1) O documento discute o calendário e as festas religiosas do antigo Israel, incluindo a Páscoa e o sábado. 2) As três grandes festas de peregrinação eram a Festa dos Ázimos na primavera, a Festa das Semanas no fim da colheita dos cereais, e a Festa dos Tabernáculos no outono. 3) Outras festas importantes incluíam o Ano Novo, o Dia do Perdão, e a Festa da Dedicação do Templo.
1. Disciplina: Teologia do Antigo Testamento
Prof. Dr. Nelson Kilpp
Terceiro tema:
O culto israelita
1. Festas judaicas
1. 1 O calendário israelita e judaico.
O antigo Israel conhecia um ano lunar de 12 meses (com 29 ou 30 dias) ou 354 dias. A cada dois ou
três anos o ano lunar tinha que ser adaptado ao ano solar, tornando-se necessário incluir um mês
adicional no final do ano. O ano cultual em Israel iniciava na primavera (do hemisfério norte). O
primeiro mês ia, portanto, de meados de março a meados de abril aproximadamente. Cada mês
iniciava com a lua nova; por isso, o início do mês e, em decorrência também o início do ano, não
caía sempre no mesmo dia do ano solar. O primeiro mês do ano cultual era chamado de Abibe
("espigas"), também conhecido pelo nome babilônico Nisã. Além desse ano cultual havia, em
Israel, o ano civil, que iniciava com o sétimo mês, Tishri (meados de setembro a meados de
outubro, início do outono no hemisfério norte; assim ainda é hoje).
Em 13 de setembro de 2007 iniciou o ano judaico 5768; e em 30 de setembro de 2008 iniciará o ano
5769 (contam-se os anos a partir da suposta data da criação do mundo).
1.2. As três grandes festas de peregrinação em Israel
Os mais antigos calendários de festas encontram-se em
Êxodo 23.14-17 (dentro do Código da Aliança)
Êxodo 34.18 e 22s. (dentro do Decálogo Cultual)
Deuteronômio 16. 1-17 (dentro da Lei Deuteronômica, mais recente)
Levíticos 23 e Números 18 são ainda mais recentes, pois já contêm datas exatas das festas
que, em textos mais antigos, ainda eram vagas.
Os textos mais antigos mencionam três festas agrárias, por ocasião das quais se peregrinava ao
santuário. Em ordem cronológica são:
1) a festa dos ázimos, no início da colheita do cereal (cevada), na primavera, no início do ano
cultual;
2) a festa das semanas, no fim da colheita dos cereais (também chamada de sega, ceifa, messe);
contam-se sete semanas (50 dias = “pentecostes”) da festa dos ázimos ou do início da colheita;
3) a festa das tendas ou tabernáculos, no fim da colheita das frutas, no outono, no início do ano
civil.
2. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 2
1.2.1. Os ázimos (matsôt) e a Páscoa (péssah)
As três festas mencionadas acima respeitam o ciclo de produção agrícola. Os calendários de festas
em Ex 23 e 34 ainda não mencionam a Páscoa, que é uma festa pastoril. Somente Dt 16 (um texto
um pouco mais recente) vincula a Páscoa com a festa dos ázimos, provavelmente por ambas caírem
no início da primavera (do hemisfério norte) e no mesmo mês (Abibe).
A festa dos ázimos era um ritual no início da colheita da cevada: o primeiro corte do cereal (Dt
16.9) era consumido sem levedura (cf. Josué 5.11: os grãos eram, no princípio, aparentemente
tostados). O povo se reunia, no início, em diversos santuários locais, para onde podiam deslocar-se
com facilidade, sem pôr em risco a colheita. Mais tarde, por ocasião da centralização do culto sob
Josias (622), os ázimos tornaram-se uma festa de peregrinação ao santuário central (Jerusalém).
