Este documento trata de dois recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Município de Natal contra uma sentença judicial. Em suma:
1) O MPF defende a possibilidade de execução imediata da sentença após reexame, enquanto o Município de Natal alega que isso causaria prejuízo irreparável.
2) O MPF também alega que o valor total da condenação é líquido, ao contrário do que decidiu a sentença.
3) Pede-se o provimento par
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Exm°. Sr. Desembargador Federal Relator e demais Desembargadores da Primeira
Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
PARECER Nº 651/2008
Ref.: Processo n°2008.05.00.002220-3 (AC 435644-RN)
Apelantes: Ministério Público Federal e Município de Natal
Apelados: os mesmos.
Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti – Primeira Turma
EMENTA: RECURSOS DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. EFETIVA OCORRÊNCIA DE DESVIO DE VERBAS
DO SUS TRANSFERIDOS PELA UNIÃO AO MUNICÍPIO DE
NATAL-RN. POSSIBILIDADE DE IMEDIATA EXECUÇÃO DA
SENTENÇA DE ORIGEM, APÓS O SEU REEXAME
NECESSÁRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DA LEI N°
7.347/85. DESNECESSIDADE, ADEMAIS, DE REALIZAÇÃO
DE QUALQUER PROCEDIMENTO JUDICIAL DE
LIQUIDAÇÃO, PARA A APURAÇÃO DO TOTAL DO VALOR
DA CONDENAÇÃO, UMA VEZ QUE ESTE JÁ FOI
CLARAMENTE IDENTIFICADO NA PERÍCIA JUDICIAL
DETERMINADA PELO JUÍZO DE ORIGEM.
PARECER PELO PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO
MPF E PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO DO
MUNICÍPIO DE NATAL.
Cuida-se de dois recursos de apelação interpostos pelo Ministério
Público Federal (fls. 3452-3472 – 10º Volume) e pelo Município de Natal (fls.
3490 – 3501 – 10º Volume) contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da
Seccional do Estado do Rio Grande do Norte (fls. 3426 – 3449), que julgou
parcialmente procedentes os pedidos veiculados na exordial da ação civil
pública em epígrafe, nos termos da seguinte parte dispositiva:
“POSTO ISSO, rejeito as preliminares, julgo improcedente o
pedido formulado em face da UNIÃO FEDERAL e julgo
parcialmente procedente o pedido para condenar o MUNICÍPIO
DE NATAL a destinar - no seu orçamento público - o montante
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de R$ 3.783.723,54 (três milhões, setecentos e oitenta e
três mil setecentos e vinte e três reais e cinqüenta e quatro
centavos), atualizado até abril de 2000, acrescido da quantia
apurada em liquidação de sentença, para a saúde pública,
"além do limite imposto constitucionalmente". Sobre essa
quantia incidirão atualização monetária, nos termos do Manual
de Cálculo da Justiça Federal, e juros de mora de 0,5% (meio
por cento), a contar da citação. A obrigação de fazer deve ser
cumprida após o trânsito em julgado, devendo ser incluído o
valor no orçamento seguinte à coisa julgada.
Havendo sucumbência recíproca, em partes equivalentes,
compensam-se os honorários advocatícios. Isento o Ministério
Público Federal de custas e despesas processuais (Lei 7.347/87,
art. 18 - RESP n. 198827/SP, rel. Min. José Delgado, 1ª Turma,
DJ de 26.04.99). Condeno o Município de Natal ao pagamento
de metade das custas e despesas processuais.
Sentença sujeita a reexame necessário (CPC, art. 475).”
Para um mais detalhado conhecimento dos fatos concernentes à lide
em referência, remeto os senhores julgadores à leitura do exaustivo relatório
da decisão recorrida.
Em seu recurso, o Ministério Público Federal defende, como primeira
tese, a possibilidade de a sentença recorrida, no concernente à obrigação de
fazer imposta ao Município recorrido, ser imediatamente executada, após a
realização do seu reexame obrigatório por essa egrégia Corte. Para tanto,
apresenta os seguintes argumentos:
a) A regra, em ações civis públicas, ser a imediata produção de
efeitos das sentenças de procedência;
b) não ter o magistrado de origem devidamente explicitado,
segundo manda o art. 14 da Lei n° 7.347/85, as razões
cautelares pelas quais condicionou a imediata produção dos
efeitos da decisão ao seu trânsito em julgado;
c) inexistir qualquer possibilidade de a imediata execução do
comando judicial vir a causar danos irreparáveis ou de
difícil reparação ao Município réu;
d) ser jurídico e faticamente possível a pronta execução da
obrigação imposta no julgado recorrido, através de
providências como, por exemplo, o remanejamento de
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recursos componentes da Reserva de Contingência referida
no art. 5°, III, da Lei Complementar n° 101/2000;
e) A verossimilhança das alegações recursais, reforçada pelas
inúmeras evidências de desvio de verbas do SUS pelo
Município de Natal;
f) inexistir qualquer oposição doutrinária ou jurisprudencial à
execução provisória de obrigações de fazer impostas à
Fazenda Pública, em sentido contrário ao que ocorre com as
obrigações de pagar.
