensamento cartesiano e o pensamento
semiótico. Ao falar do espírito do cartesianismo, trazemos os conceitos
de que o sujeito é quem cria suas ações a partir de uma autoridade, e ao
falarmos do pensamento semiótico, entendemos que a ação fenomeno-
lógica é quem cria as ações humanas através da alteridade. No texto (b)
encontramos a ideia de como o signo se manifesta ou é criado na mente
de cada um e o texto (c) aborda a hipótese de que não pensamos sem
signos e que a partir do pensamento já adquirido podemos nos munir
de mais signos derivados dos signos anteriores.
Para tanto, o presente texto está dividido em cinco partes. Num pri-
meiromomento,apresentamosametodologiautilizadanesteestudopara
que fosse possível chegarmos ao nosso objetivo. Em seguida, estabelece-
remos a crítica ao Cartesianismo, conforme foi estabelecida nos escritos
de Peirce, pois por meio desta embasaremos nossos argumentos, filosófi-
cos, para o processo subjetivo (do corpo) através dos signos cognoscíveis
(reais) em que os signos postos na realidade embasam os signos criados
na mente a partir da experiência fenomenológica com mundo (Pragma-
tismoSemiótico).Emterceiro,apresentaremososignoenquantoprocesso
de subjetivação (semiótica). Feito isso, de forma teórica, apresentaremos
como os processos subjetivos podem ser aplicados aos estudos semióti-
cos acerca do corpo. Por fim, teceremos nossas considerações finais.
Ao estudarmos os conceitos semióticos, esbarramos em uma cita-
ção que abarca o princípio da hipótese da subjetivação a partir dos sig-
19João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
nos, quando propomos a ideia de subjetivação a partir de fenômenos que
agem e se integram ao corpo em termos da experiência fenomenológica.
Por conseguinte, fixamos a seguinte proposição acerca do que vem a ser
um signo:“[...] um signo [...] dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa
pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao
signo assim criado [ou mais evoluído] denomino interpretante do primeiro
signo”(PEIRCE, 2005, p. 46). A nosso ver, esta afirmativa expressa o cerne da
dinâmica de subjetivação em Peirce, a partir da qual buscamos refletir todo
o processo subsequente abordado nessa passagem. Corroborando com
nossa hipótese sobre a subjetivação semiótica, destacamos a seguinte
passagem: “[...] toda associação é feita através de signos. Tudo tem suas
qualidades subjetivas ou emocionais, que são atribuídas de um modo
absoluto ou de um modo relativo, ou através de uma imputação conven-
cional a tudo aquilo que for um signo dessa coisa”(PEIRCE, 2005, p. 282).
Explorando um pouco mais o trecho supracitado, notamos que
o autor se refere ao poder subjetivo e emocional dos signos, ao passo
que o signo é arquitetado de acordo com as experiências corporais do
Interpretante, que cria outros signos na mente, sejam eles mais desen-
volvidos ou não. As qualidades subjetivas dos signos dizem respeito, de
forma direta, às categorias da experiência fenomenológica, que são a
base do processo subjetivo na semiótica de Peirce. A semiótica, portanto,
consiste em ser uma teoria da experiência e de seus resultados cogniti-
vos e emotivos no campo simbólico, cultural, epistemológico, estético,
religioso, ético e político. A partir dessa teoria, a semiótica se desdobra
pragmaticamente em metodologias de intervenção no mundo das
experiências corporais. Em outras palavras, os conhecimentos promovi-
dos pelo estudo das doutrinas ou do regime dos signos podem funda-
mentar ações capazes de estruturar artificialmente tanto experiências
antigas quanto novas experimentações: poéticas, plásticas, científicas e
filosóficas. Assim, embora a semiótica seja capaz de abordar as experiên-
cias dos sentidos mais atávicos ou naturais, sua fenomenologia também
preza pelas investigações levadas acerca da experiência cultural.
20 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
ESPÍRITO DO CARTESIANISMO COMO PONTO DE PARTIDA
PARA OS ESTUDOS SOBRE SUBJETIVAÇÃO EM PEIRCE
O ponto de partida para os estudos sobre a subjetivação semiótica
em Peirce implica o momento em que sua semiótica traz à tona os pon-
tos divergentes entre o cartesianismo e o escolasticismo, na medida em
que esse antecede aquele. Peirce estabelece uma crítica ao pensamento
cartesiano com as seguintes palavras: “[...] o cartesianismo instrui que
o início da filosofia se dá por meio da dúvida universal, ao passo que o
escolasticismo jamais discute os princípios essenciais”(2005, p. 259). Em
outro enunciado, Peirce (2005, p. 259) afirma que o Cartesianismo “[...]
ensina que a comprovação final da certeza encontra-se na consciência
individual, ao passo que o escolasticismo se baseou no testemunho dos
doutos e da igreja católica”. Segundo Santaella (2004, p.33): “O cartesia-
nismo, tal como foi criticado por Peirce, entendia que a ação da mente
era intuitiva [...]”. Ou seja, baseada na autoridade do sujeito em detri-
mento de sua alteridade para com o mundo. Ao passo que, para os esco-
lásticos, o pensamento verdadeiro era válido apenas para a autoridade
dos doutos. Devemos reconhecer que Descartes avançou no sentido de
autorizar todos a pensarem em detrimento da verdade exclusiva dos
doutos. A autoridade do pensar é distribuída entre todos.
No entanto, entendemos que, diferente do que aborda o carte-
sianismo, a ação na mente se dá através dos “resultados cognitivos do
viver”. A experiência corporal é a base para toda a significação poste-
rior, pois não há subjetivação ou ação mental sem o ato da experiência
vivida pela pessoa, enquanto existente material no mundo. Como já foi
dito anteriormente, o fenômeno que se apresenta para o corpo e nele
se intromete ou se subjetiva, constituindo todo processo posterior de
significação. Os fenômenos signos da experiência são a base de todo o
processo subjetivo de significação do mundo e do sujeito. Logo, Peirce
(2005, p.259) indica que “[...] há muitos fatos que o cartesianismo não
apenas não explica como também torna absolutamente inexplicável”.
21João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
Peirce entende como falho este pensamento cartesiano, na medida em
que o mesmo, ao não explicar determinados fatos, diz que “[...] Deus os
fez assim”(PEIRCE, 2005, p. 259).
Peirce assinala que a dúvida cartesiana é limitada, ao ponto que,
ao iniciarmos um pensamento pela dúvida completa, na filosofia, aca-
bamos por deixar de lado nossos pré-conceitos, que são nossos fun-
damentos ou solos mais atávicos responsáveis pela propedêutica da
experiência vivida. Dessa forma, esse pensamento ceticista não passa
de um “autoengano, e não dúvida real” ( PEIRCE, 2005, p.260). Principal-
mente porque Descartes não duvida de seu ato irredutível do pensar,
parando sua investigação em um proposição entendida como incon-
testável:“Eu penso...”. Doravante, foi duvidando dessa proposição básica
que Peirce perceberá que não existe um “Eu” que pensa a despeito de
sua alteridade como mundo, isto é, em detrimento de toda experiên-
cia corporal capaz de modelar boa parte do que pensamos. Todavia, a
semiótica peirceana se afasta do estruturalismo europeu na medida em
para esse o pensamento ou os signos estão em nós, enquanto que para
aquele estamos imersos no mundo dos signos, dos sinais, dos sintomas,
dos traços e, portanto, em pensamentos. O pensamento (signos) nos
envolve e, por isso, pensamos semioticamente.
Assim:
Devemos começar com todos os preconceitos que realmente
temosquandoencetamosoestudodafilosofia.Estespreconceitos
não devem ser afastados por uma máxima, pois são coisas a
respeito das quais não ocorre que possam ser questionados
(PEIRCE 2005, p.260).
Em outros termos, se estamos envolvidos por signos de pensa-
mento, estamos também imersos em preconceitos e, por isso, por meio
de preconceitos, pensamos; assim como por meio do vento o pássaro
voa, por meio da terra a minhoca se locomove. Por essa via, o kantismo
de Peirce pode ser compreendido pela metáfora do voo de uma pomba,
22 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
proposta por Kant em sua“Crítica da Razão Pura”.“Segundo ele, a pomba,
ao voar e ao sentir a resistência do ar a detê-la, poderia supor que, se
não houvesse essa resistência, se estivesse no espaço vazio, seu voo
seria mais fácil do que nas condições em que se encontra”. Contudo:“Mal
sabe a pomba que, se não houvesse a resistência do ar, ela nem sequer
poderia voar! Sem essa resistência, não teria base sobre a qual pudesse
se apoiar”(CARVALHO, 2013, p. 25). Assim são os signos de pensamento
que, por vezes, geram preconceitos responsáveis por obstacularizar o
fluxo de nossas reflexões. Ora, poderíamos pensar, como Descartes, que
o melhor é pensar o mais próximo do nada, do sujeito puro, sem precon-
ceitos. Contudo, kantianamente e, portanto, peirceanamente, sem pre-
conceitos, que são signos subjetivados por experiências anteriores, não
existiria aderência para o cogito. A cognição patinaria no vazio.
A seguir, Peirce expõe quatro questões referentes à aversão ao car-
tesianismo, retiradas de uma revista, cujo título diz:“Questões referentes
a certas faculdades reivindicadas pelo homem”. São elas:
1. Não temos poder algum de introspecção, mas sim, todo
conhecimento do mundo interno deriva-se, por raciocínio
hipotético de nosso conhecimento dos fatos externos [adquiridos
pela experiência da sensação]; 2. Não temos poder algum de
intuição, mas, sim, toda cognição é determinada logicamente
por cognições anteriores [como resultados de experiência]; 3.
Não temos poder algum de pensar sem signos [portanto, sem
um processo de subjetivação da realidade por signos ou sinais
dela]; 4. Não temos concepção alguma do absolutamente
incognoscível [pois, não se pensa fora da experiência sensitiva e
cognitiva] (PEIRCE, 2005, p.260-261).
Assim sendo, as afirmações supracitadas irão nos ajudar na busca
de entendermos como a subjetivação ocorre para Peirce. Haja vista
que, diferente do pensamento cartesiano, nossas introspecções se dão
imersas em acontecimentos externos e não de forma intuitiva – como
23João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
afirmam alguns pensadores cartesianos. Dessa forma, os signos ante-
riores formam nossas experiências e, por conseguinte, formam o conhe-
cimento de nosso mundo interno e externo. Nesse sentido, podemos
indagar sobre nosso poder de intuição, tendo em conta que os signos
anteriores formam nossas vivências e nossas relações com mundo, ou
seja, dão conta de uma fenomenologia perceptiva e retroativa que
alimentam nosso poder de aprendizagem e cognições. Assim – como
afirma Peirce na segunda questão – não temos força alguma de intuição,
mas, sim, experiências anteriores que formam e estruturam novas expe-
riências de sensação e de pensamento.
Isso nos leva à terceira questão, que dá conta do signo como prin-
cipal fator de nossos pensamentos – fator de aderência da cognição.
Nossos engramas mentais são coordenados pelos signos que ditam
nossas ações no mundo. Dessa forma, indagamos, é através dos signos
que uma mente se comunica com outra? Tendo em vista as afirmações
de Peirce, podemos responder que sim. Apenas por meio de signos
que uma mente pode perceber a outra e a ela aderir em pensamentos
intersubjetivos e coletivos. Logo, não conhecemos aquilo que não se
conhece, isto é, que não está imerso em pensamentos. Nossas concep-
ções só dão conta daquilo que apreendemos como real, tendo em conta
que o real adequa-se ao campo do subjetivo no sentido de dar sentido
ao que subjetiva enquanto signo ambulante no mundo. Por exemplo,
como poderíamos explicar a sensação do frio no polo norte para uma
pessoa que nunca lá esteve – ou seja, tratar-se-á de algo incognoscível
para essa pessoa, de modo que as palavras não são suficientes para des-
crever tal sensação; de modo que só a vivência poderia elucidar esse
fato, dando aderência ao pensamento por meio de signos de emoção.
No entanto, é importante salientar que não podemos confundir
subjetividade com subjetivação, pois subjetividade está presente tanto
no cartesianismo quanto na semiótica. O que temos que focar é que o
processo de subjetivação é algo que está presente na semiótica, e não no
cartesianismo, pois para esse o pensamento é intuitivo em detrimento
24 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
da experiência corporal. Com o intuito de provocar uma melhor com-
preensão, suscitamos que o leitor faça o seguinte exercício: proponha-se
a criar uma coisa, sendo que essa coisa não pode se assemelhar ou tra-
zer com ela alguma relação com algo já existente. Com isso poderemos
confirmar se temos a capacidade de criar e pensar sem interferência de
nossas experiências. Por conseguinte, tendo identificado o rompimento
da semiótica de Peirce com a filosofia cartesiana, vamos detalhar as cate-
gorias da experiência como fator fundamental da ação do signo sobre
a mente de alguém, para nela criar outro signo equivalente ou mais
desenvolvido. Essa ação é chamada de subjetivação semiótica, processo
ausente na teoria cartesiana.
	