O sentido mais antigo dos pães asmos/ázimos talvez tenha sido o tabu de não misturar o produto
novo, recém colhido, com o pão velho (= o levedo) de colheitas anteriores. O velho profana o novo
(não se põe vinho novo em odres velhos!). Ao serem incorporados na tradição do êxodo, os pães
asmos receberam novo significado: na pressa da fuga do Egito, não havia tempo para que a massa
pudesse fermentar.
À festa dos pães ázimos foi vinculada o ritual da Páscoa, como mostra o Deuteronômio. A Páscoa
tornou-se, com o decorrer do tempo, a festa mais importante do judaísmo (já na época do Novo
Testamento). A Páscoa é, na origem, uma festa de pastores de gado de pequeno porte (ovelhas e
cabras); os pastores sacrificavam um animal do seu rebanho quando partiam para lugares
desconhecidos à busca de novos pastos. Era um sacrifício que tencionava proteger os animais e as
pessoas dos males que pudessem encontrar pelo caminho e nos lugares desconhecidos. Essa antiga
festa pastoril foi vinculada com o evento mais importante da história de Israel: o êxodo do Egito, a
libertação da escravidão. Em Ex 12,21-23.29ss, encontramos a tradição mais antiga sobre a Páscoa
(trechos mais recentes estão em Ex 12. 1-20,28 e Ex 12. 24-27). No trecho mais antigo, a Páscoa já
está vinculada com a história da morte dos primogênitos do Egito. Um animal pequeno (ovelha,
cabrito) é sacrificado; sua carne é consumida pelos participantes e seu sangue é espargido nas
ombreiras e na verga das casas, para que o destruidor não faça nenhum mal à família. O termo
Páscoa foi interpretado como passagem ou travessia, lembrando que “o destruidor” passa pelas
casas dos israelitas, poupando-as, assim, da desgraça.
Dt 16,2.5s pressupõe que a Páscoa seja festejada no templo de Jerusalém. Antes da centralização do
culto (622 a.C.) e após a destruição do templo, era uma festa celebrada no âmbito da família e
continua sendo até hoje. A ceia da Páscoa se chama seder. Acredita-se que a última ceia de Jesus
tenha sido a celebração de um seder. Jesus foi crucificado na sexta-feira antes da Páscoa judaica e
ressuscitou no primeiro dia da semana. Os cristãos celebram a Páscoa no dia da ressurreição de
Jesus, pois este acontecimento representa, para os cristãos, como o êxodo do Egito para os judeus, a
passagem da morte para a vida.
No judaísmo, a Páscoa é festejada no 14o dia do mês Nisã e marca o início da semana dos ázimos,
quando durante sete dias só se come pão sem fermento, lembrando a época da saída do Egito. Os
pães são comidos com ervas amargas, lembrando a amargura da escravidão. Em 2008, a Páscoa foi
celebrada de 20 a 27 de abril.
1.2.2. A festa das semanas (shabuôt)
Ao término da colheita dos cereais, o povo levava as primícias (= primeiros frutos) dos produtos da
sementeira do campo (feixes de cereais e pão) ao santuário (Ex 23.16; Lv 23.17). O dia é também
conhecido como dia das primícias (Nm 28.26). É uma festa da colheita como as que existem em
diversas comunidades do interior do RS e SC. A festa ganhou o nome de festa das semanas por
causa da contagem de sete semanas a partir do início da colheita dos cereais (Dt 16.9s.).
3. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 3
Originalmente era um agradecimento a Deus pelos frutos da terra. Devolve-se a Deus parte do que
ele deu.
Junto com essa festa, celebra-se, hoje, no judaísmo, também o recebimento da Torá, a lei de Deus
dada a Moisés no monte Sinai. No cristianismo a festa preservou-se sob o nome de Pentecostes; ela
lembra a vinda do Espírito Santo e o início da Igreja cristã. Em 2008, os judeus celebraram a festa
de shabuôt em 9 e 10 de junho.