Como segunda tese, o MPF defende, ainda, em sentido adverso ao
entendimento consignado na sentença contestada, a liquidez do valor total da
condenação (R$ 14.265.188,54), não existindo, por isso, motivo algum para um
prévio procedimento de liquidação.
Por fim, postula ainda o parquet que seja declarado como
reconhecimento jurídico do pedido o fato da União haver aquiescido com a sua
obrigação em exercer a fiscalização do convênio celebrado com o Município de
Natal, bem ainda que sejam reconhecidos como destituídos de objeto, e não
como improcedentes, os pedidos que se revelaram prejudicados em razão de
subsequentes fatos ou atos de natureza administrativa.
Contra-razões do Município de Natal às fls. 3480-3487, nas quais este
ente político refuta todas as teses defendidas nas razões recursais do
Ministério Público.
Em suas razões recursais, o referido Município defende, inicialmente, a
inexistência de qualquer irregularidade na gestão dos recursos do SUS a ele
repassados pela União. Para reforçar sua defesa, invoca as conclusões às quais
teria chegado o Tribunal de Contas da União, a respeito das supostas
irregularidades.
Aduz, também, que o imediato remanejamento da valor de R$
3.783.723,54 do orçamento municipal seria hábil a gerar prejuízo irreparável
ao Município.
Por último, refuta a possibilidade de execução total do valor da
condenação (como pretendido pelo Ministério Público), tendo em vista a
manifesta ausência de liquidez de parte desse valor, como bem teria afirmado
o Juízo de origem.
Contra-razões do MPF às fls. 3504-3509.
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É o importante a relatar.
Passo a opinar:
1- Sobre a observância aos requisitos de admissibilidade do recurso em
exame:
1.1 Recurso do MPF:
O recurso ministerial é tempestivo, porque foi protocolizado em
30/8/2007 (quinta-feira), dentro, portanto, do prazo legal de trinta dias
(prazo em dobro para recorrer), cuja contagem se iniciou em 2/8/2007 (uma
quinta-feira), data útil imediatamente seguinte àquela em que foi intimado o
recorrente acerca do teor da decisão recorrida (cf. carimbo de fl. 3451 v.).
Também vislumbro o interesse recursal, tendo em vista constituir o
recurso de apelação a única via processual hábil a reverter a situação de
sucumbência provocada pela decisão de origem ao órgão recorrente.
Deve, por isso, ser conhecido o Recurso do MPF.
1.2 – Recurso do Município de Natal:
O recurso do Município também é tempestivo, eis que protocolizado em
22/11/2007, dentro, portanto, do prazo de trinta dias (prazo em dobro para
recorrer), cuja contagem se iniciou em 24/10/2007, data útil imediatamente
seguinte àquela da ocorrência de sua intimação pessoal, conforme faz prova a
certidão de fl. 3479 v.
O interesse recursal também é evidente, haja vista constituir a
apelação a única via recursal apta a reverter a situação de sucumbência
gerada pela decisão recorrida à parte recorrente.
Deve, por isso, ser conhecido o recurso do Município de Natal.
2 – Mérito:
2.1 – Razões de mérito do Ministério Público Federal:
Quanto à defendida possibilidade de imediata execução do comando
registrado na sentença recorrida, após o seu reexame necessário por esse
Tribunal Regional, nos termos do art. 475, I, do CPC, razão assiste ao
recorrente, pelos seguintes motivos:
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Primeiro, porque, consoante bem alegado nas razões recursais, a regra,
nas ações civis públicas, é a de que as decisões nelas proferidas, liminares e
de mérito, sejam imediatamente executadas. Nesse sentido é a conclusão,
contrario sensu, extraída da leitura da redação do art. 14 da Lei n° 7.347/85:
Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos,
para evitar dano irreparável à parte.
Logo, como o Juízo de origem deixou de expor qualquer justificativa de
natureza cautelar para a aplicação do transcrito dispositivo legal, forçoso é
afirmar ser indevido o condicionamento da produção de efeitos da sentença
recorrida ao seu trânsito em julgado.