DA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVAÇÃO SEGUNDO BASES
SEMIÓTICAS DA PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE ETERCEIRIDADE:
EXPERIÊNCIA (FENOMENOLOGIA) DO EGO E DO NÃO-EGO
Na semiótica de Peirce, segundo Ibri (1992, p. 9), toda experiên-
cia corporal humana em relação ao mundo externo dos objetos e dos
seres, que é fenomenológica, resulta em uma ou algumas ideias gerais
na mente do sujeito pensante, formando nele um ego, muito distinto
da noção intuitiva cartesiana. Desse modo, as experiências passadas
formam na mente do sujeito alguns “resultados cognitivos do viver”, e
em hipótese alguma se tratam de resultados absolutos enquanto repre-
sentações mentais fiéis ou irredutíveis da realidade como se o sistema
psíquico fosse um espelho perfeito da natureza. Tais resultados cogniti-
vos das experiências pretéritas existem na forma de signos, implicando,
portanto, representações parciais ou complementares das vivências,
conforme a operação abdutiva – sugestiva – do pensamento.
Esses signos, enquanto “resultados cognitivos do viver”, assumem
certas especificidades de acordo com a mente da pessoa que o significa,
mesmo porque essa última não deixa de se constituir por signos subjeti-
vados em sua mente e cérebro e objetivados em seu corpo. Ao conside-
25João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
rarmos o sujeito ou a pessoa, baseados em Peirce, compreendemos que
as experiências vividas, quando assumem o estatuto de“resultados cog-
nitivos [signos] do viver”, passam a ser tratadas enquanto experiências
pretéritas abstratas ou abduzidas, ou seja, extraídas, afastadas, sintetiza-
das ou analisadas em relação ao lócus do acontecimento da experiência
mesma em seu ex presente, tratando-se, portanto, de uma ex-periência:
aquilo que um dia foi e hoje não é mais, mas é outra coisa, basicamente,
um signo, que pode representar e significar o passado, o presente e o
futuro na realidade mental daquele está em pensamento.
Para Ibri (1992, p. 8), “[...] a experiência pretérita tem estatuto de
alteridade para a consciência, assumindo, assim, o papel de um não-
-ego interno”. Isso ocorre porque, na mente, ela, a experiência, apa-
rece distinta, afastada, abstraída, experimentada, desligada da pessoa
vivida existida no ato, mesmo porque ninguém permanece o mesmo
após uma experiência, pois essa tem a capacidade de transformar, jus-
tamente porque ela deixa em nós alguns “resultados cognitivos” que
passam a participar ou a se impor, enquanto frutos do passado, nas
vivências futuras no presente. Nesse momento, a experiência pretérita
deixa de ser um não-ego latente, para ser assumida enquanto ego pre-
sente em ato, personalidade, traço, marca no modo de agir da pessoa
que age atualmente.
Para Peirce, a experiência está sob o estatuto da alteridade justa-
mente porque ela surge enquanto um acontecimento objetivo que se
distingue da pessoa que a vive, pois é externo a ela, diferente se essa
mesma vivesse uma experiência como se fosse uma extensão de seu
corpo, não havendo, portanto, diferenciação. Nesse sentido, a“experiên-
cia pretérita”e os“resultados cognitivos do viver”, produzidos na mente,
são considerados, de início, um não-ego, porque eles participam da vida
de um ego já estabelecido na pessoa como na condição de outro, de
alteridade. Grosso modo, embora o não-ego esteja no interior da mente
e seja formado por signos latentes de experiências passadas, ele fun-
ciona como um pensamento outro em relação aos pensamentos já natu-
26 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
ralizados enquanto ego da pessoa. Em nossas experiências podemos
reconhecer esse processo quando somos acometidos por pensamentos
estranhos, confluentes ou contraditórios face às nossas reflexões mais
familiares e naturais.
Sendo assim, a experiência é um segundo que vem depois de um
primeiro que é a pessoa mesma ou seu ego primeiro. Na situação de
segundo, a experiência“[...] se opõe aqui e agora ao sujeito, conferindo-
-lhe uma experiência de dualidade, torna-se para o ego sua negação, ou
seja, um não-ego [isto é, um outro] [...]”(IBRI, 1992, p. 8). Assim, na pena
de Peirce: “Tornamo-nos conscientes do eu ao nos tornarmos conscien-
tes do não eu [ou seja, de um outro diferente de nós]”. De tal maneira, o
não-ego, isto é, o outro da experiência, agora já integrado – subjetivado
– à mente do sujeito como um “resultado cognitivo do viver”, não parti-
cipa de imediato das ações desse mesmo sujeito na condição de pessoa
ou ego na realidade, pois ele permanece na mente de modo latente, a
espera de uma nova aderência – um signo – em que possa se agarrar e,
assim, movimentar-se cognitivamente.
O outro permanece, durante algum tempo, agora na forma de
dúvida, distinto da pessoa que o acolhe em seu interior mental como
resultado cognitivo. O ego já estabelecido, que também é o resultado
cognitivo de experiências pretéritas, estende seu conflito exterior com
o não-ego para dentro de si a partir dos fragmentos – resultados cog-
nitivos – incorporados desde a experiência externa na condição de
outro. O curioso é compreendermos que tudo isso ocorre indepen-
dentemente do sujeito ou ego já estabelecido. Trata-se de um processo
inevitável! Assim, vemos que “[...] a experiência pretérita sobre a qual
não se tem qualquer poder modificador [...] é uma pluralidade de ocor-
rências, um aglomerado de fragmentos individuais delimitados como
recortes no espaço e no tempo” (IBRI, 1992, p. 8). O não-ego incorpo-
rado passa a agir sobre o ego já estabelecido, lhe criando dúvidas. “A
propósito do estatuto da dúvida, Peirce o afirma como uma experiência
de binaridade em que o elemento negativo exerce sua força [sobre o
27João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
ego da certeza]”(IBRI, 1992, p. 8). Ou seja:“Entre as formas que assume
a binaridade estão aquelas das dúvidas que são forçadas sobre nossas
mentes”(PEIRCE, apud IBRI, 1992, p. 8).
Sumariamente, portanto, não se pode perder de vista que tais dúvi-
das são geradas pelo não-ego ou o outro, de tal modo que esse não passa
de“resultados cognitivos do viver”, levando em conta que esse último é
gerado por uma“experiência pretérita”, o não-ego é uma espécie de voz
ou signo do passado que se coloca em conflito com o presente do ego.
Para Peirce (apud IBRI, 1992, p. 8):
[...] o passado contém apenas uma certa coleção de casos
[resultados cognitivos do viver] que ocorreram. [Assim] O passado
consiste na soma de faits accomplis [a serem completados, de tal
modo que] o passado realmente age sobre nós precisamente
como um objeto existente o faz [certamente porque uma parte
dele um dia foi externa].
Sem embargo, devido a essa ação dos “resultados cognitivos do
viver” sobre o ego, podemos considerar que aquilo que no interior da
pessoa se distingue de seu ego e com ele conflita, poderá, em algum
momento, tomar o seu lugar ou mesmo passar a integrá-lo em suas
ações dedutivas em relação a si e à realidade externa, levando em conta
o poder transformador do não-ego, mas não sem conflitos, da experiên-
cia preparada pelo ego.
Por esse fluxo, traremos aqui a relação de binaridade entre o sujeito
e o signo, em que a formação do sujeito passa por um processo de subor-
dinação dos fenômenos a ele apresentados. O homem se faz refém das
experiências vividas por ele mesmo e, portanto, refém dos pensamentos
na medida em que sua existência, enquanto Originalidade, é subme-
tida a signos que impõe novas representações, que o faz se desenvol-
ver enquanto ser armazenador e articulador abdutivo – sugestivos – de
signos da experiência. O fato de um primeiro signo poder gerar outro
signo a partir da interação com um segundo signo faz com que possa-
28 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
mos afirmar que o sujeito está sempre em processo de formação, pois o
homem enquanto signo original, primeiro, mas não anterior ao mundo
de signos que o acolhe, está sempre regrado de signos particulares que
já o integram enquanto sujeito. Esses signos, quando entram em con-
tato com signos segundos, com poder de obsistências, o tornam mais
desenvolvido e angariam novos signos particulares mediante um pro-
cesso cognitivo de abdução.
A relação entre homem e fenômeno se dá a partir das experiências
vividas pelo sujeito, que se configuram, em princípio, como o não-ego.
Essa trajetória se dá a partir dos fenômenos a ele apresentados, inde-
pendente de sua vontade, podendo se fundir em uma subjetivação que
irá depender do que ocorrerá daquele momento em diante, do que o
sujeito pode elaborar, abstrair, abduzir ou sugestionar dos resultados da
experiência e não essa em sua totalidade. O sujeito, enquanto primeiro
na ordem da Originalidade, está exposto a esse processo de subjetiva-
ção, devido ao processo de alteridade que se estabelece em uma rela-
ção de “brutalidade” dos signos que estão no passo da Obsistência para
o sujeito enquanto ser da Originalidade, ambos, provando a existência
na resistência exercida um em relação ao outro, enquanto a percepção
de um segundo – não-ego – além do ego. O vivido e seus resultados se
transformam em registros do passado. Ao ter contato com o passado,
tornando-o mais novo, devido à interferência do vivido presente sobre a
mente, somam-se novas significações e sentidos na mente dos sujeitos,
aumentando essa gama de sentidos. Ao tomar conhecimento de novos
fatos ou ter aproximações com outras pessoas, a mente do indivíduo se
torna, de algum modo, parte daquilo, ou uma extensão daquele signo
que é apresentado externamente, e isso é uma condição real da existên-
cia humana, assim ocorre a subjetivação em cada sujeito.
	 Tecendo a subjetivação a partir das ideias de Peirce (2005, p. 46),
passamos a nos deter ao fato de que um signo que ocorre em segunda
ordem como fenômeno ativo que cria na mente do sujeito outro signo
semelhante ou mais desenvolvido, nesse momento o sujeito se encontra
29João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
na posição de passivo, sendo que esse processo fenomenológico se faz
de maneira ativa através de signos obsistentes – resistência – ao sujeito.
Com isso, podemos perceber que esse processo é sempre contínuo, por-
que a partir das experiências que vão surgindo com o tempo, funda-
dos nas vivências do indivíduo, estão na condição de não-ego, porque
se originam do outro (sujeito ou objeto), em relação ao qual ocorrem
subjeções na mente do sujeito, que fazem se desenvolver e tornar esses
signos externos em signos que integram seus pensamentos, aquela
consciência que ele perceberá como ego. O fato de um signo perma-
necer na posição de Obsistência para o homem faz com que ele seja a
representação de tudo que se manifesta – que lhe apresenta resistência
– no mundo a ele apresentado, e que pode causar alguma subordinação
na mente das pessoas que são infligidas por tais ações. O signo, nesse
caso, faz-se absoluto perante ao seu significante, a mente, traçando uma
relação de alteridade com o sujeito, à espera de significações.
Emsuma,oprocessodesubjetivaçãoéformadoapartirdeduasinte-
rações indispensáveis para a mente formar novos conceitos a partir das
experiências. Esses processos são a dinâmica da geração de um signo e a
dinâmica do pensamento abdutivo segundo Peirce (2005, p.233). Para a
interação da mente com o signo, o sujeito deve ser exposto há um fenô-
meno que o apresenta um novo signo, o qual poderá estabelecer uma
condição de semelhança com o que foi a ele apresentado ou mais desen-
volvido, de acordo com o nível de impacto da realidade – seus resulta-
dos cognitivos – que ele cause para o sujeito. Tal processo se faz a partir
do pensamento abdutivo, quando a mente interpretante, que é afetada
por esse signo, mostra-se como uma criadora de novas ideias, suges-
tões que essa mente faz para esse signo e para o mundo. Isso se dá pela
necessidade de obter uma significação que represente algo apropriado
para esse sujeito, que faça uma real significação para a mente afetada.
Essa ordem fenomenológica não se manifesta de maneira representa-
tiva, através de réplicas integrais para o interpretante, ela se manifesta
de maneira única, nova, que signifique a realidade vivida pelo sujeito,
30 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
em que esses fenômenos permaneçam na forma de signos equivalentes
ou mais desenvolvidos aos que foram apresentados anteriormente, pas-
sando do não-ego para o ego, chegando à consciência do vivido.
Ao tratarmos da fenomenologia peirciana, temos que dar ênfase ao
queseriaabasedessepensamentofenomenológico,queéaexperiência.
No momento em que se fala de fenômeno, Peirce (apud IBRI, 1992, p.4)
entende“[...] o total coletivo de tudo aquilo que está de qualquer modo
presente na mente, sem qualquer consideração se isto corresponde a
qualquer coisa real ou não”. Quando falamos de faneron – fenômeno –,
como é dito por Peirce, temos que necessariamente trazer a experiência
como fator fundamental na forma de como o ser humano se constitui
a partir dos “resultados cognitivos de viver”. Esses resultados não são
representações, duplicações ou réplicas idênticas da realidade externa,
mas sim modos como o corpo e a mente apreendem particularmente
dados da experiência, os quais, na consciência, de modo sintético, pro-
duzem um fenômeno em termos ideativos. A experiência, portanto, é
principal via de subjetivação do mundo externo, contudo marcada pela
interpretação. A experiência pode trazer consigo a inteligibilidade do
homem, somente a partir do momento em que esse último já possui,
preteritamente, algum“resultado cognitivo do viver”, que ao trazer suas
vivências pretéritas alcança o estado de significação que trarão as repre-
sentações para o desenvolvimento do sujeito, dando sentido ao curso
da vida presente e futura através da experiência.
Nesse sentido, a constituição do sujeito, a partir da experiência, não
é passiva, pois os resultados pretéritos do viver conflitam dialeticamente
com as novas experiências e seus resultados cognitivos. Conforme Ibri
(1992, p.5), sobre a experiência: “[...] tal como conceituada, estatui-se
como fator corretivo do pensamento, e esta característica, reconhecida
por Peirce, é um dos pilares de toda sua Filosofia [...]”. A subjetivação,
assim, não é um ato deliberado, mas sempre dialogado, conflitado, cal-
culado de mudança, deslocamento, movimento, transformação. Con-
tando com a concepção de que os resultados pretéritos da experiência
31João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
influenciam os resultados cognitivos do presente e do futuro, a fenome-
nologia de Peirce, no sentido científico e metódico, propõe como fun-
damento três faculdades do pensamento, capazes de orientar o pensar
filosófico pautado na fenomenologia.
A primeira é a faculdade de ver o fenômeno como ele se apresenta
sem fazer interpretações ao seu respeito, ou seja, sem permitir, ainda,
que os resultados pretéritos interpretem o fenômeno enquanto resul-
tados cognitivos do viver presente; a segunda faculdade é a de detectar
todos os casos presentes em um fenômeno, isto é, de quais elementos
ou signos o fenômeno é constituído; já a terceira faculdade é dar uma
significação geral de representação aos outros dois processos de pen-
samento. Nesse terceiro momento, a mente sugere ou realiza abduções
acerca do fenômeno e sua estrutura. Podemos, também, resumir essas
faculdades em“ver, atentar para e generalizar”(IBRI,1992, p.7).
Em síntese, Peirce sugere três categorias da experiência fenomeno-
lógica, em que signos criam na mente de alguém outros signos similares
ou mais desenvolvidos. Para tanto, ele sugere, a Originalidade (Primei-
ridade), relacionada à atitude de simplesmente ver; Obsistência (Secun-
didade), que implica a faculdade da atenção dirigida aos detalhes ou
componentes estruturantes do fenômeno: suas reações no campo dos
signos; e Transuasão (Terceiridade), que consiste na capacidade de fazer
interagir dados separados na objetividade em uma ideia subjetiva geral
e representativa de uma realidade. Doravante, tendo em vista que a sub-
jetividade, ancorada na semiótica de Peirce, acontece através dos três
tipos de experiências, vamos nos deter ao fato de que qualquer forma
de subjetivação passa por uma dessas categorias da experiência, que
por sua vez se ramificam em subcategorias responsáveis pela forma de
incorporação dos signos no corpo e na mente.
Dessas subcategorias, as principais estão ao nível do Representa-
men, do objeto e do interpretante. Esse trio é chamado por Peirce de
tricotomia. Ao nível do representamen as subcategorias são os Qualis-
signo, Sinsigno e Legissigno; no Objeto têm o Ícone, Índice e Símbolo; no
32 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
Interpretante têm Rema, Dicente e Argumento, sendo cada uma dessas
categorias um modo de subjetivação da experiência na forma de“resul-
tados cognitivos do viver”.
Ao tornar claro que as categorias da experiência sugeridas por Peirce
(2005, p.27) são fundamentais para a subjetivação, devido ao processo de
ação mental que exigem, começamos a falar da Primeiridade. Essa cate-
goria tem um princípio claro na ordem dos signos, pois essa é a categoria
que aborda o princípio básico da alteridade, em que os fenômenos que
afetam o sujeito não têm nenhuma referência anterior, passando a tornar
parte do ego já existente, mas tal representação se encontra em estado
de imaturidade, devido a não existência representacional para a mente
afetada. A experiência original ou primeira – Primeiridade – funda as bases
materiais e fenomenológicas de todo fenômeno subsequentemente
resultante de novas experiências. Com isso, o signo original se encontra
como algo sem significação representativa prévia, mas, ligada ao afeto
corporal. Poderíamos chamar de algo novo para aquele sujeito, um dado
do inconsciente, independente de tudo que ele tenha vivido. Peirce (2005,
p.24) diz: “seria algo que é aquilo que é sem referência a qualquer outra
coisa dentro dele, ou fora dele, independentemente de toda força e razão”.
Quando chegamos à ordem da Secundidade, percebemos um cará-
ter evolutivo do signo, em que ele se encontra em um estado represen-
tacional, em que se faz entendido a partir de uma referência vinda de um
objeto – referente – conhecido em uma experiência pretérita.Tal processo
ocorre pelo fato do signo da obsistência estar em uma relação à frente da
Originalidade, usando essa última como fonte de progressão do signo ou
condição existencial do signo, a Obsistência torna presente referências
da mente do sujeito para dar significado para a Originalidade, ligada aos
signos de sensações ou ao afeto primitivo. Podemos falar, basicamente,
que a Secundidade depende de experiências guardadas na mente do
sujeito para que ela possa significar algo em seguida,“[...] é aquilo no que
a secundidade difere da primeiridade; ou é aquele elemento que, tomado
em conexão com a originalidade, faz de uma coisa aquilo que uma outra a
33João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
obriga a ser”(PEIRCE, 2005, p.27). Os resultados cognitivos da Secundidade
obrigam os resultados da Primeiridade significarem algo, isto é, uma outra
coisa que não sua existência original. A experiência primeira da cor pode,
em um segundo momento, de obsistência, pode ser obrigada a represen-
tar ou a aderir um objeto ideal ou real. Como é caso da cor vermelha que
poder representar o fogo que a significa e vice-versa.
Tomando emprestados os conceitos de Primeiridade e Secundidade
trazidos anteriormente, vamos tratar da Terceiridade, para a qual se faz
necessária a participação dos dois processos anteriores para chegar em
uma mediação ao nível da interpretação propriamente dita ou genuína.
Essa é a terceira categoria que está entre as outras duas e atua como
meio de significação criado a partir de um fenômeno anteriormente
experimentado. A Terceiridade está totalmente ligada ao poder de inter-
pretação, representação, mediação e ação mental. Esse processo ocorre
quando tem um ser interpretante que através do raciocínio faz relações
na mente e interpreta os signos a partir dos “resultados cognitivos de
viver”, em uma consciência sintetizadora que busca o entendimento dos
pensamentos. Esse processo de mediação/representação está à vista
de um tempo futuro, no qual a partir da mediação entre passado e pre-
sente, ou seja, Primeiridade e Secundidade, o pensamento generalizador
da Terceiridade faz uma ruptura com o tempo e dá uma nova dimensão
– sugestão ou abdução – para as coisas. Peirce (apud IBRI,1992, p.15) diz:
A terceira categoria é a idéia daquilo que é tal qual é por ser
um Terceiro ou Meio entre um Segundo e seu Primeiro. Isto é o
mesmo que dizer que ele é Representação como um elemento
do fenômeno. [Ainda:] Terceiridade nada é senão o caráter de
um objeto que incorpora a Qualidade de Estar entre (Betweeness)
ou Mediação nas suas formas mais simples e rudimentares; e
eu a uso como o nome daquele elemento do fenômeno que é
predominante onde quer que Mediação seja predominante, e
que encontra sua plenitude na Representação, [e] Terceiridade,
como eu uso o termo, é apenas sinônimos para Representação...
34 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
Com isso, as formas de Mediação/Representação são fatores
que envolvem a mudança de tempo, modificando a brutalidade da
alteridade vinda com a Primeiridade e a Secundidade para a inteligi-
bilidade dos acontecimentos, dando um novo sentido para ações
futuras (IBRI, 1992, p.15), bem como para sensações passadas. Reto-
mando a proposição inicial que define o signo nas letras de Peirce:
“[...] um signo [...] dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pes-
soa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.
Ao signo assim criado [ou mais evoluído] denomino interpretante do
primeiro signo”. É possível compreender que esse signo mais evo-
luído, denominado interpretante, tem o poder de significar o pri-
meiro signo, aquele a que se dirigiu, a alguém, enquanto criador
de um signo equivalente. Entre o signo criador (que se dirige a...),
o signo criado e equivalente e o signo mais evoluído ou interpre-
tante, vemos uma relação de três, em que o último se volta para
o primeiro e ao segundo, interpretando-os de um novo modo, de
maneira abduzida ou sugestiva. Por isso, os signos ao nível da Ter-
ceiridade estão na classe do Símbolo, que necessitam de uma mente
interpretante para serem significados.
Resumindo as categorias da experiência, trazemos Santaella (2005,
p.7), que diz:
A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com
acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade,
liberdade, mônada. A secundidade está ligada às idéias de
dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e
agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à
generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma
mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no
signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à
mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere
ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em
um possível intérprete).
35João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
Não podemos perder de vista que:
A teoria lingüística, cujo objeto de análise é a linguagem – que
não deve ser entendida como simples sistema de sinalização,
mas como matriz do comportamento e pensamento humanos
– tem por objetivo a formulação de um modelo de descrição
desse instrumento através do qual o homem informa seus atos,
vontades, sentimentos, emoções e projetos (NETTO, 1980, p.15).
Na medida em que consideramos que a linguagem não se limita
a um sistema de sinalização por signos expostos na realidade objetiva,
pois também consiste em ser uma matriz ou fonte de comportamen-
tos humanos, sendo um deles o pensamento, podemos compreender a
semiótica como um horizonte teórico-metodológico de reflexão e ação
acerca dos processos de subjetivação de signos na mente humana a
partir das experiências que o corpo humano estabelece, imerso, com a
realidade objetiva. Em outras palavras, entendemos que os sistemas de
signos objetivos, tais como um texto, os sinais de trânsito, uma película
cinematográfica etc., todos expostos às nossas sensações e percepções,
desencadeiam na mente humana processos de registros e de articula-
ção, que por tomarem a forma de pensamento ou cognição significada
– representação por signos em vez de por coisas – no interior da mate-
rialidade corpórea – cérebro – do humano, podem ser chamados de
subjetivos.
Evocando mais uma vez a assertiva de Peirce sobre a emergência
da semiótica, os signos, inicialmente matrizes ou fontes objetivas, criam,
por subjetivação mediada pela experiência sensitiva e perceptiva, bem
como pelo ego pretérito, na mente de alguém, outros signos equivalen-
tes ou mais desenvolvidos, haja vista que este signo pode ser uma emo-
ção, um sentimento e ações interligadas ad infinit. Diante do exposto,
partindo do princípio de que os signos objetivos se tornam subjetivos
na mente de alguém mediante experiências que o corpo humano esta-
belece com realidades percebidas como objetos para além da existência
36 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
dele, estabelecemos aqui que o fundamento ou caminho da emergên-
cia de todo comportamento semiótico ou lógico – linguístico, de um
modo mais restrito – do pensamento humano é a experiência em seu
sentido fenomenológico e não puramente lógico. Adentramos agora
nas categorias que constituem a experiência fenomenológica como
ponto de partida dos processos de subjetivação ou criação de signos –
equivalente ou mais desenvolvido – na mente humana a partir de outros
signos inicialmente objetivos ou simplesmente apreensíveis – visíveis –
desde fora pelo aparelho sensório-cognitivo-motor humano.
Contudo, a experiência fenomenológica para Peirce não envolve um
processo simples, unificado, unilateral e unidimensional. Há, segundo o
filósofo e matemático, três diferentes níveis ou categorias interdepen-
dentes da experiência, chamados de Originalidade (Primeiridade, nível
básico), Obsistência (Secundidade, nível intermediário) e Transuação (Ter-
ceiridade, nível complexo). Como podemos observar pela nomenclatura
utilizada, embora tenhamos mencionado a interdependência entre os
níveis, trata-se de uma interdependência hierarquizada, na medida em
que as tricotomias dizem respeito às categorias da experiência ou tam-
bémchamadasdecategoriasdossignosnaconcepçãodePeirce.Segundo
Netto (1980, p.61),“A primeiridade recobre o nível do sensível e do quali-
tativo e abrange o ícone, o Qualissigno e o rema”, ou seja, diz respeito a
qualidades, impressões primeiras dos signos, aquilo que se apresenta em
primeira instância, seja em sua forma simples e/ou mais desenvolvidas –
sempre no plano das qualidades [Qualissigno, Ícone, Rema].
Em se tratando da Secundidade,“diz respeito ao nível da experiência,
da coisa ou do evento: é o caso do índice, do sinsigno e do discissigno”
(Idem, ibidem, p.61). Nesse sentido, a Secundidade envolve uma fenome-
nologia semiótica na medida em que há uma sensação de qualidade
(Primeiridade) que se relaciona a um objeto específico ou singular (Secun-
didade). Assim, dessa relação se estabelece a noção do fenômeno per-
cebido, haja vista que a semiótica ao nível do objeto é fenomenológica
levando em conta esses aspectos que caracterizam a Secundidade. E por
37João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
fim, a Terceiridade que, segundo Netto (ibidem, p.61),“refere-se à mente ao
pensamento, isto é à razão: cobre o campo do símbolo, do legissigno e do
argumento”, logo a Terceiridade pode ser entendida como a ação do signo
pós-relação fenomenológica, ou seja, a interpretação da mente, o terceiro
da relação semiótica, que interpreta o fato e adquire o signo mais desen-
volvido, seja como uma lei, um símbolo ou um argumento.
Em seus estudos, Netto (1980) propôs um quadro para apresenta-
ção dessas relações, ou seja, a relação do signo com suas tricotomias, o
qual apresentamos a seguir:
Quadro 1
DIVISÃO DOS SIGNOS
CATEGORIA
O Signo em
relação a si mesmo
O Signo em
relação ao objeto
O Signo em relação
ao interpretante
PRIMEIRIDADE Qualissigno Ícone Rema
SECUNDIDADE Sinsigno Índice Dicissigno
TERCEIRIDADE Legissigno Símbolo Argumento
Fonte: NETTO, 1980, p 62.
Com essa forma de agrupar os signos, acreditamos que a subjetiva-
ção ocorre em planos de Primeiridade (em nível da qualidade do sensível),
Secundidade (em nível do objeto da cognição), e Terceiridade (a qual refe-
re-se ao argumento). Para tanto, se faz necessário explicarmos as partes
que compõem cada uma das categorias da experiência. No que diz res-
peito à Primeiridade, seguindo pela sua linha horizontal, de acordo com
o quadro acima (NETTO, 1980, p. 62), identificamos as três subcategorias
desse primeiro nível da experiência: Qualissigno, Ícone, Rema.
O Qualissigno se configura como qualidade que é um signo. Não
pode agir como tal até tornar-se corpóreo, ou seja, até que haja a afe-
tação primária do corpo. Antes desse, esse signo seria a hipótese do
exterior absoluto, que nem é objetivo, porque não pode ser visto ou
sentido. Está no mundo, desligado de qualquer consciência. Quando
38 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
essa qualidade é notada por um corpo, ela ascende à condição de Qualis-
signo, pois, na medida em que ela existe para um corpo, evidencia-se sua
possibilidadedesersignoparaumamente,emboraaindasejaapenasafeto,
pois já está prestes ou necessariamente será atrelada, em um momento
seguinte, não a uma qualidade pura em si, mas sim a uma existência na
formadeobjeto,sendoumaqualidadecorporificadaemalgumacoisaobje-
tiva, como por exemplo o branco (Qualissigno) em uma camisa (Sinsigno).
Issosedánamente,podendogeraroraciocíniodequeobrancorepresenta
uma qualidade. Segundo Netto (1980, p.60): “[...] Por qualissigno enten-
de-se uma qualidade que é um signo: Ex: uma cor [vermelho]”.
Caso a mente fosse física, química ou fisiologicamente incapaz de
perceber a cor branca, essa nunca poderia ascender à qualidade de signo
– Qualissignos – pois, permaneceria incognoscível, não interessando,
portanto, ao pensamento e às suas conexões e associações semióticas.
Mas, na medida em que o branco e outras cores são perceptíveis para o
humano, todas elas apresentam o potencial de serem signos ao se asso-
ciarem ou se ligarem a algo para além delas: o corpo. Isto é, de repre-
sentarem algo que não elas mesmas para alguém que possui um corpo
afetivo e uma mente cognitiva. Neste sentido, ponderamos que quando
se está diante de Qualissigno pode-se gerar um ícone. Dessa forma, há
uma corporificação das formas e qualidades que compõem Qualissignos,
que logo passam a ser ícones. Peirce (2005, p.73) nos indica que:“o Ícone
não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que representa: sim-
plesmente acontece que suas qualidades [Qualissignos] se assemelham
às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma
semelhança”. É nesse sentido que as qualidades se corporificam, tornan-
do-se ícones. Funciona tal como na natureza a orquídea se apresenta ao
zangão como se fosse uma fêmea da espécie, atraindo-o para cópula.
Ícone: “[...] é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas
em virtude de seus próprios caracteres que ele igualmente possui quer
um tal Objeto realmente exista ou não”(PEIRCE, 2005, p.52). O Ícone car-
rega a relação de semelhança com o objeto que pretende representar
39João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
para alguém, que se dá em três níveis: a imagem (caricatura), o diagrama
(um mapa), metáfora (paralelismo com algo diverso que não a própria
imagem apresente). O Ícone subjetiva a mente ao ponto de que algo
se assemelhe ao objeto, traçando uma relação de caracteres que a ima-
gem possa possuir. Ou seja, “[...] a escultura de uma mulher, uma foto-
grafia de um carro, e mais genericamente, um diagrama, um esquema”
(NETO, 1980, p.58). O Ícone é criado na mente de alguém por meio da
ação de signos de semelhança que afetam a mente e fazem essa produ-
zir uma síntese imaginária: a imagem de um objeto. Tendo estabelecido
isso, segundo Nunes (2008, p.44): “[...] quando estamos diante de um
Ícone tende-se a gerar um Rema”, pois ao se assemelhar (Ícone), o signo
é levado ao nível das possibilidades linguísticas (Rema) que este Ícone
pode vir a produzir. O Ícone está na primeiridade porque sua relação
com o objeto se baseia na relação que os seus caracteres qualitativos
possam possuir, sendo ainda que este objeto possa só existir na mente
do interpretante na forma ideal.
Rema:“[...] é um Signo que para seu Interpretante é um Signo de Pos-
sibilidades qualitativas, ou seja, é entendido como representando esta
e aquela espécie de Objeto possível” (PEIRCE, 2005, p.53). O Rema, por
definição, envolve uma qualidade/hipótese que refletirá em seu inter-
pretante; que será subjetivado por esta qualidade/hipótese, logo “[...]
o Rema é um Signo que é entendido como representando seu objeto
apenas em seus caracteres” (PEIRCE, 2005, p. 53). A Subjetivação ocorre
por meio destes caracteres. Desse modo, o Rema que se dá ao nível da
palavra escrita constitui-se também como uma forma que representa
essa ou aquela imagem para seu interpretante. Não obstante, “[...] uma
palavra isolada, como vermelho, pode funcionar como rema (do grego
rhema, palavra)”(NETTO, 1980, p.61). Ela funciona no lugar da qualidade
do vermelho em si e dessa mesma qualidade encarnada na imagem
semelhante de um objeto.
Desta forma, o signo de Primeiridade (Qualissignos, Ícone, Rema), que
“recobre o nível do sensível e do qualitativo”(NETTO, 1980, p.61), participa
40 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
dasubjetivação,poisocorreemrelaçãoaosignoemsimesmo(qualidade),
que tem potencial para evoluir para um signo que possui a capacidade de
se assemelhar (Ícone), que por sua vez pode evoluir para um signo de pos-
sibilidades qualitativas (Rema), todos pela ação do interpretante, presente
nas três esferas do signo de primeiridade. A Primeiridade está no campo