1.2.3 A festa dos tabernáculos (tendas; succot)
É a festa da colheita das frutas. No outono, colhiam-se, em Israel, entre outros, figos, tâmaras,
azeitonas e uvas. As primícias do vinho e do azeite (o produto da eira e do lagar; Dt 16.13) são
ofertados. Era costume, durante a colheita, morar em choças de palha, daí a tradição de construir
tendas por ocasião da festa. As tendas também querem lembrar a estada do povo no deserto após
o êxodo do Egito (Lv 23.42s). A festa é celebrada no sétimo mês, Tishri, durante sete dias (do 15o
ao 21o dia do mês). É a festa mais alegre do povo de Israel; costumava-se dançar nas vinhas (Jz
21.19ss). Em 2008, a festa de succot se realiza de 14 a 20 de outubro.
1.3. Outras festas
Na época pós-exílica juntou-se às três festas de peregrinação já existentes uma série de outras festas
e datas memoriais.
1.3.1. O ano novo (rosh hashana)
O ano novo é festejado no início do ano civil israelita, ou seja, no primeiro dia do sétimo mês,
Tishri (Nm 29.1; Lv 23.24s). Em 2008, o ano novo judaico cairá no dia 30 de setembro, quando
iniciará o ano de 5769.
No ano novo inicia um período de arrependimento de 10 dias que culmina no Dia do Perdão (yom
hakippur), a ser lembrado, em 2008, no dia 9 de outubro.
1.3.2. O dia do perdão ou da expiação (yom hakippur)
No 10o dia do mês Tishri (meados de setembro a meados de outubro) celebra-se o dia nacional do
perdão, quando são purificados o templo e o povo, conforme o ritual de Lv 16. De dois bodes um é
sacrificado a Deus e outro é enviado para o deserto. O bode leva os pecados do povo e é, por isso,
chamado de bode expiatório. Hoje, os judeus respeitam um jejum de 24 horas. Em 2008, o dia do
perdão cairá em 9 de outubro.
Os cristãos entendem que Jesus é o cordeiro de Deus que morreu por nossos pecados, trazendo
o perdão de Deus a todos os que nele crêem.
1.3.3. O dia da alegria da Lei (simhat hatorá)
É um dia festivo de muita alegria. Os rolos da Torá (Lei) são retirados das arcas, nas sinagogas, e
carregados em procissão pelos fiéis em meio a cantos. Em 2008, a festa cairá no dia 22 de outubro.
1.3.4. Festa da dedicação do templo (hanucá)
Esta festa lembra a rededicação do templo de Jerusalém, que aconteceu em 164 a.C., por Judas
Macabeu, após uma sangrenta rebelião contra os exércitos gregos de Antíoco IV Epífanes que, em
4. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 4
167 a.C., havia profanado o templo de Jerusalém (cf. 1 Macabeus 4.36ss.; 2 Macabeus 1s.; João
10.22). Em 2008, a data será lembrada nos dias 22 a 29 de dezembro.
1.3.5. A festa de Purim.
Esta festa nasceu entre os judeus da dispersão (diáspora), provavelmente na Babilônia. A história da
origem da festa está narrada no livro de Ester (especialmente Et 9.16ss.). Com muitos presentes os
judeus lembram que foram preservados da perseguição. Em 2008, a festa caiu no dia 21 de março.
2. O sábado
O sábado não é nenhuma festa, mas pode ser considerado, como as festas, um tempo santo. O
sábado é um dia de descanso. O próprio termo “sábado” (shabat) significa, em hebraico, “parar (de
trabalhar), descansar”. O mandamento do descanso no sábado é uma das estipulações mais
freqüentes do Antigo Testamento, o que atesta a sua importância.
