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Por que “crítica”?
●
Jan Slaby e Suparna Choudhury, em um texto que é uma
espécie de “manifesto” da área, colocam dois sentidos
entrema
– Kant (1794), O Conflito das Faculdades: defesa de um espaço de
investigação irrestrito sobre as contínuas pressões exercidas sobre
o conhecimento científico pelos caprichos do esfera política
– Escola de Frankfurt: Entendimento de que a investigação científica
da realidade humana tende a mobilizar valores específicos, e muitas
vezes funciona a serviço de interesses que naturalizam fenômenos
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As consequências de uma “neurocultura”
●
Vidal e Ortega (2019) – “virada neural”
– “embora esses rótulos algumas vezes se refiram a desdobramentos
acadêmicos das próprias ciências humanas (como, por exemplo, o
surgimento de neuroantropologia, neuroeducação, neurodireito,
neuroteologia e outras), eles se aplicam a um fenômeno mais abrangente.
[…] Além da pesquisa e tratamento, a informação cerebral e
neurocientífica é o cerne de um vasto universo que varia de grosseiras
empreitadas comerciais a grandiosas especulações metafísicas. Nesse
universo, a multiplicação descontrolada e o frequentemente cômico
exagero no emprego do prefixo neuro são pequenos sinais que confirmam
a existência de um fenômeno de larga escala”.
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As consequências de uma “neurocultura”
●
Vidal e Ortega (2019) – Essa análise é política “no sentido geral de que lida, seletiva, mas
consistentemente, com processos que afetam as vidas das pessoas, a formação de
subjetividades e a distribuição de poder no interior das sociedades”.
●
Padrões de narrativa sobre a base neural do comportamento arriscado dos adolescentes,
diferenças sexuais binárias, compreensão molecularizada do sofrimento psíquico, ou
tendências comportamentais e emocionais universalmente presentes em humanos.
●
Butler (2015): “quadros” – as maneiras poderosas mas não-percebidas pelas quais a
percepção, o conhecimento, e o juízo normativo são pré-organizados de maneira que é mais
provável que algumas conceitualizações e avaliações sejam feitas, enquanto outras são
descartadas a priori
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Uma agregação possível
●
Latour (2012): A prática da crítica inicia com um
processo de re-agregação, a coleção de
materiais provenientes de fontes e perspectivas
múltiplas para enriquecer a conceitualização
de um fenômeno e entender suas relações com
outros fenômenos
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●
Vigotski (1930, Sobre os sistemas psicológicos): Damo-nos cada vez
mais conta da manifesta diversidade e do caráter inconcluso das
funções cerebrais. É muito mais correto admitir que o cérebro encerra
enormes possibilidades para o aparecimento de novos sistemas. Essa é
a principal premissa.
●
Luria (1966, Vygotski et l'étude des fonctions psychiques supérieures):
Não se pode esperar encontrar a fonte da ação livre nos reinos etéreos
da mente ou nas profundezas do cérebro. A abordagem idealista dos
fenomenologistas é tão infrutífera quanto a abordagem positivista dos
naturalistas. Para descobrir as fontes da ação livre é necessário ir além
dos limites do organismo - não à esfera íntima da mente, mas às formas
objetivas da vida social. É necessário procurar as fontes da consciência
e da liberdade humana na história social da humanidade. Para encontrar
a alma, é necessário perdê-la.
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Um exemplo: a drogadição
●
Cada vez mais entendida como
doença do cérebro
●
Substâncias aditivas causariam a
disfunção da regulação frontal do
sistema límbico, “sequestrando o
sistema de recompensa” do encéfalo
●
Kushner (2010): A história mostra
como os conceitos de drogadição são
dependentes do contexto político,
histórico, e cultural
●
Campbell (2010): O fenômeno do uso de
substâncias é polissêmico e ligado
fortemente aos ambientes culturais e
sociais, mercados, e gatilhos culturais
●
Garner e Hardcastle (2004): O uso de
substâncias depende de hábitos que são
desenvolvidos e sustentados
coletivamente
●
Re-agregar o uso de substâncias implica
em re-inscrever e integrar esses fatores
causais múltiplos
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●
Encarnada (“embodied”): envolvendo mais do
que só o encéfalo e incluindo um envolvimento
mais geral das outras estruturas e processos
corporais;
●
Integrada (“embedded”), funcionando somente
em relação a um ambiente externo;
●
Enativa (“enacted”), envolvendo não somente
os processos neurais, mas tudo aquilo que o
organismo faz;
●
Estendida (“Extended”) para o ambiente do
organismo (p ex, pelo uso de ferramentas).
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Um exemplo de efeitos bioculturais: O gene
do transportador de serotonina
●
O transportador de serotonina (codificado pelo gene
SLC6A4) é responsável por retirar a 5-HT da fenda
sináptica
●
Principal alvo dos ISRS
●
Alelo S da variante na região promotora está associada a
menor expressão gênica e menor captação de 5-HT in vitro
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Efeitos epigenéticos sobre SLC6A4
●
Duman & Canli (2015): em comparação com os indivíduos s/s e s/l, os indivíduos l/l
que passaram por maior adversidade precoce e estresse crônico apresentaram
maior aumento da expressão do transportador de serotonina em sangue periférico
após o Teste de Estresse Social de Triers, assim como maior metilação do SLC6A4
●
Alasaari et al. (2012): Menor metilação da mesma região do gene SLC6A4 foi
observada em uma coorte de enfermeiras vinda do ambiente de alto estresse
laboral; níveis mais altos de metilação associados com maiores níveis de
esgotamento (burnout) nessas coortes
●
Zhao et al. (2013): Níveis de metilação dessa região associados com incidência de
TDM
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Impactos epigenéticos no gene SLC6A4 podem
representar um mecanismo biocultural pelo qual
estressores psicossociais importantes e que
representam susceptibilidade diferencial para
transtornos mentais podem produzir efeitos
neurobiológicos e comportamentais desadaptativos
Capturar os mecanismos bioculturais e
psicossociais relevantes implica em utilizar
estratégias metodológicas além do reducionismo
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Entender o SNC como situado em um emaranhado
de relações nos força a repensar a primazia dada aos
níveis mais baixos de explicação e “nos desafia a
desestabilizar a dicotomia natureza/cultura e, em vez
disso, abordar a interação fundamental da mente, do
corpo e da sociedade” (Slaby & Choudhury, 2012)
Abertura para a colaboração crítica com as ciências
sociais: o discurso da “interação” precisa ser
qualificado!