da gramática pura, pois tem como objetivo determinar o que deve ser
verdade em relação ao Representamen para que o mesmo seja capaz de
incorporar um significado, sendo ele qualquer um.
A experiência da Secundidade pode ser dividida segundo três situa-
ções: Sinsigno; Índice e Dicente. Sinsigno, para Peirce (2005, p.52): “[...] é
uma coisa ou evento existente e real que é um signo. E só o pode ser atra-
vés de suas qualidades, de tal modo envolve um Qualissigno ou, melhor
vários qualissignos”. Deste modo, Netto (1980, p.60-61) apresenta como
exemplos“cata-vento, um diagrama de alguma coisa em particular. O sin
inicial de sinsigno indica que se trata de uma coisa ou evento singular,
no sentido de‘uma única vez’[fato único]”. Assim, inferimos que um Sin-
signo implica a subjetividade, na medida em que consiste em ser a asso-
ciação entre duas qualidades, por exemplo, a temperatura e a cor, como
no caso do vermelho associado ao calor, ambas as qualidades do fogo.
Índice: “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota em vir-
tude de ser realmente afetado por esse objeto” (PEIRCE, 2005, p.52). O
Índice subjetiva por meio das relações indiciais que estabelece com
seu interpretante. Logo: “[...] Na medida em que o índice é afetado pelo
objeto, tem ele necessariamente alguma qualidade em comum com o
Objeto, e é com respeito a essas qualidades que ele se refere ao Objeto”
(PEIRCE, 2005, p.52). Segundo Netto (1980, p.58): “O signo indicial tem
alguma qualidade em comum com o objeto e, assim, não deixa de
ser um certo tipo de ícone especial, embora não seja isto que o torne
um signo mas, sim, o fato de ser modificado pelo objeto”. Para melhor
visualizarmos esta afirmação, pensemos “[...] Ex: fumaça é signo indicial
de fogo, um campo molhado é índice de que choveu [possivelmente],
uma seta colocada num cruzamento é índice do caminho a seguir [...]”
41João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
(NETTO, 1980, p.58). O índice não implica semelhança, mas relação de
existência, de causa e efeito material. A poça d’água é um dos efeitos da
chuva, sendo, portanto, seu rastro.
Para Nunes (2008, p.44): “[...] quando se está diante de um índice,
tende-se a gerar um dicente”. Um Índice pode vir a ser um Dicente na
medida em que relações indiciais do signo com objeto possua existên-
cia real, haja vista que o índice é aberto a possibilidades. Quando se
está diante de uma pegada humana na areia da praia, logo remetemo-
-nos (interpretante) à pessoa que possivelmente a marcou com aquela
pegada, ou seja, há uma relação existencial nos indícios que levaram o
interpretante a tal proposição lógica. Entretanto, para deixar de ser um
índice puro, para ascender à condição de Dicente, o signo, como sendo a
relação de causa e efeito, deve se transformar linguisticamente em uma
proposição lógica na mente do sujeito, de modo que esse possa afirmar
que a pegada indica a passagem de um homem, por meio de uma frase.
Dicente ou Dicissigno:“é um signo que, para seu Interpretante, é um signo
de existência real [...] Um Dicissigno necessariamente envolve, como
parte dele, um Rema para descrever o fato que é interpretado como
sendo por ele indicado”(PEIRCE, 2005, p53).
O Dicente diz respeito à existência do objeto e pode ser um índice
na medida em que há uma conexão ao Objeto de forma inseparável.
Logo o Dicente“[...] corresponde a um enunciado, envolve remas na des-
crição do fato. Um sintagma como Este vermelho está manchado pode
funcionar como dicissigno”(NETTO, 1980, p.61). Com isso, compreende-
mos que a Secundidade diz respeito à relação de dois signos distintos, ou
seja, um primeiro que se relaciona com um segundo. Em outras palavras,
é o que Peirce (CP, 1.324 in IBRI, 1992, p.9) chama também de Secundi-
dade se referindo às experiências estabelecidas na alteridade, tal como
estudamos na dinâmica entre o ego e o não-ego: “A idéia do outro, de
não, torna-se o pivô do pensamento [...] A este elemento eu dou o nome
de Segundidade”. Ibri (1992, p.9) complementa que:“A Secundidade traz,
no seu bojo, a ideia de segundo em relação a um primeiro”. Na Secun-
42 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
didade, temos a percepção do signo em relação ao objeto – que se faz
através do primeiro em relação ao segundo – feita pelo interpretante,
no entanto ainda não há lei que irá guiar esta percepção. A Secundidade
está presente no segundo ramo da ciência semiótica, o da lógica.
A Terceiridade envolve ainda mais três dimensões: Legissigno, Sím-
bolo e Argumento. Legissigno: “[...] é uma lei que é um signo” (PEIRCE,
2005, p.52). Essa lei só pode ser estabelecida pelos humanos – Interpre-
tantes. O signo que é estabelecido por convenção, obrigatoriamente é
um Legissigno. Peirce (2005, p.52) aponta que “[...] todo Legissigno sig-
nifica através de um caso de sua aplicação, que pode ser denominada
Réplica”. A réplica por sua vez é um Sinsigno, logo todo Legissigno requer
Sinsigno. Por fim, “[...] a réplica não seria significante se não fosse pela
lei que a transforma em significante” (PEIRCE, 2005, p.52). O Legissigno
“[...] não é uma coisa ou evento singular, determinada, mas uma conven-
ção ou lei estabelecida pelos homens. Ex: as palavras [...]”(NETTO, 1980,
p.61). Assim, o Legissigno é um signo que subjetiva por força de lei. Tra-
ta-se de uma ideia geral que busca aplicação no particular. O Legissigno
pode vir a ser um Símbolo, pois, como tal, é estabelecido por meio da
convenção/associação de ideias que se refere ao objeto.
Símbolo: “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota em
virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que
opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se
referindo àquele Objeto” (idem, ibidem, 52). Assim, o Símbolo pode não
possuir relação de semelhança com seu Objeto, pois foi estabelecido por
convenção de ideias. O Símbolo é, por definição, um tipo geral de lei,
logo, um Legissigno, ou seja, atua através de Réplica. Este “signo é mar-
cado pela arbitrariedade [...] Ex: qualquer palavra de uma língua, a cor
verde como símbolo de esperança etc.”(NETTO, 1980, p.58). A diferença
de um símbolo para um Legissigno é que aquele se apresenta por meio
de um objeto, enquanto que o segundo por meio de qualidades sensí-
veis ou emotivas. Para Nunes (2008, p. 44), quando se está“[...] diante de
um símbolo, a tendência é a geração de um argumento”, pois se tende
43João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas
a representar seu Objeto em seu carácter de signo para isso usam-se os
argumentos para criar os argumentos.
Argumento: “[...] é um Signo que para seu Interpretante é Signo de
lei [...] é um signo que é entendido como representando seu Objeto em
seu caráter de Signo”(PEIRCE, 2005, p.53). O Argumento paira sobre as leis
que cercam o Objeto, o tornando algo compreensível a todos que com
ele entrem em contato, como as logomarcas de diversos produtos. Ao se
depararem com essas, os interpretantes acessam suas experiências ante-
riores para decifrar tal signo. Deste modo:“Um argumento é um signo de
razão, um signo de lei, correspondendo a um juízo. Um silogismo do tipo‘
A é B, B é C, portanto A é C’é um exemplo de argumento”(NETTO, 1980, p.
61).Oargumentotemcomofunçãosuperarasrelaçõespresentesesugerir
uma relação ou norma futura, ainda inexistente. Nesse sentido, ele supera
a lógica e se aproxima da retórica e da especulação. Contudo, longe de se
desdobrar por formulações absurdas, sustentado na lógica e no símbolo,
bem como em seus antecedentes, o argumento deve possuir uma dimen-
são de realidade. Ou seja, deve ser aplicável no comportamento.
O PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO NOS ESTUDOS ACERCA DO
CORPO: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos que existem três tricotomias, que são a Primeiridade,
a Secundidade e a Terceiridade classificadas por Peirce (2005, p.51) da
seguinte maneira: “[...] a primeira conforme o signo em si mesmo for
uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral [...]”, neste
caso o signo ocupa está próximo do Representamen. A segunda, “[...]
conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no fato de o
signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter alguma relação existen-
cial com seu objeto [referente] ou em sua relação com um interpretante
[...]” (PEIRCE, 2005, p.51). Temos o signo enquanto na condição Objeto.
Por fim, a terceira, “[...] conforme seu interpretante representá-lo como
um signo e possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo
44 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO
de razão”(PEIRCE 2005, p.51). Nesse caso o signo ocupa o lugar do Inter-
pretante, nesta categoria temos a concretude de uma Lei – que é um
signo para seu interpretante.
Buscamos, neste estudo, de forma teórica e filosófica, elucidarmos
como se dá o processo de subjetivação dos signos semióticos na mente
e no corpo. Ou seja, como esse processo se constitui e como podemos
pensar em uma leitura analítica e sintética desses signos (subjetivos) aos
estudos do corpo – pensando na constituição dos signos de sensitivos,
lógicos e argumentativos. Realizamos um percurso metodológico que
embasou nossas considerações sobre esse processo de subjetivação.
Concluímos, assim, que por meio das categorias da experiência – esta-
belecidas na semiótica – que os processos de subjetivação ocorrem,
tendo em vista o fenômeno enquanto percebido pelo corpo de modo a
afetar cognitivamente a mente e que tornam estes signos argumentos
para uma dada mente que interpreta (através de leis que são signos).
REFERÊNCIAS
CARVALHO, M. Teoria e experiência. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2013. (Filosofias: prazer do pensar)
IBRI, I. A. Kósmos Noêtós: a arquitetura metafísica da Charles S. Peirce. – São
Paulo: Pespectiva: Hólon, 1992. – (Coleção estudos; v.130)
NETTO, J. T. C. Semiótica, informação e comunicação. – São Paulo. Perspectiva
1980.
NUNES, K. M. Uma análise da construção mítica no livro de fotografias Laróyé, de
Mario Cravo Neto. Salvador: EDUFBA, 2008.
PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005.
SANTELLA, L. O método anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Editora UNESP,
2004.
CORPO E IDENTIDADE:
DIALOGANDO COM ZYGMUNT
BAUMAN E MICHEL MAFFESOLI1*
Natalia Takaki
Jaison José Bassani
RESUMO: Muito tem se falado sobre os processos de construção das identida-
des, sobre sua crise na modernidade, sobre as dificuldades, levadas ao paroxis-
mo nos dias de hoje, de construirmos um “sentimento de pertencimento”, sobre-
tudo por conta da velocidade das transformações e da efemeridade de nossos
“projetos” de vida, do papel das novas ferramentas de comunicação neste pro-
cesso. Nesse contexto, o lugar ocupado pelo corpo e suas expressões em nos-
sas construções identitárias foi profundamente afetado por esse novo modo,
vertiginoso, de se relacionar com as coisas do mundo. No presente trabalho,
tomamos parte nesse intrincado debate em torno do conceito de identidade, e
propomos um diálogo com Zygmunt Bauman e Michel Maffesoli, autores con-
temporâneos que, entre outros, tem se ocupado teórica e politicamente dessa
questão, buscando pensar o lugar social do corpo nos processos de construção
identitária.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade; corpo; Zygmunt Bauman; Michel Maffesoli.
*
	 O presente texto é parte da dissertação intitulada Corpo, cultura e juventude nikkei: processos
de construção identitária, defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da Univer-
sidade Federal do Paraná em 2012. Agradecemos a CAPES e ao CNPq pelos recursos finan-
ceiros (bolsa e apoio a projeto de pesquisa) que tornam possível essa pesquisa.
46 CORPO E IDENTIDADE
INTRODUÇÃO
Os processos de construção identitária têm atraído, no campo acadê-
mico, cada vez mais a atenção e preocupação de pesquisadores das mais
diversas áreas do conhecimento, e se tornaram alvo de disputas políticas
inflamadasemdiversossetoresdavidanocontemporâneo.Conformeargu-
menta Bauman (2005), o problema da identidade parece ter se tornado,
especialmente nas últimas décadas, um prisma através do qual outras tan-
tas dimensões de nossas vidas são localizadas, agarradas e analisadas.
Vivemos mesmo uma verdadeira“explosão discursiva”(HALL, 2005)
em torno desse conceito, já que muito tem se falado sobre os processos
de construção das identidades, sobre sua crise na modernidade, sobre
as dificuldades, levadas ao paroxismo nos dias de hoje, de construirmos
um “sentimento de pertencimento”, sobretudo por conta da velocidade
das transformações e da efemeridade de nossos “projetos” de vida, do
papel das novas ferramentas de comunicação neste processo, como a
televisão, a internet, as redes sociais virtuais, entre outros.
O contemporâneo tem promovido uma incessante profusão de
novos hábitos físicos e mentais, que, se por um lado, nos trouxeram certo
grau de estranheza e insegurança, por outro, permitiram que enxergás-
semos novos horizontes. Como era de se supor, o lugar destinado ao
corpo e suas expressões em nossas construções identitárias foi profun-
damente afetado por esse novo modo, vertiginoso, de se relacionar com
as coisas do mundo. Certamente, o “mundo é a moldura simbólica e
material na qual nos movemos e da qual extraímos os elementos usados
para formar hábitos físicos e mentais”(COSTA, 2005, p. 162), mas os ele-
mentos que adquirimos dele não são sempre os mesmos: eles mudam
de tempos em tempos, com implicações diretas sobre nossas culturas,
nossas práticas, nossos ideais de eu, construindo assim novos conceitos,
concepções e novos modos de vida.
Como nos diz Sant’Anna (2001), o corpo é uma evidência que nos
acompanha desde mesmo antes de nascermos até a nossa morte, expe-
47Natalia Takaki; Jaison José Bassani
riência irrenunciável de nossa história individual e coletiva. Para além de
sua dimensão biológica, que nos lembra aquilo que há de natureza em
nós (VAZ, 2000), o corpo é também território da cultura. Nesse sentido,
o “corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras
que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identi-
dade”(WOODWARD, 2008, p. 15).
No presente trabalho, tomamos parte nesse intrincado debate em
torno do conceito de identidade, e propomos um diálogo com Zygmunt
Bauman e Michel Maffesoli, autores contemporâneos que, entre outros,
tem se ocupado teórica e politicamente dessa questão, buscando pen-
sar o lugar social do corpo nos processos de construção identitária.
Nesse sentido, e tomando o livro Identidade de Bauman (2005) como
uma espécie “roteiro epistemológico” do problema da identidade na
modernidade, buscaremos, nas próximas páginas, apresentar certo iti-
nerário conceitual de ambos os autores que nos permitem refletir sobre
a relação entre corpo e identidade.
O “NASCIMENTO” DAS IDENTIDADES: COMPREENDENDO A(S)
MODERNIDADE(S)
Dia após dia, desde o nosso nascimento, travamos uma batalha
intensa para descobrirmos quem nós realmente somos. Mesmo gas-
tando um tempo considerável de nossas vidas arquitetando planos para
termos alguma certeza e segurança sobre nossas figuras, essa tarefa
parece nunca ter fim, de forma que vivemos em constante construção
e desconstrução.
A questão da construção das identidades nos causa tanto descon-
forto, nos deixa agitados e inquietos porque é algo que diz respeito a
todos nós, independentemente de sabermos ao certo qual identidade
nos pertence: coletivas, individuais, nacionais, étnicas e raciais, sexual,
“virtuais”, se várias ou nenhuma. Não há dúvidas de que a identidade é
um conceito altamente contestado, um território de batalhas que nunca
48 CORPO E IDENTIDADE
esteve em paz com todas as partes. “A identidade é uma luta simultânea
contraadissoluçãoeafragmentação;umaintençãodedevorareaomesmo
tempo uma recusa resoluta a ser devorado...”(BAUMAN, 2005, p. 84).
Certamente essa inquietação não é exclusividade do nosso tempo,
mas definir nossas identidades tem se tornado uma empreitada cada
vez mais desafiadora, sobretudo se considerarmos que as bases sobre
as quais as identidades, individuais e coletivas, se assentavam até bem
pouco tempo atrás, conforme nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman,
perderam sua solidez no mundo globalizante.
Em seu livro Identidade, fruto de uma entrevista concedida a Bene-
dettoVecchi, Bauman (2005) trata de questões que envolvem o problema
da construção das identidades no mundo moderno: a gênese das identi-
dades nacionais, o papel do Estado nessa construção, o papel das comu-
nidades, identidades individuais e coletivas, a fluidez versus a solidificação
das identidades, o surgimento das subclasses, o uso das novas tecnologias
de comunicação, entre outros elementos que cercam o tema.
A fluidez da modernidade acabou adentrando o território das
identidades, pois, afinal de contas, não é tarefa fácil tapar todas as
arestas e impedir que o líquido se infiltre, especialmente quando
possui tanta força. Logo na introdução do livro, Vecchi nos diz que
Bauman vê a globalização como “uma grande transformação que afe-
tou as estruturas estatais, as condições de trabalho, as relações entre
os Estados, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida quoti-
diana e as relações entre o eu e o outro.”(BAUMAN, 2005, p. 11). Assim,
“erram”aqueles que ainda tentam se sustentar nos pilares sólidos e fir-
mes que uma vez existiram, não sendo mais possível negar a facilidade
com que as coisas surgem e em seguida se dissolvem, aparecem e eva-
poram. Possuir identidades fluídas, que mudam a todo o momento,
pode não ser de todo maléfico. No entanto, é preciso compreender
como, por que e quais as consequências dessas constantes mudanças,
que estão diretamente atreladas à modernidade líquida, utilizando a
nomenclatura criada por Bauman, que estabelece diferenças notáveis
49Natalia Takaki; Jaison José Bassani
em relação ao que ele chama de modernidade sólida. Solidez e liquidez
são metáforas usadas por ele para dar conta das mudanças que pau-
latinamente ocorreram durante a transição do século XX para o XXI
(ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009).
A modernidade sólida foi marcada pela ordem, pela rigidez, pela
durabilidade, estabilidade, estratégias de longo prazo, enfim, por ele-
mentos que pudessem dar aos indivíduos e a comunidade um senso de
que o futuro seria algo ao qual não se precisasse temer, pois já estaria
contido e definido no e pelo presente. Um elemento se destacou nessa
busca e produção de solidez: o trabalho.
Por meio do trabalho os sujeitos se tornavam cidadãos dignos,
reproduzindo seus ideais e modos de vida. Estar empregado significava
ter uma vida correta, ética, além disso, forneceria ao trabalhador uma
estabilidade“proporcionada pelas instituições sociais, que indicavam as
condutas a serem seguidas e que permitiam a manutenção de rotinas,
ao mesmo tempo em que decretava a divisão entre o certo e errado, nor-
mal e patológico”. (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 34). Se por meio
do trabalho a honra do cidadão era estabelecida, portanto, nada mais
razoáveldoquepossuirumtrabalhofixo,umempregoregular,elutarpara
que essa relação fosse longa e duradoura. A modernidade sólida estava
situada em um tempo extremante importante para o desenvolvimento
capitalista, no qual trabalhador e patrão estavam intimamente ligados: o
primeiro, por necessitar do trabalho para sua sobrevivência, e o segundo,
por precisar de uma força capaz de produzir e lhe trazer lucro.
Com os indivíduos ocupados trabalhando, a sociedade se mantinha
equilibrada e ordeira, visando um futuro formidável e bastante produtivo:
Quaisquer que tenham sido as virtudes que fizeram o trabalho
ser elevado ao posto de principal valor dos tempos modernos,
sua maravilhosa, quase mágica, capacidade de dar forma ao
informe e duração ao transitório certamente esta entre elas.
Graças a essa capacidade, foi atribuído ao trabalho um papel
principal, mesmo decisivo na moderna ambição de submeter,
50 CORPO E IDENTIDADE
encilhar e colonizar o futuro, a fim de substituir o caos pela
ordem e a contingência pela previsível (e portanto controlável)
seqüência dos eventos. Ao trabalho foram atribuídas muitas
virtudes e efeitos benéficos, como por exemplo, o aumento
da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos
os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para
o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar
a espécie humana no comando de seu próprio destino
(BAUMAN, 2001, p. 157).
Nessa passagem que acabamos de ler a respeito do trabalho,
Bauman nos mostra elementos que são característicos da moderni-
dade sólida, como a certeza no/do futuro, o controle sobre adversi-
dades e a consequentemente segurança, e, principalmente, a ordem.
O trabalho trouxe a ordem como tarefa na modernidade sólida: tra-
balhar era algo que estava atrelado à natureza humana; errático era
ser um desempregado, sem vínculos que os ligassem e os prendes-
sem a um lugar. A labuta diária fazia com que os indivíduos criassem
uma rotina, padrões comportamentais a serem seguidos no intuito
de manter o emprego, portanto, seu comportamento era previsível
e fácil de ser controlado, um ambiente relativamente seguro para se
fixar uma identidade.
A ordem trouxe consigo a necessidade de disciplinar aqueles que
viviam sob seu comando, e o medo do incerto, do desconhecido, do
outro, desenvolveu uma incontrolável obsessão por classificações. Clas-
sificar significava dizer que alguns seriam selecionados e outros seriam
deixados de fora; incluídos seriam aqueles que se encaixam nos padrões
ditados pela ordem e excluídos aqueles que não eram bem vindos por
gerarem desconforto, por não se adequarem às classificações. A ordem
era uma luta travada contra a ambivalência, contra o caos, a imprevisibi-
lidade, o outro, a incerteza, a confusão, a dúvida, o diferente, o ambíguo,
o desconhecido. Numa palavra: contra tudo aquilo que não se podia
controlar (BAUMAN, 1999).
51Natalia Takaki; Jaison José Bassani
Para que nada escapasse do controle, a ordem deixava de ser o
elemento final da ação, passando a ser sua origem, transformando o
resultado final em um produto do disciplinamento. Esse, por sua vez, era
alcançado pela vigilância constante, pela visão superior do disciplinador
estabelecida nas torres panópticas modernas. As torres panópticas pos-
suíam um elemento arquitetônico que possibilitava observar com um
ângulo de 360º o recinto em que era construído; do alto, o observador pos-
suíaavantagemdeumavisãoampla,semobstruções.Essaferramentafacili-
tou e aumentou a vigilância e o controle daqueles a serem disciplinados:
[...] escolas, quartéis, hospitais, clínicas psiquiátricas, albergues,
instalações industriais e prisões. Todas essas instituições eram
fábricas de ordem. E, como todas as fábricas, eram locais de
atividade propositada, calculada para resultar num produto
concebido com antecedência – no caso, no restabelecimento
da certeza, eliminando a aleatoriedade, tornando a conduta dos
internos regular e previsível novamente. (BAUMAN, 2011, p. 146).
Pensando nas instituições que adotaram o panóptico como ele-
mento disciplinador, nota-se que algumas delas, como as escolas, fábri-
cas e quartéis, eram instituições pelas quais todos, eventualmente,
acabavam passando. Sob essa ótica, o poder disciplinador se fazia bas-
tante eficaz, pois os indivíduos acabavam fazendo parte de várias des-
sas instituições ao longo de suas vidas, primeiramente durante os anos
escolares, em seguida, para os homens, nos quartéis, e posteriormente o
trabalho com a rotina estabelecida pelas fábricas. “Um homem incapaz
de emprego ou de alistamento era um homem essencialmente fora da
rede de controle social” (BAUMAN, 2011, p. 149). Dessa forma o poder
disciplinador se tornava bastante eficaz, alcançando suas metas de tor-
nar correto o incorrigível, de estabelecer padrões de comportamento,
controlando e educando os corpos, tornando-os dóceis e fortes.
O fato de possuir um corpo forte e produtivo, nessa perspectiva, era
sinônimo de ser um sujeito saudável, apto ao trabalho, virtuoso para as
52 CORPO E IDENTIDADE
fábricas, elevando o status daqueles que o possuíam e que eram capa-
zes de desempenhar trabalhos pesados. Seu inimigo era o corpo fraco,
franzino, doente.
A cultura moderna trouxe o corpo aos holofotes, uma vez que era
um representante das potencialidades do homem. O corpo também
estava fortemente atrelado à economia, uma vez que era o corpo do tra-
balhador que produzia. Sendo assim, o conceito de “corpo forte” gerou
um mal que assombrou a modernidade, transformando a“degeneração”
em algo a ser temido. Entenda-se degeneração como“‘perda de energia’,
moleza corporal, fraqueza e flacidez”(BAUMAN, 2011, p. 150).
No entanto, era crescente o número de pessoas consideradas“inap-
tas”, ou com corpos insuficientemente fortes, como moradores das
periferias urbanas ou bairros miseráveis, trabalhadores informais. Ao
se alastrarem e adentrarem os centros civilizados, geravam um “pânico
intelectual e legislativo, por serem lidos (e não erradamente) como
sinais de fracasso do mais decisivo dos empreendimentos modernos”
(BAUMAN, 2011, p. 150).
O esforço físico estava totalmente atrelado à pobreza, e se o físico
daqueles responsáveis por gerarem lucro não mais estava apto, então
era inevitável que um colapso ocorresse. No entanto, as instituições
que antes eram as responsáveis pelo estabelecimento da ordem
foram perdendo suas forças normativas e ordeiras. Pode-se notar essa
mudança, por exemplo, na relação, antes longa e sólida, entre as fábri-
cas e seus trabalhadores:
Atualmente, com a flexibilização, a desregulamentação e a
precarização do trabalho, o antigo casamento entre patrões
e empregados (vale dizer, entre capital e trabalho), que os
mantinham presos ao “chão da fábrica”, não passa de uma
coabitação até segunda ordem, sustentável apenas enquanto
beneficiar um dos pólos ou até nova rodada de demissões e ajustes
orçamentários. Outrora caracterizado como o principal valor dos
tempos modernos na busca da ordem como tarefa, fornecendo
53Natalia Takaki; Jaison José Bassani
o (sólido) eixo ético da sociedade em seu conjunto e também o
eixo seguro em torno do qual os indivíduos poderiam fixar suas
identidades, o trabalho teria transitado do reino da ordem, da
solidez, para o universo cambiável, errático, episódico e incerto do
jogo, da fluidez. (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 34)
O derretimento da solidez do mundo do trabalho alterou a forma,
antes engessada e monótona, da vida de seus habitantes moder-
nos; “caos e ordem”, elementos inseparáveis da modernidade, como
afirma Bauman (1999, p.12), protagonizam um duelo interminável.
Onde existe o caos, estará também a ordem para tentar classificar e
controlar o indeterminado.
Classificar fez e faz parte de uma estratégia ordeira, de buscar tornar
padrão o aleatório, arrumar o bagunçado, fincar pilares em terras firmes
para que nada saia do lugar. Assim como o caos gera a ordem, e vice-e-
-versa, a classificação gera a ambivalência. Quando as ferramentas de
classificação, por exemplo a linguagem, se tornam obsoletas, inadequa-
das, insuficientes, abre-se uma brecha para que determinado elemento
a ser classificado seja capaz de se encaixar em mais de uma categoria,
gerando incertezas, indefinições, desconforto. A ambivalência cria um
desiquilíbrio na ordem classificatória.
Sem o papel imperante do Estado, ou do olhar vigilante e controlador
das instituições públicas para assegurar um estilo de vida padronizado,
e limites comportamentais a serem rigidamente seguidos, os indivíduos
acabam sendo forçados a se responsabilizarem eles mesmos pelas suas
decisões, pelas suas escolhas. Fica a cargo de cada um decidir pelo certo
e errado, pelo amigo e inimigo, benéfico ou maléfico. A liquefação dos
antigos sólidos deixa tudo a cargo do individuo, do“faça-você-mesmo”, e
a auto-afirmação ganha forças e prioridade nas escolhas de cada um.
Os papeis são invertidos na modernidade líquida: seguir o mestre e
dar-se por satisfeito com isso é substituído por uma constante correria,
um impulso de estar sempre se movimentando para não ser deixado
para trás. Isso exige um enorme esforço para se manter em dia com as
54 CORPO E IDENTIDADE
demandas do mundo líquido moderno, onde nada se fixa, nada se man-
têm por muito tempo; onde o efêmero toma conta dos relacionamentos
e nada mais é para“sempre”. A identidade é forçada a deixar o seu acon-
chegante porto seguro do mundo sólido, para se tornar livre, diversa,
desencaixada, fluída, ambivalente, múltipla.
Na interpretação do sociólogo polonês, a ética do trabalho foi subs-
tituída pela ética do consumo, os indivíduos deixam de lado a posição de
indivíduosinternosparadaremlugaraumindivíduocoletordesensações.
A modernidade líquida nos possibilita respirar novos ares, explorar terre-
nos nunca antes visitados, serrar as amarras que nos prendiam a mesmice.
Bauman (2001) afirma que a privatização dos afazeres modernos
é um dos principais elementos que diferencia a modernidade líquida
da sólida. Outra importante característica é a mudança na concepção
de durabilidade, de fixidez, da necessidade de certezas a respeito do
futuro. Na modernidade líquida, os projetos passam a ser transitórios,
indefinidos, fluídos. Porém, nenhuma mudança é completamente livre
de ônus. Muitos aspectos da vida moderna tornaram-se problemáticos
para seus habitantes, provocando confusões, insegurança, ansiedades.
Uma delas, e a que elegemos como mote para este trabalho, é a questão
das identidades.
IDENTIDADE COMO TAREFA
Toda a virada de ano começa com resoluções para muitas pessoas.
Promessas mirabolantes, que talvez nunca venham a ser cumpridas,
metas às vezes razoáveis, até realistas, esperanças de que o ano que
esta por iniciar seja (sempre) muito melhor do que o que passou. Aban-
donamos o velho e adotamos o novo, sempre em busca de algo que
nem sabemos ao certo o que é, embora saibamos, com certeza, que o
que temos poderá ser melhor. Olhamos para frente sem saber o que vai
acontecer e, ao mesmo tempo, vivemos ao máximo o agora. Queremos
mudanças, acontecimentos, felicidades, novas experiências, viagens,
55Natalia Takaki; Jaison José Bassani
dinheiro, saúde. Estamos sempre em busca de algo, algo que nunca
chega, nunca se satisfaz.
Acreditamos que a construção de nossas identidades seja um
pouco parecida com nossos votos de Ano Novo, pois estamos sem-
pre nessa ânsia por movimento, da busca de algo novo, de construir,
de ser diferente, melhor, mais feliz, mais adequado. Deixamos no
passado o velho, para em seguida ir em busca do novo: queremos
novas sensações, novas emoções. Nossas identidades estão sempre
se renovando na liquidez da modernidade, aliás, é isso que fazemos
para que não sejamos excluídos ou deixados de lado como o velho
ano que passou. Somos impulsionados pela necessidade de conti-
nuar pensando no amanhã, para não sermos atropelados pelo tempo,
pelos outros, pela solidão.
As mudanças decorrentes da passagem da modernidade sólida
para a líquida trouxeram novos afazeres para os indivíduos. A metá-
fora do líquido é bastante adequada quando pensamos também nas
identidades. Devido ao declínio das influências exercidas pelas ins-
tituições estatais, os indivíduos acabaram ficando sem um modelo
que os moldava e que determinava como, e de que forma deveriam
seguir suas vidas. A identidade foi uma maneira encontrada para
suprir esse vazio:
Pensa-se na identidade sempre que não há certeza sobre o
lugar de pertencimento, quando não há certeza sobre como
se colocar dentre a evidente variedade de estilos e padrões
de comportamento, e sobre como se assegurar de que as
pessoas aceitem essa posição como correta e adequada de
modo que ambos os lados saibam como agir em presença
do outro. “Identidade” é um nome dado à buscada fuga dessa
incerteza. Assim “identidade”, apesar de ser claramente um
substantivo, comporta-se como verbo, ainda que um verbo
estranho: ele só aparece conjugado no futuro. (BAUMAN,
2011, p. 114; grifos do autor).
56 CORPO E IDENTIDADE
De fato, as identidades não são algo a priori, mas sim uma invenção
da modernidade, uma convenção social, um projeto a ser construído
e, portanto, repleto de escolhas a serem tomadas. A partir do final do
século XX, e conforme o projeto moderno ganha novas feições e se
materializa em nossas sociedades, a fragilidade, bem como a condi-
ção passageira das identidades, tem se mostrado cada vez mais óbvia.
Porém, a identidade nem sempre foi um problema premente: somente a
partir do momento em que o pódio no qual estava assentada entrou em
crise é que os holofotes se voltaram para ela:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as
sociedadesmodernasnofinaldoséculoXX.Issoestáfragmentando
as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça
e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais. Estas transformações
estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando
a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados.
Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas
vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo
deslocamento – descentração dos indivíduos tanto do seu lugar
no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma
“crise de identidade”para o indivíduo. (HALL, 2005, p. 9).
Nessa passagem, Hall nos dá elementos importantes a serem conside-
rados sobre a modernidade e também sobre as identidades. Gostaríamos
de chamar atenção para o surgimento das identidades nacionais que, assim
comooconceitodeEstado-nação,étambémumprodutodamodernidade.
Bauman (2005, p. 23) remete-se a Polônia, sua terra natal, para rela-
tar um fato que exemplifica bem a questão. Um censo estava sendo
realizado naquele país com o intuito de “coletar informações sobre a
auto-identificação de todos os indivíduos do Estado polonês”. Ao che-
gar aos pequenos vilarejos, aos moradores do campo, os entrevistado-
res não conseguiram extrair dos indivíduos uma definição de nação,
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples
Corpo e governabilidade isbn   simples