2.1 O sábado no Antigo Testamento e no judaísmo
Não existe consenso quanto à origem do sábado. A semelhança com o 15º dia do mês babilônico, o
dia de lua cheia, designado shapatu, é meramente terminológica, pois o referido dia não é dia de
descanso. Um período de sete dias também se conhece na Assíria, onde os 7º, 14º, 21º e 28º dias do
mês eram considerados de mau agouro, de modo que se evitava realizar certas atividades. Mas
também estes não eram, na verdade, dias de descanso. Apesar de o sábado ser mencionado, em
alguns textos pré-exílicos, junto com a festa da lua nova (Am 8.5; Os 2.13 e outros), não se pode
afirmar com certeza que, na origem, o sábado tenha algo a ver com o ciclo lunar. O ciclo de sete
dias pode também ter surgido da idéia de perfeição e santidade, inerente ao número sete. Em todo
caso, um ciclo de seis dias de trabalho alternados com um de descanso, na Antigüidade, só se
conhece em Israel.
A forma mais breve do mandamento do sábado, Êx 34.21, talvez seja a mais antiga: “Seis dias
trabalharás, mas no sétimo descansarás, quer na aradura quer na colheita.” Esta prescrição já
espelha a dificuldade de observar o descanso em certas épocas do ano. No Decálogo, o
mandamento do descanso é um dos mais longos, o que mostra a sua importância, mas também a
necessidade de haver estímulos à sua observância. Êx 20.8-11 fundamenta o descanso sabático no
fato de Deus ter abençoado e santificado o sétimo dia, no qual ele próprio descansou após concluir a
criação. Assim, ao descansar no sábado, os israelitas se alegram com as obras da criação e
participam da bênção que emana desse dia. A versão de Dt 5.12-15, por outro lado, traz uma
motivação humanitária e social para o descanso no sábado: os membros da família, os servos e até
os animais necessitam de descanso. Com a observância do descanso semanal, Israel evita retornar
aos tempos de escravidão no Egito (cf. Êx 23.12).
Apesar de o sábado ser mais antigo, ele teve importância especial no exílio babilônico (séc.VI a.
C.). Aí se torna um símbolo da identidade do povo de Israel. Ele é sinal da aliança com Deus (Ez
20.12). Com o passar do tempo, as prescrições sobre o descanso tornam-se mais detalhadas e
rígidas, como, p.ex., as proibições de acender fogo (Êx 35.3), carregar fardos (Jr 17.21s) ou
transportar mercadorias (Ne 10.32). Quem não observa o sábado é digno de morte (Êx 31.14; Nm
15.32ss). Durante a revolta dos Macabeus, um grupo de israelitas fervorosos preferiu deixar-se
matar pelo inimigo a pegar em armas em dia de sábado (1 Mac 2.32-38). Na Mishná, o tratado
Shabat arrola 39 atividades proibidas no sábado.
5. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 5
2.2 O sábado no Novo Testamento e nas comunidades cristãs
Como qualquer judeu, Jesus certamente observou, em termos gerais, o sábado. Ao mesmo tempo,
no entanto, ele foi extremamente crítico ao sábado. Conhecida é a palavra de Mc 2.27: “O sábado
foi feito para o ser humano, e não o ser humano para o sábado.” Com isso, Jesus afirma que a
preservação da vida está acima das exigências formais da Lei; a vontade de Deus, à base de toda
Lei, é de promover a vida. Jesus cura aos sábados, demonstrando, assim, inusitada liberdade diante
do cumprimento formal da Lei, defendido por uma corrente do judaísmo da época. Esta postura de
Jesus certamente influenciou seus seguidores e as comunidades cristãs. O apóstolo Paulo coloca a
liberdade da Lei no centro de sua teologia, considerando a observância de determinados dias um
retrocesso (Gl 4.10; Gl 5). As suas visitas às sinagogas judaicas faziam parte de sua estratégia
missionária (At 13,14s).