O único óbice existente, pois, à imediata geração de efeitos pela
sentença recorrida é, como mesmo reconheceu o MPF, o seu reexame
necessário, a ser realizado por esse Tribunal. Se mantida for a decisão, poderá
o seu comando ser, portanto, de logo executado.
Também não vislumbro, por outro lado, qualquer perigo de a imediata
execução da decisão recorrida produzir dano irreparável ou de difícil
reparação ao Município recorrido.
Em síntese, o referido risco de dano é defendido, nas contra-razões do
Município recorrido (v. fl. 3483), com base em um suposto prejuízo que a
imediata execução da obrigação de fazer, registrada na sentença recorrida,
poderia ocasionar à regular execução do orçamento anual municipal,
alicerçado em um rigoroso equilíbrio entre as despesas e as receitas previstas.
Ora, esse risco, de fato, poderia até existir, se não fosse a obrigação
imposta aos entes políticos, pelo art. 5°, III, da Lei Complementar n°
101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), de preverem, em suas leis
orçamentárias anuais, uma reserva de contingência, para fazer frente a
despesas imprevistas, senão vejamos a redação desse dispositivo legal:
Art. 5° O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de
forma compatível com o plano plurianual, com a lei de
diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei
Complementar:
(...)
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III – conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e
montante, definido com base na receita corrente líquida, serão
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:
(...)
b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e
eventos fiscais imprevistos.
Em comentário a esse dispositivo, Carlos Valder do Nascimento
escreveu:
“As reservas de contingência têm por escopo atender
perdas que, conquanto sejam previsíveis, são episódicas,
contingentes ou eventuais. Por justo motivo é que deve ser
prevista em lei sua constituição, com vistas a enfrentar
prováveis perdas decorrentes de situações emergenciais.” 1
Nada mais razoável, portanto, do que enquadrar a obrigação de fazer
consignada na sentença recorrida (de remanejar verbas orçamentárias para o
custeio de atividades de saúde pública) no conceito de despesas imprevistas,
passíveis, por isso, de serem custeadas com recursos contidos da comentada
reserva de contingência.
Um outro ponto a reforçar a necessidade de imediata execução da
sentença recorrida, em caso de manutenção de seus termos, é a extrema
verossimilhança das alegações veiculadas na ação civil pública, tendo em vista
a existência, nestes autos, de inúmeras provas (perícias judiciais, auditorias
realizadas pelo Ministério da Saúde, decisões de CPI´S, etc.) do efetivo desvio,
de maneira irregular, pelo Município de Natal, de verbas do SUS a ele
transferidas mediante convênio celebrado com a União, com prejuízos
significativos aos beneficiários das ações de saúde em tela, no caso os
moradores daquela capital.
Por último, impende registrar a fática inexistência de qualquer óbice
doutrinário ou jurisprudencial à imediata execução de obrigações de fazer
impostas à Fazenda Pública, ao contrário do que se passa com as obrigações
de pagar. Nesse sentido, é a doutrina do Professor Leonardo José Carneiro da
Cunha, oportunamente mencionada nas razões recursais em exame (fl. 3.465).
1
Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal / Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento,
organizadores. São Paulo: Saraiva, 2001. Página 48.
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Quanto à alegação de ser desnecessária a realização de procedimento
de liquidação, tendo em vista já ser conhecida a exata quantia de recursos do
SUS irregularmente repassados para a conta única do Município, passo a
demonstrar, abaixo, as razões pelas quais também a entendo procedente, com
base em uma cuidadosa análise do laudo pericial de fls. 1705-1734 (Volume
VI), que serviu de fundamento para a decisão recorrida.
É informada, na oitava página desse laudo, a existência de duas fontes
de despesas municipais: a fonte 126, referente aos recursos destinados ao
custeio dos serviços de saúde prestados pelo Município, e a fonte 183,
referente aos valores do Sistema Único de Saúde repassados pela União ao
Município. A fonte 126 é remunerada pela fonte 183, isto é, os serviços
públicos de saúde prestados pelo Município, segundo o analisado estudo,
deveriam ser custeados pelos recursos do SUS a ele transferidos pela União.
Como decorrência lógica desse fato, informou-se que os valores do SUS
que remuneram a fonte 126 não poderiam ultrapassar aquilo que foi produzido
pela rede municipal de saúde pública. É dizer: os recursos do SUS deveriam
corresponder, exatamente, ao preço total de todos os serviços de saúde
prestados pela rede municipal. O que fosse apurado a maior deveria ser
entendido como fonte 183, ou seja, recursos pertencentes ao SUS, impossíveis,
pois, de ter outra destinação, nos termos da clara regra do art. 36, § 2°, da
Lei n° 8.080/90, verbis:
Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema
Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o
federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se
as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de
recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do
Distrito Federal e da União.