More Related Content

What's hot

OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...
OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...
OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...Jéssika Pereira
 
Artigo: Cultura e educação em Bourdieu
Artigo: Cultura e educação em BourdieuArtigo: Cultura e educação em Bourdieu
Artigo: Cultura e educação em BourdieuIsrael serique
 
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...Rafael Krambeck
 
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.Fábio Fernandes
 
Gênero e outras formas de classificação social.
Gênero e outras formas de classificação social.Gênero e outras formas de classificação social.
Gênero e outras formas de classificação social.Fábio Fernandes
 
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni A sociologia de florestan fernandes octávio ianni
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni aledzhera
 
Design gráfico 5a aula
Design  gráfico   5a aulaDesign  gráfico   5a aula
Design gráfico 5a aulaUnip e Uniplan
 
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopArtigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopcitacoesdosprojetos
 
Funcionalismo na Antropologia
Funcionalismo na AntropologiaFuncionalismo na Antropologia
Funcionalismo na AntropologiaPedro Saraiva
 
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...Fábio Fernandes
 
Apostila classicos-sociologia
Apostila classicos-sociologiaApostila classicos-sociologia
Apostila classicos-sociologiaCristina Bentes
 
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de Morais
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de MoraisSociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de Morais
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de MoraisFábio Faturi
 
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasil
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasilAções afirmativas e o debate sobre o racismo no brasil
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasilGeraa Ufms
 

What's hot (19)

OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...
OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...
OLIVEIRA, Amurabi. Etnografia e pesquisa educacional: por uma descrição densa...
 
Plano de ensino sociologia v 2013
Plano de ensino sociologia v 2013Plano de ensino sociologia v 2013
Plano de ensino sociologia v 2013
 
Artigo: Cultura e educação em Bourdieu
Artigo: Cultura e educação em BourdieuArtigo: Cultura e educação em Bourdieu
Artigo: Cultura e educação em Bourdieu
 
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...
Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções de Sentido sobre as Mul...
 
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.
As relações entre os movimentos feministas e outros movimentos sociais.
 
Gênero e outras formas de classificação social.
Gênero e outras formas de classificação social.Gênero e outras formas de classificação social.
Gênero e outras formas de classificação social.
 
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni A sociologia de florestan fernandes octávio ianni
A sociologia de florestan fernandes octávio ianni
 
Design gráfico 5a aula
Design  gráfico   5a aulaDesign  gráfico   5a aula
Design gráfico 5a aula
 
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufopArtigo de josé vieira da cruz em revista ufop
Artigo de josé vieira da cruz em revista ufop
 
Antropologia.
Antropologia.Antropologia.
Antropologia.
 
Funcionalismo na Antropologia
Funcionalismo na AntropologiaFuncionalismo na Antropologia
Funcionalismo na Antropologia
 
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...
RELAÇÕES DE GÊNERO: FONTES, METODOLOGIAS E POTENCIALIDADES DE PESQUISA EM HIS...
 
Apostila classicos-sociologia
Apostila classicos-sociologiaApostila classicos-sociologia
Apostila classicos-sociologia
 
Apostila sociologia - eja fácil
Apostila sociologia - eja fácilApostila sociologia - eja fácil
Apostila sociologia - eja fácil
 
Antropologia (2)
Antropologia (2)Antropologia (2)
Antropologia (2)
 
Sociologia geral
Sociologia geralSociologia geral
Sociologia geral
 
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de Morais
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de MoraisSociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de Morais
Sociologia no ENEM - Escola de Ensino Médio Vinícius de Morais
 
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasil
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasilAções afirmativas e o debate sobre o racismo no brasil
Ações afirmativas e o debate sobre o racismo no brasil
 
Plano de ensino sociologia
Plano de ensino sociologiaPlano de ensino sociologia
Plano de ensino sociologia
 

Similar to Corpo e governabilidade isbn simples

Corpo, genero e sexualidade anderson ferrari - cláudia maria ribeiro - ron...
Corpo, genero e sexualidade   anderson ferrari -  cláudia maria ribeiro - ron...Corpo, genero e sexualidade   anderson ferrari -  cláudia maria ribeiro - ron...
Corpo, genero e sexualidade anderson ferrari - cláudia maria ribeiro - ron...pibidpedagogiaufla
 
O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde
O desafio do conhecimento  pesquisa qualitativa em saúdeO desafio do conhecimento  pesquisa qualitativa em saúde
O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúderegianesobrinho
 
Tese completa valeria iensen bortoluzzi
Tese completa valeria iensen bortoluzziTese completa valeria iensen bortoluzzi
Tese completa valeria iensen bortoluzziUNIFRA
 
Antropologia contemporânea
Antropologia contemporânea Antropologia contemporânea
Antropologia contemporânea mundica broda
 
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das DesordensCleide Magáli dos Santos
 
Foucault aula 2
Foucault aula 2Foucault aula 2
Foucault aula 2jmarruda
 
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdf
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdfPreconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdf
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdfVIEIRA RESENDE
 
Foucault book, Sexualidade, Corpo e Direito
Foucault book, Sexualidade, Corpo e DireitoFoucault book, Sexualidade, Corpo e Direito
Foucault book, Sexualidade, Corpo e DireitoCleo Nery
 
Do leesho ao loosho linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...
Do leesho ao loosho   linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...Do leesho ao loosho   linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...
Do leesho ao loosho linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...Rafael Krambeck
 
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologia
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologiaA ciência e os avanços do conhecimento em sociologia
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologiaFernando Alcoforado
 
1º a, b antonia-filosofia
1º a, b antonia-filosofia1º a, b antonia-filosofia
1º a, b antonia-filosofiaFatima Moraes
 
O Surgimento de uma Micronação.pptx
O Surgimento de uma Micronação.pptxO Surgimento de uma Micronação.pptx
O Surgimento de uma Micronação.pptxTaitsonSantos
 

Similar to Corpo e governabilidade isbn simples (20)

Corpo, genero e sexualidade anderson ferrari - cláudia maria ribeiro - ron...
Corpo, genero e sexualidade   anderson ferrari -  cláudia maria ribeiro - ron...Corpo, genero e sexualidade   anderson ferrari -  cláudia maria ribeiro - ron...
Corpo, genero e sexualidade anderson ferrari - cláudia maria ribeiro - ron...
 
O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde
O desafio do conhecimento  pesquisa qualitativa em saúdeO desafio do conhecimento  pesquisa qualitativa em saúde
O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde
 
Tese completa valeria iensen bortoluzzi
Tese completa valeria iensen bortoluzziTese completa valeria iensen bortoluzzi
Tese completa valeria iensen bortoluzzi
 
Antropologia contemporânea
Antropologia contemporânea Antropologia contemporânea
Antropologia contemporânea
 
O que é sexo
O que é sexoO que é sexo
O que é sexo
 
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens
2014 -Tese de DR. Ciencias Sociais. Da ordem e das Desordens
 
Conceito de gênero.
Conceito de gênero.Conceito de gênero.
Conceito de gênero.
 
Artigo de josé vieira da cruz na revista ufop 2009
Artigo de josé vieira da cruz na revista ufop 2009Artigo de josé vieira da cruz na revista ufop 2009
Artigo de josé vieira da cruz na revista ufop 2009
 
Foucault aula 2
Foucault aula 2Foucault aula 2
Foucault aula 2
 
Apostila sociologia
Apostila sociologiaApostila sociologia
Apostila sociologia
 
Apostila sociologia (1)
Apostila sociologia (1)Apostila sociologia (1)
Apostila sociologia (1)
 
Antropologia
AntropologiaAntropologia
Antropologia
 
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdf
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdfPreconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdf
Preconceito Contra Homossexualidades - Marco Aurélio Máximo Prado.pdf
 
Foucault book, Sexualidade, Corpo e Direito
Foucault book, Sexualidade, Corpo e DireitoFoucault book, Sexualidade, Corpo e Direito
Foucault book, Sexualidade, Corpo e Direito
 
87 158-1-sm
87 158-1-sm87 158-1-sm
87 158-1-sm
 
Do leesho ao loosho linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...
Do leesho ao loosho   linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...Do leesho ao loosho   linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...
Do leesho ao loosho linguagem, estrutura e elementos gráficos na construção...
 
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologia
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologiaA ciência e os avanços do conhecimento em sociologia
A ciência e os avanços do conhecimento em sociologia
 
1º a, b antonia-filosofia
1º a, b antonia-filosofia1º a, b antonia-filosofia
1º a, b antonia-filosofia
 
O Surgimento de uma Micronação.pptx
O Surgimento de uma Micronação.pptxO Surgimento de uma Micronação.pptx
O Surgimento de uma Micronação.pptx
 
Conceito de gênero.
Conceito de gênero.Conceito de gênero.
Conceito de gênero.
 