A comunidade cristã de Jerusalém participava, inicialmente, do culto no templo (At 5.42;21.26);
muitos cristãos não viam necessidade de se desligar dos costumes herdados do judaísmo,
observando também o sábado (Mt 24.20) e pagando o imposto do templo (Mt 17.24-27). Os
conflitos em torno da observância da Lei judaica, que transparecem, p.ex., em At 15 e Gl 2, não
mencionam o sábado, mas refletem a existência de diversas posições diante dos costumes do povo
judeu. As comunidades gentílico-cristãs, em concordância com a teologia paulina, certamente não
observavam o sábado, enquanto que cristãos oriundos do judaísmo e grupos dentro do cristianismo,
como os ebionitas, mantiveram, por muito tempo, o sábado.
2.3 O domingo
Na origem, o domingo (do latim [dies] dominicus, “dia do Senhor”; cf. Ap 1.10) nada tem a ver com
o sábado, ou seja, não surgiu para substituí-lo como dia de descanso. Por ser o dia da ressurreição de
Jesus e de suas aparições aos discípulos (Jo 20.1,19,26), o primeiro dia da semana judaica tornou-se,
cedo, um dia especial, no qual as comunidades cristãs se reuniam para ouvir a pregação do
Evangelho, celebrar a Ceia do Senhor (At 20.7,11) e recolher as ofertas para os necessitados (1 Co
16.2). No início, os cristãos e as cristãs não descansavam do trabalho neste dia. Documentos do séc.
II mencionam reuniões de alegria, no dia da ressurreição de Jesus (Carta de Barnabé), e encontros
para a leitura dos profetas e apóstolos, orações e celebrações da Ceia, no primeiro dia da semana
(Justino, o Mártir).
Somente em 321, o imperador Constantino instituiu o primeiro dia da semana judaica (dedicado,
entre os romanos, à divindade solar) como dia de descanso geral, no qual não se faria nenhum
trabalho (a não ser na lavoura) e nenhum negócio (a não ser a libertação de escravos). Esta
determinação trouxe benefícios para os cristãos, mas também veio ao encontro dos adeptos do culto
solar e de outras religiões do Império Romano. Mesmo assim, em muitos lugares, inclusive nos
mosteiros, o trabalho não parava aos domingos; o mandamento bíblico do descanso semanal era,
muitas vezes, interpretado alegoricamente (à semelhança de Hb 4.1-11). Somente a partir do séc.IV,
conhecem-se apelos para que se cumpra o descanso dominical, usando-se as motivações do sábado
bíblico (João Crisóstomo). Já na Idade Média, há um conjunto de normas que regulamentam o
descanso dominical.
Os reformadores destacam-se por sua atitude relativamente liberal diante das prescrições do
descanso dominical. Calvino exige que se reserve um dia por semana para o culto e o descanso dos
servos, não necessariamente um dia específico. Para Zwínglio, é possível, no dia de descanso,
realizar serviços considerados necessários. Lutero se posiciona contra as proibições rígidas da sua
época e se manifesta contra tendências de reintroduzir o sábado, argumentando que as normas da
antiga aliança não mais são válidas. Mas também destaca a necessidade de um dia especial para as
reuniões da comunidade. Na Inglaterra do séc. XVII, os Puritanos exigem não só a proibição de
6. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 6
todo trabalho no domingo, mas também de qualquer evento esportivo, recreativo ou artístico (bailes
ou teatro). O Parlamento inglês chegou a aprovar leis proibindo hotéis de receberem viajantes e
restaurantes de servirem refeições aos domingos.
2.4.O dia de descanso na atualidade
O mundo ocidental adotou, em termos gerais, a prescrição do Antigo Testamento de alternar
seis dias de trabalho com um de descanso. Por causa da predominância de cristãos nos países do
Ocidente, prevê-se como dia de descanso normalmente o domingo, enquanto países muçulmanos
estabelecem a sexta-feira. No Brasil, o descanso semanal deve coincidir preferencialmente com o
domingo (Art. 7º XV da Constituição Federal de 1988). A Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT, de 1943, já prescreve esta norma, mas também prevê exceções: “O descanso semanal será de
24 horas consecutivas e coincidirá no todo ou em parte com o domingo, salvo motivo de
conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço [...] Havendo trabalho nos domingos,
será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.” (Art.
