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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             27
              (Corresponde ao segundo tópico do Capítulo 4,
           intitulado Anisotropias no espaço-tempo dos fluxos)




                Perturbações no campo social

A nuvem que envolve-e-se-move-com uma pessoa conectada tem a
capacidade de “sentir” perturbações no campo social

Walter Robinson (2008), também conhecido por Ritoku – um zen-budista
que dá aulas de filosofia na Universidade de Indiana – escrevendo “Morte e
Renascimento de uma Mente Vulcana” (10), observa que “Vulcanos têm
“sete sentidos”, que incluem os cinco sentidos conhecidos pelos humanos e
um sexto sentido animal, que é “a habilidade de sentir a presença de
distúrbio em campos magnéticos” (11).
A metáfora, se não cai como uma luva, serve aos propósitos da presente
digressão. Por certo, admitir a hipótese e trabalhar com o modelo de
perturbações no campo social pode ser mais fácil do que sentir essas
perturbações. Não é preciso ir muito longe para saber se um campo social
foi deformado: basta entrar em uma organização hierárquica; por exemplo,
basta visitar uma instituição estatal ou uma grande empresa para constatar
com que intensidade o “campo gravitacional” em torno dos chefes modifica
a estrutura do espaço (no caso, do espaço-tempo dos fluxos). Os fluxos se
abismam nesses buracos negros. Eles são sumidouros, engolidouros,
alçapões de fluxos.

Tão forte às vezes é a gravitatem dos hierarcas que a deformação do campo
social sob sua influência alcança até mesmo os stakeholders externos da
organização, transbordando para seu entorno. É por isso que uma grande
empresa ou corporação, em uma pequena localidade na qual não existam
outras organizações de mesmo porte, em vez de – como se acreditava –
impulsionar seu desenvolvimento, faz o contrário: extermina o capital social
local (quer dizer, centraliza a rede social). Existem exemplos à farta.

Nas organizações altamente centralizadas, as pessoas perdem a capacidade
de ser elas mesmas (à medida que cresce sua porção-borg diminui a sua
dimensão de pessoa, quer dizer, sua porção ghola-social). Vestem sempre
uma espécie de farda; mesmo nas organizações civis que não usam
uniformes elas se uniformizam interiormente. E até exteriormente: não raro
preferem roupas que escondem o corpo e os tons de cinza para o vestuário.
No exercício continuado da servidão voluntária, autolimitam suas
potencialidades escondendo-se na penumbra das rotinas e optando por não
se aventurar na claridade do ato inédito. Fazem tudo – sobretudo o que
delas não é explicitamente exigido, eis o ponto! – para se submeter ao
sistema e aos seus chefes.

E há uma reverência indevida, uma espécie de sujeição, quase uma
genuflexão psicológica quando alguém se dirige a algumas dessas
encarnações de Dario (aquele monstro Darayavahush, um rei-borg que,
após perpetrar um golpe de Estado, dominou os persas entre 521 e 486 a.
E. C. exigindo-lhes prosternação física à sua passagem).

Ésquilo (427 a. E. C.), em Os Persas – talvez a primeira obra escrita em que
se menciona a democracia dos atenienses como realidade oposta a
daqueles povos que têm um senhor – descreve bem a deformação do
campo social sob o domínio da sombra de Dario (12). O regime monstruoso
não tinha, ao contrário do que se propagou, grandes vantagens militares.
Os persas foram rechaçados pelos irreverentes, insolentes e mais livres



                                     2
atenienses e seus aliados na planície de Maratona (em 490). Sim, mas o
que é realmente monstruoso é que tal programa (que poderia ser chamado,
em homenagem a Ésquilo, de A Sombra de Dario) – instalado quase três
milênios antes de Dario – continue a rodar... quase três milênios depois!

Todavia, essas deformações já começam a ser sentidas. Um sexto sentido
humano-social está surgindo nos Highly Connected Worlds. Não é
propriamente um sentido individual. A nuvem que envolve-e-se-move-com
uma pessoa conectada tem a capacidade de “sentir” perturbações no campo
social. Uma rede altamente distribuída rechaçará de pronto, mesmo que
seus membros não tenham consciência disso, quaisquer tentativas de
comando-e-controle. Eis porque burocratas sacerdotais do conhecimento ou
ensinadores, codificadores de doutrinas, aprisionadores de corpos,
construtores de pirâmides, fabricantes de guerras e condutores de rebanhos
não se dão muito bem em redes sociais distribuídas e, nem mesmo, nas
mídias sociais, quer dizer, nas plataformas interativas que são utilizadas
como ferramentas de netweaving dessas redes. Porque são, todos,
netavoids.