Recently uploaded

Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptx
Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptxApresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptx
Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptxLusGlissonGud
 
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasJogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasSocorro Machado
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéisines09cachapa
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfTutor de matemática Ícaro
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfApresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfcomercial400681
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaPROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaHELENO FAVACHO
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Ilda Bicacro
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfWagnerCamposCEA
 
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfHELENO FAVACHO
 
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfPROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfHELENO FAVACHO
 
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfProjeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfHELENO FAVACHO
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfHELENO FAVACHO
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdfLeloIurk1
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 

Recently uploaded (20)

Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptx
Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptxApresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptx
Apresentação em Powerpoint do Bioma Catinga.pptx
 
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para criançasJogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
Jogo de Rimas - Para impressão em pdf a ser usado para crianças
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIXAula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
 
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfApresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaPROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptxSlides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
Slides Lição 6, CPAD, As Nossas Armas Espirituais, 2Tr24.pptx
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
 
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdfPROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
PROJETO DE EXTENÇÃO - GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS.pdf
 
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfProjeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdfPROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 

Corpo e governabilidade isbn simples

  • 1.
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE REITOR Angelo Roberto Antoniolli VICE-REITOR André Maurício Conceição de Souza EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL Messiluce da Rocha Hansen COORDENADOR GRÁFICO Vitor Braga CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS Adriana Andrade Carvalho Antonio Martins de Oliveira Junior Aurélia Santos Faraoni Ariovaldo Antônio Tadeu Lucas EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adilma Menezes PROJETO GRÁFICO Victor Ribeiro Ubirajara Coelho Neto José Raimundo Galvão Luisa Helena Albertini Pádua Trombeta Mackely Ribeiro Borges Maria Leônia Garcia Costa Carvalho Cidade Universitária“Prof. José Aloísio de Campos” CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE. Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: editora.ufs@gmail.com www.editora.ufs.br Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora. Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
  • 3. Fabio Zoboli Renato Izidoro da Silva Miguel Angel García Bordas ORGANIZADORES São Cristóvão, 2016 CORPO E GOVERNABILIDADE
  • 4. A responsabilidade pelo conteúdo dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores. Zoboli, Fabio Z83c Corpo e governabilidade / Fabio Zoboli, Renato Izidoro da Silva, Miguel Angel García Bordas. – São Cristovão: Editora UFS, 2016. 394 p. : il. ISBN 978-85-7822-519-3 1. Corpo humano – Aspectos sociais. 2. Corpo humano (Filosofia). I. Silva, Renato Izidoro da. II. Bordas, Miguel Angel García. III. Título. CDU 316.7 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
  • 5. APRESENTAÇÃO Este livro é fruto de uma construção coletiva organizada a partir do grupo de pesquisa “Corpo e governabilidade: política, cultura e socie- dade” da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Este Grupo, através de seus orientadores Renato Izidoro da Silva e Fabio Zoboli, vem realizando pesquisas junto ao Departamento de Educação Física, ao Programa de Pós-graduação em Educação, além de estar ligado ao Núcleo Interdisci- plinar de Cinema – em formação. O grupo também vem tecendo parce- rias acadêmicas junto a outras Universidades Brasileiras (Universidade Federal da Bahia – UFBA, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), contando com a cola- boração de pesquisadores internacionais. Os estudos veiculados no grupo são organizados a partir de uma perspectiva teórico-metodológica constituída por uma articulação entre racionalismo, empirismo e materialismo acerca do corpo, da cognição, da linguagem e de outros elementos mediadores das relações huma- nas constituídas por amarras, laços ou ligas sociais. No grupo, pretende- mos estudar de modo multidisciplinar e multirreferencial o fenômeno da sociedade e seus modos codificados de governar e de desgovernar politicamente os comportamentos gregários dos corpos humanos em contextos públicos e privados da sociedade. De modo específico, dedicamos esforços no estudo semiótico e epistemológico dos arrolamentos entre corpo humano e cultura humana. Investigamos as diversas e variadas forças governantes que agem como responsáveis pelas configurações societárias – corporações, grupos, famílias, guetos, tribos, nações – traçadas por sistemas de códi- gos como o caso das leis, das regras, das normas e de outros limites está- ticos e dinâmicos que se interpõem politicamente nas relações entre os
  • 6. corpos humanos que por meio da cognição e dos movimentos muscula- res constituem ambientes de vida social. O grupo de pesquisa “corpo e governabilidade: política, cultura e sociedade”está organizado a partir de 3 linhas de pesquisa. A linha “corpo e educação” estuda contextos institucionais, suas cul- turas e políticas de subjetivação e governabilidade das significações e dos comportamentos corporais na sociedade: gênero, etnia, estigma, poder, sexualidade, religião, mercado, aprendizagem, didática e pedagogia. O foco da linha“corpo e comunicação”centra-se nas mídias como ferramenta cultural e política para a governabilidade do corpo e seus comportamentos sociais: texto, pintura, fotografia, cinema, televisão, rádio, internet e mídias digitais. A linha que estuda “corpo e epistemologia” está centrada na investigação das produções científicas articuladas às dimensões cultu- rais e políticas da governabilidade social do corpo: ética, estética, rít- mica, ontologia e semiótica. O livro apresenta um coletivo de textos com estudos que são trans- versais às linhas. Textos escritos com temáticas de pesquisa que ultra- passam suas fronteiras, mas que giram em torno de temáticas do corpo e do governo. Desta forma, o livro foi organizado a partir de 3 partes: corpo e subjetivação, corpo e política e corpo e metáfora. A seção que trata do corpo e da subjetivação apresenta textos que versam sobre dispositivos e mecanismos semióticos e políticos capa- zes de constituir a dimensão corporal humana de um ponto de vista da identidade e da diferença responsáveis por localizar e oferecer parâme- tros e regras para o corpo e seus comportamentos relacionais nas tramas sociais. Os textos dessa seção tratam das relações do corpo no que tange aos processos de subjetivação de signos voltados às dimensões sensi- tiva e cognitiva do pertencimento e do não pertencimento próprias da constituição identitária. A segunda parte, que aborda o corpo sob o viés da política, contribui com os debates acerca da pragmática da subjetivação a partir de temas
  • 7. que discutem políticas de Estado, governo, legislação, tecnologias do eu e ascese em contextos sociais como o do esporte, saúde, práticas corporais alternativas, uso de biotecnologias, propedêutica educacional e da mani- pulação das artes. A terceira e última peça do livro se concentra nas metáforas do corpo produzidas no campo da comunicação e seus veículos. Desta forma, foram analisados um anúncio publicitário, uma logomarca espor- tiva e um filme como vetores metafóricos da existência corporal humana e suas tensões com a máquina, com o mercado e com a biotecnologia. A coletânea se apresenta com o propósito de sinalizar alguns cami- nhos no sentido de compreender o corpo como referência material e simbólica necessárias para se compreender processos de subjetivação pautados em mecanismos políticos de governo encenados por jogos de signos que engendram metáforas nas identificações sociais. Fabio Zoboli Renato Izidoro da Silva Miguel Angel García Bordas
  • 8.
  • 9. PREFÁCIO OS DESAFIOS DO PENSAR A tentativa de explicar o corpo atravessa diferentes temporalidades e contextos culturais. Na busca por respostas para as distintas indaga- ções que sobre ele se fazem, é possível identificar interpretações cujos argumentos encontram respaldo em intervenções científicas, artísticas, políticas, culturais, religiosas, médicas, pedagógicas e jurídicas. O corpo, desde há muito tempo, é alvo de especulações que ora mais, ora menos buscam encontrar a sua “verdade”, tentativa que tem promovido o apa- recimento de infinitas teorizações, práticas e discursos. Elemento central na construção da subjetividade contemporânea, o corpo revela um conjunto de significados que extrapola a sua materiali- dade biológica. Além disso, a centralidade que lhe é atribuída na repre- sentação identitária evidencia o quanto é alvo de diferentes poderes que operam, no detalhe, com o controle, a vigilância, o enquadrinhamento e a fixidez. E, também, com a resistência, o descentramento e a transgressão. Na esteira dessas questões, é possível evidenciar como alguns temas relacionados à governabilidade do corpo e aos poderes que nele se ins- crevem conquistaram relevância no meio acadêmico sendo facilmente percebidos em pesquisas, publicações, fóruns de debates e congressos de diferentes áreas do conhecimento. Da biologia à antropologia, da geogra- fia às artes visuais, da educação física às ciências jurídicas, são tantas as abordagens que se mostra impossível a tentativa de mapear a profícua produção que investe no estudo corpo como objeto biopolítico. No campo da educação e da educação física é a partir da década de 1980 que tímidas iniciativas começam a despontar, desestabilizando as teorizações que, pautadas por conhecimento biomédicos, homogenei- zavam interpretações às indagações que se faziam sobre o corpo, seu significado, funcionalidade, saúde e performance.
  • 10. Indiscutivelmente a teorização de Michel Foucault foi determinante para que esse saber fosse destituído do patamar que politicamente fora alçado. As múltiplas leituras que foram feitas de seus escritos, ainda que nem sempre consoante o que efetivamente escreveu, permitiram a emergência de novos olhares sobre o corpo valorizando sua simbologia, sua produção, sua inscrição cultural e, sobretudo, sua referência capital na construção da subjetividade e da identidade dos sujeitos. Esse livro pode ser lido como uma produção que se dá no fluxo desse movimento no qual se percebe a mutação de olhares e leitu- ras sobre o corpo e seus desdobramentos. Seus textos atestam inves- timentos teóricos, metodológicos e epistemológicos que andam na contramão do saber biomédico que, apesar de não ser mais hegemô- nico na produção acadêmica destas áreas do conhecimento, ainda disputa de modo premente espaços de significação. Nesse aspecto há que destacar não apenas a qualidade dos textos produzidos como a criação de um grupo que reúne jovens professores, pesquisadores e discentes. Um grupo que ousa pensar o corpo a partir de diferentes problematizações sem deixar de analisá-lo como um substrato político produzido historica e culturalmente. Corpo e subjetividade, corpo e política, corpo e metáfora compõem a espinha dorsal da obra. Constituem o seu “corpo” permitindo que a leitura aconteça de modo não sequencial, linear ou pré-determinado. Suas entranhas oferecem a possibilidade de ir e vir, de começar pelo fim, de transpor fronteiras disciplinares, de mergulhar em temáticas diversas, de incorporar análises não fixas nem óbvias. Saúde, esporte, espirituali- dade, cinema, sexualidade, velhice, semiótica, estética, identidade, edu- cação, subjetividade conformam um conjunto cuja matéria confluente e dispersa, mostra-se viva, intensa e pulsante. Finda a leitura do livro só posso agradecer aos integrantes do grupo de estudos “Corpo e governabilidade: política, cultura e sociedade” da Universidade Federal de Sergipe por me confiar sua apresentação. Agradeço, de forma muito intensa, a generosidade em tornar públicas
  • 11. as reflexões aqui contidas as quais declaram exercícios analíticos de pessoas em diferentes níveis de formação. De modo claro seus auto- res e autoras atestam que pensar é um grande desafio, sobretudo, neste tempo no qual esse exercício parece encontrar pouca voz e vez. “Corpo e Governabilidade”faz ver que informação não é o mesmo que conheci- mento e que este é fundamental para que livremos o corpo e a nós mes- mos de poderes que insistem em classificar, excluir, isolar e governar. Boa leitura! Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2015 Silvana Vilodre Goellner
  • 12.
  • 13. SUMÁRIO PREFÁCIO 9 Silvana Vilodre Goellner CORPO E SUBJETIVIDADE - Corpo, semiótica e subjetivação: perspectivas da fenomenologia em Peirce 19 João Filipe dos Santos, Evandro Santos de Melo Bomfim, Renato Izidoro da Silva e Miguel Angel Garcia Bordas - Corpo e identidade: dialogando com Zygmunt Bauman e Michel Maffesoli 45 Natalia Takaki e Jaison José Bassani - Corpo, educação e epistemologia: algumas questões 97 Felipe Quintão de Almeida, Fabio Zoboli e Miguel Angel García Bordas CORPO E POLÍTICA - Lei antigay russa: demarcações e governo dos corpos no mundial de atletismo 2013 117 Fabio Zoboli, Elder Silva Correia, Renato Izidoro da Silva e Tammy Rocha Costa - Corpo, saúde e governabilidade 147 Cristiano Mezzaroba, Fabio Zoboli e Elder Silva Correia - Espiritualidad y gobernabilidad: el caso de la del yoga budista como tecnología del yo 169 Eduardo Francisco Freyre Roach
  • 14. - Corpo, biotecnologias e antienvelhecimento: um estudo com mulheres da cidade de Aracaju/SE 197 Luana Alves dos Santos, Crislene Góis Santos e Theodoro Filho - O corpo“em-cena”: o cinema como proposta pedagógica no ensino médio 227 Hamilcar Silveira Dantas Junior, Fabio Zoboli, Monara Santos Silva e Josineide de Amorim Santos - A estética do opaco: corpos, ausências e políticas visuais no Brasil Oitocentista 249 Genaro Vilanova Miranda de Oliveira CORPO E METÁFORA - Usain Bolt e o corpo máquina: associações e metáforas no anúncio publicitário do NISSAN GT-R 297 Jessica Vitorino da Silva Terra Nova, Suely Oliveira dos Santos e Eduardo Carvalho Gomes de Menezes - A marca esportiva“Nike”, seus signos e argumentos: um estudo de semiótica aplicada 331 Vinicius dos Santos Souza, Elder Silva Correia, Tiago de Brito Ferreira Santos e Renato Izidoro da Silva -“A pele que habito”e a biotecnologia: análise fílmica de uma ontologia indeterminada 357 Josineide de Amorim Santos, Fabio Zoboli, Elder Silva Correia e Renato Izidoro da Silva SOBRE OS AUTORES 389
  • 16.
  • 17. CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO: PERSPECTIVAS DA FENOMENOLOGIA EM PEIRCE João Filipe dos Santos Evandro Santos de Melo Bomfim Renato Izidoro da Silva Miguel Angel García Bordas RESUMO: Este texto tem por objetivo desvelar como se dá o processo de subjetivação em Peirce, para tanto nos valemos do capítulo seis do livro “Semiótica”, de Charles Sanders Pierce, um conjunto parcial de textos compilados e traduzidos por José Teixeira Coelho. Uma vez que, nestes escritos encontramos os indícios que nos embasam para chegarmos ao nosso objetivo central. Neste sentido concluímos que o processo de subjetivação se dá através das experiências, que vem de fora para den- tro, uma ação fenomenológica de alteridade, ou seja, um signo menos desenvolvido que ao ser interpretado por uma mente torna-se um sig- no mais desenvolvido. Para tanto, destacamos os princípios fenome- nológicos do ego e não ego, afim de esclarecer como ocorre no corpo, o processo de subjetivação a partir de signos semióticos. Ao traçarmos tal expectativa, buscamos nas categorias da experiência – Primeiridade, Secundidade e Terceiridade – instrumentos necessários para entender e afirmar como se dá o processo de subjetivação, sendo estas os pilares da teoria do pragmatismo semiótico Peirceano. PALAVRAS CHAVES: subjetivação; semiótica; signo; corpo.
  • 18. 18 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO INTRODUÇÃO A fim de compreendermos como se dá o processo de subjetivação em Peirce, pretendemos estabelecer um diálogo com o capítulo seis do livro “Semiótica”, de Charles Sanders Pierce, um conjunto parcial de tex- tos compilados e traduzidos por José Teixeira Coelho. O referido capí- tulo, intitulado “Algumas Consequências de quatro incapacidades”, está subdividido em três partes: (a) “O Espírito do Cartesianismo”; (b) “Ação da mente” e (c) “Signos-pensamentos”. O texto (a) traz a intenção de mostrar as diferenças entre o pensamento cartesiano e o pensamento semiótico. Ao falar do espírito do cartesianismo, trazemos os conceitos de que o sujeito é quem cria suas ações a partir de uma autoridade, e ao falarmos do pensamento semiótico, entendemos que a ação fenomeno- lógica é quem cria as ações humanas através da alteridade. No texto (b) encontramos a ideia de como o signo se manifesta ou é criado na mente de cada um e o texto (c) aborda a hipótese de que não pensamos sem signos e que a partir do pensamento já adquirido podemos nos munir de mais signos derivados dos signos anteriores. Para tanto, o presente texto está dividido em cinco partes. Num pri- meiromomento,apresentamosametodologiautilizadanesteestudopara que fosse possível chegarmos ao nosso objetivo. Em seguida, estabelece- remos a crítica ao Cartesianismo, conforme foi estabelecida nos escritos de Peirce, pois por meio desta embasaremos nossos argumentos, filosófi- cos, para o processo subjetivo (do corpo) através dos signos cognoscíveis (reais) em que os signos postos na realidade embasam os signos criados na mente a partir da experiência fenomenológica com mundo (Pragma- tismoSemiótico).Emterceiro,apresentaremososignoenquantoprocesso de subjetivação (semiótica). Feito isso, de forma teórica, apresentaremos como os processos subjetivos podem ser aplicados aos estudos semióti- cos acerca do corpo. Por fim, teceremos nossas considerações finais. Ao estudarmos os conceitos semióticos, esbarramos em uma cita- ção que abarca o princípio da hipótese da subjetivação a partir dos sig-
  • 19. 19João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas nos, quando propomos a ideia de subjetivação a partir de fenômenos que agem e se integram ao corpo em termos da experiência fenomenológica. Por conseguinte, fixamos a seguinte proposição acerca do que vem a ser um signo:“[...] um signo [...] dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado [ou mais evoluído] denomino interpretante do primeiro signo”(PEIRCE, 2005, p. 46). A nosso ver, esta afirmativa expressa o cerne da dinâmica de subjetivação em Peirce, a partir da qual buscamos refletir todo o processo subsequente abordado nessa passagem. Corroborando com nossa hipótese sobre a subjetivação semiótica, destacamos a seguinte passagem: “[...] toda associação é feita através de signos. Tudo tem suas qualidades subjetivas ou emocionais, que são atribuídas de um modo absoluto ou de um modo relativo, ou através de uma imputação conven- cional a tudo aquilo que for um signo dessa coisa”(PEIRCE, 2005, p. 282). Explorando um pouco mais o trecho supracitado, notamos que o autor se refere ao poder subjetivo e emocional dos signos, ao passo que o signo é arquitetado de acordo com as experiências corporais do Interpretante, que cria outros signos na mente, sejam eles mais desen- volvidos ou não. As qualidades subjetivas dos signos dizem respeito, de forma direta, às categorias da experiência fenomenológica, que são a base do processo subjetivo na semiótica de Peirce. A semiótica, portanto, consiste em ser uma teoria da experiência e de seus resultados cogniti- vos e emotivos no campo simbólico, cultural, epistemológico, estético, religioso, ético e político. A partir dessa teoria, a semiótica se desdobra pragmaticamente em metodologias de intervenção no mundo das experiências corporais. Em outras palavras, os conhecimentos promovi- dos pelo estudo das doutrinas ou do regime dos signos podem funda- mentar ações capazes de estruturar artificialmente tanto experiências antigas quanto novas experimentações: poéticas, plásticas, científicas e filosóficas. Assim, embora a semiótica seja capaz de abordar as experiên- cias dos sentidos mais atávicos ou naturais, sua fenomenologia também preza pelas investigações levadas acerca da experiência cultural.
  • 20. 20 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO ESPÍRITO DO CARTESIANISMO COMO PONTO DE PARTIDA PARA OS ESTUDOS SOBRE SUBJETIVAÇÃO EM PEIRCE O ponto de partida para os estudos sobre a subjetivação semiótica em Peirce implica o momento em que sua semiótica traz à tona os pon- tos divergentes entre o cartesianismo e o escolasticismo, na medida em que esse antecede aquele. Peirce estabelece uma crítica ao pensamento cartesiano com as seguintes palavras: “[...] o cartesianismo instrui que o início da filosofia se dá por meio da dúvida universal, ao passo que o escolasticismo jamais discute os princípios essenciais”(2005, p. 259). Em outro enunciado, Peirce (2005, p. 259) afirma que o Cartesianismo “[...] ensina que a comprovação final da certeza encontra-se na consciência individual, ao passo que o escolasticismo se baseou no testemunho dos doutos e da igreja católica”. Segundo Santaella (2004, p.33): “O cartesia- nismo, tal como foi criticado por Peirce, entendia que a ação da mente era intuitiva [...]”. Ou seja, baseada na autoridade do sujeito em detri- mento de sua alteridade para com o mundo. Ao passo que, para os esco- lásticos, o pensamento verdadeiro era válido apenas para a autoridade dos doutos. Devemos reconhecer que Descartes avançou no sentido de autorizar todos a pensarem em detrimento da verdade exclusiva dos doutos. A autoridade do pensar é distribuída entre todos. No entanto, entendemos que, diferente do que aborda o carte- sianismo, a ação na mente se dá através dos “resultados cognitivos do viver”. A experiência corporal é a base para toda a significação poste- rior, pois não há subjetivação ou ação mental sem o ato da experiência vivida pela pessoa, enquanto existente material no mundo. Como já foi dito anteriormente, o fenômeno que se apresenta para o corpo e nele se intromete ou se subjetiva, constituindo todo processo posterior de significação. Os fenômenos signos da experiência são a base de todo o processo subjetivo de significação do mundo e do sujeito. Logo, Peirce (2005, p.259) indica que “[...] há muitos fatos que o cartesianismo não apenas não explica como também torna absolutamente inexplicável”.