385 e 386) A Lei n. 605 (de 5/1/1949) e sua Regulamentação (Decreto n.27.048, de 12/8/1949)
dispõem sobre o repouso semanal, mas relacionam, ao mesmo tempo, pessoas e setores da
economia aos quais a Lei não se aplica.
A legislação reflete os problemas vinculados ao dia de descanso semanal. Há atividades que
não podem parar nem mesmo no dia de descanso. Existe, além disso, toda uma indústria voltada à
organização do lazer. Portanto, não mais é possível manter um mesmo dia de descanso para todas as
pessoas; isso prejudica a vida da família e da comunidade cristã. O encontro da comunidade torna-
se cada vez mais difícil.
Por outro lado, a redução de horas de trabalho semanais fez surgir, para muitos, o “fim de
semana” livre. A discussão sobre se o sábado ou o domingo deveria ser o dia de descanso deixa de
ser importante. Com o advento do fim de semana como tempo de lazer, a questão mais importante
das Igrejas gira em torno do conteúdo cristão que deve ser dado a este tempo de lazer. Por um lado,
o lazer é importante por representar um espaço de criatividade e realização humanas, a princípio,
livre da pretensão de hegemonia do poder econômico (mesmo que muitas pessoas tenham que
trabalhar nos dias destinados ao descanso para reforçar o orçamento). O tempo livre da necessidade
de produzir é uma intenção básica do sábado judaico e deve ser valorizado. Por outro lado, a mera
existência do tempo de lazer ainda não é observância cristã do dia de descanso, pois faltaria a
dimensão da santificação. Cabe resgatar os conteúdos positivos do Evangelho para o dia de
descanso: este é dia de alegria e de festa, de comunhão e solidariedade. Ele está aí para colocar cada
semana na perspectiva da nova criação, antecipando, de certo modo, a festa da vida eterna.
7. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 7
O ano de descanso
Em analogia ao dia de descanso, Israel também conhece um ano de descanso: Seis anos a terra é
cultivada, no sétimo ano ela tem o direito de descansar, ou seja, de não ser cultivada (poisio da
terra). Nesse ano, os pobres têm o direito de comer o que nela encontrarem (Ex 23.10s). A lei tem,
portanto, também um cunho social.
Em Levítico 25, o ano de descanso da terra está vinculado ao ano do jubileu: a cada 50 anos será
tocada uma trombeta para anunciar a libertação dos escravos e presos (Lv 25.10). Além disso, as
propriedades imóveis que seus proprietários tiveram que vender (por necessidade) serão restituídas
aos antigos donos.
3. Sacrifício
Elemento importante do culto israelita é o sacrifício. O sacrifício é, na origem, o ato de
separar ou consagrar algo a uma divindade ou, então, a própria oferta dedicada à divindade.
Sacrifícios existem em quase todas as religiões e culturas e constituem um meio muito
difundido de expressar a relação entre humanos e Deus.
O Antigo Testamento conhece três sentidos básicos do sacrifício: agradecimento, comunhão e
expiação. Como oferta de agradecimento a Deus, o sacrifício era, muitas vezes, entendido como
devolução de parte do que Deus concedera aos humanos através da fertilidade dos campos e
rebanhos. Em Gn 4, Caim e Abel trazem cada um do fruto de seu trabalho como oferenda de
gratidão a Deus. O termo aqui utilizado (minha), geralmente traduzido por “oblação” ou “oferta (de
manjares)”, designa sacrifícios totalmente queimados no altar, tanto vegetais quanto animais. Em
épocas posteriores, o termo minha foi reservado para as oferendas vegetais: farinha, pães, azeite,
incenso ou libações (Lv 6.7ss.= Almeida/SBB Lv 6.14ss.). Para designar o sacrifício animal
queimado totalmente no altar (com exceção da pele, que cabia ao sacerdote) utiliza-se, em geral, o
termo ‘olah, normalmente traduzido por “holocausto” (p.ex. Gn 8.20; 22.7; Lv 1.3). Um terceiro
termo é usado quando alguém, após experimentar o auxílio divino, oferece um sacrifício de
gratidão, juntamente com seu louvor, no santuário, onde testemunha diante da comunidade a
salvação experimentada. Neste caso, o próprio sacrifício é chamado de “ação de graças” (todah: 2
Cr 29.31; Am 4.5; cf. Lv 22.29). Na época pós-exílica, o holocausto é o tipo de sacrifício mais
difundido no judaísmo.