§ 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e
programações de cada nível de direção do Sistema Único de
Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva
proposta orçamentária.
§ 2º É vedada a transferência de recursos para o
financiamento de ações não previstas nos planos de saúde,
exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública,
na área de saúde.
Pois bem. O que ocorreu, no caso, segundo se observa na página 9 do
laudo, foi uma grande disparidade entre a remuneração da fonte 126 (R$
14.504.157,33 - referente aos recursos do SUS destinados a custear os serviços
de saúde efetivamente prestados) e a efetiva produção da rede municipal de
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saúde pública, no período analisado (R$ 4.022.692,33 - referente ao que foi,
de fato, prestado a título de serviço público de saúde), ou seja, uma diferença
no valor de R$ 10.481.465,00, verba esta que foi, portanto, identificada como
pertencente à fonte 183, ou seja, recursos do SUS que não poderiam ser
empregados em outra finalidade, mas o foram, conforme afirmado,
claramente, na letra f da questão n° 5 do laudo:
“f) assim, com os recursos da fonte 183 transformados em
fonte 126, se pagou a maior parte das despesas com a
manutenção da SMS, aluguel, vigilância, aquisição de
equipamentos e material permanente, reforma física de
prédios, taxa de administração à Superintendência de Obras
e outras, todas contrariando às normas do SUS.”
A conclusão desse trabalho de perícia foi, então, a seguinte (fl. 1734):
1 – Houve desvio de finalidade na utilização dos recursos do SUS
pela Secretaria Municipal de Saúde.
2 - A Secretaria Municipal de Finanças utilizava os recursos do
SUS indevidamente quando da permanência dos mesmos na
conta única do Município. Tal utilização não se pode
quantificar pelo fato de a SEMFI, desta feita, não ter
disponibilizado os documentos hábeis para tal.
3 - Os achados que podemos identificar são os seguinte:
a) Pagamento de juros à Caixa Econômica Federal por saldo
negativo, durante os exercícios de 1995 e 1996 no valor
de------------------- R$ 758,06
b) Pagamento de vigilância na Sede Central da SMS com
recursos do convênio Saúde de Família em janeiro de 1995 no
valor de -----R$ 2.750,40;
c) Gratificação paga com recursos do SUS ao pessoal da sede
central não lotado na rede básica no valor de ------------ R$
43.778,72
d) Ausência de valor para fazer face à contrapartida de
recursos do município na execução do convênio SUS no valor
de--- R$ 3.736.436,36
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e) Recursos do SUS aplicados na fonte 126------------- R$
10.481.465,00
TOTAL------------------------------------------------------- R$
14.265.188,54
Vê-se, portanto, que o referido trabalho pericial concluiu, claramente,
não apenas pela irregular aplicação de recursos do SUS nas atividades descritas
nas letras a, b, c e d (que perfez o total de R$ 3.783.723,54 – valor entendido
como líquido, na decisão recorrida), como, igualmente, pela efetiva aplicação
de R$ 10.481.465,00 de recursos do SUS na fonte 126, ou seja, como despesas
outras não afeitas ao âmbito de abrangência da rede do Sistema Único de
Saúde.
Não há, pois, que se falar em valores a serem apurados em futuro
procedimento judicial de liquidação, uma vez que já se tem a exata noção do
quantidade de recursos do SUS irregularmente transferidas para a conta única
do Município de Natal: R$ 14.265.188,54 (quatorze milhões, duzentos e
sessenta e cinco mil, cento e oitenta e oito reais e cinqüenta e quatro
centavos). A única incerteza manifestada nas transcritas conclusões (v.
respectivo item 2) foi quanto à utilização da parcela concernente aos R$
10.481.465,00, quando já desviados para a conta única municipal, uma vez
que ausentes documentos hábeis à prestação dessa informação.
Provido, pois, ante esses argumentos, há de ser o recurso do Ministério
Público Federal no que concerne aos pleitos deduzidos no item 66, “a” e “b”,
de fls. 3.471/3.472.
Por fim, ainda quanto à irresignação ministerial, entendo que não
merecem acolhimento os pedidos formulados no item 66, “c” e “d”, de fl.
3.472.
De se ver, primeiramente, que o pleito para que sejam reconhecidos
como destituídos de objeto, e não como improcedentes, os pedidos que se
revelaram prejudicados em razão de subsequentes fatos ou atos de natureza
administrativa está a revelar, por si só, a inexistência de interesse recursal, já
que a reforma da decisão na forma pretendida – de julgamento de
improcedência para extinção de tais pleitos, sem resolução de mérito – não
traria qualquer utilidade ao Ministério Público Federal ou mesmo às pretensões
por ele deduzidas em juízo.