  • 21. 21João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas Peirce entende como falho este pensamento cartesiano, na medida em que o mesmo, ao não explicar determinados fatos, diz que “[...] Deus os fez assim”(PEIRCE, 2005, p. 259). Peirce assinala que a dúvida cartesiana é limitada, ao ponto que, ao iniciarmos um pensamento pela dúvida completa, na filosofia, aca- bamos por deixar de lado nossos pré-conceitos, que são nossos fun- damentos ou solos mais atávicos responsáveis pela propedêutica da experiência vivida. Dessa forma, esse pensamento ceticista não passa de um “autoengano, e não dúvida real” ( PEIRCE, 2005, p.260). Principal- mente porque Descartes não duvida de seu ato irredutível do pensar, parando sua investigação em um proposição entendida como incon- testável:“Eu penso...”. Doravante, foi duvidando dessa proposição básica que Peirce perceberá que não existe um “Eu” que pensa a despeito de sua alteridade como mundo, isto é, em detrimento de toda experiên- cia corporal capaz de modelar boa parte do que pensamos. Todavia, a semiótica peirceana se afasta do estruturalismo europeu na medida em para esse o pensamento ou os signos estão em nós, enquanto que para aquele estamos imersos no mundo dos signos, dos sinais, dos sintomas, dos traços e, portanto, em pensamentos. O pensamento (signos) nos envolve e, por isso, pensamos semioticamente. Assim: Devemos começar com todos os preconceitos que realmente temosquandoencetamosoestudodafilosofia.Estespreconceitos não devem ser afastados por uma máxima, pois são coisas a respeito das quais não ocorre que possam ser questionados (PEIRCE 2005, p.260). Em outros termos, se estamos envolvidos por signos de pensa- mento, estamos também imersos em preconceitos e, por isso, por meio de preconceitos, pensamos; assim como por meio do vento o pássaro voa, por meio da terra a minhoca se locomove. Por essa via, o kantismo de Peirce pode ser compreendido pela metáfora do voo de uma pomba,
  • 22. 22 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO proposta por Kant em sua“Crítica da Razão Pura”.“Segundo ele, a pomba, ao voar e ao sentir a resistência do ar a detê-la, poderia supor que, se não houvesse essa resistência, se estivesse no espaço vazio, seu voo seria mais fácil do que nas condições em que se encontra”. Contudo:“Mal sabe a pomba que, se não houvesse a resistência do ar, ela nem sequer poderia voar! Sem essa resistência, não teria base sobre a qual pudesse se apoiar”(CARVALHO, 2013, p. 25). Assim são os signos de pensamento que, por vezes, geram preconceitos responsáveis por obstacularizar o fluxo de nossas reflexões. Ora, poderíamos pensar, como Descartes, que o melhor é pensar o mais próximo do nada, do sujeito puro, sem precon- ceitos. Contudo, kantianamente e, portanto, peirceanamente, sem pre- conceitos, que são signos subjetivados por experiências anteriores, não existiria aderência para o cogito. A cognição patinaria no vazio. A seguir, Peirce expõe quatro questões referentes à aversão ao car- tesianismo, retiradas de uma revista, cujo título diz:“Questões referentes a certas faculdades reivindicadas pelo homem”. São elas: 1. Não temos poder algum de introspecção, mas sim, todo conhecimento do mundo interno deriva-se, por raciocínio hipotético de nosso conhecimento dos fatos externos [adquiridos pela experiência da sensação]; 2. Não temos poder algum de intuição, mas, sim, toda cognição é determinada logicamente por cognições anteriores [como resultados de experiência]; 3. Não temos poder algum de pensar sem signos [portanto, sem um processo de subjetivação da realidade por signos ou sinais dela]; 4. Não temos concepção alguma do absolutamente incognoscível [pois, não se pensa fora da experiência sensitiva e cognitiva] (PEIRCE, 2005, p.260-261). Assim sendo, as afirmações supracitadas irão nos ajudar na busca de entendermos como a subjetivação ocorre para Peirce. Haja vista que, diferente do pensamento cartesiano, nossas introspecções se dão imersas em acontecimentos externos e não de forma intuitiva – como
  • 23. 23João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas afirmam alguns pensadores cartesianos. Dessa forma, os signos ante- riores formam nossas experiências e, por conseguinte, formam o conhe- cimento de nosso mundo interno e externo. Nesse sentido, podemos indagar sobre nosso poder de intuição, tendo em conta que os signos anteriores formam nossas vivências e nossas relações com mundo, ou seja, dão conta de uma fenomenologia perceptiva e retroativa que alimentam nosso poder de aprendizagem e cognições. Assim – como afirma Peirce na segunda questão – não temos força alguma de intuição, mas, sim, experiências anteriores que formam e estruturam novas expe- riências de sensação e de pensamento. Isso nos leva à terceira questão, que dá conta do signo como prin- cipal fator de nossos pensamentos – fator de aderência da cognição. Nossos engramas mentais são coordenados pelos signos que ditam nossas ações no mundo. Dessa forma, indagamos, é através dos signos que uma mente se comunica com outra? Tendo em vista as afirmações de Peirce, podemos responder que sim. Apenas por meio de signos que uma mente pode perceber a outra e a ela aderir em pensamentos intersubjetivos e coletivos. Logo, não conhecemos aquilo que não se conhece, isto é, que não está imerso em pensamentos. Nossas concep- ções só dão conta daquilo que apreendemos como real, tendo em conta que o real adequa-se ao campo do subjetivo no sentido de dar sentido ao que subjetiva enquanto signo ambulante no mundo. Por exemplo, como poderíamos explicar a sensação do frio no polo norte para uma pessoa que nunca lá esteve – ou seja, tratar-se-á de algo incognoscível para essa pessoa, de modo que as palavras não são suficientes para des- crever tal sensação; de modo que só a vivência poderia elucidar esse fato, dando aderência ao pensamento por meio de signos de emoção. No entanto, é importante salientar que não podemos confundir subjetividade com subjetivação, pois subjetividade está presente tanto no cartesianismo quanto na semiótica. O que temos que focar é que o processo de subjetivação é algo que está presente na semiótica, e não no cartesianismo, pois para esse o pensamento é intuitivo em detrimento
  • 24. 24 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO da experiência corporal. Com o intuito de provocar uma melhor com- preensão, suscitamos que o leitor faça o seguinte exercício: proponha-se a criar uma coisa, sendo que essa coisa não pode se assemelhar ou tra- zer com ela alguma relação com algo já existente. Com isso poderemos confirmar se temos a capacidade de criar e pensar sem interferência de nossas experiências. Por conseguinte, tendo identificado o rompimento da semiótica de Peirce com a filosofia cartesiana, vamos detalhar as cate- gorias da experiência como fator fundamental da ação do signo sobre a mente de alguém, para nela criar outro signo equivalente ou mais desenvolvido. Essa ação é chamada de subjetivação semiótica, processo ausente na teoria cartesiana. DA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVAÇÃO SEGUNDO BASES SEMIÓTICAS DA PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE ETERCEIRIDADE: EXPERIÊNCIA (FENOMENOLOGIA) DO EGO E DO NÃO-EGO Na semiótica de Peirce, segundo Ibri (1992, p. 9), toda experiên- cia corporal humana em relação ao mundo externo dos objetos e dos seres, que é fenomenológica, resulta em uma ou algumas ideias gerais na mente do sujeito pensante, formando nele um ego, muito distinto da noção intuitiva cartesiana. Desse modo, as experiências passadas formam na mente do sujeito alguns “resultados cognitivos do viver”, e em hipótese alguma se tratam de resultados absolutos enquanto repre- sentações mentais fiéis ou irredutíveis da realidade como se o sistema psíquico fosse um espelho perfeito da natureza. Tais resultados cogniti- vos das experiências pretéritas existem na forma de signos, implicando, portanto, representações parciais ou complementares das vivências, conforme a operação abdutiva – sugestiva – do pensamento. Esses signos, enquanto “resultados cognitivos do viver”, assumem certas especificidades de acordo com a mente da pessoa que o significa, mesmo porque essa última não deixa de se constituir por signos subjeti- vados em sua mente e cérebro e objetivados em seu corpo. Ao conside-
  • 25. 25João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas rarmos o sujeito ou a pessoa, baseados em Peirce, compreendemos que as experiências vividas, quando assumem o estatuto de“resultados cog- nitivos [signos] do viver”, passam a ser tratadas enquanto experiências pretéritas abstratas ou abduzidas, ou seja, extraídas, afastadas, sintetiza- das ou analisadas em relação ao lócus do acontecimento da experiência mesma em seu ex presente, tratando-se, portanto, de uma ex-periência: aquilo que um dia foi e hoje não é mais, mas é outra coisa, basicamente, um signo, que pode representar e significar o passado, o presente e o futuro na realidade mental daquele está em pensamento. Para Ibri (1992, p. 8), “[...] a experiência pretérita tem estatuto de alteridade para a consciência, assumindo, assim, o papel de um não- -ego interno”. Isso ocorre porque, na mente, ela, a experiência, apa- rece distinta, afastada, abstraída, experimentada, desligada da pessoa vivida existida no ato, mesmo porque ninguém permanece o mesmo após uma experiência, pois essa tem a capacidade de transformar, jus- tamente porque ela deixa em nós alguns “resultados cognitivos” que passam a participar ou a se impor, enquanto frutos do passado, nas vivências futuras no presente. Nesse momento, a experiência pretérita deixa de ser um não-ego latente, para ser assumida enquanto ego pre- sente em ato, personalidade, traço, marca no modo de agir da pessoa que age atualmente. Para Peirce, a experiência está sob o estatuto da alteridade justa- mente porque ela surge enquanto um acontecimento objetivo que se distingue da pessoa que a vive, pois é externo a ela, diferente se essa mesma vivesse uma experiência como se fosse uma extensão de seu corpo, não havendo, portanto, diferenciação. Nesse sentido, a“experiên- cia pretérita”e os“resultados cognitivos do viver”, produzidos na mente, são considerados, de início, um não-ego, porque eles participam da vida de um ego já estabelecido na pessoa como na condição de outro, de alteridade. Grosso modo, embora o não-ego esteja no interior da mente e seja formado por signos latentes de experiências passadas, ele fun- ciona como um pensamento outro em relação aos pensamentos já natu-
  • 26. 26 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO ralizados enquanto ego da pessoa. Em nossas experiências podemos reconhecer esse processo quando somos acometidos por pensamentos estranhos, confluentes ou contraditórios face às nossas reflexões mais familiares e naturais. Sendo assim, a experiência é um segundo que vem depois de um primeiro que é a pessoa mesma ou seu ego primeiro. Na situação de segundo, a experiência“[...] se opõe aqui e agora ao sujeito, conferindo- -lhe uma experiência de dualidade, torna-se para o ego sua negação, ou seja, um não-ego [isto é, um outro] [...]”(IBRI, 1992, p. 8). Assim, na pena de Peirce: “Tornamo-nos conscientes do eu ao nos tornarmos conscien- tes do não eu [ou seja, de um outro diferente de nós]”. De tal maneira, o não-ego, isto é, o outro da experiência, agora já integrado – subjetivado – à mente do sujeito como um “resultado cognitivo do viver”, não parti- cipa de imediato das ações desse mesmo sujeito na condição de pessoa ou ego na realidade, pois ele permanece na mente de modo latente, a espera de uma nova aderência – um signo – em que possa se agarrar e, assim, movimentar-se cognitivamente. O outro permanece, durante algum tempo, agora na forma de dúvida, distinto da pessoa que o acolhe em seu interior mental como resultado cognitivo. O ego já estabelecido, que também é o resultado cognitivo de experiências pretéritas, estende seu conflito exterior com o não-ego para dentro de si a partir dos fragmentos – resultados cog- nitivos – incorporados desde a experiência externa na condição de outro. O curioso é compreendermos que tudo isso ocorre indepen- dentemente do sujeito ou ego já estabelecido. Trata-se de um processo inevitável! Assim, vemos que “[...] a experiência pretérita sobre a qual não se tem qualquer poder modificador [...] é uma pluralidade de ocor- rências, um aglomerado de fragmentos individuais delimitados como recortes no espaço e no tempo” (IBRI, 1992, p. 8). O não-ego incorpo- rado passa a agir sobre o ego já estabelecido, lhe criando dúvidas. “A propósito do estatuto da dúvida, Peirce o afirma como uma experiência de binaridade em que o elemento negativo exerce sua força [sobre o
  • 27. 27João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas ego da certeza]”(IBRI, 1992, p. 8). Ou seja:“Entre as formas que assume a binaridade estão aquelas das dúvidas que são forçadas sobre nossas mentes”(PEIRCE, apud IBRI, 1992, p. 8). Sumariamente, portanto, não se pode perder de vista que tais dúvi- das são geradas pelo não-ego ou o outro, de tal modo que esse não passa de“resultados cognitivos do viver”, levando em conta que esse último é gerado por uma“experiência pretérita”, o não-ego é uma espécie de voz ou signo do passado que se coloca em conflito com o presente do ego. Para Peirce (apud IBRI, 1992, p. 8): [...] o passado contém apenas uma certa coleção de casos [resultados cognitivos do viver] que ocorreram. [Assim] O passado consiste na soma de faits accomplis [a serem completados, de tal modo que] o passado realmente age sobre nós precisamente como um objeto existente o faz [certamente porque uma parte dele um dia foi externa]. Sem embargo, devido a essa ação dos “resultados cognitivos do viver” sobre o ego, podemos considerar que aquilo que no interior da pessoa se distingue de seu ego e com ele conflita, poderá, em algum momento, tomar o seu lugar ou mesmo passar a integrá-lo em suas ações dedutivas em relação a si e à realidade externa, levando em conta o poder transformador do não-ego, mas não sem conflitos, da experiên- cia preparada pelo ego. Por esse fluxo, traremos aqui a relação de binaridade entre o sujeito e o signo, em que a formação do sujeito passa por um processo de subor- dinação dos fenômenos a ele apresentados. O homem se faz refém das experiências vividas por ele mesmo e, portanto, refém dos pensamentos na medida em que sua existência, enquanto Originalidade, é subme- tida a signos que impõe novas representações, que o faz se desenvol- ver enquanto ser armazenador e articulador abdutivo – sugestivos – de signos da experiência. O fato de um primeiro signo poder gerar outro signo a partir da interação com um segundo signo faz com que possa-
  • 28. 28 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO mos afirmar que o sujeito está sempre em processo de formação, pois o homem enquanto signo original, primeiro, mas não anterior ao mundo de signos que o acolhe, está sempre regrado de signos particulares que já o integram enquanto sujeito. Esses signos, quando entram em con- tato com signos segundos, com poder de obsistências, o tornam mais desenvolvido e angariam novos signos particulares mediante um pro- cesso cognitivo de abdução. A relação entre homem e fenômeno se dá a partir das experiências vividas pelo sujeito, que se configuram, em princípio, como o não-ego. Essa trajetória se dá a partir dos fenômenos a ele apresentados, inde- pendente de sua vontade, podendo se fundir em uma subjetivação que irá depender do que ocorrerá daquele momento em diante, do que o sujeito pode elaborar, abstrair, abduzir ou sugestionar dos resultados da experiência e não essa em sua totalidade. O sujeito, enquanto primeiro na ordem da Originalidade, está exposto a esse processo de subjetiva- ção, devido ao processo de alteridade que se estabelece em uma rela- ção de “brutalidade” dos signos que estão no passo da Obsistência para o sujeito enquanto ser da Originalidade, ambos, provando a existência na resistência exercida um em relação ao outro, enquanto a percepção de um segundo – não-ego – além do ego. O vivido e seus resultados se transformam em registros do passado. Ao ter contato com o passado, tornando-o mais novo, devido à interferência do vivido presente sobre a mente, somam-se novas significações e sentidos na mente dos sujeitos, aumentando essa gama de sentidos. Ao tomar conhecimento de novos fatos ou ter aproximações com outras pessoas, a mente do indivíduo se torna, de algum modo, parte daquilo, ou uma extensão daquele signo que é apresentado externamente, e isso é uma condição real da existên- cia humana, assim ocorre a subjetivação em cada sujeito. Tecendo a subjetivação a partir das ideias de Peirce (2005, p. 46), passamos a nos deter ao fato de que um signo que ocorre em segunda ordem como fenômeno ativo que cria na mente do sujeito outro signo semelhante ou mais desenvolvido, nesse momento o sujeito se encontra
  • 29. 29João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas na posição de passivo, sendo que esse processo fenomenológico se faz de maneira ativa através de signos obsistentes – resistência – ao sujeito. Com isso, podemos perceber que esse processo é sempre contínuo, por- que a partir das experiências que vão surgindo com o tempo, funda- dos nas vivências do indivíduo, estão na condição de não-ego, porque se originam do outro (sujeito ou objeto), em relação ao qual ocorrem subjeções na mente do sujeito, que fazem se desenvolver e tornar esses signos externos em signos que integram seus pensamentos, aquela consciência que ele perceberá como ego. O fato de um signo perma- necer na posição de Obsistência para o homem faz com que ele seja a representação de tudo que se manifesta – que lhe apresenta resistência – no mundo a ele apresentado, e que pode causar alguma subordinação na mente das pessoas que são infligidas por tais ações. O signo, nesse caso, faz-se absoluto perante ao seu significante, a mente, traçando uma relação de alteridade com o sujeito, à espera de significações. Emsuma,oprocessodesubjetivaçãoéformadoapartirdeduasinte- rações indispensáveis para a mente formar novos conceitos a partir das experiências. Esses processos são a dinâmica da geração de um signo e a dinâmica do pensamento abdutivo segundo Peirce (2005, p.233). Para a interação da mente com o signo, o sujeito deve ser exposto há um fenô- meno que o apresenta um novo signo, o qual poderá estabelecer uma condição de semelhança com o que foi a ele apresentado ou mais desen- volvido, de acordo com o nível de impacto da realidade – seus resulta- dos cognitivos – que ele cause para o sujeito. Tal processo se faz a partir do pensamento abdutivo, quando a mente interpretante, que é afetada por esse signo, mostra-se como uma criadora de novas ideias, suges- tões que essa mente faz para esse signo e para o mundo. Isso se dá pela necessidade de obter uma significação que represente algo apropriado para esse sujeito, que faça uma real significação para a mente afetada. Essa ordem fenomenológica não se manifesta de maneira representa- tiva, através de réplicas integrais para o interpretante, ela se manifesta de maneira única, nova, que signifique a realidade vivida pelo sujeito,
  • 30. 30 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO em que esses fenômenos permaneçam na forma de signos equivalentes ou mais desenvolvidos aos que foram apresentados anteriormente, pas- sando do não-ego para o ego, chegando à consciência do vivido. Ao tratarmos da fenomenologia peirciana, temos que dar ênfase ao queseriaabasedessepensamentofenomenológico,queéaexperiência. No momento em que se fala de fenômeno, Peirce (apud IBRI, 1992, p.4) entende“[...] o total coletivo de tudo aquilo que está de qualquer modo presente na mente, sem qualquer consideração se isto corresponde a qualquer coisa real ou não”. Quando falamos de faneron – fenômeno –, como é dito por Peirce, temos que necessariamente trazer a experiência como fator fundamental na forma de como o ser humano se constitui a partir dos “resultados cognitivos de viver”. Esses resultados não são representações, duplicações ou réplicas idênticas da realidade externa, mas sim modos como o corpo e a mente apreendem particularmente dados da experiência, os quais, na consciência, de modo sintético, pro- duzem um fenômeno em termos ideativos. A experiência, portanto, é principal via de subjetivação do mundo externo, contudo marcada pela interpretação. A experiência pode trazer consigo a inteligibilidade do homem, somente a partir do momento em que esse último já possui, preteritamente, algum“resultado cognitivo do viver”, que ao trazer suas vivências pretéritas alcança o estado de significação que trarão as repre- sentações para o desenvolvimento do sujeito, dando sentido ao curso da vida presente e futura através da experiência. Nesse sentido, a constituição do sujeito, a partir da experiência, não é passiva, pois os resultados pretéritos do viver conflitam dialeticamente com as novas experiências e seus resultados cognitivos. Conforme Ibri (1992, p.5), sobre a experiência: “[...] tal como conceituada, estatui-se como fator corretivo do pensamento, e esta característica, reconhecida por Peirce, é um dos pilares de toda sua Filosofia [...]”. A subjetivação, assim, não é um ato deliberado, mas sempre dialogado, conflitado, cal- culado de mudança, deslocamento, movimento, transformação. Con- tando com a concepção de que os resultados pretéritos da experiência
  • 31. 31João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas influenciam os resultados cognitivos do presente e do futuro, a fenome- nologia de Peirce, no sentido científico e metódico, propõe como fun- damento três faculdades do pensamento, capazes de orientar o pensar filosófico pautado na fenomenologia. A primeira é a faculdade de ver o fenômeno como ele se apresenta sem fazer interpretações ao seu respeito, ou seja, sem permitir, ainda, que os resultados pretéritos interpretem o fenômeno enquanto resul- tados cognitivos do viver presente; a segunda faculdade é a de detectar todos os casos presentes em um fenômeno, isto é, de quais elementos ou signos o fenômeno é constituído; já a terceira faculdade é dar uma significação geral de representação aos outros dois processos de pen- samento. Nesse terceiro momento, a mente sugere ou realiza abduções acerca do fenômeno e sua estrutura. Podemos, também, resumir essas faculdades em“ver, atentar para e generalizar”(IBRI,1992, p.7). Em síntese, Peirce sugere três categorias da experiência fenomeno- lógica, em que signos criam na mente de alguém outros signos similares ou mais desenvolvidos. Para tanto, ele sugere, a Originalidade (Primei- ridade), relacionada à atitude de simplesmente ver; Obsistência (Secun- didade), que implica a faculdade da atenção dirigida aos detalhes ou componentes estruturantes do fenômeno: suas reações no campo dos signos; e Transuasão (Terceiridade), que consiste na capacidade de fazer interagir dados separados na objetividade em uma ideia subjetiva geral e representativa de uma realidade. Doravante, tendo em vista que a sub- jetividade, ancorada na semiótica de Peirce, acontece através dos três tipos de experiências, vamos nos deter ao fato de que qualquer forma de subjetivação passa por uma dessas categorias da experiência, que por sua vez se ramificam em subcategorias responsáveis pela forma de incorporação dos signos no corpo e na mente. Dessas subcategorias, as principais estão ao nível do Representa- men, do objeto e do interpretante. Esse trio é chamado por Peirce de tricotomia. Ao nível do representamen as subcategorias são os Qualis- signo, Sinsigno e Legissigno; no Objeto têm o Ícone, Índice e Símbolo; no
  • 32. 32 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO Interpretante têm Rema, Dicente e Argumento, sendo cada uma dessas categorias um modo de subjetivação da experiência na forma de“resul- tados cognitivos do viver”. Ao tornar claro que as categorias da experiência sugeridas por Peirce (2005, p.27) são fundamentais para a subjetivação, devido ao processo de ação mental que exigem, começamos a falar da Primeiridade. Essa cate- goria tem um princípio claro na ordem dos signos, pois essa é a categoria que aborda o princípio básico da alteridade, em que os fenômenos que afetam o sujeito não têm nenhuma referência anterior, passando a tornar parte do ego já existente, mas tal representação se encontra em estado de imaturidade, devido a não existência representacional para a mente afetada. A experiência original ou primeira – Primeiridade – funda as bases materiais e fenomenológicas de todo fenômeno subsequentemente resultante de novas experiências. Com isso, o signo original se encontra como algo sem significação representativa prévia, mas, ligada ao afeto corporal. Poderíamos chamar de algo novo para aquele sujeito, um dado do inconsciente, independente de tudo que ele tenha vivido. Peirce (2005, p.24) diz: “seria algo que é aquilo que é sem referência a qualquer outra coisa dentro dele, ou fora dele, independentemente de toda força e razão”. Quando chegamos à ordem da Secundidade, percebemos um cará- ter evolutivo do signo, em que ele se encontra em um estado represen- tacional, em que se faz entendido a partir de uma referência vinda de um objeto – referente – conhecido em uma experiência pretérita.Tal processo ocorre pelo fato do signo da obsistência estar em uma relação à frente da Originalidade, usando essa última como fonte de progressão do signo ou condição existencial do signo, a Obsistência torna presente referências da mente do sujeito para dar significado para a Originalidade, ligada aos signos de sensações ou ao afeto primitivo. Podemos falar, basicamente, que a Secundidade depende de experiências guardadas na mente do sujeito para que ela possa significar algo em seguida,“[...] é aquilo no que a secundidade difere da primeiridade; ou é aquele elemento que, tomado em conexão com a originalidade, faz de uma coisa aquilo que uma outra a