Embora esses sacrifícios queiram ser oferta de agradecimento, eles ainda podem ocultar a antiga
noção de que os deuses consumiam as oferendas. Esta noção se evidencia em textos que consideram
o sacrifício como alimento de Deus (Jz 13.16; Sl 50.12s.; Ez 44.7) ou “aroma agradável” a Deus
(Gn 8.21; Lv 6.8). Também os “pães da proposição ou oblação” dispostos à entrada do santo dos
santos (Êx 25.30) refletem esta antiga idéia de que a divindade precisa alimentar-se. É possível que,
em determinados casos, o sacrifício também era entendido como tentativa de agradar a Deus ou de
motivá-lo a continuar concedendo a bênção da fertilidade ou, então, até de aplacar a sua ira (cf. Ef
5.2).
Um sentido bem diferente está vinculado ao termo zebah, normalmente vertido simplesmente por
“sacrifício”. Neste caso, somente as partes nobres, ou seja, a gordura, os rins e o fígado eram
queimados no altar, sendo o sangue derramado ao pé do mesmo. A maior parte da vítima era
consumida pelos celebrantes (Êx 12.3s.;34.15; 1 Sm 1.4; Lv 3). Este sacrifício tinha a função de
criar ou confirmar, em lugar santo, a comunhão com Deus e entre os comensais, geralmente a
8. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 8
família ampliada (1 Sm 20.6; mas cf. a “refeição sagrada” em Êx 24.11). Este tipo de sacrifício,
talvez o mais difundido na época pré-exílica, era normalmente realizado pelo pai de família, sem
necessidade de sacerdote. Os motivos eram a festa anual do clã ou um importante acontecimento
público, geralmente festivo e alegre, mas também a ação de graças. Os animais primogênitos, p.ex.,
eram sacrificados como zebah (Dt 15.19ss.). Devido à sua função de promover comunhão, estes
sacrifícios são chamados também de “sacrifícios de comunhão” ou “sacrifícios pacíficos” ([zebah]
shelamim; Lv 3; 1 Sm 9.13). Afirma-se que todo abate normal de um animal já era um sacrifício
(“sacrifício de abate”), pois envolvia derramamento de sangue.
Com o decorrer do tempo, os sacrifícios de comunhão foram regredindo em Israel, dando lugar aos
holocaustos. Na época pós-exílica, um terceiro tipo de sacrifício ganha importância cada vez maior:
os sacrifícios de expiação pelo pecado. Com o surgimento de normas de pureza e impureza cada vez
mais detalhadas, crescem as possibilidades de incorrer em erro e, por conseguinte, a necessidade de
purificação e perdão. Lv 4s. trazem exemplos de sacrifícios por pecados involuntários ou
inconscientes. Mais conhecido é o sacrifício expiatório no grande dia do perdão (Lv 16), no qual um
bode é sacrificado a Deus e outro enviado ao deserto. Em épocas recentes, holocaustos eram
oferecidos diariamente no templo de Jerusalém, pela manhã e à tarde (tamid: Lv 6; Nm 28; Dn
8.11,13).