Esta é uma das razões – até agora muito pouco compreendida – pelas quais
o comando-e-controle, além de não poder se exercer, também não se faz
necessário em uma rede distribuída (na medida, é claro, do seu grau de
distribuição). Dizer que o emaranhado “sente” quer dizer que ele detecta
distorções. Mais do que isso: primeiro ele encapsula e depois acaba
metabolizando as fontes de perturbações que causam anisotropias no
espaço-tempo dos fluxos. E são esses incríveis seres sociais que chamamos
de pessoas que sentem isso: ainda quando não saibam explicar os motivos
dessa sensação, elas (as pessoas) percebem que “alguma coisa está
errada” quando aparece um daqueles netavoids, ou um arrivista (ou mesmo
um troll, nas mídias sociais).

É a rede-mãe se defendendo. Mas ela nem sempre consegue fazer isso.




                                    3
Notas

(10) ROBINSON, Walter (2008). “Morte e renascimento de uma mente vulcana” in
EBERL, Jason & DECKER, Kevin (2008). Star Treck e a filosofia: a ira de Kant. São
Paulo: Madras, 2010.

(11) O sétimo sentido seria “o senso de unicidade com Tudo, isto é, Universo, a
força criativa, ou o que alguns humanos poderiam chamar de Deus. Vulcanos não
vêem, contudo, isso como uma crença, seja religiosa ou filosófica. Eles tratam isso
como um simples fato que insistem não ser mais incomum ou difícil de entender do
que a habilidade de ouvir ou ver” [como escreveu o criador da série Star Trek,
Gene Roddenberry (1979)]. Vulcanos chamam essa filosofia de “Nome”, querendo
dizer “uma combinação de uma diversidade de coisas para fazer com que a
existência valha a pena” (Episódio “Por trás da cortina”: The Original Series)”. Cf.
RODDENBERRY, Gene (1979). The Motion Picture. New York: Pocket Books, 1979.

(12) Em Os Persas, Ésquilo descreve os reveses de Xerxes, filho de Dario. Já morto
na ocasião, Dario vai então aparecer na peça como uma sombra para advertir aos
persas que jamais movam novamente uma guerra aos gregos. Depois de dar adeus
aos anciãos e de recomendar que, mesmo “em meio a desgraças, alegrem-se na
fruição do mundo... a Sombra de Dario esfuma-se no túmulo”.