  • 33. 33João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas obriga a ser”(PEIRCE, 2005, p.27). Os resultados cognitivos da Secundidade obrigam os resultados da Primeiridade significarem algo, isto é, uma outra coisa que não sua existência original. A experiência primeira da cor pode, em um segundo momento, de obsistência, pode ser obrigada a represen- tar ou a aderir um objeto ideal ou real. Como é caso da cor vermelha que poder representar o fogo que a significa e vice-versa. Tomando emprestados os conceitos de Primeiridade e Secundidade trazidos anteriormente, vamos tratar da Terceiridade, para a qual se faz necessária a participação dos dois processos anteriores para chegar em uma mediação ao nível da interpretação propriamente dita ou genuína. Essa é a terceira categoria que está entre as outras duas e atua como meio de significação criado a partir de um fenômeno anteriormente experimentado. A Terceiridade está totalmente ligada ao poder de inter- pretação, representação, mediação e ação mental. Esse processo ocorre quando tem um ser interpretante que através do raciocínio faz relações na mente e interpreta os signos a partir dos “resultados cognitivos de viver”, em uma consciência sintetizadora que busca o entendimento dos pensamentos. Esse processo de mediação/representação está à vista de um tempo futuro, no qual a partir da mediação entre passado e pre- sente, ou seja, Primeiridade e Secundidade, o pensamento generalizador da Terceiridade faz uma ruptura com o tempo e dá uma nova dimensão – sugestão ou abdução – para as coisas. Peirce (apud IBRI,1992, p.15) diz: A terceira categoria é a idéia daquilo que é tal qual é por ser um Terceiro ou Meio entre um Segundo e seu Primeiro. Isto é o mesmo que dizer que ele é Representação como um elemento do fenômeno. [Ainda:] Terceiridade nada é senão o caráter de um objeto que incorpora a Qualidade de Estar entre (Betweeness) ou Mediação nas suas formas mais simples e rudimentares; e eu a uso como o nome daquele elemento do fenômeno que é predominante onde quer que Mediação seja predominante, e que encontra sua plenitude na Representação, [e] Terceiridade, como eu uso o termo, é apenas sinônimos para Representação...
  • 34. 34 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO Com isso, as formas de Mediação/Representação são fatores que envolvem a mudança de tempo, modificando a brutalidade da alteridade vinda com a Primeiridade e a Secundidade para a inteligi- bilidade dos acontecimentos, dando um novo sentido para ações futuras (IBRI, 1992, p.15), bem como para sensações passadas. Reto- mando a proposição inicial que define o signo nas letras de Peirce: “[...] um signo [...] dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pes- soa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado [ou mais evoluído] denomino interpretante do primeiro signo”. É possível compreender que esse signo mais evo- luído, denominado interpretante, tem o poder de significar o pri- meiro signo, aquele a que se dirigiu, a alguém, enquanto criador de um signo equivalente. Entre o signo criador (que se dirige a...), o signo criado e equivalente e o signo mais evoluído ou interpre- tante, vemos uma relação de três, em que o último se volta para o primeiro e ao segundo, interpretando-os de um novo modo, de maneira abduzida ou sugestiva. Por isso, os signos ao nível da Ter- ceiridade estão na classe do Símbolo, que necessitam de uma mente interpretante para serem significados. Resumindo as categorias da experiência, trazemos Santaella (2005, p.7), que diz: A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às idéias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete).
  • 35. 35João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas Não podemos perder de vista que: A teoria lingüística, cujo objeto de análise é a linguagem – que não deve ser entendida como simples sistema de sinalização, mas como matriz do comportamento e pensamento humanos – tem por objetivo a formulação de um modelo de descrição desse instrumento através do qual o homem informa seus atos, vontades, sentimentos, emoções e projetos (NETTO, 1980, p.15). Na medida em que consideramos que a linguagem não se limita a um sistema de sinalização por signos expostos na realidade objetiva, pois também consiste em ser uma matriz ou fonte de comportamen- tos humanos, sendo um deles o pensamento, podemos compreender a semiótica como um horizonte teórico-metodológico de reflexão e ação acerca dos processos de subjetivação de signos na mente humana a partir das experiências que o corpo humano estabelece, imerso, com a realidade objetiva. Em outras palavras, entendemos que os sistemas de signos objetivos, tais como um texto, os sinais de trânsito, uma película cinematográfica etc., todos expostos às nossas sensações e percepções, desencadeiam na mente humana processos de registros e de articula- ção, que por tomarem a forma de pensamento ou cognição significada – representação por signos em vez de por coisas – no interior da mate- rialidade corpórea – cérebro – do humano, podem ser chamados de subjetivos. Evocando mais uma vez a assertiva de Peirce sobre a emergência da semiótica, os signos, inicialmente matrizes ou fontes objetivas, criam, por subjetivação mediada pela experiência sensitiva e perceptiva, bem como pelo ego pretérito, na mente de alguém, outros signos equivalen- tes ou mais desenvolvidos, haja vista que este signo pode ser uma emo- ção, um sentimento e ações interligadas ad infinit. Diante do exposto, partindo do princípio de que os signos objetivos se tornam subjetivos na mente de alguém mediante experiências que o corpo humano esta- belece com realidades percebidas como objetos para além da existência
  • 36. 36 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO dele, estabelecemos aqui que o fundamento ou caminho da emergên- cia de todo comportamento semiótico ou lógico – linguístico, de um modo mais restrito – do pensamento humano é a experiência em seu sentido fenomenológico e não puramente lógico. Adentramos agora nas categorias que constituem a experiência fenomenológica como ponto de partida dos processos de subjetivação ou criação de signos – equivalente ou mais desenvolvido – na mente humana a partir de outros signos inicialmente objetivos ou simplesmente apreensíveis – visíveis – desde fora pelo aparelho sensório-cognitivo-motor humano. Contudo, a experiência fenomenológica para Peirce não envolve um processo simples, unificado, unilateral e unidimensional. Há, segundo o filósofo e matemático, três diferentes níveis ou categorias interdepen- dentes da experiência, chamados de Originalidade (Primeiridade, nível básico), Obsistência (Secundidade, nível intermediário) e Transuação (Ter- ceiridade, nível complexo). Como podemos observar pela nomenclatura utilizada, embora tenhamos mencionado a interdependência entre os níveis, trata-se de uma interdependência hierarquizada, na medida em que as tricotomias dizem respeito às categorias da experiência ou tam- bémchamadasdecategoriasdossignosnaconcepçãodePeirce.Segundo Netto (1980, p.61),“A primeiridade recobre o nível do sensível e do quali- tativo e abrange o ícone, o Qualissigno e o rema”, ou seja, diz respeito a qualidades, impressões primeiras dos signos, aquilo que se apresenta em primeira instância, seja em sua forma simples e/ou mais desenvolvidas – sempre no plano das qualidades [Qualissigno, Ícone, Rema]. Em se tratando da Secundidade,“diz respeito ao nível da experiência, da coisa ou do evento: é o caso do índice, do sinsigno e do discissigno” (Idem, ibidem, p.61). Nesse sentido, a Secundidade envolve uma fenome- nologia semiótica na medida em que há uma sensação de qualidade (Primeiridade) que se relaciona a um objeto específico ou singular (Secun- didade). Assim, dessa relação se estabelece a noção do fenômeno per- cebido, haja vista que a semiótica ao nível do objeto é fenomenológica levando em conta esses aspectos que caracterizam a Secundidade. E por
  • 37. 37João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas fim, a Terceiridade que, segundo Netto (ibidem, p.61),“refere-se à mente ao pensamento, isto é à razão: cobre o campo do símbolo, do legissigno e do argumento”, logo a Terceiridade pode ser entendida como a ação do signo pós-relação fenomenológica, ou seja, a interpretação da mente, o terceiro da relação semiótica, que interpreta o fato e adquire o signo mais desen- volvido, seja como uma lei, um símbolo ou um argumento. Em seus estudos, Netto (1980) propôs um quadro para apresenta- ção dessas relações, ou seja, a relação do signo com suas tricotomias, o qual apresentamos a seguir: Quadro 1 DIVISÃO DOS SIGNOS CATEGORIA O Signo em relação a si mesmo O Signo em relação ao objeto O Signo em relação ao interpretante PRIMEIRIDADE Qualissigno Ícone Rema SECUNDIDADE Sinsigno Índice Dicissigno TERCEIRIDADE Legissigno Símbolo Argumento Fonte: NETTO, 1980, p 62. Com essa forma de agrupar os signos, acreditamos que a subjetiva- ção ocorre em planos de Primeiridade (em nível da qualidade do sensível), Secundidade (em nível do objeto da cognição), e Terceiridade (a qual refe- re-se ao argumento). Para tanto, se faz necessário explicarmos as partes que compõem cada uma das categorias da experiência. No que diz res- peito à Primeiridade, seguindo pela sua linha horizontal, de acordo com o quadro acima (NETTO, 1980, p. 62), identificamos as três subcategorias desse primeiro nível da experiência: Qualissigno, Ícone, Rema. O Qualissigno se configura como qualidade que é um signo. Não pode agir como tal até tornar-se corpóreo, ou seja, até que haja a afe- tação primária do corpo. Antes desse, esse signo seria a hipótese do exterior absoluto, que nem é objetivo, porque não pode ser visto ou sentido. Está no mundo, desligado de qualquer consciência. Quando
  • 38. 38 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO essa qualidade é notada por um corpo, ela ascende à condição de Qualis- signo, pois, na medida em que ela existe para um corpo, evidencia-se sua possibilidadedesersignoparaumamente,emboraaindasejaapenasafeto, pois já está prestes ou necessariamente será atrelada, em um momento seguinte, não a uma qualidade pura em si, mas sim a uma existência na formadeobjeto,sendoumaqualidadecorporificadaemalgumacoisaobje- tiva, como por exemplo o branco (Qualissigno) em uma camisa (Sinsigno). Issosedánamente,podendogeraroraciocíniodequeobrancorepresenta uma qualidade. Segundo Netto (1980, p.60): “[...] Por qualissigno enten- de-se uma qualidade que é um signo: Ex: uma cor [vermelho]”. Caso a mente fosse física, química ou fisiologicamente incapaz de perceber a cor branca, essa nunca poderia ascender à qualidade de signo – Qualissignos – pois, permaneceria incognoscível, não interessando, portanto, ao pensamento e às suas conexões e associações semióticas. Mas, na medida em que o branco e outras cores são perceptíveis para o humano, todas elas apresentam o potencial de serem signos ao se asso- ciarem ou se ligarem a algo para além delas: o corpo. Isto é, de repre- sentarem algo que não elas mesmas para alguém que possui um corpo afetivo e uma mente cognitiva. Neste sentido, ponderamos que quando se está diante de Qualissigno pode-se gerar um ícone. Dessa forma, há uma corporificação das formas e qualidades que compõem Qualissignos, que logo passam a ser ícones. Peirce (2005, p.73) nos indica que:“o Ícone não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que representa: sim- plesmente acontece que suas qualidades [Qualissignos] se assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança”. É nesse sentido que as qualidades se corporificam, tornan- do-se ícones. Funciona tal como na natureza a orquídea se apresenta ao zangão como se fosse uma fêmea da espécie, atraindo-o para cópula. Ícone: “[...] é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus próprios caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente exista ou não”(PEIRCE, 2005, p.52). O Ícone car- rega a relação de semelhança com o objeto que pretende representar
  • 39. 39João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas para alguém, que se dá em três níveis: a imagem (caricatura), o diagrama (um mapa), metáfora (paralelismo com algo diverso que não a própria imagem apresente). O Ícone subjetiva a mente ao ponto de que algo se assemelhe ao objeto, traçando uma relação de caracteres que a ima- gem possa possuir. Ou seja, “[...] a escultura de uma mulher, uma foto- grafia de um carro, e mais genericamente, um diagrama, um esquema” (NETO, 1980, p.58). O Ícone é criado na mente de alguém por meio da ação de signos de semelhança que afetam a mente e fazem essa produ- zir uma síntese imaginária: a imagem de um objeto. Tendo estabelecido isso, segundo Nunes (2008, p.44): “[...] quando estamos diante de um Ícone tende-se a gerar um Rema”, pois ao se assemelhar (Ícone), o signo é levado ao nível das possibilidades linguísticas (Rema) que este Ícone pode vir a produzir. O Ícone está na primeiridade porque sua relação com o objeto se baseia na relação que os seus caracteres qualitativos possam possuir, sendo ainda que este objeto possa só existir na mente do interpretante na forma ideal. Rema:“[...] é um Signo que para seu Interpretante é um Signo de Pos- sibilidades qualitativas, ou seja, é entendido como representando esta e aquela espécie de Objeto possível” (PEIRCE, 2005, p.53). O Rema, por definição, envolve uma qualidade/hipótese que refletirá em seu inter- pretante; que será subjetivado por esta qualidade/hipótese, logo “[...] o Rema é um Signo que é entendido como representando seu objeto apenas em seus caracteres” (PEIRCE, 2005, p. 53). A Subjetivação ocorre por meio destes caracteres. Desse modo, o Rema que se dá ao nível da palavra escrita constitui-se também como uma forma que representa essa ou aquela imagem para seu interpretante. Não obstante, “[...] uma palavra isolada, como vermelho, pode funcionar como rema (do grego rhema, palavra)”(NETTO, 1980, p.61). Ela funciona no lugar da qualidade do vermelho em si e dessa mesma qualidade encarnada na imagem semelhante de um objeto. Desta forma, o signo de Primeiridade (Qualissignos, Ícone, Rema), que “recobre o nível do sensível e do qualitativo”(NETTO, 1980, p.61), participa
  • 40. 40 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO dasubjetivação,poisocorreemrelaçãoaosignoemsimesmo(qualidade), que tem potencial para evoluir para um signo que possui a capacidade de se assemelhar (Ícone), que por sua vez pode evoluir para um signo de pos- sibilidades qualitativas (Rema), todos pela ação do interpretante, presente nas três esferas do signo de primeiridade. A Primeiridade está no campo da gramática pura, pois tem como objetivo determinar o que deve ser verdade em relação ao Representamen para que o mesmo seja capaz de incorporar um significado, sendo ele qualquer um. A experiência da Secundidade pode ser dividida segundo três situa- ções: Sinsigno; Índice e Dicente. Sinsigno, para Peirce (2005, p.52): “[...] é uma coisa ou evento existente e real que é um signo. E só o pode ser atra- vés de suas qualidades, de tal modo envolve um Qualissigno ou, melhor vários qualissignos”. Deste modo, Netto (1980, p.60-61) apresenta como exemplos“cata-vento, um diagrama de alguma coisa em particular. O sin inicial de sinsigno indica que se trata de uma coisa ou evento singular, no sentido de‘uma única vez’[fato único]”. Assim, inferimos que um Sin- signo implica a subjetividade, na medida em que consiste em ser a asso- ciação entre duas qualidades, por exemplo, a temperatura e a cor, como no caso do vermelho associado ao calor, ambas as qualidades do fogo. Índice: “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota em vir- tude de ser realmente afetado por esse objeto” (PEIRCE, 2005, p.52). O Índice subjetiva por meio das relações indiciais que estabelece com seu interpretante. Logo: “[...] Na medida em que o índice é afetado pelo objeto, tem ele necessariamente alguma qualidade em comum com o Objeto, e é com respeito a essas qualidades que ele se refere ao Objeto” (PEIRCE, 2005, p.52). Segundo Netto (1980, p.58): “O signo indicial tem alguma qualidade em comum com o objeto e, assim, não deixa de ser um certo tipo de ícone especial, embora não seja isto que o torne um signo mas, sim, o fato de ser modificado pelo objeto”. Para melhor visualizarmos esta afirmação, pensemos “[...] Ex: fumaça é signo indicial de fogo, um campo molhado é índice de que choveu [possivelmente], uma seta colocada num cruzamento é índice do caminho a seguir [...]”
  • 41. 41João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas (NETTO, 1980, p.58). O índice não implica semelhança, mas relação de existência, de causa e efeito material. A poça d’água é um dos efeitos da chuva, sendo, portanto, seu rastro. Para Nunes (2008, p.44): “[...] quando se está diante de um índice, tende-se a gerar um dicente”. Um Índice pode vir a ser um Dicente na medida em que relações indiciais do signo com objeto possua existên- cia real, haja vista que o índice é aberto a possibilidades. Quando se está diante de uma pegada humana na areia da praia, logo remetemo- -nos (interpretante) à pessoa que possivelmente a marcou com aquela pegada, ou seja, há uma relação existencial nos indícios que levaram o interpretante a tal proposição lógica. Entretanto, para deixar de ser um índice puro, para ascender à condição de Dicente, o signo, como sendo a relação de causa e efeito, deve se transformar linguisticamente em uma proposição lógica na mente do sujeito, de modo que esse possa afirmar que a pegada indica a passagem de um homem, por meio de uma frase. Dicente ou Dicissigno:“é um signo que, para seu Interpretante, é um signo de existência real [...] Um Dicissigno necessariamente envolve, como parte dele, um Rema para descrever o fato que é interpretado como sendo por ele indicado”(PEIRCE, 2005, p53). O Dicente diz respeito à existência do objeto e pode ser um índice na medida em que há uma conexão ao Objeto de forma inseparável. Logo o Dicente“[...] corresponde a um enunciado, envolve remas na des- crição do fato. Um sintagma como Este vermelho está manchado pode funcionar como dicissigno”(NETTO, 1980, p.61). Com isso, compreende- mos que a Secundidade diz respeito à relação de dois signos distintos, ou seja, um primeiro que se relaciona com um segundo. Em outras palavras, é o que Peirce (CP, 1.324 in IBRI, 1992, p.9) chama também de Secundi- dade se referindo às experiências estabelecidas na alteridade, tal como estudamos na dinâmica entre o ego e o não-ego: “A idéia do outro, de não, torna-se o pivô do pensamento [...] A este elemento eu dou o nome de Segundidade”. Ibri (1992, p.9) complementa que:“A Secundidade traz, no seu bojo, a ideia de segundo em relação a um primeiro”. Na Secun-
  • 42. 42 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO didade, temos a percepção do signo em relação ao objeto – que se faz através do primeiro em relação ao segundo – feita pelo interpretante, no entanto ainda não há lei que irá guiar esta percepção. A Secundidade está presente no segundo ramo da ciência semiótica, o da lógica. A Terceiridade envolve ainda mais três dimensões: Legissigno, Sím- bolo e Argumento. Legissigno: “[...] é uma lei que é um signo” (PEIRCE, 2005, p.52). Essa lei só pode ser estabelecida pelos humanos – Interpre- tantes. O signo que é estabelecido por convenção, obrigatoriamente é um Legissigno. Peirce (2005, p.52) aponta que “[...] todo Legissigno sig- nifica através de um caso de sua aplicação, que pode ser denominada Réplica”. A réplica por sua vez é um Sinsigno, logo todo Legissigno requer Sinsigno. Por fim, “[...] a réplica não seria significante se não fosse pela lei que a transforma em significante” (PEIRCE, 2005, p.52). O Legissigno “[...] não é uma coisa ou evento singular, determinada, mas uma conven- ção ou lei estabelecida pelos homens. Ex: as palavras [...]”(NETTO, 1980, p.61). Assim, o Legissigno é um signo que subjetiva por força de lei. Tra- ta-se de uma ideia geral que busca aplicação no particular. O Legissigno pode vir a ser um Símbolo, pois, como tal, é estabelecido por meio da convenção/associação de ideias que se refere ao objeto. Símbolo: “[...] é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto” (idem, ibidem, 52). Assim, o Símbolo pode não possuir relação de semelhança com seu Objeto, pois foi estabelecido por convenção de ideias. O Símbolo é, por definição, um tipo geral de lei, logo, um Legissigno, ou seja, atua através de Réplica. Este “signo é mar- cado pela arbitrariedade [...] Ex: qualquer palavra de uma língua, a cor verde como símbolo de esperança etc.”(NETTO, 1980, p.58). A diferença de um símbolo para um Legissigno é que aquele se apresenta por meio de um objeto, enquanto que o segundo por meio de qualidades sensí- veis ou emotivas. Para Nunes (2008, p. 44), quando se está“[...] diante de um símbolo, a tendência é a geração de um argumento”, pois se tende
  • 43. 43João Filipe dos Santos; Evandro S. de M. Bomfim; Renato I. da Silva; Miguel A. García Bordas a representar seu Objeto em seu carácter de signo para isso usam-se os argumentos para criar os argumentos. Argumento: “[...] é um Signo que para seu Interpretante é Signo de lei [...] é um signo que é entendido como representando seu Objeto em seu caráter de Signo”(PEIRCE, 2005, p.53). O Argumento paira sobre as leis que cercam o Objeto, o tornando algo compreensível a todos que com ele entrem em contato, como as logomarcas de diversos produtos. Ao se depararem com essas, os interpretantes acessam suas experiências ante- riores para decifrar tal signo. Deste modo:“Um argumento é um signo de razão, um signo de lei, correspondendo a um juízo. Um silogismo do tipo‘ A é B, B é C, portanto A é C’é um exemplo de argumento”(NETTO, 1980, p. 61).Oargumentotemcomofunçãosuperarasrelaçõespresentesesugerir uma relação ou norma futura, ainda inexistente. Nesse sentido, ele supera a lógica e se aproxima da retórica e da especulação. Contudo, longe de se desdobrar por formulações absurdas, sustentado na lógica e no símbolo, bem como em seus antecedentes, o argumento deve possuir uma dimen- são de realidade. Ou seja, deve ser aplicável no comportamento. O PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO NOS ESTUDOS ACERCA DO CORPO: CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudamos que existem três tricotomias, que são a Primeiridade, a Secundidade e a Terceiridade classificadas por Peirce (2005, p.51) da seguinte maneira: “[...] a primeira conforme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral [...]”, neste caso o signo ocupa está próximo do Representamen. A segunda, “[...] conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter alguma relação existen- cial com seu objeto [referente] ou em sua relação com um interpretante [...]” (PEIRCE, 2005, p.51). Temos o signo enquanto na condição Objeto. Por fim, a terceira, “[...] conforme seu interpretante representá-lo como um signo e possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo
  • 44. 44 CORPO, SEMIÓTICA E SUBJETIVAÇÃO de razão”(PEIRCE 2005, p.51). Nesse caso o signo ocupa o lugar do Inter- pretante, nesta categoria temos a concretude de uma Lei – que é um signo para seu interpretante. Buscamos, neste estudo, de forma teórica e filosófica, elucidarmos como se dá o processo de subjetivação dos signos semióticos na mente e no corpo. Ou seja, como esse processo se constitui e como podemos pensar em uma leitura analítica e sintética desses signos (subjetivos) aos estudos do corpo – pensando na constituição dos signos de sensitivos, lógicos e argumentativos. Realizamos um percurso metodológico que embasou nossas considerações sobre esse processo de subjetivação. Concluímos, assim, que por meio das categorias da experiência – esta- belecidas na semiótica – que os processos de subjetivação ocorrem, tendo em vista o fenômeno enquanto percebido pelo corpo de modo a afetar cognitivamente a mente e que tornam estes signos argumentos para uma dada mente que interpreta (através de leis que são signos). REFERÊNCIAS CARVALHO, M. Teoria e experiência. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. (Filosofias: prazer do pensar) IBRI, I. A. Kósmos Noêtós: a arquitetura metafísica da Charles S. Peirce. – São Paulo: Pespectiva: Hólon, 1992. – (Coleção estudos; v.130) NETTO, J. T. C. Semiótica, informação e comunicação. – São Paulo. Perspectiva 1980. NUNES, K. M. Uma análise da construção mítica no livro de fotografias Laróyé, de Mario Cravo Neto. Salvador: EDUFBA, 2008. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005. SANTELLA, L. O método anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
  • 45. CORPO E IDENTIDADE: DIALOGANDO COM ZYGMUNT BAUMAN E MICHEL MAFFESOLI1* Natalia Takaki Jaison José Bassani RESUMO: Muito tem se falado sobre os processos de construção das identida- des, sobre sua crise na modernidade, sobre as dificuldades, levadas ao paroxis- mo nos dias de hoje, de construirmos um “sentimento de pertencimento”, sobre- tudo por conta da velocidade das transformações e da efemeridade de nossos “projetos” de vida, do papel das novas ferramentas de comunicação neste pro- cesso. Nesse contexto, o lugar ocupado pelo corpo e suas expressões em nos- sas construções identitárias foi profundamente afetado por esse novo modo, vertiginoso, de se relacionar com as coisas do mundo. No presente trabalho, tomamos parte nesse intrincado debate em torno do conceito de identidade, e propomos um diálogo com Zygmunt Bauman e Michel Maffesoli, autores con- temporâneos que, entre outros, tem se ocupado teórica e politicamente dessa questão, buscando pensar o lugar social do corpo nos processos de construção identitária. PALAVRAS-CHAVE: Identidade; corpo; Zygmunt Bauman; Michel Maffesoli. * O presente texto é parte da dissertação intitulada Corpo, cultura e juventude nikkei: processos de construção identitária, defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da Univer- sidade Federal do Paraná em 2012. Agradecemos a CAPES e ao CNPq pelos recursos finan- ceiros (bolsa e apoio a projeto de pesquisa) que tornam possível essa pesquisa.
  • 46. 46 CORPO E IDENTIDADE INTRODUÇÃO Os processos de construção identitária têm atraído, no campo acadê- mico, cada vez mais a atenção e preocupação de pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, e se tornaram alvo de disputas políticas inflamadasemdiversossetoresdavidanocontemporâneo.Conformeargu- menta Bauman (2005), o problema da identidade parece ter se tornado, especialmente nas últimas décadas, um prisma através do qual outras tan- tas dimensões de nossas vidas são localizadas, agarradas e analisadas. Vivemos mesmo uma verdadeira“explosão discursiva”(HALL, 2005) em torno desse conceito, já que muito tem se falado sobre os processos de construção das identidades, sobre sua crise na modernidade, sobre as dificuldades, levadas ao paroxismo nos dias de hoje, de construirmos um “sentimento de pertencimento”, sobretudo por conta da velocidade das transformações e da efemeridade de nossos “projetos” de vida, do papel das novas ferramentas de comunicação neste processo, como a televisão, a internet, as redes sociais virtuais, entre outros. O contemporâneo tem promovido uma incessante profusão de novos hábitos físicos e mentais, que, se por um lado, nos trouxeram certo grau de estranheza e insegurança, por outro, permitiram que enxergás- semos novos horizontes. Como era de se supor, o lugar destinado ao corpo e suas expressões em nossas construções identitárias foi profun- damente afetado por esse novo modo, vertiginoso, de se relacionar com as coisas do mundo. Certamente, o “mundo é a moldura simbólica e material na qual nos movemos e da qual extraímos os elementos usados para formar hábitos físicos e mentais”(COSTA, 2005, p. 162), mas os ele- mentos que adquirimos dele não são sempre os mesmos: eles mudam de tempos em tempos, com implicações diretas sobre nossas culturas, nossas práticas, nossos ideais de eu, construindo assim novos conceitos, concepções e novos modos de vida. Como nos diz Sant’Anna (2001), o corpo é uma evidência que nos acompanha desde mesmo antes de nascermos até a nossa morte, expe-
  • 47. 47Natalia Takaki; Jaison José Bassani riência irrenunciável de nossa história individual e coletiva. Para além de sua dimensão biológica, que nos lembra aquilo que há de natureza em nós (VAZ, 2000), o corpo é também território da cultura. Nesse sentido, o “corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identi- dade”(WOODWARD, 2008, p. 15). No presente trabalho, tomamos parte nesse intrincado debate em torno do conceito de identidade, e propomos um diálogo com Zygmunt Bauman e Michel Maffesoli, autores contemporâneos que, entre outros, tem se ocupado teórica e politicamente dessa questão, buscando pen- sar o lugar social do corpo nos processos de construção identitária. Nesse sentido, e tomando o livro Identidade de Bauman (2005) como uma espécie “roteiro epistemológico” do problema da identidade na modernidade, buscaremos, nas próximas páginas, apresentar certo iti- nerário conceitual de ambos os autores que nos permitem refletir sobre a relação entre corpo e identidade. O “NASCIMENTO” DAS IDENTIDADES: COMPREENDENDO A(S) MODERNIDADE(S) Dia após dia, desde o nosso nascimento, travamos uma batalha intensa para descobrirmos quem nós realmente somos. Mesmo gas- tando um tempo considerável de nossas vidas arquitetando planos para termos alguma certeza e segurança sobre nossas figuras, essa tarefa parece nunca ter fim, de forma que vivemos em constante construção e desconstrução. A questão da construção das identidades nos causa tanto descon- forto, nos deixa agitados e inquietos porque é algo que diz respeito a todos nós, independentemente de sabermos ao certo qual identidade nos pertence: coletivas, individuais, nacionais, étnicas e raciais, sexual, “virtuais”, se várias ou nenhuma. Não há dúvidas de que a identidade é um conceito altamente contestado, um território de batalhas que nunca
  • 48. 48 CORPO E IDENTIDADE esteve em paz com todas as partes. “A identidade é uma luta simultânea contraadissoluçãoeafragmentação;umaintençãodedevorareaomesmo tempo uma recusa resoluta a ser devorado...”(BAUMAN, 2005, p. 84). Certamente essa inquietação não é exclusividade do nosso tempo, mas definir nossas identidades tem se tornado uma empreitada cada vez mais desafiadora, sobretudo se considerarmos que as bases sobre as quais as identidades, individuais e coletivas, se assentavam até bem pouco tempo atrás, conforme nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman, perderam sua solidez no mundo globalizante. Em seu livro Identidade, fruto de uma entrevista concedida a Bene- dettoVecchi, Bauman (2005) trata de questões que envolvem o problema da construção das identidades no mundo moderno: a gênese das identi- dades nacionais, o papel do Estado nessa construção, o papel das comu- nidades, identidades individuais e coletivas, a fluidez versus a solidificação das identidades, o surgimento das subclasses, o uso das novas tecnologias de comunicação, entre outros elementos que cercam o tema. A fluidez da modernidade acabou adentrando o território das identidades, pois, afinal de contas, não é tarefa fácil tapar todas as arestas e impedir que o líquido se infiltre, especialmente quando possui tanta força. Logo na introdução do livro, Vecchi nos diz que Bauman vê a globalização como “uma grande transformação que afe- tou as estruturas estatais, as condições de trabalho, as relações entre os Estados, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida quoti- diana e as relações entre o eu e o outro.”(BAUMAN, 2005, p. 11). Assim, “erram”aqueles que ainda tentam se sustentar nos pilares sólidos e fir- mes que uma vez existiram, não sendo mais possível negar a facilidade com que as coisas surgem e em seguida se dissolvem, aparecem e eva- poram. Possuir identidades fluídas, que mudam a todo o momento, pode não ser de todo maléfico. No entanto, é preciso compreender como, por que e quais as consequências dessas constantes mudanças, que estão diretamente atreladas à modernidade líquida, utilizando a nomenclatura criada por Bauman, que estabelece diferenças notáveis
  • 49. 49Natalia Takaki; Jaison José Bassani em relação ao que ele chama de modernidade sólida. Solidez e liquidez são metáforas usadas por ele para dar conta das mudanças que pau- latinamente ocorreram durante a transição do século XX para o XXI (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009). A modernidade sólida foi marcada pela ordem, pela rigidez, pela durabilidade, estabilidade, estratégias de longo prazo, enfim, por ele- mentos que pudessem dar aos indivíduos e a comunidade um senso de que o futuro seria algo ao qual não se precisasse temer, pois já estaria contido e definido no e pelo presente. Um elemento se destacou nessa busca e produção de solidez: o trabalho. Por meio do trabalho os sujeitos se tornavam cidadãos dignos, reproduzindo seus ideais e modos de vida. Estar empregado significava ter uma vida correta, ética, além disso, forneceria ao trabalhador uma estabilidade“proporcionada pelas instituições sociais, que indicavam as condutas a serem seguidas e que permitiam a manutenção de rotinas, ao mesmo tempo em que decretava a divisão entre o certo e errado, nor- mal e patológico”. (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 34). Se por meio do trabalho a honra do cidadão era estabelecida, portanto, nada mais razoáveldoquepossuirumtrabalhofixo,umempregoregular,elutarpara que essa relação fosse longa e duradoura. A modernidade sólida estava situada em um tempo extremante importante para o desenvolvimento capitalista, no qual trabalhador e patrão estavam intimamente ligados: o primeiro, por necessitar do trabalho para sua sobrevivência, e o segundo, por precisar de uma força capaz de produzir e lhe trazer lucro. Com os indivíduos ocupados trabalhando, a sociedade se mantinha equilibrada e ordeira, visando um futuro formidável e bastante produtivo: Quaisquer que tenham sido as virtudes que fizeram o trabalho ser elevado ao posto de principal valor dos tempos modernos, sua maravilhosa, quase mágica, capacidade de dar forma ao informe e duração ao transitório certamente esta entre elas. Graças a essa capacidade, foi atribuído ao trabalho um papel principal, mesmo decisivo na moderna ambição de submeter,
  • 50. 50 CORPO E IDENTIDADE encilhar e colonizar o futuro, a fim de substituir o caos pela ordem e a contingência pela previsível (e portanto controlável) seqüência dos eventos. Ao trabalho foram atribuídas muitas virtudes e efeitos benéficos, como por exemplo, o aumento da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a espécie humana no comando de seu próprio destino (BAUMAN, 2001, p. 157). Nessa passagem que acabamos de ler a respeito do trabalho, Bauman nos mostra elementos que são característicos da moderni- dade sólida, como a certeza no/do futuro, o controle sobre adversi- dades e a consequentemente segurança, e, principalmente, a ordem. O trabalho trouxe a ordem como tarefa na modernidade sólida: tra- balhar era algo que estava atrelado à natureza humana; errático era ser um desempregado, sem vínculos que os ligassem e os prendes- sem a um lugar. A labuta diária fazia com que os indivíduos criassem uma rotina, padrões comportamentais a serem seguidos no intuito de manter o emprego, portanto, seu comportamento era previsível e fácil de ser controlado, um ambiente relativamente seguro para se fixar uma identidade. A ordem trouxe consigo a necessidade de disciplinar aqueles que viviam sob seu comando, e o medo do incerto, do desconhecido, do outro, desenvolveu uma incontrolável obsessão por classificações. Clas- sificar significava dizer que alguns seriam selecionados e outros seriam deixados de fora; incluídos seriam aqueles que se encaixam nos padrões ditados pela ordem e excluídos aqueles que não eram bem vindos por gerarem desconforto, por não se adequarem às classificações. A ordem era uma luta travada contra a ambivalência, contra o caos, a imprevisibi- lidade, o outro, a incerteza, a confusão, a dúvida, o diferente, o ambíguo, o desconhecido. Numa palavra: contra tudo aquilo que não se podia controlar (BAUMAN, 1999).
  • 51. 51Natalia Takaki; Jaison José Bassani Para que nada escapasse do controle, a ordem deixava de ser o elemento final da ação, passando a ser sua origem, transformando o resultado final em um produto do disciplinamento. Esse, por sua vez, era alcançado pela vigilância constante, pela visão superior do disciplinador estabelecida nas torres panópticas modernas. As torres panópticas pos- suíam um elemento arquitetônico que possibilitava observar com um ângulo de 360º o recinto em que era construído; do alto, o observador pos- suíaavantagemdeumavisãoampla,semobstruções.Essaferramentafacili- tou e aumentou a vigilância e o controle daqueles a serem disciplinados: [...] escolas, quartéis, hospitais, clínicas psiquiátricas, albergues, instalações industriais e prisões. Todas essas instituições eram fábricas de ordem. E, como todas as fábricas, eram locais de atividade propositada, calculada para resultar num produto concebido com antecedência – no caso, no restabelecimento da certeza, eliminando a aleatoriedade, tornando a conduta dos internos regular e previsível novamente. (BAUMAN, 2011, p. 146). Pensando nas instituições que adotaram o panóptico como ele- mento disciplinador, nota-se que algumas delas, como as escolas, fábri- cas e quartéis, eram instituições pelas quais todos, eventualmente, acabavam passando. Sob essa ótica, o poder disciplinador se fazia bas- tante eficaz, pois os indivíduos acabavam fazendo parte de várias des- sas instituições ao longo de suas vidas, primeiramente durante os anos escolares, em seguida, para os homens, nos quartéis, e posteriormente o trabalho com a rotina estabelecida pelas fábricas. “Um homem incapaz de emprego ou de alistamento era um homem essencialmente fora da rede de controle social” (BAUMAN, 2011, p. 149). Dessa forma o poder disciplinador se tornava bastante eficaz, alcançando suas metas de tor- nar correto o incorrigível, de estabelecer padrões de comportamento, controlando e educando os corpos, tornando-os dóceis e fortes. O fato de possuir um corpo forte e produtivo, nessa perspectiva, era sinônimo de ser um sujeito saudável, apto ao trabalho, virtuoso para as
  • 52. 52 CORPO E IDENTIDADE fábricas, elevando o status daqueles que o possuíam e que eram capa- zes de desempenhar trabalhos pesados. Seu inimigo era o corpo fraco, franzino, doente. A cultura moderna trouxe o corpo aos holofotes, uma vez que era um representante das potencialidades do homem. O corpo também estava fortemente atrelado à economia, uma vez que era o corpo do tra- balhador que produzia. Sendo assim, o conceito de “corpo forte” gerou um mal que assombrou a modernidade, transformando a“degeneração” em algo a ser temido. Entenda-se degeneração como“‘perda de energia’, moleza corporal, fraqueza e flacidez”(BAUMAN, 2011, p. 150). No entanto, era crescente o número de pessoas consideradas“inap- tas”, ou com corpos insuficientemente fortes, como moradores das periferias urbanas ou bairros miseráveis, trabalhadores informais. Ao se alastrarem e adentrarem os centros civilizados, geravam um “pânico intelectual e legislativo, por serem lidos (e não erradamente) como sinais de fracasso do mais decisivo dos empreendimentos modernos” (BAUMAN, 2011, p. 150). O esforço físico estava totalmente atrelado à pobreza, e se o físico daqueles responsáveis por gerarem lucro não mais estava apto, então era inevitável que um colapso ocorresse. No entanto, as instituições que antes eram as responsáveis pelo estabelecimento da ordem foram perdendo suas forças normativas e ordeiras. Pode-se notar essa mudança, por exemplo, na relação, antes longa e sólida, entre as fábri- cas e seus trabalhadores: Atualmente, com a flexibilização, a desregulamentação e a precarização do trabalho, o antigo casamento entre patrões e empregados (vale dizer, entre capital e trabalho), que os mantinham presos ao “chão da fábrica”, não passa de uma coabitação até segunda ordem, sustentável apenas enquanto beneficiar um dos pólos ou até nova rodada de demissões e ajustes orçamentários. Outrora caracterizado como o principal valor dos tempos modernos na busca da ordem como tarefa, fornecendo
  • 53. 53Natalia Takaki; Jaison José Bassani o (sólido) eixo ético da sociedade em seu conjunto e também o eixo seguro em torno do qual os indivíduos poderiam fixar suas identidades, o trabalho teria transitado do reino da ordem, da solidez, para o universo cambiável, errático, episódico e incerto do jogo, da fluidez. (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009, p. 34) O derretimento da solidez do mundo do trabalho alterou a forma, antes engessada e monótona, da vida de seus habitantes moder- nos; “caos e ordem”, elementos inseparáveis da modernidade, como afirma Bauman (1999, p.12), protagonizam um duelo interminável. Onde existe o caos, estará também a ordem para tentar classificar e controlar o indeterminado. Classificar fez e faz parte de uma estratégia ordeira, de buscar tornar padrão o aleatório, arrumar o bagunçado, fincar pilares em terras firmes para que nada saia do lugar. Assim como o caos gera a ordem, e vice-e- -versa, a classificação gera a ambivalência. Quando as ferramentas de classificação, por exemplo a linguagem, se tornam obsoletas, inadequa- das, insuficientes, abre-se uma brecha para que determinado elemento a ser classificado seja capaz de se encaixar em mais de uma categoria, gerando incertezas, indefinições, desconforto. A ambivalência cria um desiquilíbrio na ordem classificatória. Sem o papel imperante do Estado, ou do olhar vigilante e controlador das instituições públicas para assegurar um estilo de vida padronizado, e limites comportamentais a serem rigidamente seguidos, os indivíduos acabam sendo forçados a se responsabilizarem eles mesmos pelas suas decisões, pelas suas escolhas. Fica a cargo de cada um decidir pelo certo e errado, pelo amigo e inimigo, benéfico ou maléfico. A liquefação dos antigos sólidos deixa tudo a cargo do individuo, do“faça-você-mesmo”, e a auto-afirmação ganha forças e prioridade nas escolhas de cada um. Os papeis são invertidos na modernidade líquida: seguir o mestre e dar-se por satisfeito com isso é substituído por uma constante correria, um impulso de estar sempre se movimentando para não ser deixado para trás. Isso exige um enorme esforço para se manter em dia com as
  • 54. 54 CORPO E IDENTIDADE demandas do mundo líquido moderno, onde nada se fixa, nada se man- têm por muito tempo; onde o efêmero toma conta dos relacionamentos e nada mais é para“sempre”. A identidade é forçada a deixar o seu acon- chegante porto seguro do mundo sólido, para se tornar livre, diversa, desencaixada, fluída, ambivalente, múltipla. Na interpretação do sociólogo polonês, a ética do trabalho foi subs- tituída pela ética do consumo, os indivíduos deixam de lado a posição de indivíduosinternosparadaremlugaraumindivíduocoletordesensações. A modernidade líquida nos possibilita respirar novos ares, explorar terre- nos nunca antes visitados, serrar as amarras que nos prendiam a mesmice. Bauman (2001) afirma que a privatização dos afazeres modernos é um dos principais elementos que diferencia a modernidade líquida da sólida. Outra importante característica é a mudança na concepção de durabilidade, de fixidez, da necessidade de certezas a respeito do futuro. Na modernidade líquida, os projetos passam a ser transitórios, indefinidos, fluídos. Porém, nenhuma mudança é completamente livre de ônus. Muitos aspectos da vida moderna tornaram-se problemáticos para seus habitantes, provocando confusões, insegurança, ansiedades. Uma delas, e a que elegemos como mote para este trabalho, é a questão das identidades. IDENTIDADE COMO TAREFA Toda a virada de ano começa com resoluções para muitas pessoas. Promessas mirabolantes, que talvez nunca venham a ser cumpridas, metas às vezes razoáveis, até realistas, esperanças de que o ano que esta por iniciar seja (sempre) muito melhor do que o que passou. Aban- donamos o velho e adotamos o novo, sempre em busca de algo que nem sabemos ao certo o que é, embora saibamos, com certeza, que o que temos poderá ser melhor. Olhamos para frente sem saber o que vai acontecer e, ao mesmo tempo, vivemos ao máximo o agora. Queremos mudanças, acontecimentos, felicidades, novas experiências, viagens,
  • 55. 55Natalia Takaki; Jaison José Bassani dinheiro, saúde. Estamos sempre em busca de algo, algo que nunca chega, nunca se satisfaz. Acreditamos que a construção de nossas identidades seja um pouco parecida com nossos votos de Ano Novo, pois estamos sem- pre nessa ânsia por movimento, da busca de algo novo, de construir, de ser diferente, melhor, mais feliz, mais adequado. Deixamos no passado o velho, para em seguida ir em busca do novo: queremos novas sensações, novas emoções. Nossas identidades estão sempre se renovando na liquidez da modernidade, aliás, é isso que fazemos para que não sejamos excluídos ou deixados de lado como o velho ano que passou. Somos impulsionados pela necessidade de conti- nuar pensando no amanhã, para não sermos atropelados pelo tempo, pelos outros, pela solidão. As mudanças decorrentes da passagem da modernidade sólida para a líquida trouxeram novos afazeres para os indivíduos. A metá- fora do líquido é bastante adequada quando pensamos também nas identidades. Devido ao declínio das influências exercidas pelas ins- tituições estatais, os indivíduos acabaram ficando sem um modelo que os moldava e que determinava como, e de que forma deveriam seguir suas vidas. A identidade foi uma maneira encontrada para suprir esse vazio: Pensa-se na identidade sempre que não há certeza sobre o lugar de pertencimento, quando não há certeza sobre como se colocar dentre a evidente variedade de estilos e padrões de comportamento, e sobre como se assegurar de que as pessoas aceitem essa posição como correta e adequada de modo que ambos os lados saibam como agir em presença do outro. “Identidade” é um nome dado à buscada fuga dessa incerteza. Assim “identidade”, apesar de ser claramente um substantivo, comporta-se como verbo, ainda que um verbo estranho: ele só aparece conjugado no futuro. (BAUMAN, 2011, p. 114; grifos do autor).
  • 56. 56 CORPO E IDENTIDADE De fato, as identidades não são algo a priori, mas sim uma invenção da modernidade, uma convenção social, um projeto a ser construído e, portanto, repleto de escolhas a serem tomadas. A partir do final do século XX, e conforme o projeto moderno ganha novas feições e se materializa em nossas sociedades, a fragilidade, bem como a condi- ção passageira das identidades, tem se mostrado cada vez mais óbvia. Porém, a identidade nem sempre foi um problema premente: somente a partir do momento em que o pódio no qual estava assentada entrou em crise é que os holofotes se voltaram para ela: Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedadesmodernasnofinaldoséculoXX.Issoestáfragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade”para o indivíduo. (HALL, 2005, p. 9). Nessa passagem, Hall nos dá elementos importantes a serem conside- rados sobre a modernidade e também sobre as identidades. Gostaríamos de chamar atenção para o surgimento das identidades nacionais que, assim comooconceitodeEstado-nação,étambémumprodutodamodernidade. Bauman (2005, p. 23) remete-se a Polônia, sua terra natal, para rela- tar um fato que exemplifica bem a questão. Um censo estava sendo realizado naquele país com o intuito de “coletar informações sobre a auto-identificação de todos os indivíduos do Estado polonês”. Ao che- gar aos pequenos vilarejos, aos moradores do campo, os entrevistado- res não conseguiram extrair dos indivíduos uma definição de nação,