Inicialmente sacrifícios podiam ser oferecidos por qualquer pessoa e em qualquer lugar. Nos
começos de Israel, havia muitos altares e diversos santuários locais e regionais. Nos santuários
maiores e nos templos, os sacerdotes tornaram-se os intermediários entre as pessoas e Deus. Com a
reforma político-religiosa do rei Josias, em 622 a.C., ocorreu a centralização de todo o culto
sacrificial no templo de Jerusalém. Isso teve conseqüências marcantes para a religião de Israel.
Surgem, na época do segundo templo e de Jesus Cristo (515 a.C. até 70 d.C.), as peregrinações
anuais de judeus da dispersão para o templo de Jerusalém, por ocasião das grandes festas, para aí
oferecerem seu sacrifício.
Os profetas criticam o culto sacrificial por esconder as injustiças, a maldade e a falta de
solidariedade do povo de Israel (Am 5.21-24; Os 6.6; Is 1.10-17; Jr 7.22). Os sacrifícios não podem
manipular Deus e não servem como garantia de felicidade e salvação. O Novo Testamento retoma
estas críticas proféticas (Mt 9.13; 12.7). Se o perdão dos pecados é concedido por Deus
gratuitamente aos que crêem, de fato, não há mais necessidade de sacrifícios nem de intermediários.
O escândalo da atuação de Jesus consiste justamente no fato de ele perdoar pecados sem impor
condições nem exigir o cumprimento das normas sacrificiais. Neste sentido, o Novo Testamento, de
fato, aboliu os sacrifícios bem como os demais rituais do culto judaico.
O termo sacrifício passa a ser utilizado pelo Novo Testamento e pela Igreja cristã em outro sentido.
Em primeiro lugar, os sacrifícios se transformam em ofertas espirituais ou éticas (1 Pe 2.5; Rm
12.1; Tg 1.27; Fp 2.17; 4.18; Hb 13.15s). Os verdadeiros sacrifícios são hinos de louvor, jejum,
esmolas, o martírio. Assim também os pais da Igreja entendem os sacrifício. Uma vida consagrada é
o único sacrifício autêntico (Justino).
Em segundo lugar, a morte de Jesus Cristo foi entendida como sacrifício de expiação (hilastérion)
por nossos pecados, através de seu sangue (Rm 3.25s.; cf. Mc 10.45). Aqui se faz alusão clara à
vítima sacrificada para expiar os pecados do povo no dia do perdão (Lv 16). Conforme Jo 1.29, o
Batista saúda Jesus com as palavras: “Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” Jo
19.31-36 narra a morte de Jesus Cristo, na tarde em que se imolavam os cordeiros da Páscoa, em
analogia ao sacrifício pascal.
Como a última ceia de Jesus estava relacionada com a Páscoa judaica, a compreensão da morte de
Jesus como sacrifício também está presente na Santa Ceia (1 Co 11.23ss). Na Igreja cristã, no
9. Teologia do Antigo Testamento: O culto israelita 9
entanto, este “sacrifício” é entendido como agradecimento (eucaristia) a Deus pelas dádivas
representadas nos elementos (Justino, Didaquê).
As comunidades cristãs nunca realizaram sacrifícios sangrentos. Para elas, a morte de Jesus
representou o sacrifício definitivo, não mais sendo necessário qualquer outro sacrifício de nossa
parte. O sacrifício como meio de salvação é abandonado. Só se conhece “o sacrifício dos lábios”, o
louvor (Hb 13.15), e a oferta das comunidades cristãs pelos pobres e necessitados, dentro ou fora
dos cultos regulares. Também existe muita crítica à concepção da morte de Jesus como sacrifício, já
que ela parece pressupor um Deus que precisa de um sacrifício de sangue para sentir-se reabilitado
em sua honra. Neste caso, deve-se dizer que o “sacrifício” era apenas uma metáfora conhecida no
judaísmo que se prestava para entender, dentro do contexto de origem dos textos bíblicos, a morte
de Jesus como uma morte que traz a salvação. Esta mensagem, no entanto, também se pode
entender sem o recurso ao sacrifício.