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  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 27 (Corresponde ao segundo tópico do Capítulo 4, intitulado Anisotropias no espaço-tempo dos fluxos) Perturbações no campo social A nuvem que envolve-e-se-move-com uma pessoa conectada tem a capacidade de “sentir” perturbações no campo social Walter Robinson (2008), também conhecido por Ritoku – um zen-budista que dá aulas de filosofia na Universidade de Indiana – escrevendo “Morte e Renascimento de uma Mente Vulcana” (10), observa que “Vulcanos têm “sete sentidos”, que incluem os cinco sentidos conhecidos pelos humanos e um sexto sentido animal, que é “a habilidade de sentir a presença de distúrbio em campos magnéticos” (11).
  • 2. A metáfora, se não cai como uma luva, serve aos propósitos da presente digressão. Por certo, admitir a hipótese e trabalhar com o modelo de perturbações no campo social pode ser mais fácil do que sentir essas perturbações. Não é preciso ir muito longe para saber se um campo social foi deformado: basta entrar em uma organização hierárquica; por exemplo, basta visitar uma instituição estatal ou uma grande empresa para constatar com que intensidade o “campo gravitacional” em torno dos chefes modifica a estrutura do espaço (no caso, do espaço-tempo dos fluxos). Os fluxos se abismam nesses buracos negros. Eles são sumidouros, engolidouros, alçapões de fluxos. Tão forte às vezes é a gravitatem dos hierarcas que a deformação do campo social sob sua influência alcança até mesmo os stakeholders externos da organização, transbordando para seu entorno. É por isso que uma grande empresa ou corporação, em uma pequena localidade na qual não existam outras organizações de mesmo porte, em vez de – como se acreditava – impulsionar seu desenvolvimento, faz o contrário: extermina o capital social local (quer dizer, centraliza a rede social). Existem exemplos à farta. Nas organizações altamente centralizadas, as pessoas perdem a capacidade de ser elas mesmas (à medida que cresce sua porção-borg diminui a sua dimensão de pessoa, quer dizer, sua porção ghola-social). Vestem sempre uma espécie de farda; mesmo nas organizações civis que não usam uniformes elas se uniformizam interiormente. E até exteriormente: não raro preferem roupas que escondem o corpo e os tons de cinza para o vestuário. No exercício continuado da servidão voluntária, autolimitam suas potencialidades escondendo-se na penumbra das rotinas e optando por não se aventurar na claridade do ato inédito. Fazem tudo – sobretudo o que delas não é explicitamente exigido, eis o ponto! – para se submeter ao sistema e aos seus chefes. E há uma reverência indevida, uma espécie de sujeição, quase uma genuflexão psicológica quando alguém se dirige a algumas dessas encarnações de Dario (aquele monstro Darayavahush, um rei-borg que, após perpetrar um golpe de Estado, dominou os persas entre 521 e 486 a. E. C. exigindo-lhes prosternação física à sua passagem). Ésquilo (427 a. E. C.), em Os Persas – talvez a primeira obra escrita em que se menciona a democracia dos atenienses como realidade oposta a daqueles povos que têm um senhor – descreve bem a deformação do campo social sob o domínio da sombra de Dario (12). O regime monstruoso não tinha, ao contrário do que se propagou, grandes vantagens militares. Os persas foram rechaçados pelos irreverentes, insolentes e mais livres 2
  • 3. atenienses e seus aliados na planície de Maratona (em 490). Sim, mas o que é realmente monstruoso é que tal programa (que poderia ser chamado, em homenagem a Ésquilo, de A Sombra de Dario) – instalado quase três milênios antes de Dario – continue a rodar... quase três milênios depois! Todavia, essas deformações já começam a ser sentidas. Um sexto sentido humano-social está surgindo nos Highly Connected Worlds. Não é propriamente um sentido individual. A nuvem que envolve-e-se-move-com uma pessoa conectada tem a capacidade de “sentir” perturbações no campo social. Uma rede altamente distribuída rechaçará de pronto, mesmo que seus membros não tenham consciência disso, quaisquer tentativas de comando-e-controle. Eis porque burocratas sacerdotais do conhecimento ou ensinadores, codificadores de doutrinas, aprisionadores de corpos, construtores de pirâmides, fabricantes de guerras e condutores de rebanhos não se dão muito bem em redes sociais distribuídas e, nem mesmo, nas mídias sociais, quer dizer, nas plataformas interativas que são utilizadas como ferramentas de netweaving dessas redes. Porque são, todos, netavoids. Esta é uma das razões – até agora muito pouco compreendida – pelas quais o comando-e-controle, além de não poder se exercer, também não se faz necessário em uma rede distribuída (na medida, é claro, do seu grau de distribuição). Dizer que o emaranhado “sente” quer dizer que ele detecta distorções. Mais do que isso: primeiro ele encapsula e depois acaba metabolizando as fontes de perturbações que causam anisotropias no espaço-tempo dos fluxos. E são esses incríveis seres sociais que chamamos de pessoas que sentem isso: ainda quando não saibam explicar os motivos dessa sensação, elas (as pessoas) percebem que “alguma coisa está errada” quando aparece um daqueles netavoids, ou um arrivista (ou mesmo um troll, nas mídias sociais). É a rede-mãe se defendendo. Mas ela nem sempre consegue fazer isso. 3
  • 4. Notas (10) ROBINSON, Walter (2008). “Morte e renascimento de uma mente vulcana” in EBERL, Jason & DECKER, Kevin (2008). Star Treck e a filosofia: a ira de Kant. São Paulo: Madras, 2010. (11) O sétimo sentido seria “o senso de unicidade com Tudo, isto é, Universo, a força criativa, ou o que alguns humanos poderiam chamar de Deus. Vulcanos não vêem, contudo, isso como uma crença, seja religiosa ou filosófica. Eles tratam isso como um simples fato que insistem não ser mais incomum ou difícil de entender do que a habilidade de ouvir ou ver” [como escreveu o criador da série Star Trek, Gene Roddenberry (1979)]. Vulcanos chamam essa filosofia de “Nome”, querendo dizer “uma combinação de uma diversidade de coisas para fazer com que a existência valha a pena” (Episódio “Por trás da cortina”: The Original Series)”. Cf. RODDENBERRY, Gene (1979). The Motion Picture. New York: Pocket Books, 1979. (12) Em Os Persas, Ésquilo descreve os reveses de Xerxes, filho de Dario. Já morto na ocasião, Dario vai então aparecer na peça como uma sombra para advertir aos persas que jamais movam novamente uma guerra aos gregos. Depois de dar adeus aos anciãos e de recomendar que, mesmo “em meio a desgraças, alegrem-se na fruição do mundo... a Sombra de Dario esfuma-se no túmulo”. 4