Já no que concerne à declaração como reconhecimento jurídico do
pedido o fato da União haver aquiescido com a sua obrigação em exercer a
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fiscalização do convênio celebrado com o Município de Natal, observo que,
diante do que restou reconhecido na sentença combatida, e que concordo, não
foi produzida prova suficiente nos autos no sentido de evidenciar a desídia da
União no cumprimento de seu mister, nos termos dos excertos consignados à
fl. 3.437.
2.2 – Razões de mérito do Município de Natal:
De início, cabe, aqui, registrar que o Município de Natal, em momento
algum de suas razões recursais, infirma a conclusão da perícia judicial, acima
comentada, no sentido de que recursos do Sistema Único de Saúde a ele
transferidos pela União teriam sido utilizados em finalidades como o custeio
de serviços de vigilância da sede da Secretaria Municipal de Saúde, pagamento
de gratificações a pessoal não integrante da rede do SUS municipalizado,
pagamento de aluguel da sede da SMS e outras, que foram defendidas, pelo
Ministério Público Federal, como não autorizados pela lei regulamentadora do
emprego dos recursos do SUS.
O que defende, na realidade, é a inexistência de qualquer
irregularidade da utilização desses recursos para tais finalidades, tese esta,
segundo informou, corroborada pela auditoria realizada pelo Tribunal de
Contas da União.
Sem razão o Município, senão vejamos:
O art. 36 da Lei n° 8.088, de 19 de setembro de 1990, já acima
transcrito, é bastante claro ao dispor ser vedada a transferência de recursos
do Sistema Único de Saúde para financiamento de ações não previstas nos
planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública,
na área de saúde.
O art. 6° dessa mesma lei, por sua vez, informa quais ações estão
incluídas no campo de atuação do SUS, verbis:
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema
Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de
ações de saneamento básico;
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III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de
saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a
participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e
substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas
para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção,
transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos
psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento
científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus
derivados.
Não se vê, portanto, nesse rol, qualquer referência a serviços de
vigilância de sede de Secretaria Municipal de Saúde, a pagamento de
gratificação a funcionários ou aluguel de prédio como ações afeitas ao SUS.
Como, então, negar a ocorrência de desvio de finalidade, no caso?
Por outro lado, em sentido contrário ao que, por diversas vezes, alega o
recorrente, o Tribunal de Contas da União, através da Secretaria de Controle
Externo no Estado do Rio Grande do Norte, em momento algum afastou as
apontadas irregularidades na aplicação das verbas do SUS transferidas pela
União ao Município recorrente, consoante se observa da leitura da conclusão
de fls. 3.103-3.105 destes autos (Volume IX). Tão-somente considerou, ali,
algumas irregularidades sanáveis, bem como concluiu ser possível a concessão
da gestão plena do SUS ao Município, desde que observadas algumas
recomendações.
E ainda que a referida Corte de Contas chancelasse as contestadas
transferências de recursos para a conta única municipal, óbice algum existiria
para que o Poder Judiciário concluísse em sentido diverso, tendo em vista a
inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, da coisa julgada
administrativa.
O fato, senhores julgadores, é que há, nestes autos, elementos mais do
que suficientes a confirmar o efetivo desvio de verbas do SUS da conta
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especial, prevista no art. 33 da Lei n° 8.080/90, para a conta única do
Município de Natal, devendo este, portanto, consoante bem decidido pelo
Juízo de origem, reverter todo o valor apurado na perícia judicial às ações de
saúde indicadas no art. 6° dessa mesma lei.
Conclusão:
Ante os argumentos acima desenvolvidos, opina a Procuradoria Regional
da República:
1) Pelo provimento parcial do recurso de apelação do Ministério Público
Federal, com o conseguinte reconhecimento da possibilidade de
imediata execução da sentença recorrida, após o seu reexame
necessário por esse Tribunal, bem como da desnecessidade de
realização de procedimento judicial de liquidação do valor total da
condenação, tendo em vista o já conhecimento do total de recursos
do SUS que foram desviados pelo Município de Natal;
2) Pelo improvimento do recurso de apelação do Município de Natal,
uma vez que devidamente comprovadas, nestes autos, as acusadas
irregularidades na malversação de verbas do SUS.
Recife, 24 de março de 2008.
Fábio George Cruz da Nóbrega
Procurador Regional da República
Parecer nº 651/2008
FGCN/ACAV
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